REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411291534
Alan José Campos Soares1
Elizangela Camata Boroto2
RESUMO
Introdução: A síndrome compartimental é uma condição clínica definida como o aumento da pressão intersticial sobre a pressão de perfusão capilar dentro de um compartimento osteofascial fechado, podendo comprometer vasos, músculos e terminações nervosas e provocando dano tecidual. O tratamento consiste na realização da fasciotomia, uma abertura cirúrgica dos compartimentos para aliviar a pressão interna e, dessa forma, restabelecer a circulação sanguínea para os tecidos, resultando em uma ferida operatória Objetivo: Apresentar um caso pouco frequente e, assim, mostrar a importância do diagnóstico preciso e o tratamento imediato, pois se trata de uma urgência médica. Descrição do Caso: F.G.S, sexo masculino, 32 anos, deu entrada no pronto socorro dia 14/05/2021 com a queixa de dor e edema em membro inferior direito após trauma contuso por queda em montaria equina, sendo liberado com analgésicos. No dia 15/05/2021 paciente retornou ao pronto socorro com dor refratária à analgesia, parestesia e paresia no pé, edema com empastamento de panturrilha, hematoma importante em fossa poplítea, ausência de pulsos poplíteo e infrapatelar no membro inferior direito. Foi estabelecido o diagnóstico de síndrome compartimental no membro inferior direito. Foi submetido à fasciotomia em compartimentos da perna, embolectomia arterial e ponte arterial poplítea com tronco tibiofibular com veia safena invertida ipslateral. Considerações finais: A história clínica e o exame físico são ferramentas importantes na abordagem inicial do paciente com síndrome compartimental. Depois do início do processo que desencadeia a patologia a síndrome tende a se agravar. Deve-se levar em consideração o diagnóstico quando a dor parecer desproporcional à gravidade da lesão e aumentar por estiramento muscular passivo dentro do compartimento ou se o mesmo estiver tenso. Para se estabelecer o diagnóstico uma alternativa é aferir a pressão nos compartimentos musculares, porém o diagnóstico é essencialmente clínico. A menos que o quadro regrida rapidamente após o tratamento inicial, a realização de fasciotomia não deve ser postergada.
Palavras-Chaves: Síndrome compartimental; dor; exame clínico; fasciotomia.
INTRODUÇÃO
A síndrome compartimental é uma cascata de eventos que se autoperpetua (GOLDMAN,2012). Começa com o edema do tecido que normalmente ocorre após a lesão, como por exemplo, trauma contuso de alta energia. Se o edema ocorre dentro do compartimento fascial, normalmente, no compartimento anterior ou posterior do membro inferior, há pouco espaço para expansão do tecido, dessa maneira, a pressão intersticial (compartimental) aumenta. À medida que a pressão compartimental excede a pressão capilar normal de cerca de oito milímetros de mercúrio, a perfusão celular desacelera e com o tempo pode parar. A isquemia tecidual resultante posteriormente piora o edema, e isso gera um círculo vicioso.
Conforme a isquemia progride, os músculos tornam-se necrosados, o que leva, às vezes, à rabdomiólise, infecções e hiperpotassemia, ameaçando a perda do membro e podendo levar ao óbito, caso não seja tratada (SOUZA,2020). Hipotensão ou insuficiência arterial pode comprometer a perfusão tecidual mesmo com pressão compartimental levemente elevada, causando ou piorando a síndrome compartimental (BRAGA,2021).
A síndrome compartimental é fundamentalmente uma doença dos membros, sendo mais comum na parte inferior do membro inferior e no antebraço. No entanto, a patologia também pode ocorrer em outros locais como membro superior, abdome e na região glútea (KOCKBERGER,2019).
Portanto, a síndrome compartimental trata-se de uma urgência médica. O objetivo do trabalho é apresentar um caso pouco frequente e, assim, mostrar a importância do diagnóstico preciso e o tratamento imediato. A medida da pressão absoluta e a duração dos sintomas, combinadas com a avaliação clínica, são fatores que determinam a necessidade de um tratamento cirúrgico de urgência denominado fasciotomia (SOUZA,2020).
DESCRIÇÃO DO CASO
F.G.S, sexo masculino, 32 anos, deu entrada no pronto socorro dia 14/05/2021 com a queixa de dor e edema em membro inferior direito após trauma contuso por queda em montaria equina. Veio de casa trazido por familiares em condução própria.
Na história atual da doença o paciente relata que no dia 14/05/2021 sofreu uma queda em uma montaria equina. Desde então começou a apresentar muita dor na região da coxa associado a edema. Foi avaliado pelo serviço de ortopedia e liberado com analgésicos depois de constatado ausência de fratura.
No dia 15/05/2021 paciente retornou ao pronto socorro com dor refratária à analgesia, parestesia e paresia no pé, edema com empastamento de panturrilha, hematoma importante em fossa poplítea, ausência de pulso poplíteo e infrapatelar no membro inferior direito. Paciente foi avaliado pela equipe vascular que optou por realizar um doppler que excluiu trombose venosa profunda e mostrou oclusão artéria poplítea em membro inferior direito.
Foi estabelecido o diagnóstico de síndrome compartimental no membro inferior direito. O médico assistente explicou o diagnóstico ao paciente e seu acompanhante, bem como a necessidade de intervenção cirúrgica, complicações da cirurgia, do quadro isquêmico no membro inferior e outras enfermidades associadas como sangramento, infecção, deiscência, danos neurológicos, motores, e até risco de amputação no membro inferior. Paciente compreendeu e consentiu o procedimento.
Nos resultados dos exames laboratoriais apresentou hemograma, função renal e eletrólitos dentro das normalidades e dosagem de proteína C reativa elevada.
Foi submetido à fasciotomia em compartimentos da perna, embolectomia arterial e ponte arterial poplítea com tronco tibiofibular com veia safena invertida ipslateral.
O procedimento teve cinco horas de duração, não necessitou de transfusão de hemoderivados tão como de drogas vasoativas. Foi optado por raquianestesia. Procedimento iniciado com fasciotomia extensa via incisão medial, identificado grande hematoma e imensa herniação muscular. Considerando pulsos poplíteo e distais ausentes após fasciotomia, foi optado por dissecção da artéria poplítea para embolectomia: identificado contusão parietal em segmento distal da poplítea e tronco tibiofibular. Realizado arteriotomia em poplítea e inúmeras embolectomias com cateter balão fogarty número três e quatro, com observação de impossibilidade de trombectomia no segmento tibiofibular (segmento com contusão parietal), bem como não havia refluxo arterial devido a obstrução neste local. Identificado oclusão arterial no segmento descrito. Optado por realização de ponte arterial poplítea tronco tibiofibular com safena. Deixado fios nylon posicionados em aponeuroses para facilitar aproximação de fasciotomia posteriormente.
Pós operatório imediato com pulsos palpáveis em segmentos pré/pós anastomoses e no enxerto, não palpável no pé. Realizado doppler e identificado fluxo em artérias fibular e tibial posterior.
No pós operatório, paciente encaminhado para a unidade de terapia intensiva e foi iniciado cefalotina profilática e solicitado manter heparinização com heparina não fracionada com controle de Tempo de Tromboplastina Parcial ativado entre dois e três associado a alprostadil. Orientado manter pressão arterial média entre 70-80 milímetros de mercúrio, curativos frouxos e aquecimento passivo do membro inferior direito. Foi esclarecido ao paciente o diagnóstico intraoperatório e o procedimento realizado.
No dia 16/05/2021, o paciente se encontrava estável clinicamente, em uso de tridil em bomba infusora contínua (em substituição ao alprostadil que estava em falta), com antibioticoterapia profilática, leucograma normal, bom padrão gasométrico, função renal preservada e anticoagulação plena. Foi dado alta para a enfermaria vascular.
Foram mantidos cuidados diários com o curativo e no dia 20/05/2021 paciente submetido à oxigenioterapia hiperbárica.
No dia 25/05/2021 o paciente cursava com boa evolução do quadro, porém ainda não era possível determinar se há possibilidade de lesões nervosas, motoras ou funcionais. A equipe da vascular aguardava melhora do edema para a programação de reabordagem da ferida para fechamento de fasciotomia.
DISCUSSÃO
Fraturas, contusões graves, lesões por esmagamento e lesão de reperfusão, são causas comuns de síndrome compartimental. Causas raras incluem mordedura de cobra, queimaduras, esforço severo, dose excessiva de fármacos (heroína, cocaína), gesso, curativos apertados e outros fechamentos rígidos que limitem o edema e, assim, aumentem a pressão compartimental.
O sintoma inicial da síndrome compartimental é a piora da dor. É tipicamente desproporcional à gravidade da lesão aparente, sendo agravada por estiramento passivo dos músculos no interior do compartimento. A dor, é um dos cinco sintomas da isquemia do tecido, é seguida de outros quatro: parestesia, paralisia, palidez e ausência de pulso. Os compartimentos podem estar tensos à palpação.
Uma forma de fazer o diagnóstico é a medida da pressão compartimental. Deve-se diagnosticar a síndrome compartimental e iniciar o tratamento antes da palidez ou falta de pulso se estabelecer, o que indica necrose.
A avaliação clínica é dificultada por algumas razões, pois pode não haver sinais e sintomas típicos. Os achados podem ser inespecíficos porque às vezes são causados pela própria fratura e, ainda, os pacientes com trauma têm alteração do estado mental devido a outras lesões e/ou à sedação.
Portanto, em pacientes com alto risco de lesões, deve-se usar um limiar baixo para aferir a pressão compartimental (normal é menor que nove milímetros de mercúrio). A patologia é confirmada se a pressão compartimental exceder trinta milímetros de mercúrio ou tiver cerca de trinta milímetros de mercúrio da pressão arterial diastólica.
O tratamento inicial da síndrome compartimental é a remoção de qualquer estrutura constritiva em volta do membro, correção da hipotensão, analgesia e administração de suplementação de oxigênio, se necessário. Normalmente, a menos que a pressão compartimental caia rapidamente e os sintomas diminuam, é necessário fazer uma fasciotomia de urgência. A fasciotomia deve ser feita através de grandes incisões na pele para abrir todos os compartimentos da fáscia no membro e, assim, aliviar a pressão. Deve-se inspecionar com muita atenção todos os músculos em termos de viabilidade, e qualquer tecido não viável deve ser desbridado. A amputação é indicada se a necrose for extensa.
No caso relatado o paciente tinha, a princípio, uma clínica não muito típica, uma vez que o trauma contuso sofrido pode acabar confundindo a sintomatologia. Entretanto, quando o paciente retornou ao serviço um dia após o trauma a clínica já era mais sugestiva e, com o auxílio do doppler , foi possível excluir algumas patologias e, dessa forma, estabelecer o diagnóstico de síndrome compartimental e proceder a intervenção cirúrgica, que cursou com algumas situações não muito frequentes como já descrito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história clínica e o exame físico são ferramentas fundamentais na abordagem inicial do paciente com síndrome compartimental. Depois do início do processo que desencadeia a patologia a síndrome tende a se agravar. Deve-se levar em consideração o diagnóstico quando a dor parecer desproporcional à gravidade da lesão e aumentar por estiramento muscular passivo dentro do compartimento ou se o mesmo estiver tenso. É possível realizar medidas de pressões nos compartimentos musculares, porém o diagnóstico é essencialmente clínico. A menos que o quadro regrida rapidamente após o tratamento inicial, a realização de fasciotomia não deve ser postergada.
REFERÊNCIAS
CHIEPE, Kelly Cristina Mota Braga. Manual de trabalhos acadêmicos do UNESC. 3.ed. Colatina: Colatina: Centro Universitário do Espírito Santo, 2016.
GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew; Goldman Cecil medicina. 24. ed, São Paulo: Elsevier, 2012. p. 1683-1702.
SOUZA, Heraldo Possolo; MARINO, Lucas Oliveira et al. Medicina de emergência USP. 14. ed, São Paulo: Manole, 2020. p. 559-567.
HOCKBERGER, Robert; HILL, Marianne Gausshe et al. Medicina de emergência ROSEN. 9. ed, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. P. 623-641.
BRAGA, Fábio Brito et al. Tratamento da síndrome compartimental. Disponível em: <https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/view/1167>. Acesso em: 20 mai. 2021.
1Acadêmico(a) de Medicina – Centro Universitário do Espírito Santo – UNESC.
2Cirurgia vascular e endovascular. Professor(a) e Orientador(a) – UNESC.