REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12749810
Daniel Antunes Pereira1; Vinícius Freitas Bastos2; Lohan Oliveira Brito3; Thatiane Silva Guimarães4; Olga de Almeida Mastache5; Diego de Lima Moura6; Cássia Santos de Lima Menezes7; Antônio Carlos de Freitas da Silva8; Amanda Menescal Sias Lins9; João Camilo Ferreira de Oliveira10; Michel Rodrigues da Silva11; Gabriella Telles Almeida12; Jovana Dardengo Peres de Freitas Lemos13; Yan Fidelis Santos de Lima14
RESUMO
Este artigo apresenta o caso de uma paciente de 32 anos com Síndrome Mielodisplásica Hipoplásica que desenvolveu Síndrome de Budd-Chiari pós COVID-19, complicando o manejo clínico devido à coagulopatia induzida pelo vírus. A paciente apresentou hemorragia digestiva alta e trombocitopenia, tornando o uso de anticoagulantes inviável. A endoscopia digestiva terapêutica, com ligadura elástica de varizes esofágicas, foi crucial para o controle da hemorragia. A abordagem multidisciplinar e os cuidados intensivos foram essenciais para a estabilização e recuperação da paciente. Além disso, o uso de Eculizumabe aumentou o risco de infecções graves, exigindo um tratamento antimicrobiano rigoroso. Este caso destaca a complexidade do manejo de complicações tromboembólicas e infecciosas em pacientes hematológicos com COVID-19, enfatizando a importância de uma abordagem personalizada e integrada.
Palavras-chave: Síndrome de Budd-Chiari, COVID-19, Síndrome Mielodisplásica, Tromboembolismo
ABSTRACT
This article presents the case of a 32-year-old patient with Hypoplastic Myelodysplastic Syndrome who developed Budd-Chiari Syndrome post-COVID-19, complicating clinical management due to coagulopathy caused by the virus. One patient presented upper gastrointestinal bleeding and thrombocytopenia, making the use of anticoagulants unfeasible. Therapeutic digestive endoscopy, with mercury ligation of esophageal varices, was crucial for controlling hemorrhage. The multidisciplinary approach and intensive care were essential for the patient’s stabilization and recovery. Furthermore, the use of Eculizuma increased the risk of serious infection, requiring specific antimicrobial treatment. This case highlights the complexity of managing thromboembolic and infectious complications in hematology patients with COVID-19, emphasizing the importance of a personalized and integrated approach.
Keywords: Budd-Chiari Syndrome, COVID-19, Myelodysplastic Syndrome, Thromboembolism
INTRODUÇÃO
A Síndrome Mielodisplásica Hipoplásica (SMH) é uma desordem hematológica caracterizada pela ineficaz produção de células sanguíneas, levando a citopenias e à necessidade frequente de transfusões sanguíneas. Esta condição é frequentemente resistente aos tratamentos de primeira linha, como agentes hipometilantes e imunossupressores, o que complica ainda mais o manejo clínico dos pacientes afetados. A patogênese da SMH envolve mutações genéticas e anormalidades citogenéticas que interferem na maturação das células-tronco hematopoéticas. A doença pode evoluir para leucemia mieloide aguda, aumentando a morbidade e a mortalidade associadas(FATTIZZO et al., 2021).
A aplasia de medula óssea é uma condição em que a medula óssea não produz células sanguíneas suficientes, resultando em pancitopenia. Esta condição pode ocorrer isoladamente ou como parte de síndromes mielodisplásicas. Pacientes com aplasia de medula apresentam um risco elevado de infecções, hemorragias e complicações trombóticas, especialmente em contexto de infecções virais como a COVID-19. A gestão clínica inclui suporte transfusional, imunossupressores e, em casos severos, transplante de células-tronco hematopoéticas(FATTIZZO et al., 2021; VOTAVOVA; BELICKOVA, 2022).
A COVID-19, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, tem demonstrado uma ampla gama de manifestações clínicas, desde assintomáticas até formas graves que incluem complicações tromboembólicas. Pacientes com doenças hematológicas, como a SMH, estão em maior risco de complicações graves devido à sua condição imunocomprometida e à disfunção hematológica subjacente. A infecção pelo SARS-CoV-2 pode desencadear uma resposta inflamatória exagerada, conhecida como tempestade de citocinas, que pode agravar a disfunção endotelial e predispor a eventos tromboembólicos(IBA; LEVY, 2022).
A COVID-19 é altamente trombogênica, refletindo múltiplas vias tromboinflamatórias, incluindo lesão celular, tecidual e endotelial na patogênese da mesma.
A Síndrome de Budd-Chiari (SBC) é uma condição rara caracterizada pela oclusão das veias hepáticas, levando à hipertensão portal, hepatomegalia e, frequentemente, insuficiência hepática. A etiologia da SBC é diversa, incluindo causas hematológicas, malignidades e infecções. Em pacientes com COVID-19, a coagulopatia associada ao vírus pode precipitar ou agravar a SBC, adicionando uma camada adicional de complexidade ao manejo desses pacientes. A oclusão das veias hepáticas impede a drenagem adequada do sangue do fígado, resultando em congestão hepática, ascite e, eventualmente, cirrose hepática(GRUS et al., 2017; SH. HASSAN et al., 2021).
O manejo da SBC em pacientes com COVID-19 é particularmente desafiador devido à necessidade de anticoagulação em um contexto de risco elevado de sangramento. Pacientes com SMH frequentemente apresentam trombocitopenia, o que aumenta ainda mais o risco de hemorragia. A escolha do tratamento deve equilibrar cuidadosamente o risco de trombose contra o risco de sangramento, exigindo uma abordagem personalizada e frequentemente multidisciplinar. Estudos têm mostrado que a anticoagulação precoce pode melhorar os desfechos em pacientes com SBC, mas a presença de COVID-19 complica essa abordagem devido à maior propensão para eventos hemorrágicos(SH. HASSAN et al., 2021; SHARMA et al., 2021).
Além das complicações hepáticas, pacientes com SBC e COVID-19 podem desenvolver múltiplas comorbidades, incluindo insuficiência renal, infecções secundárias e complicações respiratórias. A gestão desses pacientes em unidades de terapia intensiva é crítica para estabilizar a função hemodinâmica e tratar complicações emergentes. A combinação de terapias antivirais, antibióticos, suporte hemodinâmico e intervenções cirúrgicas, como a ligadura de varizes esofágicas, pode ser necessária para manejar eficazmente esses casos complexos.
RELATO DE CASO
JMD, feminino, 32, com Síndrome Mielodisplásica Hipoplásica refratária aos tratamentos de primeira linha, em uso de Eculizumabe, iniciou um quadro de Síndrome de Budd-Chiari pós COVID-19 e, Janeiro/2022, apresentando complicações como cirrose, Hipertensão Portal e varizes esofagianas. Devido a quadro trombocitopénico por doença base, contraindicado o uso de anticoagulante, tratamento adequado para Budd-Chiari. Dá entrada em hospital de referência hematológica com quadro de Hemorragia Digestiva Alta de grande monta, evoluindo com choque hemorrágico, sendo encaminhado a Unidade de Terapia Intensiva, recebendo conduta adequada para o choque Hemorrágico, concentrados de hemácias, plasma e concentrado de plaquetas, iniciada drogas vasoativas pela instabilidade hemodinâmica. Após estabilização foi realizada Endoscopia Digestiva Alta com ligadura elástica de varizes de esôfago. Paciente apresentava quadro secundário de pneumonia, com derrame pleural, ascite volumosa, iniciado tratamento com piperacilina+tazobactam e diuréticos com parcimônia, dreno abdominal. Após 45 dias em Unidade de Terapia Intensiva, apresentou melhora do quadro.
DISCUSSÃO
O caso apresentado destaca a complexidade do manejo de pacientes com condições hematológicas pré-existentes que desenvolvem complicações tromboembólicas associadas à COVID-19. A Síndrome de Budd-Chiari, uma complicação rara, mas grave, pode ser exacerbada pela coagulopatia induzida pelo vírus, conforme evidenciado em estudos que relatam aumento significativo de eventos trombóticos em pacientes com COVID-19(SH. HASSAN et al., 2021; ZU et al., 2020).
A decisão de contraindicar o uso de anticoagulantes devido à trombocitopenia ilustra um dilema clínico comum em pacientes hematológicos. A gestão desses pacientes requer um equilíbrio delicado entre o risco de hemorragia e o risco de trombose, que pode ser ainda mais complicado pela presença de COVID-19. A abordagem multidisciplinar e o manejo intensivo em unidade de terapia intensiva foram cruciais para a estabilização da paciente, destacando a importância de cuidados especializados em centros de referência(DURRANI; MACIEJEWSKI, 2019; SHARMA et al., 2021).
O uso de Eculizumabe, um inibidor do complemento, em pacientes com síndromes mielodisplásicas, pode aumentar o risco de infecções graves, incluindo a reativação de CMV. O tratamento adequado dessas infecções é essencial para prevenir complicações adicionais, como observado no caso relatado. A combinação de terapia antimicrobiana de amplo espectro e suporte intensivo foi eficaz na melhora do quadro clínico da paciente(FATTIZZO et al., 2021).
A presença de complicações secundárias, como pneumonia e ascite volumosa, acrescenta outra camada de complexidade ao manejo desses pacientes. O tratamento com antibióticos e diuréticos, bem como a necessidade de drenagem abdominal, ilustra a abordagem multifacetada necessária para tratar pacientes com múltiplas comorbidades e complicações associadas(CAMÕES NEVES et al., 2023; MANCUSO, 2022).
A endoscopia digestiva terapêutica, especificamente a ligadura elástica de varizes esofágicas, desempenhou um papel crucial na estabilização do quadro clínico da paciente, especialmente considerando a contraindicação ao uso de anticoagulantes. A ligadura elástica é uma técnica eficaz para controlar hemorragias varicosas, reduzindo significativamente o risco de ressangramento. Em pacientes com trombocitopenia, como no caso relatado, essa abordagem minimiza o risco de complicações hemorrágicas graves que seriam exacerbadas pelo uso de anticoagulantes.
A eficácia da endoscopia digestiva terapêutica no manejo de hemorragias digestivas altas em pacientes com comorbidades complexas, como SMH e SBC, reforça a importância de intervenções minimamente invasivas que podem ser realizadas com segurança mesmo em cenários de alto risco. A ligadura elástica permite um controle imediato da hemorragia, proporcionando uma janela terapêutica crucial para estabilização hemodinâmica e tratamento das condições subjacentes. Este caso sublinha a necessidade de técnicas avançadas e especializadas para manejar com sucesso pacientes com múltiplas comorbidades e alto risco de complicações.
CONCLUSÃO
O caso relatado demonstra a complexidade do manejo de pacientes com doenças hematológicas que desenvolvem complicações tromboembólicas associadas à COVID-19. A presença de múltiplas comorbidades, como a Síndrome de Budd-Chiari, trombocitopenia e a necessidade de tratamentos imunossupressores, complica ainda mais o tratamento e requer uma abordagem multidisciplinar abrangente. O manejo intensivo em unidades de terapia intensiva, o uso de intervenções terapêuticas endoscópicas e a administração cuidadosa de medicamentos foram cruciais para estabilizar a paciente. Este caso sublinha a importância de um cuidado integrado e personalizado, que deve equilibrar cuidadosamente os riscos de trombose e hemorragia, além de manejar eficazmente infecções e outras complicações secundárias. A experiência clínica adquirida com casos como este é vital para aprimorar as estratégias de tratamento e melhorar os desfechos clínicos de pacientes com condições hematológicas complexas em tempos de pandemia e fora deles.
REFERÊNCIAS
CAMÕES NEVES, J. et al. Budd-Chiari Syndrome Caused by Polycythemia Vera: A Case Report. Cureus, v. 15, n. 9, 19 set. 2023.
DURRANI, J.; MACIEJEWSKI, J. P. Idiopathic aplastic anemia vs hypocellular myelodysplastic syndrome. Hematology. American Society of Hematology. Education Program, v. 2019, n. 1, p. 97–104, 6 dez. 2019.
FATTIZZO, B. et al. Hypoplastic Myelodysplastic Syndromes: Just an Overlap Syndrome? Cancers, v. 13, n. 1, p. 1–20, 1 jan. 2021.
GRUS, T. et al. Budd-Chiari Syndrome. Prague medical report, v. 118, n. 2–3, p. 69–80, 1 jan. 2017.
IBA, T.; LEVY, J. H. Thrombosis and thrombocytopenia in COVID-19 and after COVID-19 vaccination. Trends in cardiovascular medicine, v. 32, n. 5, p. 249–256, 1 jul. 2022.
MANCUSO, A. Budd-Chiari Syndrome Management: Controversies and Open Issues. Diagnostics (Basel, Switzerland), v. 12, n. 11, 1 nov. 2022.
SH. HASSAN, A. A. et al. Budd-Chiari Syndrome: A Case Report of a Rare Presentation of COVID-19. Cureus, v. 13, n. 1, 7 jan. 2021.
SHARMA, A. et al. An Update on the Management of Budd-Chiari Syndrome. Digestive diseases and sciences, v. 66, n. 6, p. 1780–1790, 1 jun. 2021.
VOTAVOVA, H.; BELICKOVA, M. Hypoplastic myelodysplastic syndrome and acquired aplastic anemia: Immune‑mediated bone marrow failure syndromes (Review). International journal of oncology, v. 60, n. 1, 1 jan. 2022.
ZU, M. et al. Review of Budd-Chiari Syndrome. Journal of interventional medicine, v. 3, n. 2, p. 65–76, 1 maio 2020.
1 Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Iguaçu Campus Nova Iguaçu e-mail: danielantunespi@gmail.com
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4 Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Iguaçu Campus Nova Iguaçu e-mail: thatigui@yahoo.com.br
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7 Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Iguaçu Campus Nova Iguaçu e-mail: ddelimamoura@gmail.com
8 Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Iguaçu Campus Nova Iguaçu e-mail: antoniofreitascff@gmail.com
9 Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Iguaçu Campus Nova Iguaçu e-mail: amandasias@gmail.com
10 Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Iguaçu Campus Nova Iguaçu e-mail: joaocamilo.oliveira@hotmail.com
11 Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Iguaçu Campus Nova Iguaçu e-mail: mrsmichel@gmail.com
12 Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Iguaçu Campus Nova Iguaçu e-mail: gabriella.telles@yahoo.com.br
13 Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Iguaçu Campus Nova Iguaçu e-mail: jovanadardengo@hotmail.com
14 Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Iguaçu Campus Nova Iguaçu e-mail: yan.lima2611@gmail.com