FAHR’S SYNDROME SECONDARY TO HYPOPARATHYROIDISM IN PATIENTS UNDERGOING CHRONIC HEMODIALYSIS
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202509211937
Grasiele Mattei Ise dos Santos¹
Carlos Pablo Quintanilha Gonçalves²
Vitória Mendonça Mendes³
Elenara Barbosa Machado Neves⁴
Resumo
A síndrome de Fahr é uma condição rara caracterizada pela calcificação bilateral dos núcleos da base, tálamo, cerebelo e substância branca, associada a manifestações neurológicas e psiquiátricas variáveis. Embora classicamente relacionada a etiologias idiopáticas ou hereditárias, há crescente reconhecimento de sua ocorrência secundária a distúrbios metabólicos, principalmente ao hipoparatireoidismo, que promove desregulação do metabolismo cálcio-fósforo. Em pacientes em hemodiálise crônica, a síndrome pode ser subdiagnosticada, uma vez que sintomas neurológicos como tremores, convulsões, distúrbios cognitivos e alterações de marcha são frequentemente atribuídos à uremia ou a complicações cardiovasculares. O hipoparatireoidismo secundário, frequentemente resultante de hipocalcemia refratária ao tratamento, gera ambiente propício à deposição de sais de cálcio em estruturas encefálicas, especialmente quando associado a desequilíbrios crônicos de fósforo sérico. Este estudo tem como objetivo analisar a relação entre síndrome de Fahr, hipoparatireoidismo e pacientes em hemodiálise, discutindo aspectos fisiopatológicos, diagnósticos, terapêuticos e prognósticos. Foram incluídos relatos de caso, revisões narrativas, séries clínicas e análises observacionais. A revisão demonstrou que a maioria dos casos ocorre em pacientes com distúrbios minerais prolongados, sendo a tomografia computadorizada de crânio o método diagnóstico de escolha. O manejo é voltado para a correção do metabolismo mineral, suplementação de cálcio, vitamina D ativa e ajuste da diálise. Apesar disso, as sequelas neurológicas nem sempre são reversíveis, especialmente quando há atraso diagnóstico. Assim, reconhecer precocemente a síndrome de Fahr em pacientes em diálise crônica é essencial para evitar desfechos incapacitantes.
Palavras-chave: Síndrome de Fahr. Hipoparatireoidismo. Hemodiálise. Distúrbio mineral ósseo. Calcificação cerebral.
1 INTRODUÇÃO
A síndrome de Fahr, também denominada calcificação idiopática dos núcleos da base, é uma condição rara que envolve depósitos anormais de cálcio e outros minerais em regiões cerebrais específicas, notadamente nos gânglios da base, tálamo e córtex cerebelar. Seu espectro clínico inclui desde pacientes assintomáticos até manifestações graves, como crises epilépticas, parkinsonismo secundário, distúrbios de marcha, comprometimento cognitivo e sintomas psiquiátricos (ARRUDA et al., 2021). Embora descrita como entidade primária associada a predisposição genética, há crescente número de casos secundários, em especial relacionados a distúrbios metabólicos.
Entre as causas secundárias, o hipoparatireoidismo assume destaque. A deficiência de paratormônio (PTH) compromete a homeostase do cálcio e fósforo, favorecendo a hipocalcemia persistente e a hiperfosfatemia, fatores intimamente relacionados à deposição ectópica de sais de cálcio no parênquima cerebral (KALAMPOKINI et al., 2021). O impacto clínico dessa condição é especialmente relevante em pacientes submetidos à hemodiálise crônica, nos quais os distúrbios do metabolismo mineral ósseo (CKD-MBD) já são uma complicação bem reconhecida, mas cujo envolvimento neurológico ainda é pouco explorado.
O diagnóstico da síndrome de Fahr secundária a hipoparatireoidismo em pacientes em diálise é desafiador. Sinais neurológicos como tremores, convulsões ou déficits cognitivos são frequentemente atribuídos à uremia, à hipertensão arterial crônica ou a lesões vasculares cerebrais. A utilização de neuroimagem, principalmente tomografia computadorizada, é essencial para identificar os depósitos calcificados característicos (SARNA et al., 2023). Além disso, exames laboratoriais revelam hipocalcemia persistente, hiperfosfatemia e PTH inadequadamente baixo, confirmando o diagnóstico de base.
O manejo dessa condição envolve correção rigorosa do metabolismo mineral com suplementação de cálcio, vitamina D ativa e ajuste da hemodiálise, visando reduzir a progressão das calcificações e melhorar a sintomatologia. Entretanto, conforme demonstrado por SHU et al. (2023), nem sempre há reversibilidade completa dos sintomas neurológicos, sendo frequente a persistência de déficits motores e cognitivos mesmo após a normalização laboratorial. Isso reforça a importância de um diagnóstico precoce e de estratégias preventivas no manejo do paciente renal crônico. Diante do exposto, esse estudo objetiva analisar a relação entre síndrome de Fahr, hipoparatireoidismo e pacientes em hemodiálise, discutindo aspectos fisiopatológicos, diagnósticos, terapêuticos e prognósticos.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A hemodiálise crônica representa um pilar terapêutico imprescindível no tratamento de pacientes com doença renal crônica (DRC) em estágio terminal, cuja função renal encontra-se completamente comprometida, impossibilitando a filtração eficiente de resíduos e a manutenção do equilíbrio dos fluidos e eletrólitos corporais (ARRUDA et al., 2021). O processo de hemodiálise, por meio de uma máquina que substitui a função dos rins, assume um papel crucial ao eliminar os produtos tóxicos acumulados no sangue, equilibrando os níveis de líquidos e mantendo a homeostase do paciente com insuficiência renal grave (KHAN et al., 2021). No entanto, a terapia de hemodiálise, embora fundamental, carrega consigo uma série de complicações, destacando-se entre elas a hipocalcemia, um distúrbio metabólico caracterizado pela diminuição dos níveis de cálcio sérico, que é frequentemente exacerbada pela falência renal que impede a conversão adequada da vitamina D em sua forma ativa (SHAH et al., 2023). Este desequilíbrio no metabolismo mineral é particularmente grave em pacientes com doença renal crônica, uma vez que a hipocalcemia, associada à deficiência de cálcio, pode precipitar uma série de distúrbios ósseos e neurológicos, exacerbando ainda mais as condições clínicas desses indivíduos (SUPIT et al., 2024).
O hipoparatireoidismo, caracterizado pela secreção inadequada de hormônio paratireoideano (PTH), é um dos principais distúrbios endócrinos que afetam pacientes com doença renal crônica em estágios avançados, especialmente aqueles em tratamento de hemodiálise crônica (KALAMPOKINI et al., 2021). Este hormônio é essencial para a regulação do metabolismo do cálcio e fósforo no organismo, sendo responsável pela liberação de cálcio dos ossos para a corrente sanguínea e pela excreção de fósforo pelos rins, ambos processos críticos para o equilíbrio mineral (KHAN et al., 2021). No contexto da insuficiência renal, os rins tornam-se incapazes de metabolizar adequadamente a vitamina D, o que impede a absorção intestinal de cálcio e resulta em hipocalcemia persistente. Como resposta, a glândula paratireoide aumenta a produção de PTH, o que leva a um quadro de hiperparatireoidismo secundário (SUBBIAH et al., 2022). Esse aumento compensatório na secreção de PTH não só agrava a hipocalcemia, como também favorece a liberação de cálcio dos ossos, contribuindo para o desenvolvimento de complicações como calcificação vascular e, mais criticamente, a calcificação cerebral, especificamente nos núcleos da base, estruturas cerebrais envolvidas no controle motor e nas funções cognitivas (SHU et al., 2023).
A Síndrome de Fahr, uma condição rara e devastadora, caracteriza-se pela calcificação bilateral dos núcleos da base, uma região do cérebro essencial para o controle dos movimentos, a coordenação motora e as funções cognitivas (SARNA et al., 2023). A fisiopatologia dessa síndrome está diretamente relacionada à deposição anormal de cálcio nos tecidos do sistema nervoso central, particularmente nos núcleos da base, devido ao desequilíbrio no metabolismo mineral, especialmente no que tange ao cálcio e ao fósforo (KALAMPOKINI et al., 2021). O processo de calcificação cerebral nos pacientes com hipoparatireoidismo secundário à insuficiência renal crônica é favorecido pela hipocalcemia persistente, característica desses indivíduos, e pela hiperatividade das glândulas paratireoides, que resulta em altos níveis de PTH, um dos principais mediadores do acúmulo de cálcio nos tecidos extracelulares, incluindo o cérebro (SUPIT et al., 2024). Com o tempo, esses depósitos de cálcio nos núcleos da base podem comprometer a função neurológica, levando ao desenvolvimento de distúrbios motores (como tremores e rigidez muscular), alterações psiquiátricas (como psicoses e distúrbios comportamentais) e déficits cognitivos, que podem culminar em demência, especialmente nas formas mais graves da doença (SHAH et al., 2023).
A relação entre hipoparatireoidismo, hemodiálise crônica e Síndrome de Fahr pode ser explicada pela interação complexa entre os desequilíbrios no metabolismo do cálcio e fósforo e os mecanismos patofisiológicos subjacentes à calcificação cerebral. O aumento da secreção de PTH, em resposta à hipocalcemia, promove a mobilização de cálcio dos ossos, levando à elevação dos níveis séricos de cálcio, o que favorece a deposição do mineral nos tecidos, incluindo os núcleos da base do cérebro (KHAN et al., 2021). Esse fenômeno é exacerbado pela hiperfosfatemia, uma consequência da disfunção renal, que ocorre devido à retenção de fósforo nos pacientes em hemodiálise, um fator que contribui ainda mais para a formação de depósitos de cálcio nas estruturas cerebrais (SUBBIAH et al., 2022). As calcificações resultantes comprometem a integridade das células nervosas e prejudicam a transmissão sináptica, afetando diretamente a comunicação entre as regiões do cérebro responsáveis pelo controle motor e pelas funções cognitivas (SHU et al., 2023).
A manifestação clínica da Síndrome de Fahr é notoriamente insidiosa, com os sintomas neurológicos progressivamente se agravando à medida que as calcificações se espalham pelos núcleos da base (SARNA et al., 2023). Entre os principais sintomas, destacam-se os distúrbios motores, como tremores, rigidez e distonia, além de déficits cognitivos, que podem se manifestar como perda de memória e dificuldade de concentração (SHAH et al., 2023). A presença dessas calcificações é confirmada por exames de imagem, como a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM), que revelam de forma clara os depósitos de cálcio nos núcleos da base, proporcionando um diagnóstico preciso da Síndrome de Fahr (ARRUDA et al., 2021). A progressão da doença é muitas vezes rápida, com os sintomas se tornando mais severos com o tempo, impactando diretamente na qualidade de vida do paciente.
No tratamento do hipoparatireoidismo em pacientes com hemodiálise crônica, a abordagem terapêutica consiste principalmente na reposição de cálcio e vitamina D ativa, visando normalizar os níveis de cálcio e otimizar a absorção intestinal deste mineral (SHU et al., 2023). Além disso, a utilização de quelantes de fósforo é fundamental para controlar os níveis elevados de fósforo e evitar a exacerbação da calcificação extrarrenal (SUPIT et al., 2024). No entanto, o tratamento da Síndrome de Fahr é predominantemente sintomático, focando no controle dos distúrbios motores e cognitivos, já que as calcificações cerebrais não podem ser revertidas com os tratamentos atuais. O uso de medicamentos como anticonvulsivantes, antiparkinsonianos e antipsicóticos pode aliviar alguns sintomas, mas não impede a progressão das calcificações (SARNA et al., 2023).
Em termos de diagnóstico, a monitorização regular dos níveis de cálcio e fósforo, juntamente com exames de imagem periódicos, como TC e RM, são cruciais para detectar precocemente as calcificações nos núcleos da base e, assim, intervir de forma eficaz antes que as manifestações neurológicas se tornem irreversíveis (SHU et al., 2023). No entanto, mesmo com o controle do metabolismo mineral, a Síndrome de Fahr continua a ser uma condição de difícil manejo, pois as calcificações cerebrais não podem ser revertidas ou prevenidas com as terapias atuais (SUPIT et al., 2024).
3 METODOLOGIA
Este estudo constitui uma revisão integrativa de literatura, uma metodologia que visa reunir e sintetizar criticamente as evidências existentes sobre um fenômeno clínico específico, ampliando a compreensão sobre sua fisiopatologia, diagnóstico e tratamento. A revisão integrativa é uma estratégia metodológica que permite uma análise aprofundada de um tema, reunindo tanto estudos quantitativos quanto qualitativos, de modo a proporcionar uma visão abrangente do estado atual do conhecimento sobre determinado assunto. Ao integrar diversas fontes de informação, a revisão integrativa oferece uma compreensão mais rica e detalhada de fenômenos clínicos, além de identificar tendências e estabelecer um panorama mais completo sobre a temática investigada.
A busca bibliográfica foi realizada em bases de dados como PubMed/MEDLINE, Scopus, Web of Science e Embase, com foco em publicações entre janeiro de 2021 e abril de 2024. Foram utilizados descritores controlados e não controlados, tanto em inglês quanto em português, como “Fahr syndrome”, “basal ganglia calcification”, “hypoparathyroidism”, “hemodialysis”, “chronic kidney disease”, e “calcium-phosphorus metabolism”. Operadores booleanos como “AND” e “OR” foram aplicados para combinar os termos e refinar os resultados da busca.
Os critérios de inclusão consideraram artigos originais, em inglês ou português, disponíveis na íntegra, que abordassem estudos envolvendo pacientes com síndrome de Fahr secundária ao hipoparatireoidismo no contexto de doença renal crônica ou hemodiálise. Também foram incluídos trabalhos que discutissem aspectos fisiopatológicos, diagnósticos, terapêuticos ou prognósticos. Por outro lado, os critérios de exclusão desconsideraram estudos exclusivamente experimentais ou realizados em animais, publicações sem acesso ao texto completo e revisões superficiais sem base em evidências clínicas robustas.
A triagem inicial dos estudos foi feita por meio da leitura de títulos e resumos, e os artigos que se mostraram elegíveis foram analisados integralmente. Durante essa análise, foram extraídos dados relacionados ao desenho do estudo, à população avaliada, ao tipo de distúrbio mineral, aos métodos diagnósticos utilizados (imagem e laboratório), às manifestações clínicas observadas e às condutas terapêuticas adotadas. Para sistematizar a análise, os achados foram organizados em eixos temáticos, incluindo a fisiopatologia da síndrome de Fahr em contexto de hipoparatireoidismo, manifestações clínicas e neuropsiquiátricas, métodos diagnósticos e imagem, manejo clínico e terapêutico, além do prognóstico e das implicações para pacientes em hemodiálise.
Para sistematizar a análise, os achados foram organizados em eixos temáticos: (1) fisiopatologia da síndrome de Fahr em contexto de hipoparatireoidismo; (2) manifestações clínicas e neuropsiquiátricas; (3) métodos diagnósticos e imagem; (4) manejo clínico e terapêutico; (5) prognóstico e implicações para pacientes em hemodiálise. Reconhece-se como limitação desta revisão a heterogeneidade metodológica dos estudos e a predominância de relatos de caso, o que restringe a generalização absoluta dos achados. Ainda assim, esta abordagem oferece visão crítica e abrangente sobre a síndrome de Fahr secundária a hipoparatireoidismo em pacientes renais crônicos, fornecendo subsídios relevantes para a prática clínica.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
ARRUDA et al. (2021) apresentaram um relato de caso de paciente com doença renal crônica em hemodiálise, evoluindo com quadro neurológico progressivo caracterizado por crises epilépticas recorrentes, distúrbios de movimento e deterioração cognitiva. A tomografia computadorizada revelou calcificações simétricas em núcleos da base e cerebelo, achados típicos da síndrome de Fahr. O estudo destacou que o hipoparatireoidismo secundário, frequente em pacientes em diálise crônica, promove hipocalcemia persistente e hiperfosfatemia, constituindo um ambiente metabólico favorável à deposição de sais de cálcio no tecido cerebral. A análise ressaltou a necessidade de diferenciar os sintomas da síndrome de Fahr de manifestações urêmicas ou de encefalopatias hipertensivas, que muitas vezes mascaram o diagnóstico.
KALAMPOKINI et al. (2021) enfatizaram a importância da fisiopatologia metabólica no desenvolvimento da síndrome de Fahr em pacientes com hipoparatireoidismo. A deficiência de PTH reduz a mobilização de cálcio ósseo e diminui a reabsorção renal de cálcio, ao mesmo tempo em que aumenta a retenção de fósforo, levando à hipocalcemia refratária e hiperfosfatemia crônica. Esse desbalanço favorece a precipitação de fosfato de cálcio em regiões cerebrais altamente vascularizadas, especialmente nos gânglios da base. O estudo descreveu ainda a presença de sinais extrapiramidais, como rigidez e tremor, semelhantes ao parkinsonismo, associados às calcificações extensas. A relevância clínica desse trabalho está na demonstração de que, mesmo com tratamento convencional (suplementação de cálcio e calcitriol), as alterações neurológicas podem progredir, exigindo acompanhamento rigoroso.
KHAN et al. (2021) relataram a ocorrência de síndrome de Fahr em pacientes com insuficiência renal terminal, destacando o desafio diagnóstico em indivíduos submetidos a hemodiálise crônica. O estudo descreveu pacientes com hipocalcemia persistente, hiperfosfatemia grave e PTH inadequadamente baixo, todos fatores que favorecem a calcificação intracerebral. Do ponto de vista clínico, os pacientes apresentaram convulsões refratárias, distúrbios extrapiramidais (rigidez, bradicinesia, tremor de repouso) e déficits cognitivos progressivos. Os autores reforçaram que, em pacientes com doença renal crônica, é necessário diferenciar manifestações da síndrome de Fahr de complicações urêmicas ou vasculares, o que só é possível mediante investigação laboratorial direcionada e neuroimagem por tomografia computadorizada, que revelou extensas calcificações em núcleos da base. O trabalho também destacou a limitação terapêutica: mesmo após reposição de cálcio e calcitriol, a regressão das lesões neurológicas foi parcial, indicando que o controle precoce do metabolismo mineral é fundamental.
SARNA et al. (2023) apresentaram uma série de casos em que a síndrome de Fahr secundária a hipoparatireoidismo foi identificada em pacientes com doença renal crônica. Os autores descreveram manifestações neuropsiquiátricas proeminentes, incluindo quadros de depressão resistente, distúrbios de ansiedade e até episódios psicóticos, além de sintomas motores típicos. A análise demonstrou que a calcificação cerebral extensa correlacionava-se não apenas com alterações motoras, mas também com déficits cognitivos e psiquiátricos, sugerindo um espectro clínico mais amplo do que previamente reconhecido. Esse estudo reforça a necessidade de avaliação neuropsicológica rotineira em pacientes dialíticos com distúrbios minerais graves, uma vez que a síndrome pode mimetizar transtornos primários psiquiátricos, retardando o diagnóstico correto.
SHAH et al. (2023) realizaram uma revisão sistemática de pacientes dialíticos com hipoparatireoidismo e calcificação dos núcleos da base. Os achados mostraram que a prevalência de calcificações cerebrais pode chegar a 20–25% em pacientes com hipoparatireoidismo crônico, embora a maioria seja diagnosticada apenas quando sintomas neurológicos se tornam evidentes. As manifestações incluíram desde crises epilépticas e tetania hipocalcêmica até distúrbios de marcha e parkinsonismo secundário. O estudo reforçou a utilidade da tomografia computadorizada de crânio como exame de escolha, uma vez que a ressonância magnética pode subestimar as áreas de calcificação. Em relação ao manejo, enfatizaram a importância de estratégias agressivas de controle mineral, mas reconheceram que, em pacientes de longa evolução, o prognóstico neurológico tende a ser desfavorável.
SHU et al. (2023) publicaram uma análise baseada em padrões de neuroimagem em pacientes com Fahr secundária a hipoparatireoidismo em hemodiálise. O estudo mostrou que as calcificações eram bilaterais, simétricas e predominantemente localizadas em gânglios da base e cerebelo, com envolvimento ocasional da substância branca subcortical. A correlação clínica revelou que pacientes com calcificações mais extensas apresentavam maior incidência de transtornos do movimento, déficits cognitivos graves e epilepsia refratária. O trabalho também destacou que a evolução neurológica não é necessariamente paralela ao controle laboratorial, ou seja, mesmo após normalização dos níveis séricos de cálcio e fósforo, as alterações estruturais permanecem. Essa constatação reforça a necessidade de diagnóstico precoce para prevenir o acúmulo progressivo de lesões.
SUBBIAH et al. (2022) exploraram a relação entre distúrbios ósseo-minerais (CKDMBD) e a síndrome de Fahr, destacando que o hipoparatireoidismo secundário ou terciário em pacientes renais crônicos representa um dos principais gatilhos para a condição. Os autores explicaram que a deposição de cálcio cerebral ocorre devido a uma perda crônica do equilíbrio entre cálcio, fósforo e PTH, somada à alteração da proteína inibidora de calcificação (fetuin-A), frequentemente reduzida em pacientes dialíticos. Essa combinação promove calcificação vascular e tecidual, incluindo o tecido nervoso central. O estudo alertou que, além das manifestações neurológicas, a síndrome de Fahr nesses pacientes está associada a pior prognóstico cardiovascular, dado o mesmo mecanismo de calcificação sistêmica.
SUPIT et al. (2024) realizaram um estudo clínico observacional em pacientes em hemodiálise de longo prazo, investigando a associação entre distúrbios minerais e síndrome de Fahr. A análise mostrou que indivíduos com hipoparatireoidismo e controle inadequado do fósforo apresentavam maior risco de calcificações cerebrais extensas. Os achados clínicos incluíram parkinsonismo secundário, declínio cognitivo progressivo e convulsões. Um ponto de destaque foi a associação entre calcificações cerebrais e maior mortalidade em 5 anos, sugerindo que a síndrome de Fahr pode ser não apenas uma complicação neurológica, mas também um marcador de risco global em pacientes dialíticos. O estudo concluiu que o rastreamento sistemático por tomografia poderia auxiliar no diagnóstico precoce e na estratificação prognóstica.
Quadro 1 – Síntese crítica dos estudos analisados
Autor e Ano | Metodologia | Principais Conclusões |
ARRUDA et al., 2021 | Relato de caso clínico | Paciente em hemodiálise crônica apresentou crises epilépticas, distúrbios de movimento e declínio cognitivo. TC evidenciou calcificações em núcleos da base e cerebelo. Hipoparatireoidismo secundário identificado como fator predisponente. Destacada a importância de diferenciar sintomas da síndrome de Fahr de manifestações urêmicas. |
KALAMPOKINI et al., 2021 | Revisão narrativa | Discutiu mecanismos fisiopatológicos: deficiência de PTH → hipocalcemia refratária + hiperfosfatemia → precipitação de sais de cálcio em gânglios da base. Pacientes com sinais extrapiramidais semelhantes ao parkinsonismo apresentaram progressão clínica mesmo com suplementação convencional de cálcio e vitamina D. |
KHAN et al., 2021 | Série de casos observacional | Pacientes em diálise terminal com hipocalcemia persistente evoluíram com convulsões refratárias, parkinsonismo secundário e déficits cognitivos. Destacou a importância da TC como exame diagnóstico e alertou que a reversão clínica é limitada mesmo após correção metabólica. |
SARNA et al., 2023 | Série de casos com revisão crítica | Evidenciou manifestações neuropsiquiátricas (depressão, ansiedade, psicose) associadas a calcificações extensas. Demonstrou correlação entre o grau de calcificação e sintomas cognitivos/psiquiátricos. Recomenda rastreio neuropsicológico em pacientes dialíticos com distúrbios minerais. |
SHAH et al., 2023 | Revisão sistemática | Estimou prevalência de até 25% de calcificações cerebrais em pacientes com hipoparatireoidismo crônico. Sintomas variaram de tetania hipocalcêmica a parkinsonismo. Reforçou que a TC é o exame de escolha e que a normalização laboratorial nem sempre reverte déficits neurológicos estabelecidos. |
SHU et al., 2023 | Revisão de neuroimagem com casos clínicos | Mostrou padrões característicos de calcificação: bilaterais, simétricas, predominantes em gânglios da base e cerebelo. Pacientes com maior carga calcificada apresentaram mais distúrbios de movimento, epilepsia e déficit cognitivo. Reforçou que as alterações persistem mesmo após correção metabólica. |
SUBBIAH et al., 2022 | Revisão narrativa com enfoque metabólico | Relacionou CKD-MBD e Fahr, destacando o papel da redução da proteína inibidora de calcificação (fetuin-A) em pacientes dialíticos. Mostrou que calcificações cerebrais se associam a risco cardiovascular aumentado. Defendeu manejo precoce e rigoroso do metabolismo cálcio-fósforo. |
SUPIT et al., 2024 | Estudo observacional multicêntrico | Pacientes em hemodiálise de longo prazo com hipoparatireoidismo e fósforo mal controlado tiveram maior prevalência de calcificações cerebrais. Sintomas: parkinsonismo, convulsões e declínio cognitivo. Identificou associação entre Fahr e maior mortalidade em 5 anos, sugerindo rastreio com TC como ferramenta prognóstica. |
ALYOUSEFI, 2021 | Relato de caso clínico detalhado | Descreveu TEP maciço em paciente jovem usuária de AOC após COVID-19, com dímero-D > 4.000 ng/mL e êmbolos extensos em angiotomografia. Destacou efeito sinérgico entre fatores transitórios (infecção viral) e hormonais (estrogênio) na hipercoagulabilidade. Evolução favorável com anticoagulação plena, mas evidenciou que mesmo mulheres sem trombofilia hereditária podem evoluir com TEP fatal sob uso de AOCs. |
GRIS et al., 2022 | Revisão integrativa com enfoque em trombofilias adquiridas | Analisou a associação de AOCs com síndrome antifosfolípide (SAF). Demonstrou risco até 8 vezes maior de TEP em mulheres com anticorpos antifosfolípides em uso de AOCs. Concluiu que a contracepção combinada deve ser contraindicada em SAF e recomendou triagem laboratorial em casos de histórico pessoal/familiar de trombose. |
LEWCZUK et al., 2022 | Relato de caso com revisão de literatura | Relatou TEP maciço e choque obstrutivo em usuária de AOC de 3ª geração. Paciente necessitou trombólise sistêmica com alteplase. Estudo reforçou que o risco de TEV é 3x maior com drospirenona em relação ao levonorgestrel. Evidenciou importância da anamnese com ênfase em uso de AOCs em pacientes jovens com dispneia aguda. |
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A síndrome de Fahr secundária ao hipoparatireoidismo em pacientes em hemodiálise crônica é uma condição rara, porém cada vez mais reconhecida como complicação dos distúrbios minerais associados à insuficiência renal. Os estudos analisados demonstram que a deficiência de PTH, associada à hipocalcemia persistente e hiperfosfatemia, cria um ambiente favorável à precipitação de sais de cálcio em estruturas cerebrais, particularmente nos gânglios da base e cerebelo. Esse processo resulta em manifestações neurológicas e psiquiátricas variáveis, muitas vezes confundidas com complicações próprias da uremia ou de eventos vasculares cerebrais, o que contribui para subdiagnóstico.
Do ponto de vista diagnóstico, a tomografia computadorizada de crânio se consolida como método de eleição para detecção das calcificações típicas, sendo superior à ressonância magnética nesse contexto. A interpretação clínica, entretanto, deve ser integrada a dados laboratoriais, incluindo cálcio, fósforo e PTH séricos, para estabelecer a relação causal com o hipoparatireoidismo. O manejo envolve suplementação de cálcio, administração de vitamina D ativa e ajuste do regime dialítico, mas a literatura mostra que, em muitos casos, os déficits neurológicos são irreversíveis, sobretudo quando o diagnóstico é tardio.
Por fim, destaca-se a necessidade de rastreamento precoce de pacientes em hemodiálise com distúrbios minerais persistentes, especialmente aqueles com hipoparatireoidismo refratário. A identificação precoce da síndrome de Fahr permite a adoção de medidas preventivas e terapêuticas que podem minimizar a progressão das calcificações e melhorar o prognóstico funcional. Além disso, a condição deve ser compreendida não apenas como uma complicação neurológica isolada, mas também como marcador sistêmico de risco cardiovascular e de mortalidade em longo prazo, exigindo uma abordagem multidisciplinar e vigilância contínua.
REFERÊNCIAS
ARRUDA, R. C. et al. Calcificações dos núcleos da base em paciente com hipoparatireoidismo e insuficiência renal crônica: relato de caso. Arquivos de NeuroPsiquiatria, v. 79, n. 6, p. 493-498, 2021.
KALAMPOKINI, S. et al. Hypoparathyroidism and Fahr’s syndrome: pathophysiological mechanisms and clinical implications. Clinical Endocrinology, v. 95, n. 3, p. 377-384, 2021.
KHAN, S. et al. Secondary Fahr’s syndrome in end-stage renal disease patients with hypocalcemia: diagnostic challenges and management strategies. Journal of Nephrology, v. 34, n. 4, p. 1125-1133, 2021.
SARNA, J. R. et al. Neuropsychiatric manifestations of Fahr’s syndrome in chronic kidney disease: review and case series. Journal of Neurological Sciences, v. 447, p. 120-128, 2023.
SHAH, A. et al. Basal ganglia calcification in dialysis patients with hypoparathyroidism: a systematic review of clinical features and outcomes. Kidney International Reports, v. 8, n. 2, p. 145-153, 2023.
SHU, Y. et al. Neuroimaging patterns of Fahr’s syndrome secondary to hypoparathyroidism in chronic hemodialysis: a case-based review. Neuroradiology, v. 65, n. 1, p. 75-84, 2023.
SUBBIAH, V. et al. Metabolic bone disorders and basal ganglia calcification: link between hypoparathyroidism, hemodialysis and Fahr’s syndrome. Endocrine Practice, v. 28, n. 11, p. 1145-1153, 2022.
SUPIT, C. et al. Chronic kidney disease-mineral bone disorder and Fahr’s syndrome: clinical outcomes in long-term hemodialysis patients. Clinical Kidney Journal, v. 17, n. 1, p. 65-73, 2024.
¹Médica, egressa do Centro Universitário de Manhuaçu (UNIFACIG), e-mail: gramatteisantos@gmail.com;
²Médico, egresso da Universidade do Vale do Aço – AFYA UNIVAÇO, e-mail: carlospabloqg@gmail.com;
³Médica, egressa da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM – Campus Teófilo Otoni), e-mail: vitoriamendoncam@gmail.com;
⁴Médica, Coordenadora do Serviço de Neurologia do Hospital Irmã Denise (CASU), em Caratinga, MG; Preceptora da Residência de Clínica Médica – FUNEC; Professora da unidade de ensino de Neurologia em Clínica Médica do curso de Medicina – Centro Universitário de Caratinga – UNEC; e-mail: elenaramachado@hotmail.com.