SIGNIFICADOS DA INCONTINÊNCIA URINÁRIA PÓS-PROSTATECTOMIA: UM ESTUDO DE CONTRIBUIÇÃO DA ESTOMATERAPIA

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th10247271308


Rosa Maria Leal
Orientadora: Profa. Miguir Terezinha V.


RESUMO

Introdução: o câncer de próstata é uma neoplasia maligna muito comum entre os homens. A prostatectomia radical é o método de tratamento mais eficaz utilizado para esse tipo de câncer. A disfunção erétil constitui condição em que ocorre incapacidade persistente para ter ou manter uma ereção peniana na relação sexual. A incontinência urinária pós-prostatectomia radical traz inúmeras repercussões ao homem, incluindo aspectos emocionais. Assim, estabeleceu-se o seguinte problema de pesquisa: a assistência à pessoa nessa condição de vida – desenvolvendo incontinência urinária pósprostatectomia – não pode ser singular e limitada a aspectos físicos. Objetivo: compreender os significados da incontinência urinária para pessoas submetidas à prostatectomia. Método: trata-se de metassíntese acerca das percepções do homem sobre incontinência urinária pós-prostatectomia. A metassíntese é uma área emergente nas ciências da saúde, constituindo a síntese de descobertas dos estudos qualitativos a fim de criar novas interpretações. Resultados: quatro artigos qualitativos compuseram esta metassíntese. Os quatro artigos selecionados abordam a incontinência urinária não como tônica das quatro pesquisas, mas em nuances em todas elas, reiterando a importância do tema. Todos os artigos abordaram a incontinência urinária como um problema sério que interfere na qualidade de vida e na autoestima dos homens que a vivenciam. Conclusões: A incontinência urinária pode gerar sentimentos negativos, que vão desde ansiedade e depressão a sentimentos de vergonha, que impedem o homem de viver sua vida de forma plena.

Descritores: Prostatectomia; Qualidade de Vida; Incontinência Urinária; Pesquisa Qualitativa; Significado; Percepção.

ABSTRACT

Introduction: prostate cancer is a very common malignancy among men. Radical prostatectomy is the most effective treatment method used for this type of cancer. Erectile dysfunction is a condition in which there is a persistent inability to achieve or maintain a penile erection during sexual intercourse. Post-radical prostatectomy urinary incontinence has numerous repercussions for men, including emotional aspects. Thus, the following research problem was established: assistance to people in this life condition – developing post-prostatectomy urinary incontinence – cannot be singular and limited to physical aspects. Objective: to understand the meanings of urinary incontinence for people undergoing prostatectomy. Method: this study is a meta-synthesis about men’s perceptions about post-prostatectomy urinary incontinence. Meta-synthesis is an emerging area in the health sciences that consists of synthesizing the findings from qualitative studies in order to create new interpretations. Results: four qualitative articles composed this meta-synthesis. The four selected articles address urinary incontinence not as the main topic of the four studies, but appear in nuances in all of them, reiterating the importance of the theme. All the articles addressed urinary incontinence as a serious problem that interferes with the quality of life and self-esteem of men who experience it.  Conclusions: Urinary incontinence can generate negative feelings, ranging from anxiety and depression to feelings of shame, which prevent men from living their lives fully.

Descriptors: Prostatectomy; Quality of life; Urinary incontinence; Qualitative research; Meaning; Perception.

1 INTRODUÇÃO

O câncer de próstata é uma neoplasia maligna muito comum entre os homens. Recentemente, inúmeras campanhas nacionais promovidas por hospitais, sociedades médicas e outras organizações têm estimulado o rastreamento do câncer de próstata, em consonância com iniciativas mundiais conhecidas como Novembro Azul (STEFFEN, TRAJMAN, SANTOS, CAETANO, 2018). O diagnóstico é realizado por meio de biópsia, com posterior avaliação histopatológica e classificação de prognóstico com base em diferentes achados (SARRIS et al., 2018). 

A depender do estádio estabelecido, diversas modalidades terapêuticas podem ser empregadas no tratamento do câncer de próstata: cirurgia, acompanhamento periódico, radioterapia, hormonioterapia ou quimioterapia (SARRIS et al., 2018). A prostatectomia radical é o método de tratamento mais eficaz utilizado para esse tipo de câncer (OLIVEIRA et al., 2018). No entanto, essa intervenção cirúrgica não é isenta de complicações, uma vez que pode ocorrer perda de sangue intraoperatório, linfocele, infecção, reoperação, incontinência urinária e disfunção erétil (ROMANZINI et al., 2018). De acordo com Gomez et al. (2018), as principais desvantagens da realização da prostatectomia radical estão  relacionadas à ocorrência de disfunção erétil e de incontinência urinária.

A disfunção erétil constitui condição em que ocorre incapacidade persistente para ter ou manter uma ereção peniana na relação sexual.  A disfunção erétil após prostatectomia radical esta relacionada às lesões de feixes nervosos, lesões arteriais e lesões no músculo liso (APPOLONI, NAPOLEÃO, CARVALHO, 2016). Já a incontinência urinária é condição que consiste em toda e qualquer perda involuntária de urina, podendo ser dividida em três tipos: a incontinência urinária por esforço, na qual ocorre vazamento de urina ao realizar qualquer atividade que force a abdômen, como espirrar, tossir, rir, carregar peso, entre outros; a incontinência urinária por urgência, na qual a pessoa sente vontade de urinar, podendo ocorrer perda de urina no trajeto de ir ao banheiro; e a incontinência urinária mista, que envolve os dois tipos (OLIVEIRA, ASSIS, BARBOSA, FERNANDES, MARINHO, 2018).  

Trata-se de problemas consideráveis, podendo afetar a qualidade de vida do homem submetido à prostatectomia radical. As perdas involuntárias de urina podem causar constrangimento, resultando em redução da interação social ou isolamento (CARVALHO, SILVA, SILVEIRA, 2018). A avaliação e manejo da incontinência urinária é uma das áreas de especialidade da enfermagem denominada Estomaterapia, a qual abrange o cuidado de pessoas com estomas, feridas, incontinência anal e urinária. É reconhecida pelo órgão de classe e sociedades científicas nacionais e internacionais

(SILVA, D’ELBOUX, 2012). Apesar disso, são escassos os estudos sobre incontinência urinária, inclusive a incontinência decorrente de prostatectomia. O estomaterapeuta é um profissional comprometido com a qualidade de vida das pessoas, incluindo as que desenvolvem incontinência urinária. 

No que tange à disfunção erétil (DE), os cuidados e as estratégias para seu tratamento são extremamente necessários, pois distúrbios relacionados à sexualidade são responsáveis por alterações na qualidade de vida, autoestima, saúde geral e das condições psicológicas tanto dos próprios pacientes como de suas parceiras (APPOLONI et al., 2016).

Ambas as complicações, IU e DE, provocam impacto negativo na qualidade de vida dos pacientes, originando consequências psicológicas, como depressão, baixa autoestima e dificuldades de interação social (GOMES et al., 2019).

Existem protocolos de exercícios da musculatura que mitigam a incontinência urinária. Pode-se, por exemplo, orientar exercícios com a musculatura pélvica; apresentar absorventes masculinos; orientar a procura do banheiro com maior frequência; apresentar fraldas descartáveis masculinas, dentre outras orientações. No entanto, para se entender como a pessoa processa a condição de apresentar incontinência urinária, faz-se necessário submergir no universo da pessoa com esse agravo.

As ações de enfermagem não podem se limitar a orientações práticas. O conhecimento dos significados dessa nova “condição de vida” faz parte do planejamento do cuidado e de orientações para a pessoa submetida à prostatectomia radical. Assim, estabeleceu-se o seguinte problema de pesquisa: a assistência à pessoa nessa condição de vida – desenvolvendo incontinência urinária pós-prostatectomia – não pode ser singular e limitada a aspectos físicos. Assim, este trabalho tem como objetivo entender os significados da incontinência urinária para pessoas submetidas à prostatectomia.

Como a Estomaterapia estuda feridas, estomas e incontinências, justifica-se este trabalho, levando-se em conta a necessidade de se entender o ser humano como um todo, incluindo nesse processo as percepções e os significados de uma nova condição de saúde. 

A pergunta norteadora desta pesquisa é a seguinte: quais os significados da incontinência urinária em homens pós-prostatectomia radical? 

Informações sobre essa condição podem melhorar a comunicação entre profissional e paciente, com foco nos problemas vivenciados por esses homens (BERNARDES et al., 2019). Ainda conforme essas autoras, a incontinência urinária causa impacto muito grave na qualidade de vida desses pacientes. O conhecimento de dados sobre a incontinência urinária contribui com o estabelecimento de comunicação entre o ser cuidado (paciente) e o seu cuidador (estomaterapeuta).

2. OBJETIVO

Compreender os significados da incontinência urinária em homens pós-prostatectomia radical.

3. REVISÃO DE LITERATURA

Observa-se que a saúde do homem é um problema de grande relevância para a saúde pública. Por isso, faz-se necessário um olhar mais atento para o grupo masculino aqui em estudo (KRÜGER, CAVALCANTI, 2018).

A próstata consiste na principal sede de alguns dos problemas frequentemente apresentados por homens, principalmente idosos, entre os quais estão a prostatite, a hiperplasia prostática benigna e o câncer de próstata (SANTOS, LAMOUNIER, 2013).

Câncer de próstata é caracterizado pelo crescimento exagerado da próstata, glândula localizada na parte baixa do abdômen, integrante do sistema reprodutor masculino. O câncer de próstata é o sexto tipo de câncer mais comum no mundo e o segundo mais prevalente entre os homens no Brasil (BACELAR JUNIOR et al., 2015).

O câncer de próstata é notadamente reconhecido como um problema de saúde pública, dada a sua magnitude no quadro de morbimortalidade masculina, já possuindo consenso entre órgãos oficiais sobre o seu controle e a sua prevenção. Para que se avance na discussão de medidas específicas de prevenção desse tipo de câncer, faz-se necessário investigar qual é o estado da arte das recomendações sobre o assunto divulgadas acerca desse tema (GOMES, REBELLO, ARAÚJO, NASCIMENTO, 2008).

Esse agravo está entre as doenças crônicas não transmissíveis que mais afetam os idosos, sendo a idade um fator relevante para esse agravo. É o segundo tipo de câncer de maior prevalência na população masculina. Para tanto, a prevenção e o diagnóstico ficam comprometidos pela baixa procura dos homens por serviços de saúde (KRÜGER, CAVALCANTI, 2018).

No Brasil, 60 a 70% dos portadores da doença são diagnosticados quando a mesma já se encontra disseminada (ARAÚJO et al., 2015).

O câncer de próstata é silencioso. Os primeiros estágios não possuem sintomas, daí a importância de realizar a triagem por meio dos exames de PSA e toque retal. Os sintomas, via de regra, começam a aparecer apenas em estágios mais avançados e são comuns tanto ao câncer quanto à hiperplasia prostática benigna, necessitando, obviamente, de uma avaliação pelo urologista (SARRIS et al., 2018).

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), tem-se que a estimativa do número de casos novos da doença para o triênio entre 2020 e 2022 seja de aproximadamente de 65.840 novos casos. Tal fato corrobora a realidade de que esse câncer é o mais comum entre os homens, sendo o segundo com maior mortalidade no Brasil (Instituto Nacional do Câncer, 2019).

O diagnóstico é feito por meio de três principais exames: exame do toque digitálico da próstata, por meio do toque retal, que busca palpar nódulos enrijecidos; o exame de Dosagem Sérica do antígeno prostático específico PSA, que resulta em mensurar o tamanho da próstata e progressão da doença; e o ultrassom transretal (UTR) (HEIDENREICH et al., 2014).

A mortalidade por câncer de próstata é relativamente baixa, o que em parte reflete seu bom prognóstico. Nos países desenvolvidos, a sobrevida média estimada em cinco anos é de 64%, enquanto que, para países em desenvolvimento, a sobrevida média é de 41% (GOMES, REBELLO, ARAÚJO, NASCIMENTO, 2008).

O rastreamento consiste em uma medida de prevenção secundária, sendo estabelecido quando há uma doença importante, com alto grau de complicação e mortalidade. É essencial que o exame seja eficaz, aceito pela população e o tratamento esteja disponível, possibilitando a modificação da história natural da doença diagnosticada em fase pré-sintomática (CARVALHO et al., 2019).

O tratamento é variado e relativo às condições do paciente. O tratamento cirúrgico (prostatectomia radical) é o procedimento padrão-ouro para o tratamento de câncer da próstata localizado (BACELAR JUNIOR et al., 2015).

A prostatectomia radical necessariamente envolve um período pré-operatório inerente a discussões e orientações (ROMANZINI et al., 2018). 

A incontinência urinária pós-prostatectomia é um dos principais impactos causados na saúde do homem, sendo, na maioria das vezes, associada à disfunção erétil e hemorragia intraoperatória. Esses fatores afetam diretamente a saúde mental do homem, uma vez que diminui a sua autoestima podendo causar depressão e ansiedade (FERREIRA et al., 2020).

A avaliação e manejo da incontinência urinária é uma das áreas de especialidade da enfermagem denominada Estomaterapia, a qual abrange o cuidado de pessoas com estomas, feridas, incontinência anal e urinária. É reconhecida pelo órgão de classe e sociedades científicas nacionais e internacionais (SILVA, D’ELBOUX, 2012).

A incontinência urinária pode gerar sentimentos de baixa autoestima, ansiedade e depressão que estão normalmente presentes em homens após prostatectomia devido à incerteza sobre como lidar com esse efeito indesejável, entre outros (BERNARDES et al., 2019). 

4. MÉTODO
Tipo de estudo

Este estudo trata-se de uma metassíntese acerca das percepções do homem sobre incontinência urinária pós-prostatectomia. A metassíntese é uma área emergente nas ciências da saúde, constituindo a síntese de descobertas dos estudos qualitativos, a fim de criar novas interpretações (SQUARCINO, ROCHA, SANTOS, 2020).

Os passos da realização de uma metassíntese são: determinação do foco do estudo; amostragem (as fontes utilizadas devem ser provenientes de métodos qualitativos amplamente aceitos no meio científico e os resultados devem aparecer apoiados nos dados obtidos); análise dos dados (não existe uma uniformidade na análise dos dados, pois pode existir a separação por matrizes epistemológicas ou pode existir seu agrupamento, pois as diferentes metodologias irão se complementar) (SQUARCINO, ROCHA, SANTOS, 2020).

Critérios de inclusão e exclusão na amostra

Para a elaboração desta pesquisa, estabeleceram-se os seguintes critérios de inclusão: artigos primários, de abordagem qualitativa, nos idiomas inglês, português e espanhol, indexados nas bases de dados da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS),

MEDLINE Via Pubmed, COCHRANE, SCOPUS (via Portal Capes), WEB OF SCIENCE (via Portal Capes), Embase (via Portal Capes) e publicados entre 2012 e 2022, disponíveis online gratuitamente.

Quanto aos critérios de exclusão definiu-se: artigos quantitativos, artigos de revisão e literatura cinzenta.

 O levantamento bibliográfico foi realizado no mês de dezembro de 2022.

Coleta de dados

Utilizaram-se os seguintes descritores: Prostatectomia; Qualidade de Vida; Incontinência Urinária; Pesquisa Qualitativa; Significado; Percepção. Todos são descritores encontrados no banco dos Descritores em Ciências da Saúde (DESC) da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Além disso, utilizaram-se os booleanos “AND” e “OR”. Utilizou-se um instrumento de coleta de dados elaborado para esta finalidade, incluindo dados referentes a código do artigo, título do periódico, título do artigo, base de dados, ano de publicação, país, idioma, local de realização da pesquisa, tipo de estudo, objetivo, categorias geradas pelo estudo e referencial teórico utilizado.

Após a separação dos artigos e extração dos dados relevantes para a análise da pesquisa, elaboraram-se quadros contendo os artigos e dados, com posterior discussão à luz de literatura científica.

A estratégia de busca foi realizada por bibliotecária da Biblioteca Baetta Viana, do Campus da Saúde da UFMG.

Estratégia de busca realizada

Nas bases de dados buscadas, os resultados foram os citados a seguir:

BVS: 106 artigos. Pré-selecionados 9 artigos. Foram descartados 5 artigos, sendo que 2 eram pesquisas quantitativas e 3 eram artigos de revisão de literatura. Restaram 4 artigos.

MEDLINE: 146 artigos. Os 146 artigos foram descartados por não contemplarem os critérios de inclusão.

COCHRANE: 123 artigos. Os 123 artigos foram descartados por não contemplarem os critérios de inclusão.

SCOPUS: 208 artigos. Os 208 artigos foram descartados por não contemplarem os critérios de inclusão.

WEB OF SCIENCE: 108 artigos. Os 108 artigos foram descartados por não contemplarem os critérios de inclusão.

EMBASE: 201 artigos. Os 201 artigos foram descartados pornãocontemplarem os critérios de inclusão.

Dessa forma, quatro artigos qualitativos compuseram esta metassíntese. Os mesmos estão apresentados a seguir.

5. RESULTADOS 

 Os quatro artigos que compuseram esta metassíntese estão detalhados a seguir e foram decodificados em Artigo 1, Artigo 2, Artigo 3 e Artigo 4.

Quadro Sinóptico

 Os referenciais teóricos utilizados foram fenomenologia, representações sociais e análise de conteúdo. Quanto ao ano de publicação, estes foram publicados entre os anos de 2012 e 2020.

 A IU emergiu nos quatro artigos, nas diversas categorias elaboradas. Estas serão discutidas a seguir.

6. DISCUSSÃO

 Os quatro artigos selecionados para esta metassíntese abordam a incontinência urinária não como tônica das quatro pesquisas, mas aparecem em nuances em todas elas, reiterando a importância do tema. A subjetividade constitui característica emblemática da pesquisa qualitativa. 

 O Artigo 1 foi analisado à luz das Representações Sociais (RS), compreendidas aqui como “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (Jodelet, 2001). Essa teoria consiste em um modelo de teoria científica social. Ao contrário do que Moscovici (referência nesta teorização) muitas vezes chamou de “teorias de uma ou duas frases”, a teoria das representações sociais é construída sobre um rico conjunto de pressupostos. Além disso, o reconhecimento explícito dos pressupostos das representações sociais no emprego nas práticas profissionais, como educação, política e saúde, permite uma contribuição única para as ciências sociais e humanas (MARKOVÁ, 2017).

 No Artigo 1, a IU aparece na terceira categoria, intitulada “As RS de corpo após o adoecimento por câncer”. Um dos entrevistados verbaliza que, dentre as principais mudanças percebidas, destacam-se o emagrecimento, as mudanças no estado emocional, o isolamento social e, principalmente, as incapacidades funcionais, as mudanças no estado de humor, a incontinência urinária e as disfunções sexuais. Todos os participantes relataram que, em algum momento do adoecimento e tratamento oncológico, passaram a conviver com sintomas de incontinência urinária. A maior parte deles, em diversas situações, não podia controlar a vontade de urinar e acabava urinando em suas roupas. Em revisão integrativa sobre incontinência urinária masculina, (BICALHO, LOPES, 2012), na maioria dos artigos analisados, a incontinência foi apontada como um dos resultantes do tratamento do câncer de próstata, o que afeta não só a vida dos pacientes, mas também de suas companheiras, podendo diminuir a qualidade de vida de ambos e interferindo nas relações conjugais.

Ainda no Artigo 1, um dos entrevistados com nome fictício de Paulo afirma que: 

“Se eu fizer uma força, assim, pra carregar um quilo e meio, a urina sai de contínuo, que eu uso fralda.”

Perante a impossibilidade de controlar a urina, os entrevistados se viram diante da necessidade de utilizar fraldas e absorventes descartáveis, o que foi vivenciado por todos como um evento muito desagradável. Para outro entrevistado (Plínio), o uso das fraldas se referia a algo terrível: 

A fralda é terrível! Porque você, veja bem, com o sol quente dá aquela gastura na parte de trás, na frente, você entendeu? Dá uma gastura terrível.”

Segundo os autores do Artigo 1, nota-se, portanto, que, antes do adoecimento, as representações de corpo dos participantes estavam ancoradas nas ideias de “corpo de homem”, “corpo forte e resistente” e “corpo saudável”, em conformidade com o modelo de masculinidade hegemônica. Nota-se também que após o adoecimento e o tratamento oncológico, fez-se necessário que os participantes construíssem novas representações. Nesse sentido, constata-se que os modos de conceber seus corpos passaram a estar ancorados nas ideias de “corpo doente”, gerando o sentimento de serem “menos homens” que antes. 

 O Artigo 2 foi analisado à luz da fenomenologia. O termo fenomenologia significa estudo dos fenômenos, daquilo que aparece à consciência, daquilo que é dado, buscando explorá-lo. A própria coisa que se percebe, em que se pensa, de que se fala, tanto sobre o laço que une o fenômeno com o ser de que é fenômeno, como sobre o laço que o une com o Eu para quem é fenômeno (SILVA, LOPES, DINIZ, 2008).

A questão da IU emerge como categoria no Artigo 2, sendo esta denominada “A cirurgia para a retirada da próstata, o uso da sonda, a incontinência urinária, a questão da ereção, mas graças a Deus está tudo sobre controle e continuam tratamento com radioterapia”.

 Os autores ressignificam a IU como consequência da cirurgia e frisam o uso de fraldas como algo constrangedor, bem como o uso de absorventes masculinos. Destacase a seguinte verbalização de um dos entrevistados: 

“Falou que deveria operar, tirar a próstata, e como consequência fiquei com incontinência urinária. Mas vou ver se começo agora a fisioterapia.”

Percebe-se nessa fala a questão da IU, mas em uma alusão à resiliência, visto que o entrevistado afirma que vai iniciar a fisioterapia.  Na passagem da década de 1970 para 1980, pesquisadores americanos e ingleses voltaram sua atenção para o fenômeno das pessoas que permaneciam saudáveis apesar de expostas a severas adversidades. Chamaram inicialmente essas pessoas de invulneráveis e o fenômeno, de invulnerabilidade, como o termo que seria mais tarde substituído por resiliência (BRANDÃO et al., 2011). Segundo os mesmos autores, o termo resiliência pode ser entendido como resistência ao estresse ou algo relacionado a processos de recuperação e superação. 

 No entanto, ainda no Artigo 2, na fala de outro entrevistado, observa-se que o mesmo se encontra inconformado com o diagnóstico de câncer de próstata, ao mesmo tempo em que verbaliza a IU como consequência: 

“O médico disse ‘a única coisa que te aconselho é a retirada radical da próstata’. Para tirar a sonda eu tive medo e depois vem as consequências que é incontinência urinária, depois fazer fisioterapia, usar fralda e absorvente. O que adianta ter ereção e ter que estar fazendo radioterapia, porque a coisa espalhou para outros lados.”

Segundo os autores do Artigo 2, nesse processo, o “ser após o diagnóstico de câncer de próstata”, ao receber o diagnóstico da doença, está lançado na facticidade, naquilo que não pode ser mudado. Desse modo, demonstra surpresa, pois não esperava ter a doença, não teve a escolha e não podia fugir porque está inerente à situação vivida. Assim, a IU não aparece, para o entrevistado, como o mais importante da questão, apesar de mencioná-la. Para este, a questão maior é ter um diagnóstico de câncer. Conforme Domenico (2016), diariamente pessoas são diagnosticadas com um dos mais de cem tipos diferentes de câncer, em um dos estágios de acometimento da doença, podendo estar em sua fase inicial ou na proximidade do final de vida. Cuidar dessas pessoas e de suas famílias de maneira integral e interdisciplinar é uma necessidade e um dever que deve estar bem estabelecido nas políticas públicas mundiais.

 O Artigo 3 utiliza como referencial metodológico a Análise de Conteúdo, na modalidade temática. Aanálise temática leva em conta a frequência dos temas extraídos dos discursos, descobrindo núcleos de sentido que compõem a comunicação e cuja presença dá significado ao objetivo da análise, elegendo a seguir as categorias ou temas (BARDIN, 2009). 

Neste artigo, a IU emerge como subcategoria intitulada “Viver com incontinência urinária”, pertencente à categoria “A cirurgia: um ponto de viragem”. Os entrevistados são unânimes em relação ao papel do enfermeiro como mediador nesse processo. Dessa forma, o enfermeiro deve compreender a diversidade e a individualidade das expressões da incontinência urinária e disfunção erétil, assim como a importância relativa das suas dimensões, que se diferenciam ao longo de todo o ciclo vital e de pessoa para pessoa, facultando um acréscimo de conhecimentos e o desenvolvimento de atitudes de aceitação das diferentes formas de ver e viver esses contextos muito particulares. 

Um dos entrevistados do Artigo 3 refere:

“A sugestão que eu dava foi aquela que eu falei, acho que devia de haver no pósoperatório uma retaguarda, um apoio do enfermeiro mais efetivo [Consulta de

Enfermagem no pós-operatório].”

Assim, percebe-se que o enfermeiro é reconhecidamente fundamental no processo de mudanças no estilo de vida, tal qual no surgimento da IU pós-prostatectomia. 

O Artigo 4 também utiliza como referencial teórico a fenomenologia. Dos quatro artigos, este é mais enfático em seu título: “Eu não Sou Homem Mais!”: masculinidades e experiências de adoecimento por câncer da próstata. Nesse artigo, as limitações físicas e a nova rotina impostas pelo adoecimento e tratamento mostram-se bastante diferentes dos modos de vida dos homens anteriores à enfermidade e produziram sentimentos de medo e ansiedade quanto à possibilidade da morte e do sofrimento. O adoecimento e o tratamento exigiram que os indivíduos reelaborassem suas concepções acerca de seus corpos e abriram espaço para construção de novas formas de se pensar e viver a própria masculinidade.

Um dos entrevistados, com o nome fictício de Pacheco, verbaliza que, depois do diagnóstico e desde que iniciou o tratamento oncológico, passou a apresentar “um problema na urina, uma incontinência“, de maneira que, agora, já não mais consegue “segurar a urina direito“. Nesse sentido, urinar nas roupas tornou-se algo que ocorre de forma “constante“. Desse modo, atividades que antes pareceriam fáceis de serem executadas agora não mais podiam ser realizadas ou, se necessário, deveria passar a contar com a ajuda de outras pessoas, gerando sentimentos de tristeza, vergonha e perda da autonomia.

Ainda no Artigo 4, devido aos sintomas de incontinência urinária e da impossibilidade de controlar a urina, os entrevistados se viram diante da necessidade de utilizar fraldas e absorventes descartáveis, o que foi vivenciado por todos como um evento muito desagradável. Para o entrevistado de pseudônimo Plínio, o uso das fraldas se referia a algo “terrível“:

 “A fralda é terrível, a fralda é terrível! Porque você, veja bem, com o sol quente dá aquela gastura, né, você na parte de trás, na frente, você entendeu, dá uma gastura terrível.

Também para o entrevistado Péricles, “o uso de fraldas e absorventes incomoda demais, é ruim pra caramba!”, o que acaba interferindo em sua rotina diária. Além do desconforto do uso das fraldas e dos absorventes, os entrevistados também chamaram a atenção para o sentimento de vergonha e do medo de que alguém descubra a sua utilização. Péricles relata que, em sua casa, “tem toda a liberdade” para trocar as fraldas, inclusive “na vista de seus filhos“. Entretanto, levar e trocar as fraldas na casa de outras pessoas deixa-o envergonhado e incomodado, fazendo com que evite sair: 

“Não quero ir só por causa disso, porque incomoda bastante!” 

De forma semelhante, o entrevistado Pedro afirma que, agora, está “desesperado” com a utilização das fraldas, já que elas estão interferindo em sua rotina. Assim, inferese que a incontinência urinária e o uso de fraldas modificam a vida social e familiar dos pacientes que desenvolveram IU. Em artigo sobre gênero intitulado “Sobre homens, câncer de próstata e saúde: um ensaio a luz da antropologia das masculinidades”, os autores explanam:

 “Compreendemos que a discussão em torno das masculinidades e saúde vão além das questões relacionadas à sexualidade. Elas se tecem na mesma teia de significados da vida e se rearranjam assim como a cultura em crenças, valores e símbolos que guiam os atos masculinos. Por este motivo, compreender os homens adoecidos foi como mergulhar em um texto vivo onde pesquisador e pesquisado aprendem, compreendem e interpretam que o conceito de ser homem vai além de uma definição conotativa prejulgada pelo social, pois o homem ‘não cai do céu, ele brota do chão’, e é criado desde a infância e recriado no dia a dia ao longo do seu fluxo de vida por suas experiências.” (ARAÚJO, ZAGO, 2018)

Os mesmos autores reconhecem queos homens com câncer de próstata lidam com dificuldades devido ao diagnóstico do câncer e aos efeitos dos tratamentos que alteram a sua qualidade de vida. 

Esta metassíntese teve como limitação o número escasso de artigos sobre a temática, apesar da importância do tema. Dos quatro artigos, dois foram publicados em revistas de enfermagem, sendo os outros dois publicados em revistas da área de psicologia. Infere-se, portanto, que a temática ainda apresenta necessidade de ser mais bem explorada em artigos qualitativos.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os quatro artigos que constituíram esta metassíntese abordaram a IU pós- prostatectomia de forma singular e subjetiva. Todos abordaram a IU como um problema sério que interfere na qualidade de vida e na autoestima dos homens que a vivenciam.

A incontinência urinária pode gerar sentimentos negativos, que vão desde ansiedade e depressão a sentimentos de vergonha, que impedem o homem de viver sua vida de forma plena. Esses sentimentos estão normalmente presentes em homens após a prostatectomia.

As categorias que emergiram não foram recorrentes, mas as subcategorias dos quatro artigos trazem nuances dos sentimentos e percepções sobre a IU pós- prostatectomia. Dessa forma, conclui-se que os objetivos desta pesquisa bibliográfica foram alcançados.

A pesquisa qualitativa se mostrou como caminho natural para se entender as percepções e os significados da IU pós-prostatectomia. O estomaterapeuta necessita estar apto para entender a subjetividade que perpassa pela vivência de uma pessoa com incontinência, seja esta urinária ou fecal.

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