SÍNDROME DE FANCONI NA PEDIATRIA

FANCONI SYNDROME IN PEDIATRICS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202504221807


Rhayanna Cauhy Moraes Soares1
Orientador: Thiago Miquilito Pinto2


RESUMO

A síndrome de Fanconi é caracterizada por uma disfunção do túbulo proximal renal, comprometendo a reabsorção de eletrólitos, levando ao raquitismo, disfunção e insuficiência renal. Desta forma, o acompanhamento de crianças com esta síndrome é crucial, para evitar complicações graves na fase adulta. Neste contexto, este artigo de revisão bibliográfica demonstra estudos dos últimos cinco anos relacionados às causas, manifestações clínicas, diagnósticos e tratamentos para síndrome de Fanconi em pacientes pediátricos. As bases de dados utilizadas para a pesquisa foram: Google Scholar, PubMed, Lilacs e Scielo, onde aplicando-se os critérios de inclusão e exclusão, foram identificados 988 artigos, sendo selecionados 15 artigos para este estudo. Mutações genéticas foram consideradas as principais causas da síndrome de Fanconi em crianças, principalmente relacionadas aos genes que codificam a L-arginina: glicina amidinotransferase (GATM), fator nuclear de hepatócito 4A (HNF4A), fator de montagem 6 (NDUFAF6), enoil-CoAhidratase/3-hidroxiacil desidrogenase (EHHADH), NADH desidrogenase e transportador de sódio/fosfato tipo II. Novas variantes genéticas foram identificadas, como GATM (c.965G>C p.(Arg322Pro), HNF4A (NM_000457.4: c.253C˃T, p.Arg85Trp; R85W) e HNF4A (c.187C > T; p.R63W). Visando o diagnóstico precoce, os estudos abordados nesta revisão sugerem que exames clínicos sejam realizados periodicamente, para o monitoramento do estágio da doença. Entre as manifestações clínicas mais frequentemente encontradas em crianças com esta síndrome, está a acidose metabólica associada a proteinúria, glicosúria, aminoacidúria ou alto nível de creatinina. Um estudo enfatiza que testes mais sofisticados também podem ser empregados, como a medição da proteína de ligação ao retinol urinário 4 (RBP4) e a razão lactato/creatinina urinária. O tratamento para a síndrome de Fanconi mais comumente empregado em crianças é pela reposição de eletrólitos (potássio, fosfato e bicarbonato). A reposição de aminoácidos, como a carnitina, tem demonstrado eficácia no tratamento desta síndrome. A suplementação vitamina D (calcifediol) visa evitar o raquitismo. Em casos com outras alterações clínicas, como problemas oftalmológicos e hipotireoidismo, o tratamento baseia-se no uso de uma solução de cisteamina e reposição do hormônio tireoidiano, respectivamente. Desta forma, este estudo visa auxiliar profissionais da saúde no direcionamento para diagnósticos mais precisos e tratamentos que permitam melhores prognósticos e qualidade de vida, evitando possíveis complicações graves na fase adulta.

Palavras-chave: Disfunção do túbulo proximal renal. Reabsorção de eletrólitos. Raquitismo. GATM. HNF4A. Acidose metabólica.

ABSTRACT

Fanconi syndrome is characterized by dysfunction of the renal proximal tubule, compromising electrolyte reabsorption, leading to rickets, renal dysfunction and failure. Therefore, monitoring children with this syndrome is crucial to avoid serious complications in adulthood. In this context, this literature review article demonstrates studies from the last 5 years related to the causes, clinical manifestations, diagnosis and treatments for Fanconi syndrome in pediatric patients. The databases used for the research were: Google Scholar, PubMed, Lilacs and Scielo, where applying the inclusion and exclusion criteria, 988 articles were identified, of which 15 articles were selected for this study. Genetic mutations have been considered the main causes of Fanconi syndrome in children, mainly related to the genes encoding L-arginine:glycine amidinotransferase (GATM), hepatocyte nuclear factor 4A (HNF4A), assembly factor 6 (NDUFAF6), enoyl-CoAhydratase/3-hydroxyacyl dehydrogenase (EHHADH), NADH dehydrogenase and sodium/phosphate transporter type II. New genetic variants have been identified, such as GATM (c.965G>C p.(Arg322Pro), HNF4A (NM_000457.4: c.253C˃T, p.Arg85Trp; R85W) and HNF4A (c.187C > T; p.R63W). Aiming at early diagnosis, the studies addressed in this review suggest that clinical examinations be performed periodically to monitor the stage of the disease. Among the clinical manifestations most frequently found in children with this syndrome is metabolic acidosis associated with proteinuria, glycosuria, aminoaciduria or high creatinine levels. One study emphasizes that more sophisticated tests can also be used, such as measurement of urinary retinol-binding protein 4 and urinary lactate/creatinine ratio. The most commonly used treatment for Fanconi syndrome in children is electrolyte replacement (potassium, phosphate and bicarbonate). Amino acid replacement, such as carnitine, has been shown to be effective in treating this syndrome. Vitamin D supplementation (calcifediol) aims to prevent rickets. In cases with other clinical alterations, such as ophthalmological problems and hypothyroidism, treatment is based on the use of a cysteamine solution and thyroid hormone replacement, respectively. Thus, this study aims to assist health professionals in directing more accurate diagnoses and treatments that allow for better prognoses and quality of life, avoiding possible serious complications in adulthood.

Keywords: Renal proximal tubule dysfunction. Electrolyte reabsorption. Rickets. GATM. HNF4A. Metabolic acidosis.

1. INTRODUÇÃO

A síndrome de Fanconi consiste na disfunção do túbulo proximal renal, com comprometimento na reabsorção de solutos, devido a acidose tubular renal. Desta forma, esta síndrome pode causar perda de bicarbonato, aminoacidúria, glicosúria e fosfatúria (De Oliveira et al., 2023). 

A verdadeira incidência da síndrome de Fanconi é desconhecida, mas pode ser hereditária ou adquirida. Causas exógenas e adquiridas podem ser observadas em qualquer faixa etária, principalmente relacionadas à exposição a medicamentos (De Oliveira et al., 2023). Poucos estudos analisaram a relação congênita com esta síndrome, mas em crianças, principalmente do sexo masculino, causas hereditárias incluem origem idiopática, relacionadas principalmente ao cromossomo X (Klootwijk et al., 2017; Albuquerque et al., 2023). Além disso, estudos relacionam o erro inato do metabolismo como a causa mais frequente da síndrome de Fanconi em crianças (Igarashi et al., 2022). Causas secundárias, como cistinose, intolerância à frutose, galactosemia, tirosinemia, síndrome de Lowe, doença de Wilson e de depósito de glicogênio tipo 1, síndrome de artrogripose-disfunção renal-colestase e distúrbios mitocondriais, também podem estar relacionadas com a síndrome de Fanconi em pacientes pediátricos (Albuquerque et al., 2023).

Alguns dos sintomas da síndrome de Fanconi, observados em crianças, incluem retardo do crescimento, má evolução ponderal e raquitismo (Igarashi et al., 2022; De Oliveira et al., 2023). Quando há poliúria frequente, febre e desidratação também podem ser observados (Igarashi et al., 2022). Porém, os achados clínicos variam de acordo com a etiologia subjacente e o grau de envolvimento do túbulo renal proximal, não sendo uma síndrome uniforme e isolada, a qual pode também se manifestar em outros órgãos (Klootwijk et al., 2017). Desta forma, o diagnóstico pode ser avaliado através de alterações laboratoriais, pela presença de acidose metabólica e aumento da excreção de proteínas, glicose, fosfatos, uratos ou potássio. A perda crônica de solutos, em especial fosfatos e vitamina D, representa um dado clínico que favorece fraturas, dor óssea e osteomalácia (De Oliveira et al., 2023).

O tratamento pode variar, pois se baseia em experiências individuais e observações clínicas, além do entendimento da fisiologia renal (Kleta & Bockenhauer, 2018). Apesar disso, destaca-se o uso de terapia alcalina e diuréticos, visando a correção dos distúrbios hidroeletrolíticos e metabólicos (De Oliveira et al., 2023). A terapia alcalina consiste na correção da acidose, por meio da reposição de bicarbonato de sódio ou citrato de potássio (Vaisbich et al., 2019a). Além disso, a correção dos distúrbios hidroeletrolíticos e metabólicos também pode ser realizada pela administração de outros solutos, como fósforo e medicamentos via oral (Igarashi et al., 2022)

Como mencionado acima, a síndrome de Fanconi não é uniforme e isolada, o que impõe desafios no diagnóstico precoce. Quando diagnosticada tardiamente, a síndrome de Fanconi pode causar morbidades e levar à morte, principalmente em crianças. Neste contexto, esta revisão bibliográfica tem como objetivo explorar estudos dos últimos cinco anos (de 2019 a 2024), relacionados às causas, manifestações clínicas, diagnósticos e tratamentos da síndrome de Fanconi em pacientes pediátricos. Assim, este estudo visa contribuir para o melhor entendimento desta síndrome, a partir de dados atualizados, demonstrando novas formas de diagnósticos e tratamentos. 

2. METODOLOGIA

2.1 Protocolo do estudo

O presente estudo trata-se de uma revisão bibliográfica não sistemática, que considerou os seguintes termos de busca: “síndrome de Fanconi”, “causas da síndrome de Fanconi em crianças”, “manifestações clínicas da síndrome de Fanconi em crianças”, “diagnósticos da síndrome de Fanconi em crianças”, “tratamentos para a síndrome de Fanconi em crianças”. Google Scholar, PubMed, Lilacs e Scielo foram as bases de dados utilizadas para a pesquisa, a partir de livros, artigos, revistas, trabalhos acadêmicos, periódicos ou relatórios inseridos. 

O levantamento de dados foi realizado em novembro de 2024, tendo como critérios de inclusão, publicações com data de publicação entre 2019 e 2024, em português, espanhol e/ou inglês, que apresentassem alguns dos descritores no título ou resumo. Os critérios de exclusão foram relacionados a publicações duplicadas dentro das bases de dados pesquisadas, que não apresentassem os descritores definidos no título ou a data de publicação inferior a 2019.

3. DISCUSSÃO 

Aplicando-se os critérios de inclusão e exclusão, foram identificados no total 988 artigos (Figura 1), sendo selecionados 63 estudos para leitura completa. Após análise crítica dos artigos relevantes, foram incluídos no estudo 15 artigos.

Figura 1 – Fluxograma do processo de seleção dos estudos

Fonte: a autora.

3.1 Causas da síndrome de Fanconi

A causa relacionada à síndrome de Fanconi pode ser hereditária ou adquirida. Foram encontrados poucos estudos recentes que discutem novas possíveis causas da síndrome de Fanconi em crianças. Porém, a cistinose (com base genética), vem sendo citada como a principal causa da síndrome de Fanconi em pacientes pediátricos (Keefe & Bokhari, 2023). 

Segundo o levantamento bibliográfico, realizado por Albuquerque et al. (2023), a cistinose é um distúrbio metabólico de armazenamento lisossomal autossômico, causado por um defeito no transportador de cistina lipossomal, a cistinosina. Este defeito está relacionado a mutações homozigóticas ou no gene CTNS, localizado no cromossomo 17p13.2. Estas mutações são mais frequentemente encontradas em crianças, demonstrando falha de crescimento (6–9 meses de idade), disfunção renal (6 –18 meses) e insuficiência renal (10 anos de idade) se não for tratada. 

Outros estudos mostram que diversas doenças hereditárias podem afetar direta ou indiretamente a região tubular proximal, com destaque para defeitos em proteínas de transporte, enzimas com função lisossômica prejudicada e danos nas mitocôndrias (Forst et al., 2021; Lemaire, 2021). Pesquisas recentes têm demonstrado que diversas mutações genéticas podem estar relacionadas com a síndrome de Fanconi, em genes que codificam a L-arginina:glicina amidinotransferase (GATM), fator nuclear de hepatócito 4A (HNF4A), fator de montagem 6 (NDUFAF6), enoil-CoAhidratase/3-hidroxiacil desidrogenase (EHHADH), NADH desidrogenase e transportador de sódio/fosfato tipo II (Lemaire, 2021).

Um estudo recente, desenvolvido por Seaby et al. (2023), demonstrou a partir do sequenciamento do exoma em mãe e filha (de aproximadamente 10 anos de idade), uma nova variante para a causa hereditária da síndrome de Fanconi. A nova variante no GATM (c.965G>C p.(Arg322Pro) foi predominante na mãe e na filha. Os testes genéticos revelaram que esta nova variante patogênica pode prever a causa da síndrome de Fanconi e a progressão para insuficiência renal em estágio terminal. O estudo recomenda que, para testes genéticos anteriores negativos, o GATM seja rastreado tanto em crianças quanto em adultos, especialmente com insuficiência renal.

Um estudo realizado por Aksenova et al. (2023) mostrou que a mutação do gene HNF4A (NM_000457.4: c.253C˃T, p.Arg85Trp; R85W) é um indicativo para a síndrome de Fanconi. Além disso, esta mutação pode monitorar a gravidade da síndrome e os sintomas que podem aparecer ao longo do tempo. O gene HNF4A realiza a codificação do fator de transcrição HNF4a (4-alfa do hepatócito), o qual regula o desenvolvimento embrionário e tecidual, metabolismo de células β pancreáticas, do túbulo proximal renal e hepatócito. A mutação deste gene causa interrupção da gliconeogênese, do metabolismo de lipídeos e carboidratos e defeito de reabsorção de solutos (Nkonge et al., 2020). Desta forma, segundo McGlacken-Byrne et al. (2022), a mutação do gene HNF4A em bebês deve ser avaliada cuidadosamente para diabetes, a partir de testes de HbA1c e/ou testes de tolerância oral à glicose (a partir dos 10 anos de idade).

Um estudo recente, realizado por Fujii et al. (2024), demonstrou novos indícios genéticos para o desenvolvimento da síndrome de Fanconi. O paciente analisado apresentava três anos de idade, apresentando ao nascimento, macrossomia, níveis elevados de enzimas hepáticas e hipoglicemia transitória. O teste genético demonstrou uma variante patogênica (c.187C > T; p.R63W) em HNF4A, a qual foi relacionada a diabetes de início na maturidade jovem 1 (MODY1) associada a síndrome de Fanconi. Além disso, a disfunção mitocondrial foi encontrada, também envolvida na patogênese do MODY1-síndrome de Fanconi.

3.2 Manifestações clínicas e diagnóstico para a síndrome de Fanconi

Diversas manifestações clínicas são observadas em pacientes pediátricos com síndrome de Fanconi, sendo a acidose metabólica associada a outras alterações, a mais frequentemente encontrada. Assim, exames clínicos, de sangue, de urina e de imagem são cruciais para o diagnóstico desta síndrome (Kleta & Bockenhauer, 2018).

O estudo realizado por De Oliveira et al. (2023), analisou as principais manifestações clínicas em um paciente de quatro anos de idade, do sexo masculino, que buscou atendimento médico devido a um quadro de dor abdominal, acompanhada de astenia, náuseas e vômitos intensos. Exames laboratoriais indicaram acidose metabólica leve, glicosúria e aminoacidúria. Exames de imagem demonstraram alargamento da placa de crescimento e perda da definição da zona de calcificação entre a epífise e a metáfise óssea. Desta forma, os sintomas apresentados, e os resultados dos exames laboratoriais e de imagem, foram compatíveis com o diagnóstico para a síndrome de Fanconi. 

Seaby et al. (2023), diagnosticou a síndrome de Fanconi em uma menina de 10 anos de idade, a partir de exames genéticos, de sangue e clínicos. A menina apresentava dor em membros inferiores e demonstrou aumento da creatinina no exame de sangue de triagem. Além disso, a mãe era portadora da síndrome de Fanconi e necessitou de transplante renal aos 30 anos de idade. O exame genético confirmou o diagnóstico para síndrome de Fanconi nesta paciente pediátrica. 

O estudo realizado por Aksenova et al. (2023) também diagnosticou, a partir de exames laboratoriais e clínicos, a síndrome de Fanconi em uma criança de seis anos de idade. Os relatos clínicos mostraram proteinúria e glicosúria persistentes desde os dois anos de idade. Os exames laboratoriais mostraram perdas de proteínas de baixo peso molecular na urina, acidose metabólica e alto nível de creatinina (cerca de 0,9 mg/dL). Além disso, exames de imagem demonstraram múltiplas inclusões hiperecóicas nas pirâmides renais, sugerindo nefrocalcinose medular grau 2.

Keefe e Bokhari (2023) salientam que a síndrome de Fanconi se manifesta a partir de acidose tubular renal tipo 2, com excreção excessiva de bicarbonato. Porém, nem sempre esse tipo de acidose tubular renal está associada à síndrome de Fanconi. Demonstrando assim, a importância de uma análise clínica efetiva para o diagnóstico correto e precoce. Os autores citam também a importância de exames laboratoriais de sangue e de urina, os quais podem apontar para o diagnóstico, a partir da análise dos altos níveis de excreção urinária de aminoácidos, fosfato, bicarbonato e glicose em 24 horas. Testes mais sofisticados, como a medição da proteína de ligação ao retinol urinário 4 e a razão lactato/creatinina urinária, também podem auxiliar no diagnóstico. Por fim, níveis enzimáticos podem descartar a cistinose e ajudar a encontrar a causa adquirida da síndrome de Fanconi, a partir de níveis de drogas ou metais pesados no sangue.

Assim como nos demais estudos apresentados, acidose metabólica, proteinúria, aminoacidúria e glicosúria foram constatadas em um menino de três anos, diagnosticado com síndrome de Fanconi (Fujii et al., 2024). Os exames também mostraram disfunção renal, níveis elevados de aspartato aminotransferase, alanina aminotransferase e beta-2-microglobulina urinária, urina hiperosmolar e hipouricemia. Apesar destes achados laboratoriais, não houve distúrbio de crescimento ou calcificação renal sugestiva de raquitismo.

Sturla Álvarez et al. (2022) enfatizam a importância do acompanhamento de pacientes pediátricos com a síndrome de Fanconi por meio de exames laboratoriais regulares, incluindo estudos da função renal, visando a detecção precoce de glicosúria e proteinúria de origem tubular. Ressaltam ainda, que a detecção de hipouricemia isolada em exames laboratoriais, pode ser considerada insignificante. Porém, em diversos pacientes analisados, esta foi a manifestação inicial da doença, sendo considerada precursora da tubulopatia proximal.

3.3 Tratamentos para a síndrome de Fanconi

O tratamento para a síndrome de Fanconi depende da causa específica e envolve a abordagem do problema subjacente, visando corrigir quaisquer desequilíbrios volumétricos, nutricionais ou eletrolíticos (Senthilnathan et al., 2024). Em crianças, o tratamento básico para a síndrome de Fanconi inclui reposição de eletrólitos perdidos, como potássio, fosfato e bicarbonato (Keefe & Bokhari, 2023), e suplementação de vitamina D, garantindo o crescimento normal e evitando o raquitismo. Profissionais de saúde não consideram a reposição de aminoácidos necessária, porém, estudos mostram que a reposição de carnitina é eficaz no tratamento da síndrome de Fanconi (Keefe & Bokhari, 2023). Desta forma, tratamentos na fase pediátrica são importantes para diminuir o risco de progressão da doença renal crônica na fase adulta (Aksenova et al., 2023). 

O estudo realizado por Vaisbich et al. (2019) demonstra diversas formas de tratamento para a síndrome de Fanconi, baseadas em manifestações clínicas subjacentes. A correção da acidose metabólica e da hipocalemia podem ser realizadas pela reposição de bicarbonato de sódio ou citrato de potássio, com doses variando entre 2 e 15 mEq/kg/dia, administradas a cada 6 e 8 horas. Alguns pacientes podem apresentar alterações oftalmológicas, ocasionadas pelos cristais de cistina, que causam reflexos de luz e resultam em fotofobia, com desconforto e neovascularização periférica da córnea. O tratamento é realizado com solução oftalmológica de cisteamina, sendo capaz de dissolver completamente os cristais de cistina em 8 a 41 meses. A partir dos dois anos de idade é importante o monitoramento dos hormônios estimulantes da tireoide (TSH) e tiroxina (T4 livre), pois há evidências de hipotireoidismo na cistinose infantil para a síndrome de Fanconi. Em casos de atrofia progressiva da tireoide, recomenda-se o tratamento por meio da reposição do hormônio tireoidiano.

Aksenova et al. (2023) avaliou uma criança de seis anos de idade com síndrome de Fanconi após o tratamento com bicarbonato de sódio (2 mmol/kg/dia) e citrato de potássio (1 mmol/kg/dia), para a correção da acidose metabólica; e calcifediol (15 ng/kg/dia), para evitar o raquitismo. Após seis meses de tratamento, o paciente apresentou hipercalciúria, a qual foi solucionada pela redução da dose de calcifediol (10 ng/kg/dia) e suplementação de fosfato (20 mg/kg/dia). Após 12 meses de tratamento, o paciente mostrou altura normal e acidose metabólica controlada.

4. CONCLUSÃO

Estudos recentes, dos últimos cinco anos, têm demonstrado que a base genética é a principal causa relacionada à síndrome de Fanconi em crianças. Mutações genéticas, que causam distúrbios metabólicos e em mecanismos de transporte de solutos, geralmente encontradas em crianças (a partir de seis meses de idade), estão relacionadas a cistinose tubular. Estes distúrbios podem ocasionar o comprometimento na reabsorção de solutos, que, se não tratada, pode levar a falha de crescimento (raquitismo), disfunção e insuficiência renal. Os estudos apresentados neste artigo de revisão mostram que as mutações genéticas relacionadas com a síndrome de Fanconi podem estar presentes em genes que codificam a L-arginina:glicina amidinotransferase (GATM), fator nuclear de hepatócito 4A (HNF4A), fator de montagem 6 (NDUFAF6), enoil-CoAhidratase/3-hidroxiacil desidrogenase (EHHADH), NADH desidrogenase e transportador de sódio/fosfato tipo II. Testes genéticos mostraram que uma nova variante no GATM (c.965G>C p.(Arg322Pro) foi predominante na mãe e na filha, ambas com síndrome de Fanconi. Além disso, outro estudo mostrou que a mutação do gene HNF4A (NM_000457.4: c.253C˃T, p.Arg85Trp; R85W) pode ser correlacionada com a síndrome de Fanconi. A presença da uma variante patogênica (c.187C > T; p.R63W) em HNF4A e disfunção mitocondrial foi relacionada a diabetes de início na maturidade jovem 1 (MODY1) associada a síndrome de Fanconi.

Os estudos abordados nesta revisão enfatizam que a importância da associação entre exames clínicos, laboratoriais de sangue e urina e de imagem são cruciais para o diagnóstico correto e precoce da síndrome de Fanconi em pacientes pediátricos. Todos os estudos mostraram que a acidose metabólica associada a outras alterações, como proteinúria, glicosúria, aminoacidúria e alto nível de creatinina, está entre as manifestações clínicas mais comumente encontradas em crianças com a síndrome de Fanconi. Exames laboratoriais e de imagem para estudo da função renal são extremamente importantes para o diagnóstico, pois detectam precocemente a glicosúria e a proteinúria de origem tubular, além de investigar possível disfunção e insuficiência renal pediátrica. Atualmente, com o avanço científico e tecnológico, testes mais sofisticados também podem ser empregados, como a medição da proteína de ligação ao retinol urinário 4 e a razão lactato/creatinina urinária, auxiliando no diagnóstico preciso. 

O tratamento para a síndrome de Fanconi depende da causa (genética ou adquirida) e envolve a abordagem do problema subjacente. De forma geral, em pacientes pediátricos a causa está relacionada a mutações genéticas, cujas alterações influenciam na reabsorção de eletrólitos, levando a uma série de complicações já descritas anteriormente. Desta forma, o tratamento mais comumente empregado é através da reposição de solutos, dentre eles, potássio, fosfato e bicarbonato. A suplementação vitamina D (calcifediol) também pode ser recomendada, a fim de evitar o raquitismo. Estudos mostram que a reposição do aminoácido carnitina também apresenta eficácia no tratamento da síndrome de Fanconi. Outras alterações clínicas também podem ocorrer, como problemas oftalmológicos, tratados com uma solução de cisteamina, assim como, hipotireoidismo, cujo tratamento baseia-se na reposição do hormônio tireoidiano.

Portanto, para o gerenciamento eficaz e acompanhamento desta síndrome em crianças, os profissionais da saúde devem analisar as melhores formas de tratamento e as possíveis reações adversas apresentadas por alguns medicamentos prescritos. O rastreamento a longo prazo de alterações no sangue, urina e exames de imagem também é importante, permitindo melhores prognósticos e qualidade de vida aos pacientes pediátricos, além de evitar complicações graves na fase adulta.

REFERÊNCIAS

Aksenova, M., Zaikova, N., & Tozliyan, E. (2023). Renal Fanconi syndrome and hypoglycemia: Lessons for clinical nephrologists. Journal of Nephrology, 36(9), 2633–2636. https://doi.org/10.1007/s40620-023-01719-4

Albuquerque, A. L. B., Dos Santos Borges, R., Conegundes, A. F., Dos Santos, E. E., Fu, F. M. M., Araujo, C. T., Vaz De Castro, P. A. S., & Simões E Silva, A. C. (2023). Inherited Fanconi syndrome. World Journal of Pediatrics, 19(7), 619–634. https://doi.org/10.1007/s12519-023-00685-y

De Oliveira, A. T. D., Nascimento, C. R., De Aguiar, L. C., Marques, L. C., Guareschi, S., Garcia, L. F., Dos Reis, B. V., Dantas, L. R., E Souza, B. W. L., Cabral, L. D. L., De Paula, M. C. J., Franco, Í. R., Gomes, V. D. S., De Castro, L. X., Santos, B. D. S., & Gonçalves, E. A. P. (2023). Síndrome de Fanconi-Bickel: Um estudo de caso abordando características clínicas, diagnóstico e evolução clínica. Brazilian Journal of Health Review, 6(5), 22257–22266. https://doi.org/10.34119/bjhrv6n5-262

Forst, A.-L., Reichold, M., Kleta, R., & Warth, R. (2021). Distinct Mitochondrial Pathologies Caused by Mutations of the Proximal Tubular Enzymes EHHADH and GATM. Frontiers in Physiology, 12, 715485. https://doi.org/10.3389/fphys.2021.715485

Fujii, Y., Matsumura, H., Murayama, K., Okazaki, Y., & Ashida, A. (2024). Presence of mitochondrial dysfunction in a case of Fanconi syndrome with normoglycemic MODY1. CEN Case Reports. https://doi.org/10.1007/s13730-024-00948-1

Igarashi, T., Emma, F., & Hayes, W. (2022). Pediatric Fanconi Syndrome. Em F. Emma, S. L. Goldstein, A. Bagga, C. M. Bates, & R. Shroff (Orgs.), Pediatric Nephrology (p. 849–876). Springer International Publishing. https://doi.org/10.1007/978-3-030-52719-8_38

Keefe, P., & Bokhari, S. R. A. (2023). Fanconi syndrome. In StatPearls [Internet]. StatPearls Publishing.

Kleta, R., & Bockenhauer, D. (2018). Salt-Losing Tubulopathies in Children: What’s New, What’s Controversial? Journal of the American Society of Nephrology, 29(3), 727–739. https://doi.org/10.1681/ASN.2017060600

Klootwijk, E., Dufek, S., Issler, N., Bockenhauer, D., & Kleta, R. (2017). Pathophysiology, current treatments and future targets in hereditary forms of renal Fanconi syndrome. Expert Opinion on Orphan Drugs, 5(1), 45–54. https://doi.org/10.1080/21678707.2017.1259560

Lemaire, M. (2021). Novel Fanconi renotubular syndromes provide insights in proximal tubule pathophysiology. American Journal of Physiology-Renal Physiology, 320(2), F145–F160. https://doi.org/10.1152/ajprenal.00214.2020

McGlacken-Byrne, S. M., Mohammad, J. K., Conlon, N., Gubaeva, D., Siersbæk, J., Schou, A. J., Demirbilek, H., Dastamani, A., Houghton, J. A. L., Brusgaard, K., Melikyan, M., Christesen, H., Flanagan, S. E., Murphy, N. P., & Shah, P. (2022). Clinical and genetic heterogeneity of HNF4A/HNF1A mutations in a multicentre paediatric cohort with hyperinsulinaemic hypoglycaemia. European Journal of Endocrinology, 186(4), 417–427. https://doi.org/10.1530/EJE-21-0897

Nkonge, K. M., Nkonge, D. K., & Nkonge, T. N. (2020). The epidemiology, molecular pathogenesis, diagnosis, and treatment of maturity-onset diabetes of the young (MODY). Clinical Diabetes and Endocrinology, 6(1), 20. https://doi.org/10.1186/s40842-020-00112-5

Seaby, E. G., Turner, S., Bunyan, D. J., Seyed‐Rezai, F., Essex, J., Gilbert, R. D., & Ennis, S. (2023). A novel variant in  GATM  causes idiopathic renal Fanconi syndrome and predicts progression to end‐stage kidney disease. Clinical Genetics, 103(2), 214–218. https://doi.org/10.1111/cge.14235

Senthilnathan, S., Nallusamy, G., & Varadaraj, P. (2024). An Interesting Case of Acquired Renal Fanconi Syndrome. Cureus. https://doi.org/10.7759/cureus.65208

Sturla Álvarez, D. A., Sánchez Marcos, E., De Lucas Collantes, C., Cantarín Extremera, V., Soto Insuga, V., & Aparicio López, C. (2022). Fanconi Syndrome Secondary to Sodium Valproate Therapy: Experience and Literature Review. Pediatric Neurology, 130, 53–59. https://doi.org/10.1016/j.pediatrneurol.2022.03.001

Vaisbich, M. H., Satiro, C. A. F., Roz, D., Nunes, D. D. A. D., Messa, A. C. H. L., Lanetzki, C., & Ferreira, J. C. D. O. A. (2019a). Multidisciplinary approach for patients with nephropathic cystinosis: Model for care in a rare and chronic renal disease. Brazilian Journal of Nephrology, 41(1), 131–141. https://doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2018-0139


1Residente de Pediatria – E-mail: rhay13cauhy@gmail.com – Instituição: Universidade Federal de Viçosa.
2Orientador – Médico pediatra – E-mail: t_miquilito@yahoo.com.br – Instituição: Universidade Federal de Viçosa