SÍNDROME INFLAMATÓRIA MULTISSISTÊMICA PEDIÁTRICA (SIM-P) ASSOCIADA A COVID-19: ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS

MULTISYSTEM INFLAMMATORY SYNDROME IN CHILDREN (MIS-C) ASSOCIATED WITH COVID-19: EPIDEMIOLOGICAL ASPECTS 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7892454


Débora Gomes Ferreira1
Andrezza Garcia Bandeira Ribeiro2
Brenda de Jesus Moraes Lucena3


RESUMO

A Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P) é uma inflamação acentuada que provoca agravos na população pediátrica e possui manifestações clínicas variadas, as quais podem evoluir de forma grave e ocasionar o óbito do paciente. Esse estudo tem o objetivo de analisar os aspectos epidemiológicos dos pacientes acometidos por SIM-P relacionada ao acometimento por COVID-19 na população de 0 a 19 anos no período de março de 2020 a 24 de dezembro de 2022. Trata-se de um estudo epidemiológico, descritivo e retrospectivo, com abordagem quantitativa, no qual os dados utilizados foram obtidos através do Boletim Epidemiológico Especial: COVID-19, administrado pelo Ministério da Saúde em conjunto com a Secretaria de Vigilância em Saúde. Em totalidade foram notificados 3.412, mas somente 1.970 (57,7%) confirmaram-se como SIM-P e desses 135 resultaram em óbito, gerando uma letalidade de 6,9%. Constatou-se que o perfil de pacientes mais acometidos era do sexo masculino (57,6%) com predominância na cor branca (37,7%) e a maioria estava na faixa etária de 1 a 4 anos (37,8%), seguindo pela faixa etária de 5 a 9 anos (29,9%), apresentando uma mediana de 5 anos de idade. As alterações cardiológicas foram frequentes nesses pacientes (59,4%), variando entre anormalidades coronarianas, sinais de valvulite, disfunção miocárdica e pericardite. Diante das evidências apresentadas, faz-se necessário o diagnóstico precoce de SIM-P, além da avaliação cardiológica em pacientes pediátricos acometidos por COVID-19, para um melhor prognóstico e manejo clínico adequado. Ademais, a intensificação na vacinação contra COVID-19 nos pacientes pediátricos é imprescindível para mitigar possíveis complicações.

PALAVRAS-CHAVE: COVID-19. Síndrome Inflamatória. SIM-P. Pacientes pediátricos. Brasil.

SUMMARY

Multisystem inflammatory syndrome in children (MIS-C) is a severe inflammation that causes injuries in the pediatric population and has varied clinical manifestations, which can evolve seriously and cause the patient’s death. This study aims to analyze the epidemiological aspects of patients affected by SIM-P related to the involvement of COVID-19 in the population aged 0 to 19 years from March 2020 to December 24, 2022. This is a study epidemiological, descriptive and retrospective, with a quantitative approach, in which the data used were obtained through the Special Epidemiological Bulletin: COVID-19, administered by the Ministry of Health in conjunction with the Health Surveillance Secretariat. In general, 3,412 were notified, but only 1,970 (57.7%) were confirmed as MIS-C and these 135 resulted in death, generating a mortality rate of 6.9%. It was found that the profile of the most affected patients was male (57.6%) with a predominance of whites (37.7%) and most were aged 1 to 4 years (37.8%). followed by the age group of 5 to 9 years (29.9%), with a median age of 5 years. Cardiological changes were frequent in these patients (59.4%), ranging from coronary abnormalities, signs of valvulitis, myocardial dysfunction and pericarditis. In view of its efficacy, early diagnosis of (MIS-C) is necessary, in addition to cardiological evaluation in pediatric patients affected by COVID-19, for better planning and adequate clinical management. In addition, the intensification of vaccination against COVID-19 in pediatric patients is necessary to mitigate possible complications.

KEYWORDS: COVID-19. Inflammatory Syndrome. MIS-C. Pediatric patients. Brazil

1. INTRODUÇÃO

A Coronavírus Disease 2019 (COVID-19) faz menção a uma afecção desencadeada pelo SARS-CoV-2, patógeno causador da pandemia que se iniciou no ano de 2020. Trata-se de um vírus RNA da família beta coronavírus, pertencente ao mesmo subgênero de vírus já conhecidos anteriormente que acometiam os seres humanos e causavam quadros de infecção respiratória. Seguindo essa linha, no mundo perpetua-se uma progressiva emergência no âmbito da saúde pública, que, primordialmente, manifestou-se com uma patologia imprevisível e de apresentação extensa, com indivíduos assintomáticos e outra parte com implicações pulmonares graves, como causa principal de morbidade e mortalidade atrelados à doença (SANTANA et al.; 2021).

Com o decorrer da pandemia, notou-se que o vírus tem o poder de acometer sistemas orgânicos além do pulmonar. Nesse espectro, sabe-se que a patogenia do vírus envolve os receptores da enzima conversora de angiotensina-2, com potencial para ser a porta de entrada celular dos pneumócitos tipo 2, macrófagos e cardiomiócitos. Além disso, é importante destacar que pacientes cardíacos expressaram ter acometimento maior às formas graves da doença, a citar como exemplos, a hipertensão, as arritmias, as miocardiopatias e a doença arterial coronariana como sendo as principais enfermidades existentes em pacientes com maior gravidade do COVID-19. Essa é uma ponderação válida no que se refere à lesão miocárdica como marcador importante de mortalidade no SARS-CoV-2 (SOEIRO; PÊGO-FERNANDES, 2021).

Diante disso, a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P) faz menção a uma condição que acomete órgãos e sistemas, como coração, rins, cérebro, pele, órgãos gastrointestinais e olhos. Nessa perspectiva, a SIM-P é uma inflamação acentuada que provoca agravos na população de zero a 19 anos, manifestando um quadro clínico que pode envolver: sintomas gastrointestinais (dor abdominal importante, vômito e diarreia); renais (doença renal aguda dialítica); neurológicos (convulsão, psicose, cefaleia persistente); hematológicos (anemia, leucopenia, linfopenia, plaquetopenia); febre persistente; sinais de inflamação mucocutânea (edema e fissura de lábios, eritema de orofaringe, língua em framboesa, conjuntivite), implicando, muitas vezes, no sistema cardiovascular, como miocardite, disfunção miocárdica, pericardite, hipotensão arterial, choque cardiogênico e aneurismas coronarianos (RAMCHARAN; NOLAN; LAI et al 2020).

A fisiopatologia da SIMP ainda não está totalmente esclarecida. São muitas as teorias relatadas para descrever essa patogenia, sendo uma delas, a de desregulação imune posteriormente à infecção pelo SARS-CoV-2. Assim, mediante essa teoria, os mecanismos que tentam explicar essa ocorrência são: o mimetismo molecular entre antígenos virais e do hospedeiro com reconhecimento de antígenos do hospedeiro por anticorpos ou células T, ocasionando a ação de autoanticorpos; os antígenos virais expressos nas células infectadas são reconhecidos por anticorpos ou células T; a formação de complexos imunes com ativação da cascata de inflamação e a ação de superantígenos virais que ativam as células imunes do hospedeiro (CAMPOS; GOLDEZON; LINO et al 2022).

Apesar da ação direta do vírus ter sido representada em diversos órgãos, como o coração e o pulmão, a manifestação clínica tardia de persistência de hiper inflamação determina um cenário de desregulação imune ao agente viral, geralmente interligado à predisposição genética do hospedeiro. Visto isso, na SIMP ocorre tanto a desregulação da imunidade inata com liberação exacerbada de citocinas como a desregulação da imunidade adaptativa com recrutamento de células B, T e anticorpos (CAMPOS; GOLDEZON; LINO et al 2022).

Com isso, além de toda essa sintomatologia presente, a síndrome ainda pode progredir para a apresentação de forma grave, levando a disfunção múltipla de órgãos e consequentemente o óbito do paciente. No cenário laboratorial, tem-se evidenciado em crianças e adolescentes com SIM-P, a elevação das provas de atividade inflamatória, como proteína C reativa, velocidade de hemossedimentação, procalcitonina, ferritina; dos marcadores de coagulopatia, como tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial ativado, D-dímero elevados; e das provas de função miocárdica, como troponina, N-terminal do peptídeo natriurético tipo B (SAFADI; SILVA, 2020).

A implicação cardiovascular acomete cerca de 60% dos pacientes com SIM-P, por isso a necessidade de realização periódica de eletrocardiograma, com a finalidade de examinar as arritmias e possíveis alterações da repolarização ventricular e de um ecocardiograma, para analisar a função miocárdica biventricular, as artérias coronárias e investigar derrame pericárdico (SAFADI; SILVA, 2020).

Dessa forma, convém pontuar que os primeiros casos de Síndrome Inflamatória Multissistêmica foram relatados em abril de 2020, no continente europeu. Em seguida, foram registrados casos similares em outros países, como Itália, França e Espanha. No Brasil, por meio do Ministério da Saúde junto à Sociedade Brasileira de Pediatria e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) foi propagado ao público a importância do reconhecimento precoce da SIM-P (SOARES; SOARES, 2021).

Imerso nessa conjuntura, é relevante destacar que a população pediátrica vem incorporando um cenário cada vez mais desafiador no que concerne ao aumento de casos nessa faixa etária e também principalmente às complicações cardiovasculares advindas após a doença. Nesse óbice, tem-se, que anteriormente, entendia-se que as crianças eram poupadas pelo novo Coronavírus (SARS-CoV-2), mas notou-se que com o avançar da patologia os mecanismos de injúria sistêmica ocasionados na COVID-19 têm se diversificado desde sintomas gripais até outras implicações como miocardite, disfunção microvascular, microtrombose, estado hiper inflamatório, hipoxemia, aumento da demanda metabólica e hipotensão (SOARES; SOARES, 2021).

Mediante a esses conhecimentos, considerando o impacto a nível global que a Síndrome Inflamatória Multissistêmica após a afecção da COVID-19 possui e ao número de casos já notificados, este estudo analisa a incidência, bem como o perfil epidemiológico dos casos confirmados no período entre março de 2020 a dezembro de 2022 em pacientes pediátricos no Brasil. 

2. METODOLOGIA

De acordo com o proposto por Estrela (2018) com relação a metodologia este é um estudo epidemiológico, descritivo e retrospectivo, com abordagem quantitativa. Foram usados os fundamentos de metodologia epidemiológica de acordo com Rouquaryol (1994), que compreende na produção de um problema epidemiológico, por meio de raciocínio com bases epidemiológicas, variáveis e hipóteses para arquitetar uma investigação epidemiológica, no qual foram analisados dados de esfera pública dirigidos pela Secretaria de Vigilância Pública em Saúde do Ministério da Saúde (MS), para análise da incidência e complicações da SIM-P relacionada à COVID-19, em pacientes pediátricos na faixa etária 0 a 19 anos, no período de março de 2020 a 24 de dezembro de 2022, em todo território nacional.

Em abril de 2020, em alguns países na Europa e nos Estados Unidos, surgiram alertas sobre manifestações clínicas apresentadas por pacientes pediátricos decorrentes de uma resposta inflamatória após afecção por COVID-19, descrita como SIM-P. A maioria dos pacientes apresentou um quadro grave, necessitando de hospitalização e alguns casos evoluíram para óbito. Nesse contexto, o MS elaborou um monitoramento nacional da ocorrência da SIM-P relacionada à COVID-19, em 24 de julho de 2020, através de notificação realizada por meio de um formulário padronizado que deveria ser realizado por qualquer serviço de saúde ou por autoridades sanitárias do local ao levantar suspeitas de um paciente que apresentasse sinais e sintomas sugestivos de SIM-P. Os casos de SIM-P que aconteceram anteriormente a data de elaboração do sistema de vigilância foram notificados retroativamente.

Para confirmação do caso de SIM-P, o MS elaborou critérios (Anexo 1) baseados na Organização Mundial de Saúde e validados pela Sociedade Brasileira de Pediatria em conjunto com a Sociedade Brasileira de Cardiologia e o Instituto Evandro Chagas. O estudo foi realizado com base no “Boletim epidemiológico especial: COVID-19” onde haviam sido notificados 3.412 casos suspeitos da SIM-P associada à COVID-19 em crianças e adolescentes dentro da faixa etária proposta. Foram excluídos os pacientes que foram descartados, por não preencherem os critérios de definição de caso ou por ter sido constatado outro diagnóstico que melhor justifique o quadro clínico, e os pacientes que permaneceram em investigação clínica. 

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise dos dados desse estudo apontou que no período compreendido entre março de 2020 e 24 de dezembro de 2022, foram notificados ao todo 3.412 casos suspeitos da SIM-P relacionada à COVID-19 em pacientes de zero a 19 anos em todo território brasileiro. Dentre esses casos, 1.970 (57,7%) confirmaram-se como SIM-P, 1.155 (33,9%) foram desclassificados por não apresentarem os critérios necessários para definição de SIM-P ou pela constatação de um outro diagnóstico que justificasse o quadro clínico do paciente, e continuaram em investigação 287 pacientes (8,4%) (Figura1).

FIGURA 1: Gráfico das notificações de SIM-P no Brasil, 2020, 2021 e 2022 até a SE 51.
FONTE: Boletim Epidemiológico – SE51

A maioria dos casos confirmados apresentou indícios laboratoriais de infecção pelo SARS-CoV-2, e assim 1.540 casos (78,2%) foram finalizados pelo critério laboratorial e 430 casos (21,8%) foram finalizados pelo critério clínico-epidemiológico, por apresentarem um histórico de contato próximo com pessoas contaminadas pelo vírus da COVID-19. De todos casos que foram confirmados, 135 resultaram no óbito do paciente, gerando uma letalidade de 6,9%. No restante dos pacientes, 1.649 receberam alta hospitalar e 186 ficaram com o desfecho em aberto. 

Mediante a literatura, convém afirmar que uma parcela do grupo pediátrico é assintomática para a infecção por SARS-CoV-2 e exprime um quadro clínico leve, com a febre liderando entre as manifestações clínicas, além da tosse. Portanto, surgiram novas apresentações clínicas correlacionadas a uma resposta inflamatória tardia e acentuada, que geralmente são exibidas em crianças e adolescentes duas a quatro semanas posteriormente à infecção pelo vírus desencadeador da COVID-19, evidenciado como Síndrome Inflamatória Multissistêmica pediátrica (SIM-P). É importante frisar também que a maior parte desses acontecimentos se trata de um quadro grave, com necessidade de hospitalização, podendo, por vezes, levar ao óbito. 

Observou-se que o sexo mais atingido pela SIM-P faz referência ao sexo masculino, com 57,6% (1134), ficando a população feminina com 42,4% (836) dos casos (Figura 2). Outro aspecto analisado foi em relação a cor do paciente, sendo a cor branca a mais frequente entre os casos da síndrome, correspondendo a 37,7% (743), seguida da cor parda com cerca de 35,3% (695), da cor preta com 4,2% (83), da cor amarela com 0,3% (6) e da indígena, com 0,3% (5). Um percentual de 22,2% (438 casos notificados) não possuía registros referentes à cor do paciente (Figura 3).

FIGURA 2: Casos de SIM-P por sexo.

FONTE: Boletim Epidemiológico – SE51

FIGURA 3: Casos de SIM-P por cor.

FONTE: Boletim Epidemiológico – SE51

No que diz respeito à faixa etária, o maior número de casos aconteceu em crianças de 1 a 4 anos (37,8%/n = 744), seguido pela faixa etária de 5 a 9 anos (29,9%/n = 588), 10 a 14 anos (18,5%/n = 364), menor de 1 ano (11,1%/n = 219) e de 15 a 19 anos (2,8%/n = 55), ocasionando uma mediana da idade de 5 anos. Ademais, correspondente aos óbitos, apenas 6,9% (135) dos casos evoluiu para óbito. A faixa etária mais acometida foi de crianças de 1 a 4 anos, com cerca de 29,6% (40), seguida pela faixa de crianças de 5 a 9 anos com 25,2% (34), em menores de 1 ano com cerca de 19,3% (26), em adolescentes de 10 a 14 anos com 18,5% (25) e por último, na faixa compreendida entre 15 a 19 anos, com cerca de 7,4% (10) (Figura 4).

FIGURA 4: Casos e óbitos de SIM-P por faixa etária.
FONTE: Boletim Epidemiológico – SE51

De uma forma mais ampla, o número de casos confirmados da SIM-P obteve uma parcela mais significativa na população infantil do que no grupo juvenil. Em totalidade, 26 unidades da Federação (UF) no Brasil apresentaram casos confirmados de SIM-P, nas quais 22 apresentaram registros de óbitos pela doença. As UF que obtiveram maior número de casos confirmados foram: São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia, e a UF com maior número de óbitos acumulados foi São Paulo, seguida por Paraná e Pará, ambos com a mesma quantidade. A incidência acumulada dos casos de SIM-P no Brasil é de 3,3 casos a cada 100 mil habitantes em crianças e adolescentes até 19 anos.

Nessa perspectiva, tem-se que os dados revelaram que a incidência acumulada de casos da SIM-P no Brasil é de 3,3 casos a cada 100 mil habitantes, no período infanto-juvenil (até 19 anos). Somado a isso, o Distrito Federal (DF) recebeu destaque quanto a UF de maior incidência acumulada, com 9,9 casos a cada 100 mil habitantes, a qual foram notificados 83 casos, seguida por Alagoas com 9,6 casos a cada 100 mil habitantes (104 casos notificados) na população de 0 a 19 anos. O estado com maior população do Brasil, SP, obteve o maior número de casos acumulados de SIM-P de 0 a 19 anos (459), ocupa a sexta posição quando associado a incidência, com 3,79 casos por 100 mil habitantes.

Portanto, evidenciou-se que a maioria os casos confirmados apresentaram indícios laboratoriais de infecção por COVID-19 e a dentre esses casos a prevalência foi em crianças do sexo masculino, sendo em maior frequência em crianças da cor branca. Bem como a faixa etária mais acometida foi de 1 a 4 anos, seguindo pela faixa etária de 5 a 9, resultando na mediana de 5 anos de idade. O estado brasileiro que apresentou maior prevalência no número de casos foi São Paulo, sendo a maior incidência observada no Distrito Federal. Ademais, de todos os casos confirmados, cerca de 25% (492 pacientes) já possuíam algum tipo de doenças prévias como doenças neurológicas, cardiopatias, pneumopatias, síndromes genéticas, hematopatias e obesidade.

Através dos formulários utilizados para notificação dos casos de SIM-P, notou-se que todas as crianças apresentaram febre. Além disso, dor abdominal, diarreia, náuseas e vômitos foram relatados em cerca de 82,6% (1.627) dos casos. Em consonância a isso, outras manifestações também foram seguidamente observadas, na ordem decrescente de grau de acometimento: sintomas respiratórios foram presentes em aproximadamente 67,3% (1.325), incluindo coriza, odinofagia, dispneia ou queda da saturação; as alterações cardíacas foram observadas em cerca de 59,4% (1.170); a presença de rash cutâneo em 54,8% (1.080); alterações neurológicas foram apresentadas por 48,9% (964), como cefaleia, irritabilidade, confusão mental ou convulsão; conjuntivite acometeu cerca de 37,8% (745); 32,8% (647) apresentaram hipotensão arterial ou choque; a linfadenopatia fez-se presente em 20,9% (412) e oligúria foi notada em cerca de 17,7% (349) dos pacientes (Figura 5).

FIGURA 5: Sinais e sintomas nos casos confirmados de SIM-P.
FONTE: Boletim Epidemiológico – SE51

Especificamente no que diz respeito as alterações cardiológicas, as disfunções foram notadas de forma frequente nos pacientes com SIM-P. Dentro dos 1170 pacientes que apresentaram alterações cardíacas, apenas 47 desses pacientes não foram avaliados por exame ecocardiográfico. Entretanto, todos os demais realizaram e notou-se que cerca de 629 pacientes (31,9%) apresentaram anormalidades coronarianas, 213 (10,8%) apresentaram disfunção miocárdica, 218 (11,1%) apresentaram sinais de valvulite e 63 (3,2%) tinham pericardite (Figura 6).

FIGURA 6: Alterações no ecocardiograma nos casos confirmados de SIM-P.
FONTE: Boletim Epidemiológico – SE51

Nesse espectro, sabe-se que a patogenia do vírus envolve os receptores da enzima conversora de angiotensina-2, com potencial para ser a porta de entrada celular dos pneumócitos tipo 2, macrófagos e cardiomiócitos. Além disso, é importante destacar que pacientes cardíacos expressaram ter acometimento maior às formas graves da doença, a citar como exemplos, a hipertensão, as arritmias, as miocardiopatias e a doença arterial coronariana como sendo as principais enfermidades existentes em pacientes com maior gravidade da COVID-19. (SOEIRO; PÊGO-FERNANDES, 2021).

Existem algumas suposições propostas em virtude do acometimento sistêmico na infecção por COVID-19 em crianças. Nesse óbice, a primeira hipótese revela que o bloqueio viral das respostas mediadas pelos interferons II e III, resultaria em uma tempestade de citocinas pró-inflamatórias, sendo liberadas na circulação de crianças com carga viral considerável do vírus SARS-CoV-2 ou com uma replicação viral descompensada, gerando uma inflamação multissistêmica (SIM-P) (FERREIRA et al.; 2021).

A inflamação é de relevante destaque participativo no mecanismo de lesão miocárdica, visto que, pacientes contaminados pela COVID-19 apresentam graus elevados de moléculas inflamatórias IL-1B, IFN-y, IP-10, MCP-1 e estímulo de Th1 de linfócitos. Dessa forma, tem-se que os marcadores inflamatórios se apresentaram em maior nível em pacientes da unidade de terapia intensiva em relação aqueles com as formas menos graves da patologia viral (HUANG et al.; 2020). Bem como, segundo a vários mecanismos estudados, a hipóxia também se destacou como assunto relevante correlacionado a lesão miocárdica. Tal fato se dá mediante a ideia de que as trocas gasosas alveolares seguidas de hipóxia são modificadas pela pneumonia resultante de infecção por SARS-CoV-2, além de estimular o metabolismo anaeróbio, gerando acidose metabólica e impulsionando a síntese de radicais livres de oxigênio, com consequente desarranjo da bicamada fosfolipídica das membranas celulares do miocárdio. Todo esse processo pode originar lesão miocárdica, em razão de um desbalanço substancial entre a oferta e a demanda de oxigênio (SANNA et al.; 2020).

Durante o período de internação, uma vez que todos os casos confirmados estavam hospitalizados, notou-se que dentro da terapêutica instituída durante a hospitalização a maioria dos pacientes (63,9%) fez uso imunoglobulina endovenosa. Além disso, 1.206 (61,2%) fizeram tratamento com corticosteróides, 731 (37,1%) receberam anticoagulantes sistêmicos e 161 (8,2%) dos casos receberam algum tipo de antiviral. Cerca de 1.169 pacientes (59,3%) necessitaram de internação em unidade de terapia intensiva (UTI), sendo que dentre esses pacientes cerca de 393 pacientes (19,9%) necessitaram de suporte ventilatório invasivo e 484 pacientes (24,6%) precisaram de drogas vasoativas. Evidenciou-se que a mediana de internação total desses pacientes foi de 9 dias, sendo de 6 dias a mediana dos pacientes que necessitaram de internação em UTI (Figura 7).

FIGURA 7: Terapêutica instituída nos casos confirmados de SIM-P até a SE 51.
FONTE: Boletim Epidemiológico – SE51

Desse modo, existem alguns motivos que foram interligados a um pior prognóstico: dificuldades em diagnósticos precoces, menores de 1 ano, doentes crônicos e imunocomprometidos. Visto isso, para minimizar as possíveis complicações, o diagnóstico precoce, os cuidados especiais e o tratamento eficaz do choque inflamatório são imprescindíveis para um prognóstico mais favorável (FARIAS, 2022).

Diante disso, é notório que apesar da situação crítica do paciente, a resposta obtida através da terapêutica instituída ao tratamento de suporte de choque e à utilização de agentes anti-inflamatórios, imunoglobulina e corticosteróides é rápida. Nos 2 a 5 dias iniciais já se efetua uma melhora na fração de ejeção ventricular e tende a regularizar em torno de 1 a 2 semanas na grande parte dos pacientes, apesar da necessidade de pesquisas de acompanhamento a um longo período (FARIAS, 2022).  

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, é notória a importância da vigilância da Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P) relacionada a COVID-19, uma vez que é uma situação clínica com potencial de acometimento sistêmico e de forma grave. Através dos resultados encontrados nesse estudo é possível concluir que a SIM-P associada a infecção por COVID-19 apresentou uma maior prevalência no sexo masculino, sendo em maior frequência em pacientes da cor branca. A faixa etária mais acometida foi de 1 a 4 anos, seguindo pela faixa etária de 5 a 9, resultando na mediana de 5 anos de idade. Evidenciou-se que a presença de doenças prévias não foi um fator predisponente para o surgimento de SIM-P, uma vez que apenas 25% dos casos confirmados já possuíam comorbidades como doenças neurológicas, cardiopatias, pneumopatias, síndromes genéticas, hematopatias e obesidade.

No que diz respeito a sintomatologia, todos os pacientes apresentaram o quadro de febre. Bem como a maioria dos casos, cerca de 82,6%, foi acometida por sintomas gastrointestinais como dor abdominal, diarreia, náuseas e vômitos. Foram observadas a presença de manifestações clínicas relacionadas a diversos sistemas, sendo mais comum sintomas correspondentes a três sistemas: sistema respiratório (67,3%), sistema cardiológico (59,4%) e sistema tegumentar (54,8%). 

Dentre os pacientes que apresentação alterações cardíacas, cerca de 96% desses pacientes foram avaliados por meio do exame ecocardiográfico. Os resultados do exame constataram que as disfunções foram notadas de forma frequente nos pacientes com SIM-P. A maior parte dos pacientes avaliados pelo ecocardiograma apresentaram anormalidades coronarianas (31,9%), sendo que cerca de 11,1% dos pacientes apresentaram sinais de valvulite, 10,8% apresentaram disfunção miocárdica e 3,2% apresentaram pericardite. Tais formas de acometimento cardiológico são justificadas pela patogenia do vírus, uma vez que abrange os receptores da enzima conversora de angiotensina-2 como meio de porta de entrada celular dos pneumócitos tipo 2, macrófagos e cardiomiócitos. Além disso, também pode ser justificado baseado no entendimento de que o bloqueio viral mediado pelos interferons II e III, resulta em uma tempestade de citocinas pró-inflamatórias, que quando liberadas na circulação de pacientes pediátricos com carga viral do SARS-CoV-2 ou com uma replicação viral de forma descompensada, gera uma inflamação multissistêmica que pode ocasionar o acometimento miocárdico. 

Mediante as evidências apresentadas, conclui-se que a SIM-P relacionada a COVID-19 deve ser diagnosticada de forma precoce, visando um melhor prognóstico do paciente e manejo clínico adequado. Analisou-se que o acometimento cardiológico se fez presente em mais da metade dos casos confirmados (59,4%), justificando a necessidade de uma avaliação cardiológica sempre que possível de todas as crianças acometidas pelo vírus SARS-COV-2. Ademais, a vacinação, em especial contra a COVID-19, e o acompanhamento periódico com médico pediatra são indispensáveis para prevenir os casos graves de Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P).

5. REFERÊNCIAS

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SOARES, A. M; SOARES, B. M. Manifestações Cardiovasculares na População Pediátrica com COVID-19: Qual a Real Importância?. Arq. Bras. Cardiol, v. 117, n. 5, p. 965-967, 2021.

SOEIRO, A. M.; PÊGO-FERNANDES, P. M; Post-COVID-19 cardiological alterations. São Paulo Medical Journal, v. 139, n. 6, p. 543-544, 2021.


6. ANEXO 1

Definição de caso confirmado para síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) temporalmente associada à COVID-19 de acordo com o Ministério da Saúde, com base na definição de caso da OMS, validada pela Sociedade Brasileira de Pediatria, a Sociedade Brasileira de Cardiologia e o Instituto Evandro Chagas:

DEFINIÇÃO DE CASO PRELIMINAR:

 – Caso que foi hospitalizado ou óbito com:

 • Presença de febre elevada (considerar o mínimo de 38o C) e persistente (≥ 3 dias) em crianças e adolescentes (entre 0 e 19 anos de idade)

 E • Pelo menos dois dos seguintes sinais e/ou sintomas:

 » Conjuntivite não purulenta ou erupção cutânea bilateral ou sinais de inflamação mucocutânea (oral, mãos ou pés).

» Hipotensão arterial ou choque. » Manifestações de disfunção miocárdica, pericardite, valvulite ou anormalidades coronárias (incluindo achados do ecocardiograma ou elevação de Troponina / NT-proBNP – N-terminal do peptídeo natriurético tipo B).

 » Evidência de coagulopatia por Tempo de protrombina (TP); Tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) ou D-dímero elevados. 

» Manifestações gastrointestinais agudas (diarreia, vômito ou dor abdominal). 

E • Marcadores de inflamação elevados, como Velocidade de hemossedimentação (VHS), Proteína C-reativa (PCR) ou procalcitonina, entre outros. 

E • afastadas quaisquer outras causas de origem infecciosa óbvia de inflamação, incluindo sepse bacteriana, síndromes de choque estafilocócica ou estreptocócica. 

E • Evidência de COVID-19 (biologia molecular, teste antigênico ou sorológico positivos) ou história de contato com caso de COVID-19. 

Ademais, podem ser incluídos crianças e adolescentes que preencherem critérios totais ou parciais para a síndrome de Kawasaki ou choque tóxico, com evidência de infecção pelo SARS-CoV-2.


1ORCID: https://orcid.org/0009-0008-5909-3834
deboragf0@gmail.com
Centro Universitário Uninovafapi, Brasil. 

2ORCID: https://orcid.org/0009-0008-0575-3059.
andrezzagarciia@outlook.com
 Centro Universitário Uninovafapi, Brasil.

3ORCID: https://orcid.org/0009-0007-5043-7699
brendinhajml@gmail.com
Centro Universitário Uninovafapi, Brasil.