SÍNDROME DE DENYS-DRASH: UM RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7670522


Vitória Andrade Nunes
Gabriel Antonio Wanderley Cavalcante
Aline Tenório Lins Carnaúba
Juliana Lins Loureiro Soutinho
Geórgia de Araújo Pacheco


RESUMO

A Síndrome de Denys-Drash é uma doença genética rara, caracterizada por genitália ambígua, doença renal progressiva e tumor de Wilms. O objetivo desse trabalho é relatar o caso raro de uma criança do sexo feminino que recebeu o diagnóstico de Síndrome de Denys-Drash, evoluindo com necessidade de transplante renal. No caso relatado uma paciente do sexo feminino, aos um ano e seis meses de idade, foi diagnosticada com tumor de Wilms e submetida a nefrectomia unilateral seguida de quimioterapia. Aos nove anos, apresentou um quadro de síndrome nefrótica, cursando com rápida evolução para perda da função renal. No decorrer da investigação foi solicitado o painel genético para síndrome nefrótica, como resultado houve a positividade para o gene WT1, achado compatível com o diagnóstico de síndrome de Denys-Drash. A partir deste diagnóstico, a paciente foi orientada quanto a necessidade de transplante renal, como única forma de tratamento com a finalidade de cura. As informações e observações foram reunidas conforme o método de pesquisa do estudo de caso. 

Palavras-chave: síndrome de Denys-Drash, insuficiência renal, tumor de Wilms.

ABSTRACT

Denys-Drash Syndrome is a rare genetic disorder characterized by ambiguous genitalia, progressive kidney disease and Wilms tumor. The objective of this paper is to report the rare case of a female child diagnosed with Denys-Drash Syndrome, evolving with the need for kidney transplantation. In the case report, a female patient, at one year and six months of age, was diagnosed with Wilms tumor and underwent unilateral nephrectomy followed by chemotherapy. At nine years of age, she presented with nephrotic syndrome, progressing quickly to loss of renal function. During the investigation, a genetic panel for nephrotic syndrome was requested, and the result was positive for the WT1 gene, a finding compatible with the diagnosis of Denys-Drash syndrome. Based on this diagnosis, the patient was oriented as to the need for renal transplantation, as the only form of treatment with the purpose of cure. The information and observations were collected according to the case study research method.

Keywords: Denys-Drash Syndrome, kidney failure, Wilms tumor.

1. INTRODUÇÃO 

A Síndrome de Denys-Drash é uma doença genética rara, caracterizada por genitália ambígua, doença renal progressiva e tumor de Wilms. Sua descoberta ocorreu na década de sessenta e, somente alguns anos após, foi identificado que mutações no gene supressor de tumor de Wilms (WT1), envolvido no desenvolvimento gonadal, era a causa dessa doença1

O tumor de Wilms pode ser o primeiro sintoma da doença ou pode ser descoberto mais tarde, durante o curso da nefropatia. Esta, geralmente é descoberta nos primeiros meses de vida e se apresenta como síndrome nefrótica. Já o comprometimento genital, varia de testículos não descidos com hipospádia perineal a genitália externa feminina normal com cariótipo 46XY2

O objetivo desse estudo é relatar o caso de uma criança do sexo feminino que recebeu o diagnóstico raro de Síndrome de Denys-Drash, descrevendo os primeiros sintomas, a evolução da doença, o diagnóstico e conduta até o desfecho final. Isso, através do método de pesquisa do estudo de caso, uma vez que através da análise foram reunidas informações sobre o curso clínico da doença e, naturalmente, foram registradas. Diante da raridade da doença, o estudo proporciona a familiarização com a mesma e, ainda pode ser útil na tomada de decisão frente a outras situações semelhantes. 

2. DESENVOLVIMENTO

Este relato foi realizado no Centro Universitário CESMAC, seguindo a Instrução Normativa 466/2012 e foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da referida Universidade.

Descrição do caso

Paciente do sexo feminino, aos um ano e seis meses de idade, foi diagnosticada com tumor de Wilms. Foi submetida, aos dois anos e seis meses, à nefrectomia unilateral com quimioterapia neoadjuvante e adjuvante, para tratamento do tumor, e esteve fora de tratamento por seis anos.  Iniciou, aos nove anos, quadro de síndrome nefrótica, cursando com hipertensão leve, anasarca e proteinúria, com rápida evolução para perda de função renal e necessidade de hemodiálise de urgência, devido à lesão renal aguda com advertência. Recebeu tratamento com corticóide, pulsoterapia com metilprednisolona, mas sem melhora da condição clínica.

Haja vista a resistência ao tratamento com corticóide, levantou-se suspeita de síndrome nefrótica congênita, patologia causada por alteração no genoma do indivíduo e não por mecanismos imunológicos. Somado a isso, o fato de a paciente ter apresentado tumor de Wilms também corrobora com a hipótese diagnóstica. Logo, não foi indicado o tratamento com imunossupressores (passo a ser seguido na terapêutica da síndrome, se não tivesse a suspeita de caráter genético). Na investigação inicial foram solicitados exames laboratoriais, biópsia renal e painel genético para síndrome nefrótica.

Os exames admissionais com relevância para o caso foram: creatinina: 6,84 mg/dL; ureia: 126 mg/dL; potássio: 5,9 mEq/L; complemento sérico C4: 0,21 g/L; complemento sérico C3: 0,9 g/L. Demais exames sem alterações.

As sorologias – para citomegalovírus, rubéola, toxoplasmose, hepatites A, B e C e parvovírus B19 – foram negativas. Sorologia para Epstein-Barr IgM positiva e IgG negativa. Auto anticorpos fator anti nuclear (FAN), anti-Sm, anti-SSA/RO, anti-SSB/LA, anti-DNA e cardiolipina IgM negativos e pesquisa de anticoagulante lúpico fracamente positiva. 

Foi realizada biópsia renal, que identificou glomerulonefrite proliferativa em fase avançada (11 glomérulos globalmente esclerosados e 3 com esclerose segmentar, em 17 amostrados) com repercussão túbulo-intersticial moderada, achado compatível com lúpus ou nefrite lúpus-like. A partir disso, foi iniciada terapia com hidroxicloroquina. Entretanto, na investigação subsequente não foi identificado nenhum critério diagnóstico para lúpus.

Para o diagnóstico preciso e para que a paciente não fizesse uso de imunossupressor de modo desnecessário, solicitou-se a realização de painel genético para síndrome nefrótica em conjunto com os exames descritos acima. O resultado apresentou positividade para o gene WT1, achado compatível com o diagnóstico de síndrome de Denys-Drash.

A partir deste diagnóstico, a paciente foi orientada quanto a necessidade de transplante renal como forma de tratamento definitivo e encaminhada ao centro de referência. Foi realizado transplante renal com sucesso e após três anos do diagnóstico, paciente segue clinicamente estável e sem necessidade de hemodiálise.  

3. DISCUSSÃO

A tríade clássica de nefropatia, pseudo-hermafroditismo e Tumor de Wilms (TW) é conhecida como Síndrome de Denys-Drash (SDD) e resulta de mutações no exon 8 ou 9 do gene WT1. Sua prevalência é desconhecida, mas foram descritos 150 casos até o momento. O WT1 é expresso nos podócitos e desempenha um papel importante em diferentes fases do desenvolvimento das gônadas, rins e do trato urogenital3,4 .

O gene em questão codifica uma proteína dedo de zinco crucial para a regulação de muitos genes por ligação ao DNA. Mutações heterozigóticas na linha germinativa em tal gene, principalmente nos exons descritos acima, são causas bastante comuns de síndrome nefrótica resistente a esteroides e são observadas em quase todos os pacientes afetados com o SDD5

No painel genético da paciente, foi identificada heterozigose no gene WT1. A correlação deste gene com sintomas clínicos indica que esta variante é definitivamente patogênica e pode causar síndrome de Denys-Drash.

Um conceito mais recente, de SDD incompleta ou atípica, engloba uma síndrome clínica que cursa com nefropatia com esclerose mesangial difusa associada ao tumor de Wilms ou disgenesia gonadal6.

A Nefropatia presente na síndrome frequentemente ocorre como esclerose mesangial difusa antes dos dois anos de idade e geralmente progride para doença renal terminal no início da vida. Pacientes 46, XY geralmente apresentam graus variados de disgenesia testicular e diferentes fenótipos com uma série de anormalidades genitais externas e internas. Por outro lado, os pacientes 46, XX geralmente exibem genitália externa normal. O TW, uni ou bilateral, pode ser o primeiro sintoma da doença ou pode ser descoberto mais tarde, durante o curso da nefropatia7,8

No caso relatado, a história da doença se inicia com o surgimento de TW como primeiro sintoma, condizente com os casos já publicados na literatura atual. Já o acometimento renal ocorreu tardiamente, aos nove anos, evoluindo de forma rápida para doença renal crônica em estágio terminal. Além disso, o resultado da biópsia levantou a suspeita de nefrite lúpica ou lúpus-like, deixando de ser uma hipótese apenas quando o teste terapêutico com hidroxicloroquina não obteve sucesso. Não houve comprometimento gonadal durante todo o curso clínico – o que é predominante em pacientes 46, XX e define a síndrome como incompleta. 

Dado o curso clínico bastante variável da doença, o manejo é de difícil execução. Em um estudo feito por Gariepy-assal, L; et al9 e Auber, F; et al10. O objetivo foi descrever a evolução da síndrome e a gama de estratégias terapêuticas. Duas abordagens principais de manejo foram propostas no trabalho em questão. A primeira foi realizada nefrectomia bilateral somente após a progressão da nefropatia para doença renal terminal. Já a segunda abordagem foi a realização de nefrectomia bilateral profilática antes da progressão para insuficiência renal irreversível, para evitar o desenvolvimento do tumor de Wilms e potencialmente encurtar a duração total da diálise. 

No caso em questão, a paciente realizou uma nefrectomia unilateral como medida para tratar apenas o tumor de Wilms, quando descoberto, após um ano e seis meses de idade. Após a evolução para doença renal terminal e a descoberta da síndrome, necessitou de hemodiálise como terapêutica temporária até a realização do transplante renal, única terapia com o objetivo de cura.  

4. CONCLUSÃO

A Síndrome de Denys-Drash é um diagnóstico raro, que faz parte das síndromes nefróticas de origem congênita e exige uma alta suspeição clínica a partir de achados clínicos compatíveis. A abordagem terapêutica deve ser individualizada de acordo com a forma de apresentação de cada paciente. Mesmo com rápida evolução para doença renal terminal e necessidade de transplante, a paciente deste caso apresentou um desfecho favorável, com remissão da doença e boa qualidade de vida.

REFERÊNCIAS

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1JARED, Rowe J. 50 Years Ago in TheJournalofPediatrics: Denys-Drash Syndrome links developmental biology to oncogenesis.  Disponível em: https://www.jpeds.com/action/showPdf?pii= S0022-3476%2819%2931503-3. Acesso em: 08 de fev. de 2022.
2CAMPANA, Neri Georgina Cobas et al. Síndrome de Denys-Drash: Presentación de un caso. Revista Cubana Pediatriav. 77, n. 1, março de 2005. Disponível em: <http://scielo.sld.cu/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003475312005000100010&lng=es&nrm=iso>.  Acesso em: 07 de nov. de 2022.
3KARMILA, A B et al.Focal Segmental Membranoproliferative Glomerulonephritis: A Histological Variant of Denys-Drash Syndrome. In: Fetal and pediatric pathology. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31707902/. Acesso em:12 de out. de 2022.
4AKRAMOV, NR; SHAVALIEV, RF; OSIPOVA, IV. New mutation in WT1 gene in a boy with an incomplete form of Denys-Drash syndrome. In: A CARE-compliant case report. Medicine (Baltimore). Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8133155/. Acesso em: 10 de jan. de 2022.
5MEGREMIS, S; et al. Broad and unexpected phenotypic expression in Greek children with steroid-resistant nephrotic syndrome due to mutations in the Wilms’ tumor 1 (WT1) gene. In: European journal of pediatrics, vol. 170,12 (2011). Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21499692/. Acesso em: 11 de dez. de 2021.
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7GUARAGNA, MS; et al. WT1 Haploinsufficiency Supports Milder Renal Manifestation in Two Patients with Denys-Drash Syndrome. In: Sexual development. Genetics, molecular biology, evolution, endocrinology, embryology, and pathology of sex determination and differentiation. Vol. 11,1 (2017): 34-39. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28081536/ Acesso em: 01 de dez. de 2021.
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