SÍNDROME CARDIORRENAL: FISIOPATOLOGIA E TRATAMENTO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410181334


Gabriela Ribeiro da Costa; Giovanna Moura do Nascimento; Julia Chen; Stephanie Forabotte Matos; Victoria Corrêa Canhete


RESUMO

A Síndrome Cardiorrenal (SCR) é uma condição considerada de alta complexidade e é identificada por anormalidades crônicas na função cardíaca que, como consequência, resultam igualmente em lesão e disfunção renal. Na medicina veterinária, a SCR é categorizada em cinco subtipos distintos, de I a V, variando de acordo com grau, agudização e cronificação, onde temos a anemia como um achado comum em pacientes com disfunção cardíaca e renal, caracterizando a chamada síndrome da anemia cardiorrenal. Os processos fisiopatológicos envolvidos, como não somente as alterações hemodinâmicas e ativação de sistemas neurohormonais, mas também de mecanismos compensatórios do próprio organismo que, paradoxalmente, acabam contribuindo negativamente para as funções cardíaca e renal, podem levar ao desenvolvimento da SCR em si. Em virtude da pluralidade de elementos diversos do tema a ser discutido, este trabalho visa abordar apenas a relação de fisiopatogenia e tratamento da SCR em cães, buscando aprimorar os resultados do tratamento em pacientes acometidos pela doença.

Palavras-chave: cardiopatia, cães, nefropatia, fisiopatogenia, tratamento.

INTRODUÇÃO

O sistema cardiovascular desempenha uma função crucial na preservação do fluxo sanguíneo aos tecidos, distribuir oxigênio e remover gás carbônico e metabólitos, com o objetivo de manter a perfusão e oxigenação tecidual orgânica, além da distribuição de hormônios e manutenção da termorregulação (MORAIS et al., 2008). A função renal, em meio a suas diversas funções, tem um papel essencial e fundamental na manutenção da homeostase. Os rins recebem aproximadamente 25% do débito cardíaco (DC) e têm como principal função filtrar o sangue, reabsorver substâncias necessárias para o organismo, como proteínas de baixo peso molecular, água e eletrólitos e excretar resíduos metabólicos. Nestes processos, os rins devem reconhecer quando há excesso de água ou eletrólitos específicos e responder deixando de reabsorver ou secretar substâncias, garantindo assim o balanço hídrico, eletrolítico e ácido base (LANGSTON, 2008; MORAIS et al., 2008).

As desordens cardiovasculares são secundárias a diminuição do DC e, consequentemente, resultam na redução da perfusão renal, podendo levar ao aumento de ureia e creatinina séricas, ativação do sistema renina-angiotensina- aldosterona-ADH (SRAAA) e redução da taxa de filtração glomerular (TFG), gerando menor produção do volume urinário (KELLER, et al., 2016; POUCHELON, et al., 2015). Portanto, existe uma mútua interação dos sistemas, na qual a disfunção inicia em um dos órgãos e perpetua a lesão no outro órgão, e isso é denominado de Síndrome Cardiorrenal (SCR) (JOIS E MEBAZAA, 2012).

O termo “Síndrome Cardiorrenal” é utilizado para descrever a coexistência de insuficiência cardíaca e renal ao mesmo tempo (RONCO et al., 2010). A visão simplificada da SCR é que o dano de um órgão sobre o outro, podendo ser direta ou indiretamente, envolve hormônios regulares, células inflamatórias e mecanismos compensatórios como resposta à disfunção do sistema cardiorrenal (RONCO et al., 2010).

A classificação veterinária das desordens que afetam o eixo cardiovascularrenal (CvRD) é dividida em três grupos distintos: CvRDH, que é representado pela disfunção cardíaca primária, resultando em disfunção renal, caracterizada inicialmente pela diminuição do DC, levando a um choque cardiogênico e hipotensão sistêmica que, consequentemente, leva à redução da TFG e ao aumento da creatinina sérica e nitrogênio ureico sérico (BUN) (LIANG et al., 2008); CvRDK, grupo que se refere a lesão renal primária, que propicia o desenvolvimento de disfunção cardíaca; CvRDO, que envolve as disfunções cardíaca e renal secundárias a uma alteração sistêmica, como estado de sepse, doenças infecciosas, endocrinopatias, neoplasias e entre outras (RONCO; DI LULLO, 2014; POUCHELON et al., 2015).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

1. FISIOPATOLOGIA

Sabe-se que o sistema cardiovascular desempenha um importante papel na manutenção da pressão arterial (PA) e do débito cardíaco (DC), com o objetivo de garantir oxigenação aos tecidos. Neste contexto, a função renal é fundamental para manter a homeostase, seja reabsorvendo ou excretando substâncias do glomérulo, regulando eletrólitos e íons, bem como a PA. Portanto, há uma relação íntima entre os sistemas e quando ambos apresentam disfunção, isso é conhecido como Síndrome Cardiorrenal (SCR) (Jois e Mebazaa, 2012).

O conceito em discussão foi estabelecido em 2010, durante uma conferência médica (Acute Dialysis Quality Initiative – ADQI). Na mesma o termo foi definido como “Distúrbios do coração e dos rins em que a disfunção aguda ou crônica em um órgão é capaz de induzir a disfunção aguda ou crônica no outro” (ADQI). A partir dessa definição, foram identificados cinco subtipos, com base na causa primária (Tabela 1) (RONCO et al., 2010; FREITAS et al., 2014).

Tabela 1. Subdivisão dos Tipos da SCR proposta por Ronco et al. (2010)

  SCR tipo I – Síndrome Cardiorrenal Aguda  Piora abrupta da função cardíaca (por exemplo, insuficiência cardíaca congestiva agudamente descompensada) levando à lesão renal aguda;
  SCR tipo II – Síndrome Cardiorrenal Crônica  Anormalidades crônicas na função cardíaca (por exemplo, insuficiência cardíaca congestiva crônica) causando doença renal crônica progressiva e permanente;
  SCR tipo III – Síndrome Renocardíaca Aguda  Piora abrupta da função renal (por exemplo, lesão renal aguda) causando distúrbio cardíaco agudo (insuficiência cardíaca aguda);
  SCR tipo IV – Síndrome Renocardíaca Crônica  Doença renal crônica (por exemplo, doença glomerular crônica) contribuindo para a diminuição da função cardíaca e hipertrofia ventricular;
  SRC Tipo V – Síndrome Cardiorrenal Secundária  Existência de doença sistêmica (por exemplo, sepse) causando lesão renal e cardíaca aguda simultaneamente.
(RONCO et al., 2010)

A condição em questão é caracterizada pela diminuição do DC, que é um resultado da insuficiência cardíaca crônica (ICC) (SHRESTHA et al., 2010). Isso resulta em perfusão renal reduzida, que é percebida como uma falha cardíaca capaz de aumentar a pressão venosa central (PVC). Esse aumento leva à congestão venosa renal e à alta da pressão hidrostática nos capilares renais (LIANG, et al., 2008).

A partir disso temos a diminuição da taxa de filtração glomerular (TFG) e a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), que agrava a condição congestiva e contribui na evolução da SCR (PALAZZUOLI e RONCO, 2011). Em outras palavras, provoca a retenção de água e sódio, a vasoconstrição e o aumento da PA. Essa vasoconstrição venosa e arterial ocorre devido à ativação do sistema nervoso simpático (SNS), que também aumenta frequência cardíaca (FC).

A insuficiência cardíaca tem como possível consequência uma inflamação sistêmica, que pode causar lesão renal direta, através da liberação de citocinas inflamatórias. Nos rins, a elevação da PA está intrinsecamente ligada ao crescimento da proteinúria e culmina em uma diminuição da TFG (GRAUER et al., 2009).

A congestão venosa provocada pelo SRAA tem sido identificada como um elemento chave na progressão da ICC e da SCR. Isso ocorre devido a elevação da PVC, resultando em hipertensão nas veias renais e túbulos distais, levando à proteinúria, disfunção tubular e hipóxia do parênquima renal (JOIS E MEBAZAA, 2012). Adicionalmente, surgem distúrbios eletrolíticos, como hiponatremia e hipercalemia, que intensificam a disfunção dos rins e coração (LANGSTON, et al., 2008).

Outro parâmetro importante é a resistência típica da SCR 1 aos diuréticos, devido ao estado congestivo, que causa retenção hidrossalina pós-diurética e reduz o efeito das drogas (ELLISON, D.et al., 1999). Com isso, é necessário aumentar as doses terapêuticas, mesmo tendo ciência dos efeitos prejudiciais dos diuréticos sobre os rins (que diminuem a capacidade de filtração renal), causando iatrogenia (KSHATRIYA et al., 2010).

Por fim, o estresse oxidativo surge como um efeito do distúrbio cardíaco, ocasionando danos renais diretos devido à produção excessiva de radicais livres ((RONCO et al., 2010). Isso reduz a quantidade de óxido nítrico, um potente vasodilatador e excretor de sódio, que interfere na FC e na respiração mitocondrial (metabolismo energético), provocando a apoptose e hipertrofia dos miócitos (SARRAF et al., 2009).

Em animais com Doença Renal Crônica (DRC), existem indícios de que a anemia está associada com a evolução da doença. Isso ocorre devido a diminuição do fluxo sanguíneo e da oferta de oxigênio aos rins, além da indução de estresse oxidativo (BARTGES, 2012).

A SCR também pode causar diversas lesões em órgãos diferentes, além do coração e rins, e dentre eles alguns são: os pulmões, o fígado, os olhos, o cérebro e o sistema vascular e endócrino (DIBARTOLA & WESTROPP, 2021). Podemos observar congestão e edema pulmonar nos pulmões, hepatomegalia congestiva, cirrose e estase no fígado, retinopatia nos olhos e encefalopatia no cérebro (CARVALHO, 2015).

Tabela 2. Lesão em órgãos alvo na SRC.

PulmõesCongestão pulmonar: aumento da pressão nos vasos; Edema pulmonar: acúmulo de fluidos nos pulmões
FígadoEstase hepática: leva a alterações na perfusão, devido a congestão; Hepatomegalia congestiva: aumento do fígado por conta da congestão venosa; Cirrose hepática: pela congestão prolongada, causa cicatrização crônica e perda da função.
OlhosLesões na retina: o mecanismo de autorregulação da região não consegue fazer sua função devido a mudanças rápidas e/ou grandes aumentos na PA.
CérebroEncefalopatia hipertensiva: hipoperfusão e edema cerebral devido a uma falha da capacidade de autorregulação da vasculatura cerebral.
(BROWN, et al., 2007; CRISPIN, et al., 2001)

Entretanto, ‘’síndrome cardiorrenal’’ não é, atualmente, a nomenclatura mais adequada para se referir a interação patológica entre os rins e o coração na medicina veterinária, já que os sinais clínicos podem variar consideravelmente entre as espécies e, portanto, não devem ser tratados como uma única síndrome. A partir de 2015, um consenso veterinário, composto por nefrologistas e cardiologistas, estabeleceu que a denominação correta é “Distúrbios do Eixo Cardiovascular- Renal”. (POUCHELON et al., 2015).

Conforme essa nova definição, foi proposto que a medicina veterinária adotasse em seus pacientes uma regra classificatória similar à usada em humanos, CvRD (Cardiovascular-renal Disorders), com base no consenso veterinário (POUCHELON et al., 2015), considerando o sistema de origem da síndrome e a manifestação clínica (H: heart; K: kidney; O: other, U: unstable; S: stable).

Tabela 3. Subdivisão dos Tipos de SCR em CvRD na medicina humana.

CvRDH UProcesso primário envolvendo o sistema cardiovascular resultando em doença/disfunção renal de apresentação clínica classificada como instável (unstable).
CvRDH SProcesso primário envolvendo o sistema cardiovascular resultando em doença/disfunção renal de apresentação clínica classificada como estável (stable).
CvRDK UProcesso primário envolvendo os rins resultando em doença/disfunção cardiovascular de apresentação clínica classificada como instável (unstable).
CvRDK SProcesso primário envolvendo os rins resultando em doença/disfunção cardiovascular de apresentação clínica classificada como estável (stable).
CvRD OProcesso primário causado por fármacos, toxinas ou outras causas de distúrbios sistêmicos, resultando em disfunção simultânea dos sistemas cardiovascular e renal ou quadro clínico no qual coexistam processos primários tanto no sistema renal quanto no sistema cardiovascular.
(CRIVELLENTI, et al., 2021; página 569).

Os CvRD são definidos como ‘’Danos morfológicos e funcionais no sistema cardiovascular e sistema renal, induzidos por substâncias ou doenças’’ (POUCHELON et al., 2015). Tais alterações resultam em anormalidades entre os sistemas e podem prejudicar um, ambos ou até mesmo outros órgãos do corpo. A classificação CvRD veterinária, criada para classificar a SCR, que tem como base a medicina humana, é subdividida em três grupos (POUCHELON et al., 2015), sendo eles: CvRDH, CvRDK e CvRDO.

O CvRDH é a representação de uma lesão renal que surge de um processo primário de disfunção envolvendo o sistema cardiovascular (POUCHELON et al., 2015). Existem vários mecanismos potencialmente prejudiciais, incluindo a redução da perfusão renal devido a diminuição do DC (HAASE et al., 2013), choque cardiogênico e hipotensão sistêmica. Esses fatores consequentemente levam à redução da TFG e ao aumento dos níveis séricos de nitrogênio ureico (BUN) e creatinina (LIANG et al., 2008).

É igualmente relevante mencionar que situações de elevação da pressão arterial sistêmica podem desencadear doença glomerular. Já a formação de um tromboembolismo arterial sistêmico, originado por fluxo sanguíneo turbulento e estase, pode levar a um infarto renal (POUCHELON et al., 2015).

Já o CvRDK é a disfunção cardiovascular que surge de um processo primário de doença renal (POUCHELON et al., 2015). Tem-se como as alterações potencialmente prejudiciais de CvRDK as disfunções eletrolíticas, como hipercalemia e hipocalemia, que estão associadas a arritmias cardíacas (POUCHELON et al., 2015; KELLER et al., 2016; BAGSHAW et al., 2018).

Ademais, é possível presenciar o desenvolvimento de hipotensão, arritmia e deterioração da função do miocárdio, com o uso de medicamentos para o tratamento de doenças cardiovasculares que são excretados pelos rins, como digoxina, enalapril e atenolol, que também podem ocasionar lesão renal primária (ORVALHO; COWGILL, 2017). Com tal alteração renal e consequentemente com a redução da depuração dos medicamentos, tem-se o acúmulo dessas substâncias e apresentação de sinais de toxicidade farmacológica. (POLZIN, 2011).

Por fim, o CvRDO compõe a SCR com as lesões e/ou disfunções renais e cardiovasculares secundárias, que provém de uma alteração sistêmica primária, seja ela aguda ou crônica (POUCHELON et al., 2015). As condições que apresentam potenciais danosos de CvRDO englobam sepse, doenças infecciosas, endocrinopatias, pancreatite, neoplasias, dilatação vólvulo gástrica, entre outras enfermidades (POLZIN, 2011, POUCHELON et al., 2015).

Além disso, podemos ressaltar a CvRDKS, classificada como doença estável, que se refere a ocorrência da DRC primária, e contribui para a disfunção cardíaca secundária, caracterizando a denominada doença renocardíaca crônica, ou seja, ocorre o envolvimento cardiovascular em pacientes previamente afetados por DRC em qualquer um dos cinco estágios, conforme classificação anterior (RONCO et al., 2008). 

Já a CvRDKU, classificada como doença instável, é a piora aguda primária da função renal, que leva à disfunção cardíaca aguda, sendo definida como síndrome renocardíaca aguda. A LRA (lesão renal aguda) pode levar a uma piora direta ou indireta, desencadeada por pico inflamatório, estresse oxidativo e ativação de neuro-hormônios (BERL et al., 2006). 

2. TRATAMENTO

Não existe um critério diagnóstico padronizado e uma abordagem terapêutica e preventiva definida. Portanto, ainda há grande interesse em identificar mais precocemente biomarcadores que possam estratificar corretamente o grau de lesão renal e o risco de desenvolver DRC (PERES et al., 2013). Atualmente, o diagnóstico é baseado através da anamnese e histórico do paciente, e exames complementares, como os laboratoriais e de imagem (ORVALHO et al., 2017).

Dentre os parâmetros laboratoriais mais utilizados para o diagnóstico da insuficiência renal aguda (IRA) estão a creatinina e ureia séricas, excreção fracionada de sódio e a proteinúria. A creatinina pode aumentar durante o tratamento para IC aguda, pois os pacientes podem estar tendo reduções transitórias no FSR e, portanto, o que ocorre é uma mudança funcional na filtração renal, o que deve ser temporária e benigna, ao contrário de dano ou injuria tubular renal aguda, que irá levar à perda de néfrons funcionais (PALAZZUOLI et al., 2015). 

Já a taxa de produção de ureia não é constante, podendo estar elevada devido a uma dieta rica em proteína ou a um dano tecidual decorrente de hemorragia, trauma ou terapia com glicocorticoides. Por outro lado, uma dieta com baixos níveis de proteínas e/ou doença hepática avançada podem reduzir a ureia sem modificar a TFG (PERES et al., 2013). Entretanto, a validade desses marcadores está bem estabelecida em casos de disfunção renal, embora sua especificidade para diferenciar lesão renal primária ou cardiovascular, ainda não tenha sido descrita (ORVALHO; COWGILL, 2017)

Já os biomarcadores cardíacos mais utilizados na avaliação são o peptídeo natriurético do tipo-B (BNP), N-terminal do pró-hormônio do peptídeo natriurético do tipo B (NT-proBNP) e troponina cardíaca 1 (cTn1). Os marcadores cardíacos se mostram menos específicos que os renais, dado que, animais não cardiopatas, mas que são portadores de doença renal, normalmente apresentam o BNP e NT-proBNP mais elevados, que é associada a depuração renal prejudicada (PEREIRA et al., 2015). Além de que, essas substâncias são constantemente liberadas no organismo por exercerem funções, como manutenção do volume plasmático, excreção de sódio e regulação vasomotora, mesmo em pacientes saudáveis (RONCO et al., 2010; CHAVEZ et al., 2022).

Dos exames de imagem, a radiografia torácica é recomendada para mensuração do tamanho cardíaco através do Vertebral Heart Size (VHS), além de detectar possíveis alterações na silhueta cardíaca, avaliar os padrões vasculares e pulmonares, determinando se há sinais de ICC (PEREIRA et al., 2015). O exame ecodopplercardiograma é recomendado para avaliação morfológica e funcional cardíaca, se há presença de lesões e alterações estruturais e para estimar parâmetros hemodinâmicos relevantes (PEREIRA et al., 2015; POUCHELON et al., 2015). 

Já a ultrassonografia renal pode ser um alicerce ao diagnóstico, e pode identificar alterações estruturais/morfológicas anatômicas, porém, é necessário a correlação dos exames laboratoriais para avaliação da funcionalidade do órgão. Por conseguinte, uma conduta sistemática contribui para a avaliação da possível presença e/ou severidade da síndrome cardiorrenal (POUCHELON et al., 2015). Para fechar o diagnóstico, não basta haver disfunções nos órgãos, mas de fato comprovar a DRC, DVC (doença valvar crônica), e haver comprometimento hemodinâmico (RANGASWAMI et al., 2016).

Para dar início ao tratamento da SCR, é necessário que ela seja corretamente classificada e diagnosticada. Assim, é imprescindível avaliar e classificar a presença e a severidade da doença cardíaca e renal, incluindo todas as anormalidades funcionais desses órgãos específicos, que devem ser avaliados de maneira independente (ATKINS et al., 2009).

Uma vez estabelecido o quadro de ICC, o objetivo primordial do tratamento inicial seria reduzir a congestão vascular, visando a diminuição da resistência do volume intravascular e as pressões de enchimento cardíaco (JOIS, et al., 2012). Uma possível estratégia para o paciente em questão seria a diminuição da resistência vascular sistêmica e a vasodilatação, resultando na redução das pressões de enchimento cardíaco, aumento do fluxo de saída e, consequentemente, do débito cardíaco (DC) (LIANG, et al., 2008). Essa abordagem é corroborada por diversos estudos que demonstram a eficácia dessas intervenções na melhoria dos sintomas e na qualidade de vida dos cães com ICC (SMITH, et al., 2018).

O nitropussiato de sódio e a nitroglicerina, devido às suas propriedades vasodilatadoras, são os principais medicamentos utilizados em animais em quadro emergencial (CRIVELLENTI, et al., 2021). Porém, o uso não regulado e inadequado desses agentes pode levar à hipotensão, e consequentemente diminuir a pressão e perfusão renal, provocando danos aos rins (ROSARIO et al., 1998).

Já Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (iECA) são benéficos em afecções dos rins e coração, pois promovem melhoria significante das manifestações clínicas, mas devem ser evitados em casos de hipotensão, pois também promovem a vasodilatação arteriolar eferente renal, o que afetaria a Taxa de Filtração Glomerular (TFG) (ATKINS et al., 2009).

Em resumo, iECAs impedem a conversão da angiotensina I em II, o que causa uma diminuição na resistência arteriolar sistêmica e moderada vasodilatação. Seu uso também aumenta a volemia, pois reabsorve mais água e consequentemente sódio, a fibrose do miocárdio e o remodelamento cardíaco (ATKINS et al., 2009).

Além disso, estudos em andamento apontam que bloqueadores de Aldosterona (Antagonistas dos Receptores Mineralocorticoides) tem o benefício de agregar proteção renal e cardíaca, no entanto, ainda é preciso maior aprofundamento no assunto (ATKINS et al., 2009; BERNAY et al., 2010).

Em pacientes hemodinamicamente instáveis, com baixo DC e Pressão Arterial Sistólica (PAS), é de eleição a utilização de Inotrópicos Positivos. Nesse caso é possível citar o pimobendan, que age na melhoria da função sistólica e causa vasodilatação, podendo assim aumentar a TFG (LANTIS et al., 2011). Já a Dobutamina é optada em alguns casos, em infusão intravenosa, visando aumentar o DC e melhorar a perfusão renal. (POUCHELON et al., 2015).

É ainda considerável a suplementação oral de ácidos graxos e ômega-3, pela ação antioxidante, antiarrítmica, anti-inflamatória, anti-ateroescleróticos e estimulante de apetite (POLZIN, 2011), auxiliando também na redução de triglicerídeos e melhorando questões hemodinâmicas, como a pressão arterial (PA), frequência cardíaca (FC), enchimento diastólico do ventrículo esquerdo e função endotelial (ADKINS; KELLEY, 2010).

Alterações renais requerem um tratamento que associe fluidoterapia com fármacos de tratamento suporte, como diuréticos, visando a manutenção de volemia e eletrólitos, permitindo a perfusão renal necessária e evitando sobrecarga de fluido e desequilíbrio de eletrólitos, exigindo maior cuidado quanto à quantidade de ingestão de proteínas e fósforo (POLZIN, 2011). Pode-se associar o uso de antihipertensivos, ligantes de fosfato e ajuste dietético com baixa proteína, protetores gastrintestinais, alcalinizantes e estimuladores de eritropoiese (DEFRANCESCO, 2008).

Contudo, deve-se considerar que o coração e os rins são afetados por modificações no volume de fluidos intravasculares, na PA e por tratamentos comuns para esses desequilíbrios na CvRD (ATKINS et al., 2009; POUCHELON et al., 2015). Logo, torna-se mais complexo atingir o equilíbrio quando ambos os órgãos são disfuncionais ao mesmo tempo (POUCHELON et al., 2015).

Por fim, os cães cardiopatas requerem ações diuréticas em sinais de congestão venosa, e os diuréticos de alça atuam reduzindo a congestão renal, melhorando a TFG e retardando a progressão da SCR. Porém, a diurese em excesso pode piorar ainda mais a função renal, diminuir a perfusão e a TFG em consequência (METRA et al., 2012).

Já para tratar a retinopatia hipertensiva, deve-se focar no tratamento da hipertensão arterial, já que grande parte das lesões oculares pode ser revertida após a normalização da PA (SILVA et al, 2002). Em casos de emergência hipertensiva, como em encefalopatia, deve-se utilizar de terapia intensiva, com monitoramento do paciente de forma contínua, e medicações intravenosas, como hidralazina e nitroprussiato. Ambos podem ser potencialmente letais e, por isso, não são comumente utilizados na rotina veterinária, onde a redução da pressão arterial deve ser gradual (ACIERNO & LABATO, 2005). 

CONCLUSÃO

A Síndrome Cardiorrenal (SCR) em cães, uma condição de alta complexidade, revela a intricada interdependência entre os sistemas cardiovascular e renal. Este estudo, ao investigar a fisiopatologia da SCR, destacou como as alterações hemodinâmicas, a inflamação sistêmica e os mecanismos compensatórios paradoxais desempenham papéis cruciais no desenvolvimento e na progressão dessa síndrome. A identificação dos cinco subtipos da SCR fornece uma base estruturada para a classificação e o diagnóstico, essencial para a elaboração de estratégias terapêuticas eficazes.

 A análise das abordagens terapêuticas sublinha a necessidade de uma gestão integrada e multidisciplinar das disfunções cardíacas e renais. Medicamentos como iECAs, bloqueadores de aldosterona e inotrópicos positivos mostram-se fundamentais na estabilização hemodinâmica e na melhoria dos parâmetros clínicos dos pacientes. No entanto, é crucial um monitoramento rigoroso, para evitar complicações iatrogênicas decorrente do uso controlado dessas medicações.

 Além disso, a implementação de ajustes dietéticos e a suplementação com ácidos graxos e ômega-3 emergem como intervenções complementares importantes, contribuindo para a redução do estresse oxidativo, melhora da função endotelial e controle de hipertensão arterial. A atenção à nutrição e ao equilíbrio eletrolítico é vital para prevenir a progressão da disfunção renal e minimizar os impactos sistêmicos da SCR.

 Em síntese, a compreensão aprofundada dos mecanismos patofisiológicos da SCR e a adoção de uma abordagem terapêutica eficiente, considerando os órgãos alvo, além de rins e coração, são imperativas para melhorar os desfechos clínicos em cães afetados. A colaboração entre nefrologistas e cardiologistas veterinários é crucial para um manejo holístico da SCR, promovendo qualidade de vida aos pacientes. Futuras pesquisas devem focar em inovações terapêuticas e na individualização do tratamento, visando avanços contínuos na medicina veterinária e no cuidado dos animais acometidos por essa síndrome. 

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