SÍFILIS NA GESTAÇÃO E O CUIDADO PRIMÁRIO EM SAÚDE: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

SYPHILIS IN PREGNANCY AND BASIC HEALTH CARE. LITERATURE REVIEW

SÍFILIS EN EL EMBARAZO Y ATENCIÓN PRIMARIA DE SALUD: REVISIÓN BIBLIOGRÁFICA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8317582


Renata Martins Barbosa¹
Maria Cristina de Moura Ferreira²
Letícia Rodrigues da Silva1
Marcelle Aparecida de Barros Junqueira3
Lucas Pereira Silva, Luana Pacheco Silva4
Patrycia Sarah Martins Arruda5


RESUMO

A sífilis é uma patologia infecciosa e sistêmica, de amplitude mundial e evolução crônica, além de ser uma problemática de saúde pública. É causada pelo Treponema pallidum, sendo a sua transmissão através da forma sexual ou vertical. É preciso diagnosticar precocemente as gestantes durante o pré-natal, visando o tratamento em tempo hábil na atenção primária a saúde. Tem-se como objetivo analisar produções científicas acerca do cuidado primário para sífilis na gestação na Atenção Básica. Estudo da modalidade revisão bibliográfica, descritivo e qualitativo. Fez-se o uso da Prática Baseada em Evidências (PBE), que reuniu 10 estudos sobre o tema, os quais foram organizados em dois quadros para exposição dos resultados. Observou-se, que é impossível não relacionar a ocorrência dos casos de sífilis com a renda familiar, problemas no sistema de saúde, baixa escolaridade e vulnerabilidade social. O diagnóstico é rápido, e de baixo custo para o serviço público, mas ainda assim, enfrenta dificuldades para acontecer. Percebeu-se quea saúde materno-infantil necessita ser preservada, e para isso, o fortalecimento de políticas públicas precisa ser incentivado diariamente. Estudos como este, que trazem dados atualizados sobre um tema relevante para a saúde coletiva, tornam-se importantes, por auxiliarem no cuidado teórico-prático-clínico em saúde da mulher.

Descritores: Sífilis. Gestação. Cuidado. Enfermagem. Atenção Primária a Saúde.

ABSTRACT

Syphilis is an infectious and systemic pathology, worldwide in scope and chronic evolution, in addition to being a public health problem. It is caused by Treponema pallidum, and its transmission is sexual or vertical. It is necessary to diagnose pregnant women early during prenatal care, aiming at timely treatment in primary health care. The objective is to analyze scientific productions about primary care for syphilis during pregnancy in Primary Care. Study of the bibliographic review modality, descriptive and qualitative. Evidence-Based Practice (EBP) was used, which brought together 10 studies on the subject, which were organized into two tables to display the results. It was observed that it is impossible not to relate the occurrence of syphilis cases with family income, problems in the health system, low education and social vulnerability. The diagnosis is fast and low cost for the public service, but still, it faces difficulties to happen. It was noticed that maternal and child health needs to be preserved, and for that, the strengthening of public policies needs to be encouraged on a daily basis. Studies such as this one, which bring up-to-date data on a topic relevant to collective health, become important, as they help in theoretical-practical-clinical care in women’s health.

Descriptors: Syphilis. Gestation. Careful. Nursing. Primary Health Care.

RESUMEN

La sífilis es una patología infecciosa y sistémica, de alcance mundial y evolución crónica, además de ser un problema de salud pública. Es causada por Treponema pallidum y su transmisión es sexual o vertical. Es necesario realizar un diagnóstico temprano de la gestante durante el control prenatal, visando un tratamiento oportuno en la atención primaria de salud. El objetivo es analizar las producciones científicas sobre la atención primaria de la sífilis durante el embarazo en Atención Primaria. Estudio de la modalidad de revisión bibliográfica, descriptiva y cualitativa. Se utilizó la Práctica Basada en la Evidencia (PBE), que reunió 10 estudios sobre el tema, los cuales fueron organizados en dos tablas para mostrar los resultados. Se observó que es imposible no relacionar la ocurrencia de casos de sífilis con la renta familiar, problemas en el sistema de salud, baja escolaridad y vulnerabilidad social. El diagnóstico es rápido y de bajo costo para el servicio público, pero aun así enfrenta dificultades para concretarse. Se advirtió que es necesario preservar la salud maternoinfantil y para ello es necesario impulsar diariamente el fortalecimiento de las políticas públicas. Estudios como éste, que aportan datos actualizados sobre un tema relevante para la salud colectiva, cobran importancia, pues ayudan en la atención teórico-práctica-clínica de la salud de la mujer.

Descriptores: Sífilis. Gestación. Cuidadoso. Enfermería. Primeros auxilios.

INTRODUÇÃO

O Ministério da Saúde (MS) conceitua a sífilis, como sendo uma doença de origem infecciosa sistêmica, oriunda do agente infeccioso Treponema pallidum, com transmissão sexual e vertical, e que por vezes, consegue progredir, levando ao adoecimento crônico (BRASIL, 2022). Em outra literatura, tem-se a informação de que um dos períodos susceptíveis para a infecção, é a gestação (SANTOS, 2022). Dados do MS demonstram, que a transmissão da sífilis sexual se concentra em cerca de 60% da média de casos que são notificados, tanto de sífilis primária e secundária, como também a terciária (BRASIL, 2010).

No Brasil, trazendo dados desde o ano de 2010, o MS sinaliza que 50 mil gestantes possuem diagnóstico de sífilis durante o pré-natal, e ainda, que este fato está totalmente interligado a captação precoce e acompanhamento no pré-natal. Corroborando com este número, a consequência desses dados é o acontecimento da sífilis congênita, que anualmente, são notificados em média 12 mil casos no Brasil, por ano (BRASIL, 2010).

Comparando com dados recentes, o panorama tem se mantido com notificações de sífilis ascendentes e que preocupam a saúde pública. Um número alarmante é que entre os anos de 2005 a 2022, o MS registrou mais de 449.981 casos de sífilis na gestação, e aprofundando esses dados, em média 1 milhão de mulheres tem suas gestações comprometidas pela sífilis, com desfecho de mortes fetais ou complicações no parto/pós-parto (BRASIL, 2022).

Continuamente, problematizando a pesquisa com resultados referentes da América Latina, mas especificadamente da região do Caribe, cerca de 330.000 gestantes foram diagnosticadas com sífilis, todavia, não foram tratadas contra a doença, nem tiveram acesso as suas consultas de pré-natal (LINDOSO et al., 2020). A nível nacional, observa-se falhas no diagnóstico precoce da sífilis em gestantes, diante dos números significativos, de que 61% das mulheres grávidas compareceram ao pré-natal. Diante desses dados mais recentes, pode-se afirmar que o Brasil continua entre os países com diagnósticos mais elevados de sífilis na gestação, juntamente com o Caribe, como foi citado anteriormente (OPAS, 2012).

Um estudo apontou, que houve prevalência da sífilis na gestação, diagnosticadas somente no hospital, e com testes rápidos realizados pela primeira vez também no ambiente hospitalar (LINDOSO et al., 2020). Sequencialmente, é primordial compreender, que por vezes, as gestantes não possuem conhecimento sobre a sífilis, desde a forma de prevenção até o tratamento precoce. A problemática do estudo está cercada de vertentes que se relacionam com o acesso a saúde primária, na atenção básica (BRASIL 2015).

Compreende-se que a sífilis gestacional possui desfechos negativos, e que inúmeros fatores levam as gestantes a não conseguirem o diagnóstico ou tratamento em tempo oportuno. Uma pesquisa nacional ressalta, que a problemática da sífilis gestacional inicia desde as condutas governamentais, e perpassa a qualificação profissional daqueles que acompanham o pré-natal. Existem problemas relacionados a recursos materiais, falta de testes rápidos, bem como capacitação profissional para isto, captação precoce das gestantes no território, dificuldades no acesso a Unidade Básica de Saúde, vulnerabilidade e desigualdade social, fatores econômicos, entre outros (COSTA et al., 2020).

Dessa forma, é no pré-natal que a gestante deve ser acompanhada, e este, ocorre na Estratégia de Saúde Família (ESF), na Unidade de Saúde da Família (USF), junto a equipe de Saúde da Família (eSF) (FELICIO, 2018; COSTA et al., 2020). A responsabilidade da ESF como ordenadora do cuidado é primordial para garantir a prevenção, diagnóstico e tratamento da sífilis na gestação, todavia, não é a única que deve ter compromisso com isto. Assim, supõe-se, que muitas são as dificuldades em torno dos casos de sífilis na gestação, por isso, pesquisas que possam contribuir com a disseminação do conhecimento, bem como novas possibilidades para a perpetuação do cuidado, tornam-se válidas (MARQUES et al., 2018).

Diante de um problema de saúde pública, que possui responsabilidade coletiva, elaborou-se a seguinte questão de pesquisa: Como se dá o cuidado em saúde primário relacionado a sífilis na gestação na Atenção Básica?

METODOLOGIA

Estudo da modalidade revisão bibliográfica, descritivo e qualitativo. Fez-se o uso da Prática Baseada em Evidências (PBE), para auxiliar na seleção e organização dos estudos encontrados. Foram seguidas estas etapas: definição do tema e dos descritores, seleção das bases de dados, busca dos estudos, organização e apresentação dos mesmos.

Para elaborar a questão de pesquisa, utilizou-se a estratégia PICO(acrônimo para P: população/pacientes; I: intervenção; C: comparação/controle; O: desfecho/outcome), formando a questão de pesquisa: Como se dá o cuidado em saúde primário relacionado a sífilis na gestação na Atenção Básica? Foram usadas as seguintes bases/bibliotecas em saúde: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS); Biblioteca Eletrônica Científica Online (SciELO) e Google acadêmico.

Tem-se como critérios de inclusão: estudos completos, publicados entre os anos de 2019 a 2023, em inglês, português e espanhol, que respondam ao objetivo e questão de pesquisa deste estudo. Foram excluídos: estudos de tese, dissertações, trabalhos de congresso e resumos de pesquisas. Para exploração dos materiais encontrados, retirou-se as informações: autores, título, objetivo, ano de publicação, periódico, método e os principais desfechos sobre o tema. Foram definidos os descritores, conforme o DeCS (Descritores em Ciências da Saúde): Sífilis; Gestação; Cuidado; Diagnóstico e Atenção Primária a Saúde. Os descritores foram cruzados pelo operador booleano AND no momento da busca pelos estudos nas bases de dados.

Foram encontrados 150 estudos sobre o tema. Neste instante, foi aplicado o filtro sobre a linha temporal (2019-2023), seguindo para análise 58 pesquisas. Os 58 estudos tiveram os seus títulos analisados, na primeira leitura, somente 10 tinham relação com o tema desta pesquisa. Foi realizada uma segunda leitura, e neste momento foi confirmado a inserção dos 10 estudos dentro dos objetivos e da questão de pesquisa.

RESULTADOS

Após isso, os estudos foram analisados quanto aos resumos, um por um, e todos estavam condizentes com o tema. Por fim, foi feita a leitura integral de cada artigo, e os 10 estudos foram incluídos no corpus da pesquisa. Os artigos foram organizados em dois quadros para melhor exposição, e codificados de 1 a 10, referenciando a letra A= Artigo.

QUADRO 1– Caracterização dos estudos relacionados ao tema, no período de 2019-2023, Uberlândia – MG, 2023.

CodificaçãoAutoresTítuloAno de publicaçãoPeriódico
A1RONCALLI, Angelo Giuseppe et al.Efeito da cobertura de testes rápidos na atenção básica sobre a sífilis em gestantes no Brasil2021Revista de Saúde Pública
A2FIGUEIREDO, Daniela Cristina Moreira Marculino de et al.Relação entre oferta de diagnóstico e tratamento da sífilis na atenção básica sobre a incidência de sífilis gestacional e congênita.2020Cadernos de Saúde Pública
A3SANTANA, Manoel Vitório Souza; BARBOSA, Priscila Nayara Gerônimo; SANTOS, Jauan Fellipe LimaSífilis gestacional na atenção básica2019Diversitas Journal
A4MASCHIO-LIMA, Taiza et al.Perfil epidemiológico de pacientes com sífilis congênita e gestacional em um município do Estado de São Paulo, Brasil.2020Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil
CodificaçãoAutoresTítuloAno de publicaçãoPeriódico
A5LEAL, Maria Gercileide de Araújo et al.Estrutura e resultados do controle da sífilis em gestantes na atenção básica: estudo transversal2021Revista de Enfermagem da UERJ
A6SOARES, Maria Auxiliadora Santos; AQUINO, Rosana.
Associação entre as taxas de incidência de sífilis gestacional e sífilis congênita e a cobertura de pré-natal no Estado da Bahia, Brasil.2021Cadernos de Saúde Pública
A7MACÊDO, Vilma Costa de et al.
Sífilis na gestação: barreiras na assistência pré-natal para o controle da transmissão vertical.2020Cadernos de Saúde Pública
A8ARAÚJO, Maria Alix Leite et al.
Fatores associados aos desfechos desfavoráveis provocados pela Sífilis na gestação.2019Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil
A9PAULA, Mariane Andreza de et al.Diagnóstico e tratamento da sífilis em gestantes nos serviços de Atenção Básica2022Ciência & Saúde Coletiva
CodificaçãoAutoresTítuloAno de publicaçãoPeriódico
A10PEREIRA, Bruna Britto; SANTOS, Cristiano Pinto dos; GOMES, Giovana Calcagno.
Realização de testes rápidos de sífilis em gestantes por enfermeiros da atenção básica.2020Rev. enferm. UFSM,

Fonte: BARBOSA; MOURA-FERREIRA, 2023.

Diante do quadro, compreende-se que quanto aos anos de publicação dos estudos, ocorreu ascendência dos anos de 2020 (4) e 2021 (3). Logo em seguida, o ano de 2019 (2) e por fim, o ano de 2022 (1). Houve predominância do periódico Cadernos de Saúde Pública (3) e também da Revista Brasileira Materno Infantil (2), os demais pontuaram em um artigo cada.

QUADRO 2– Desfechos sobre a sífilis gestacional na atenção básica, no período de 2019-2023, Uberlândia – MG, 2023.

CodificaçãoObjetivoMétodoPrincipais desfechos sobre o tema
A1Analisar o efeito da cobertura de testes rápidos na Atenção Básica sobre a taxa de detecção de sífilis em gestantes no Brasil, nos municípios com mais de 100 mil habitantes.Estudo quantitativo, no qual foram utilizados os métodos de aferição da cobertura de testes rápidos para sífilis na Atenção Básica e, como variáveis de ajuste, alguns indicadores de serviços de saúde e socioeconômicos.-Houve uma melhora na realização dos testes rápidos, porém, ainda existe a necessidade de maior investimento financeiro.
A2Analisar a relação entre as ofertas de diagnóstico e tratamento da sífilis na atenção básica e as incidências de sífilis gestacional e congênita.Foi realizado estudo ecológico analisando as incidências desses agravos e a cobertura de ações diagnósticas e terapêuticas na atenção básica.Desafio governamental;

-Má qualidade na assistência ofertada;
A3Analisar as formas de prevenção e tratamento para a sífilis na gestação aplicada pelo corpo de enfermagem em Unidade Básica de Saúde.Estudo reflexivo, que utilizou se referenciais teóricos e bases de literatura relacionados ao tema.-Maior oferta de teste rápido;

-Dificuldade de adesão do parceiro ao pré-natal;
CodificaçãoObjetivoMétodoPrincipais desfechos sobre o tema
A5Avaliar o serviço de atenção básica quanto à estrutura e aos resultados relativos ao controle de casos de sífilis em gestantes.Estudo descritivo de abordagem quantitativa, realizado em unidades básicas de saúde de um município do interior do Ceará, entre março e maio de 2019.-Nível de escolaridade da população;

-Diagnóstico tardio;

-Pouco desenvolvimento de ações preventivas.
A6O objetivo deste estudo foi analisar a associação entre as taxas de incidência da sífilis gestacional e da sífilis congênita e a cobertura de pré-natal no período de 2007 a 2017 no Estado da Bahia, Brasil.Trata-se de um estudo ecológico e longitudinal, cujas unidades de análise foram os municípios do Estado da Bahia.

-Tratamento inadequado do parceiro.
A7Avaliar as barreiras na assistência pré-natal para o controle da transmissão vertical da sífilis em gestantes segundo o perfil sociodemográfico, reprodutivo e assistencial em uma metrópole do Nordeste brasileiro.Estudo descritivo, conduzido a partir de banco de dados de um estudo caso-controle para sífilis gestacional em maternidades públicas no Nordeste do Brasil, entre 2013 e 2014.-Necessidade de maior cobertura da atenção primária;

-Ações que visem o diagnóstico precoce.
A8Analisar os fatores associados aos desfechos desfavoráveis provocados pela sífilis na gestação.Estudo descritivo realizado entre maio a agosto de 2014, em maternidades públicas, com puérperas.-Vulnerabilidade no processo de diagnóstico.
A9O objetivo deste artigo é avaliar as condições dos serviços de Atenção Básica (AB) brasileiros quanto a disponibilidade de testes rápidos (TR) para o diagnóstico precoce e de Benzilpenicilina (BZP) para o tratamento das gestantes com sífilis.Estudo transversal com dados dos serviços de AB que participaram do Programa de Melhoria da Qualidade da Atenção Básica.-Treinamento profissional; -Dificuldade de acesso ao pré-natal.
CodificaçãoObjetivoMétodoPrincipais desfechos sobre o tema
A10Conhecer de que forma os enfermeiros da atenção básica realizam os testes rápidos para sífilis em gestantes.Pesquisa qualitativa realizada em um município do sul do Brasil. Os dados foram coletados em 2018 por entrevistas semiestruturadas e submetidos à Análise de Conteúdo.-Empecilhos na Identificação e diagnóstico precoce.


Fonte: BARBOSA; MOURA-FERREIRA, 2023.

A sífilis é uma infecção sexualmente transmissível (IST) milenar causada pela bactéria Treponema pallidum, transmitida por via sexual e vertical durante a gestação ou no parto, quando o esquema de tratamento da mãe diagnosticada ocorre de forma inadequada ou não ocorre. A transmissão vertical da sífilis depende dos estágios da infecção materna, cujo risco é maior durante os estágios primários e secundários da infecção, sendo de 70% a 100% nas gestantes que não recebem tratamento e/ou são tratadas inadequadamente, com redução nas fases latente e tardia (30%) (WANG et al., 2019; CONCEIÇÃO, CAMÂRA e PEREIRA, 2019).

Dentre os principais desfechos da sífilis gestacional, evidenciados pela literatura, destacam-se aumento do risco de óbito fetal em até 21%, óbito neonatal, prematuridade, baixo peso ou malformações congênitas. Vale ressaltar que todos os eventos adversos da sífilis durante a gravidez podem ser evitados com o tratamento adequado durante o pré-natal, que consiste, no Brasil, na administração de penicilina G benzatina em dose adequada à fase clínica diagnosticada e iniciado até 30 dias antes do parto, além de acompanhamento mensal para verificar diminuição da titulação. Gestantes que não se enquadram nesses critérios são consideradas tratadas inadequadamente (BRASIL, 2017).

Os estudos encontrados corroboram com os achados científicos, pois no Brasil, a assistência pré-natal inadequada é uma das principais responsáveis pelo acontecimento da sífilis da gestação (RONCALLI et al., 2021). A sífilis gestacional tem relação com baixa renda familiar ou estado de pobreza, infecção pelo HIV, uso de drogas e o déficit no sistema de saúde. Para a prestação de cuidados em saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) possui a Rede de Atenção à Saúde (RAS), dentro da RAS, a saúde funciona a partir de níveis de atenção à saúde, desde o primário até o terciário, tendo a ESF como ordenadora do cuidado, mantendo os demais níveis da RAS conectados (FIGUEIREDO et al., 2020).

Corroborando com os achados, uma pesquisa identificou a ocorrência de sífilis na gestação associada à escolaridade menor que oito anos de estudo, 7,4 vezes mais chances em mulheres que não fizeram o pré-natal, tratamento inadequado ou não realizado (53,7%) e 64,0% dos casos não houve tratamento da parceria sexual (DOMINGUES e LEAL, 2016).

A assistência pré-natal inadequada foi indicada como o principal fator responsável pela elevada incidência da sífilis congênita em um estudo realizado em Belo Horizonte, Minas Gerais. O mesmo foi encontrado em estudo nacional desenvolvido em 2011 e 2012, que apontou casos de sífilis congênita associados a menor escolaridade, início mais tardio do pré-natal, ou seja, menor número de consultas e menor realização de exames sorológicos. Foi constatado que gestantes sem nenhuma consulta de pré-natal são as que apresentam a maior prevalência de sífilis na gestação, corroborando com os achados de oito dos artigos analisados nesta pesquisa (DOMINGUES e LEAL, 2016).

Em outro estudo desenvolvido na Maternidade de Malvinas, na Argentina, foi apontado que o risco de apresentar algum tipo de falha no diagnóstico de sífilis materna esteve relacionado a fatores específicos, como baixa escolaridade materna e número insuficiente de exames pré-natais. Além disso, a gravidez antes dos 18 anos e ter menos de 5 consultas de pré-natais são fatores que afetam a falha do tratamento da sífilis gestacional (SILVA et al., 2018).

Como estratégia de combate à sífilis congênita, em 2021, o Brasil lançou a Campanha Nacional de Combate a Sífilis Adquirida e Congênita, com o alerta sobre a importância da prevenção e tratamento precoce, incluindo como público-alvo as gestantes e seus parceiros. Como ações de combate, teve o lançamento do Guia da Eliminação da Transmissão Vertical de HIV e/ou Sífilis, com o objetivo de padronizar o procedimento para certificação em municípios com 100 mil ou mais habitantes e em estados, e a realização de um curso sobre a Atenção Integral às Pessoas com IST, com a finalidade de oferecer qualificação profissional a distância (BRASIL, 2021)

A logística da saúde brasileira teria que suprir as necessidades básicas de seus pacientes, infelizmente, um conjunto de situações não permite que isso ocorra. A gestante está inserida dentro da RAS e utiliza todos os serviços que lhe são disponíveis, para que seja possível realizar exames e o acompanhamento ideal (SANTANA; BARBOSA; SANTOS, 2019). O grande papel da ESF é ser a porta de entrada para o seu território adscrito, assim sendo, para as mulheres gestantes também. A linha de cuidado materno-infantil é prioridade para o SUS e a consulta de pré-natal uma das maiores ferramentas implementadas desde 1994, no intuito de garantir uma gestação saudável (MASCHIO-LIMA et al., 2020).

A eSF, tem por composição diversos profissionais, de diferentes categorias, que juntos, proporcionam o cuidado primário em saúde. O acompanhamento das gestantes é feito pelo médico, enfermeiro e dentista, no que se refere as consultas pré-natais. Todavia, muito além do que somente esses profissionais, a gestante conta com o cuidado do Agente Comunitário de Saúde (ACS), da técnica de enfermagem, da equipe multiprofissional, entre outros envolvidos no cuidado (LEAL et al., 2021).

A sífilis materna diagnosticada tardiamente durante a gravidez é considerada um fator de risco significativo para sífilis congênita, visto que implica tratamento tardio ou falta de tratamento durante a gravidez. Reforça-se que a triagem, o diagnóstico e o tratamento oportuno da sífilis são fundamentais para a prevenção da sífilis congênita e seus resultados adversos na gravidez (WANG et al., 2019).

Os casos de sífilis congênita podem ser evitados pela triagem e tratamento de gestantes de forma precoce, além de outra avaliação no início do terceiro trimestre para verificar infecções adquiridas durante a gravidez (RAHMAN et al., 2019). Dos artigos analisados, apenas um (KIDD et al., 2018) apontou como fator associado ao tratamento inadequado a falta de exames durante o pré-natal com menos de 30 dias antes do parto.

Referindo-se às variáveis maternas relacionadas aos casos de sífilis congênita, evidenciou-se a idade materna de 20 a 25 anos, predominância das mães com ensino fundamental incompleto, no auge da menacme e moradoras da zona urbana (GUIMARÃES et al., 2020; LIMA et al., 2017). Em contrapartida, estudo evidenciou que a quase totalidade dos casos de sífilis em gestantes teve uma boa adesão ao pré-natal (96,6%), mas, apesar disso, quase 40% das gestantes tiveram o diagnóstico durante o parto, e as que tiveram o diagnóstico durante o pré-natal, menos da metade, completaram o tratamento em menos de 30 dias antes do parto (LIMA et al., 2017).

Em relação ao tratamento do parceiro, apenas dois artigos (NUNES et al., 2017) abordaram a baixa adesão do parceiro como fator associado ao tratamento inadequado da sífilis em gestante, considerando a definição de tratamento adequado trazida pelos artigos. No Brasil, apesar de a atual Nota Informativa nº 2 – SEI/2017 – DIAHV/SVS/MS (BRASIL, 2017). Não considerar o tratamento da parceiro sexual da mãe para fins de definição de tratamento adequado e de caso de sífilis congênita, é essencial considerar que existe risco de reinfecção para gestante não tratadas concomitantemente ao parceiro.

Sendo assim, a educação em saúde também é um dos instrumentos referenciados na literatura, que auxiliam no pré-natal, e que no caso da sífilis, pode contribuir para a sua prevenção e reduzir os riscos de transmissão vertical. O profissional de saúde precisa realizar ações de educação em saúde, tanto individual quanto coletiva, para que a gestante possa realizar o autocuidado e evitar processos patológicos, além de garantir o empoderamento feminino (SOARES; AQUINO, 2022).

Continuamente, outra forma de cuidado primário em relação a sífilis gestacional, são as tecnologias em saúde. Um recurso relevante, que pode instrumentalizar as formas de cuidar das mulheres e ampliar as práticas em saúde (MACÊDO et al., 2018). Para o SUS, as tecnologias educativas são essenciais para potencializar o processo de cuidar, pois a saúde precisa ser edificada junto com o paciente, e as tecnologias em saúde proporcionam exatamente isto.

Dessa forma, entende-se que gestação é um momento de modificação na vida da mulher, que possui importância e vulnerabilidades. O cuidado com a gestante e a sífilis, parte do pressuposto da prevenção, evitar é um dos principais objetivos (MARQUES et al., 2018). Compreende-se, que a atenção à saúde das gestantes tem falhas e limitações, que estão interligadas a recursos, profissionalismo e acesso à saúde. Um grande problema citado, é a adesão dos parceiros ao tratamento, tornando a gestante ainda mais susceptível a recidiva da doença/tratamento inadequado (ARAÚJO et al., 2019).

Continuamente, é impossível não relacionar a ocorrência dos casos de sífilis com a renda familiar, problemas no sistema de saúde, baixa escolaridade e vulnerabilidade social. O diagnóstico é rápido, e de baixo custo para o serviço público, mas ainda assim, enfrenta dificuldades para acontecer. Essas dificuldades estão relacionadas a capacitação profissional, pois em algumas pesquisas foram apresentadas falhas no acompanhamento das consultas de pré-natal (PAULA et al., 2022).

É evidente, que o pré-natal de qualidade é a grande chave para reduzir a sífilis na gestação, e que com o apoio governamental, este processo seria mais efetivo. O investimento em treinamentos, cursos, grupos de educação em saúde e recursos materiais, iriam auxiliar na erradicação da doença (PEREIRA; SANTOS; GOMES, 2020).

CONSIDERAÇOES FINAIS

O estudo alcançou os seus objetivos propostos, no qual foi possível evidenciar as problemáticas em torno da sífilis gestacional na atenção básica, como tema relevante para o cuidado primário. Percebeu-se como principal resultado, que a maior ferramenta é a prevenção da doença no público-alvo deste estudo, e que com o auxílio da gestão em saúde, este cuidado seria mais oportuno e hábil.

Recomenda-se novas pesquisas sobre o tema, como por exemplo estudos de campo, experimentais e de implementação de tecnologias em saúde, que possam contribuir com a minimização desta doença. A saúde materno-infantil necessita ser preservada, e para isso, o fortalecimento de políticas públicas precisa ser incentivado diariamente. Estudos como este, que trazem dados atualizados sobre um tema relevante para a saúde coletiva, tornam-se importantes, por auxiliarem no cuidado teórico-prático-clínico em saúde da mulher.

Dessa forma, uma das limitações da pesquisa foram a presença de textos inovadores, abordando diferentes possibilidades do cuidado e novos recursos para contribuir na assistência direta a gestante, como por exemplo: manuais, cartilhas, aplicativos e etc. Entende-se que quanto mais este problema de saúde ficar evidenciado, maiores são as vertentes para aumentar as opções de cuidar.

REFERÊNCIAS

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1Enfermeira graduada pela Universidade federal de Uberlândia

²Docente da Universidade Federal de Uberlândia.

¹Especialização em UTI Neonatal e Pediátria pela FACUMINAS- e Saúde da Família e Comunidade pela Universidade Federal de Uberlândia,
E-mail:leh.s.mendes@gmail.com.

³Doutora em Enfermagem Fundamental e Docente Associado do Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Uberlândia – UFU.

4Graduação e Licenciatura em enfermagem – UFU.

5Enfermeira graduada pela Universidade Presidente Antonio Carlos.

6Mestrado em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Uberlândia.
Email: Patryciasarahenf@gmail.com


 

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