REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma102402041955
Pedro Figueiredo Guimarães1
Bianca de Figueiredo Moreira Andrade2
Natalia Silveira Ferreira Figueiredo Guimarães3
Guilherme Mansur4
Lucas Silva Sousa5
Sâmela Carvalho Ramos Dutra6
Francisco Antônio Dias de Azeredo Bastos7
Fernando Dias de Azeredo Bastos8
Dionisio de Figueiredo Lopes9
Resumo:
A Dor Facial (DF) é uma entidade clínica frequente e de etiologia variável, podendo ser, por vezes, a única queixa de diversas patologias originadas das estruturas cranianas. Na prática clínica a identificação da causa, investigação necessária e plano terapêutico, se mostram um desafio mesmo para profissionais experientes.
A DF pura se apresenta sem sinais neurológicos e compreende uma gama de etiologias, como: rinossinusites, disfunção da articulação temporo mandibular, desordem das estruturas da cavidade oral e glândulas salivares, dor referida, DF persistente idiopática e por fim raras síndromes com múltiplas causas que cursam com DF. Dentre tais patologias raras, como já proposto pelo relato, é importante citar a Síndrome de Eagle como um diagnóstico diferencial da DF que, mesmo que infrequente, apresenta significância clínica uma vez que é rotineiramente sub-diagnosticada, levando o paciente a percorrer um longo e incerto caminho até um possível diagnóstico.
Palavras-Chave: Dor Facial; Síndrome de Eagle
Introdução:
A Dor Facial (DF) é uma entidade clínica frequente e de etiologia variável, podendo ser, por vezes, a única queixa de diversas patologias originadas das estruturas cranianas. Na prática clínica a identificação da causa, investigação necessária e plano terapêutico, se mostram um desafio mesmo para profissionais experientes.
Na abordagem da DF, com sua etiologia multifatorial, necessita um exame clínico apurado associado a critérios semiológicos para caracterização da dor, que compreendem: localização; início (súbito, gradual); distribuição circadiana (dia, noite, indiferente); curso e progressão (constante, paroxística-recorrente, lenta/rápida progressão); duração; qualidade ( pontada, queimação, compressão); intensidade; fatores precipitantes e fatores de alívio; sintomas associados e sinais. Podendo, posteriormente, classificadas no seguintes grandes grupos: Neuralgias; Síndromes de dor facial com sintomas e sinais de nervos cranianos (NC); Cefaleias Autonômicas do Trigêmeo (síndromes de dor facial episódicas com sinais autonômicos focais); Dor facial pura.
Neuralgias se apresentam, na região da face, com dor de início súbito, intensa, lancinante, aguda, em pontada ou queimação/ardor, com duração de apenas alguns segundos a menos de dois minutos e se repete dentro de curtos períodos de tempo, sendo muitas vezes desencadeada por estímulos sensoriais ou mecânicos. Sendo este um padrão característico, como nas neuralgias: do Trigêmeo, Glossofaringeal, Supraorbital.
No grupo das Síndromes com sintomas e sinais de nervos cranianos, a dor na face é, na maioria dos casos, a queixa principal, sendo associada a sinais e sintomas causados por lesão de um ou mais nervos cranianos. O grupo mais expressivo corresponde às síndromes álgicas localizadas dentro e/ou na região periocular que afetam o nervo óptico ou o sistema oculomotor. As mais síndromes de DF são compostas por algia facial associada a sintoma ou sinais de lesão do NC, podendo cursar com paralisia facial, hipoacusia, desequilíbrio, disfagia, disfonia, disartria e outros, a depender do nervo lesado.
A Cefaleia Autonômica do Trigêmeo compreende 3 grandes grupos: cefaleia em salvas; hemicraniana paroxística; Cefaleia neuralgiforme unilateral de curta duração associada a hiperemia conjuntival e lacrimejamento ipsiloterais (Síndrome de S.U.N.C.T.). São apresentações clínicas relativamente incomuns de cefaleia primária caracterizada por ataques de curta duração, unilateral, localizadas, preferencialmente, em primeira divisão do trigêmeo ( região fronto-orbital), também associada a sinais de ativação autonômica parassimpática ipsilateral como lacrimejamento, hiperemia conjuntival, edema palpebral, rinorreia, miose e ptose.
A DF pura se apresenta sem sinais neurológicos e compreende uma gama de etiologias, como: rinossinusites, disfunção da articulação temporo mandibular, desordem das estruturas da cavidade oral e glândulas salivares, dor referida, DF persistente idiopática e por fim raras síndromes com múltiplas causas que cursam com DF. Dentre tais patologias raras, como já proposto pelo relato, é importante citar a Síndrome de Eagle como um diagnóstico diferencial da DF que, mesmo que infrequente, apresenta significância clínica uma vez que é rotineiramente sub-diagnosticada, levando o paciente a percorrer um longo e incerto caminho até um possível diagnóstico.
Descrição do Caso:
Paciente de 39 anos, sexo feminino, há 4 anos, apresentando dor em região temporal de aspecto em queimação, irradiando para hemiface esquerda, região cervical e pavilhão auditivo. Relatava como fatores desencadeantes “conversar muito” e estimulantes (cafeína e chocolates), melhorando apenas, parcialmente, com analgésicos comuns. Após refratariedade e investigação clínica, foi solicitada tomografia computadorizada de seios da face que evidenciou apófises estilóides de 4,3 cm de comprimento (aumentadas).
Foi submetida a abordagem cirúrgica transoral, com microdissecção da apófise distal à esquerda e ressecção de cerca de 1,5 cm. Evoluiu bem no pós operatório, recebendo alta sem queixas álgicas.
Discussão:
A Síndrome de Eagle é descrita por uma série de sintomas causados por um alongamento do processo estiloide e/ou mineralização (calcificação ou ossificação) total ou parcial do ligamento estilo-hioide. Entretanto, apesar de não haver consenso, adota-se o limite superior de 3 cm de comprimento. Reportada apenas como viração anatômica, pela primeira vez, por Pietro Marchetti, 1652, Padua. Foi, posteriormente, elucidada e descrita como síndrome por Watt Eagle, 1937. E subdividida em duas formas de síndrome por Eagle em 1948 e 1949.
Descreveu então a SE clássica como dor faríngea, unilateral, persistente, reverbera para orelha ipsilateral, atribuindo os sintomas a um tecido cicatricial adjacente ao processo estiloide após amigdelectomia. Já a forma vascular da síndrome, não relacionada a amigelectomia, foi atribuída a um choque da artéria carótida interna, extracraniano, com o processo estiloide aumentado, podendo causar compressão ou dissecção da artéria e consequente isquemia ou hemorragia.
Epidemiologicamente a SE é controversa, entretanto, acredita-se que esteja presente em 4% da população dos quais 4% apenas apresentam sintomas, sendo 93% com alongamento bilateral (Eagle, 1949). São discretamente mais comuns em mulheres. Embora exista divergências entre a prevalência, é consenso que apenas um pequeno número de casos com alongamento manifeste sintomas. Sabe-se também que embora a maioria dos casos se apresentem com o processo alongado bilateralmente, o padrão dos tende a ser unilateral. Casos com alongamento bilateral e sintomas também bilaterais são raros.
O processo estiloide tem sua origem embriológica no segundo arco faríngeo e , anatomicamente, é uma projeção óssea, fina, alongada e cilíndrica do osso temporal, localizado entre as artérias carótidas interna e externa, veia jugular interna e antero-medial ao forame estilomastoideo. Três músculos ( o estiloglosso , estilofaríngeo e estilo-hioide ) estão ligados ao processo estilóide estendendo-se até a língua , faringe e osso hióide , respectivamente. O estiloglosso e os músculos estilo-hioide são inervados pelos nervos hipoglosso e faciais , respectivamente. O músculo estilofaríngeo é inervado pelo nervo glossofaríngeo.
A direção e angulação do alongamento são responsáveis pela irritação de várias estruturas anatômicas que estão localizadas adjacentes ao processo e o ligamento. Lateralmente encontram-se os nervos faciais e hipoglosso, artéria occipital e a face posterior do músculo digástrico. O nervo facial, importante na clínica de dor, emerge do forâme e passa lateralmente através da glândula parótida. Medialmente encontram-se a veia jugular interna, os nervos acessório, hipoglosso, vago e glossofaríngeo, e a artéria carótida interna.
A SE tem sua origem etiológica ainda pouco esclarecida. Um número considerável de teorias tentam correlacionar anatomia, embriologia e fisiologia com a finalidade de elucidar a síndrome, entretanto a causa exata continua desconhecida.
Os sintomas e sua apresentação dependem de uma série de variáveis, incluindo comprimento e largura do processo estiloide, ângulo, direção do desvio e seu grau de ossificação.
A SE clássica normalmente ocorre após amigdalectomia, entretanto outras cirurgias faríngeas podem cursar com a doença. Por vezes, é possível palmar uma massa patente é palpável na fossa tonsilar, e tal manobra pode exacerbar os sintomas. O quadro clínico é rico e pode se apresentar com dor (orelha, pescoço, oral, maxila), disfonia, disfagia, odinofagia, tosse persistente, sensação de corpo estranho , trismo, dor ao mobilizar cabeça, sialorréia, dentre outras. Todos esses sintomas estão relacionados à irritação dos pares cranianos V, VII, IX ou X, situados de forma adjacente ao processo estiloide.
Já na SE arterial o processo estilóide alongado e desviado ligeiramente do seu sentido habitual pode entrar em conflito com as artérias carótida interna ou externa , estimulando o plexo nervoso simpático que acompanha as acompanham, causando dor durante a palpação da artéria. A estimulação da artéria carótida interna provoca dor ao longo da artéria, frequentemente, acompanhada por dor ocular e cefaleia parietal .Os sintomas também podem incluir afasia, perturbações visuais , fraqueza ou até mesmo episódios de síncope. Fazem importante diagnóstico diferencial com cefaleia em salvas e enxaqueca. Por outro lado, a estimulação da artéria carótida externa provoca dor facial, principalmente na infraocular e menos comum dor nos dentes. Pode também revelar aterosclerose, no exame histológico da parede do vaso.
Antes do diagnóstico grande parte dos pacientes já foram tratados e diagnosticados erroneamente com outras patologias devido a gama de diagnósticos diferenciais que a SE possui. O diagnóstico da síndrome está pautado em 4 pilares: manifestações clínicas, palpação do processo na fossa tonsilar; exames radiológicos; teste de infiltração da lidocaína. A Tomografia computadorizada com reconstrução em 3D é o padrão ouro. A abordagem terapêutica pode ser conservadora ou cirúrgica que visa remover o processo estiloide. O tratamento de escolha é guiado pelos sintomas e sua intensidade. Entretanto, é recomendado sempre o início com tratamento conservador, que consiste em aplicação local de medicação, bloqueio anestésico e até fratura manual do processo sob sedação. Por sua vez, o tratamento cirúrgico propõe duas abordagens: extra-oral (ou transcervical) ou intra-oral ( ou transfaringea), ambas visando exérese do processo estiloide ipsilateral aos sintomas.
Conclusão:
Portadores da SE, antes do diagnóstico correto, já foram tratados erroneamente para outras patologias devido a gama de diagnósticos diferenciais que a SE possui. Seu diagnóstico está pautado em 4 pilares: manifestações clínicas, palpação do processo na fossa tonsilar; exames radiológicos; teste de infiltração da lidocaína. A Tomografia computadorizada com reconstrução em 3D é o padrão ouro. O tratamento pode ser conservador ou cirúrgico, este podendo ser feito via extra-oral (transcervical) ou intra-oral (transfaríngea), ambos visando exérese do processo estiloide ipsilateral aos sintomas.
A Dor Facial (DF) é uma entidade clínica frequentemente comum a diversas patologias, de forma que a sua investigação se mostra um desafio mesmo para profissionais experientes. Sua abordagem inclui um exame clínico apurado associado a critérios semiológicos para caracterização da dor, que compreendem: localização; início; distribuição circadiana; curso e progressão; duração; qualidade; intensidade; fatores precipitantes e fatores de alívio; além dos sinais e sintomas associados. Pode-se, posteriormente, classificá-la em um dos seguintes grupos: Neuralgias; Síndromes de dor facial com sintomas e sinais de nervos cranianos (NC), Cefaleias Autonômicas do Trigêmeo e Dor facial pura. Por fim, a Síndrome de Eagle compreende um importante e difícil diagnóstico diferencial da DF, sendo necessário conhecimento prévio e experiência para sua identificação e tratamento.
Referências Bibliográficas:
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> Atypical facial pain – a diagnostic challenge – Reprinted from Australian Family Physician Vol. 34, No. 8, August 2005
> Facial pain: clinical differential diagnosis – Massimiliano M Siccoli, Claudio
L Bassetti, Peter S Sándor – http://neurology.thelancet.com Vol5 March2006
> M. Navez et al. / La revue de médecine interne 26 (2005) 703–716
> BRITISH DENTAL JOURNAL VOLUME 220 NO. 7 APR 8 2016
> Eagle’s Syndrome: A Review of the Literature – MARIA PIAGKOU,* SOPHIA ANAGNOSTOPOULOU, KONSTANTINOS KOULADOUROS, AND GIANNOULIS PIAGKOS – Clinical Anatomy 22:545–558 (2009)
1Guimarães, P.F. – Hospital de Neurologia Santa Mônica, Aparecida de Goiânia – Go, Br. – pedrofigueiredog@gmail.com
2Andrade, B.F.M. – Hospital de Neurologia Santa Mônica, Aparecida de Goiânia – Go, Br.
3Guimarães, N.S.F.F. – Hospital de Neurologia Santa Mônica, Aparecida de Goiânia – Go, Br
4Mansur, G. – Departamento de Neurocirurgia, Wenex Medical Center, Ohio State University, Columbus – Ohio, USA.
5Sousa, L.S. – Hospital de Neurologia Santa Mônica, Aparecida de Goiânia – Go, Br.
6Dutra, S.C.R. – UniEvangélica, Anápolis – Go, Br.
7Bastos, F.A.D.A. – Hospital de Neurologia Santa Mônica, Aparecida de Goiânia – Go, Br.
8Bastos, F.D.A. – Hospital de Neurologia Santa Mônica , Aparecida de Goiânia – Go, Br.
9Lopes, D.F. – Hospital de Neurologia Santa Mônica, Aparecida de Goiânia – Go, Br..