NEUROMUSCULAR SEQUELARES IN POST-COVID-19
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202409172046
Gabriel Fadini1;
João Paulo Alves do Couto2;
Priscila Silva Fadini3
Resumo
Objetivo: O objetivo do trabalho é sintetizar as sequelas neuromusculares do pós-covid-19, utilizando as produções científicas de mesma temática, para identificar os tipos de sequelas presentes nos pacientes pós-covid-19, caracterizar as manifestações clínicas neuromusculares e analisar as produções sobre as sequelas neuromusculares no pós-covid-19. Metodologia: Trata-se de uma revisão integrativa, que visa sintetizar as sequelas neuromusculares do pós-covid-19 utilizando as produções científicas disponíveis, para posteriormente caracterizá-las. Para a obtenção dos dados, foram utilizados os portais: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e National Library of Medicine (NIH), e as bases indexadoras de dados LILACS, Medline e PubMed durante o ano de 2024. A seleção dos estudos foi realizada de acordo com as normas Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA). Resultados: Conforme a pesquisa realizada, dentre as sequelas, como a neuropatia, miopatia, polineuropatia de doença crítica, polineuropatia desmielinizante aguda, polineuromiopatia, paralisia de Bell, encefalite, mielopatia medular e meningoencefalite, que afetaram o sistema neuromuscular e foram decorrentes da infecção por covid-19, o achado mais frequente foi a síndrome de Guillain-Barré (SGB), que de 12 estudos selecionados, 6 relataram tal patologia. Considerações finais: Indica-se que a infecção pelo vírus SARS-CoV-2 está relacionada com o aparecimento das sequelas neuromusculares nos pacientes acometidos, mas que há a necessidade de maior compreensão da patogenia da doença. Ainda não está claro se o vírus tem a capacidade de causar de forma direta as sequelas neuromusculares, quais serão e se aparecerão.
Palavras-chave: COVID-19. Polineuropatia. Doença neuromuscular.
INTRODUÇÃO
COVID-19 é o nome da doença causada pelo vírus coronavírus SARS-CoV-2, é uma infecção respiratória aguda, que por vezes pode ser grave (BRASIL, 2021).
No dia 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou o surto do novo coronavírus, uma Emergências de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), e em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada como uma pandemia. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (2021), o marco inicial da pandemia se deu na cidade de Wuhan, como vários casos de pneumonia, identificando a nova cepa do coronavírus. No Brasil o primeiro caso confirmado foi no dia 26 de fevereiro de 2020 no estado de São Paulo (CRODA; GARCIA, 2020). A partir desses acontecimentos, e inúmeros no mundo, a doença se expandiu para todas as cidades.
SARS-CoV-2 é um vírus envelopado com uma fita simples de RNA, além de acometer as vias respiratórias, ele também causa doenças no trato gastrointestinal e no sistema nervoso (WIERSINGA, W. Joost et al., 2020). Seu mecanismo de ação para infectar as células humanas, consiste em se ligar com o receptor da Enzima Conversora de Angiotensina 2 (ACE2), este processo é proporcionado por uma proteína chamada proteína S, que é a chave para a fechadura da ACE2. Após se fundir com a enzima através de endocitose, começa o seu ciclo de reprodução. O sistema Renina-angiotensina está presente em todo o nosso corpo, pois faz parte da homeostase da pressão arterial (PA), após ser infectado, os diversos sistemas e órgãos do corpo estão suscetíveis a alterações. (MANTA; SARKISIAN et al., 2022).
A patogenia ocorre quando as células de defesa do corpo começam a combater o vírus, levando à inflamação e alterações das células e sua função nos sistemas, as células infectadas desenvolvem uma grande carga viral e entram em um processo de morte celular específico chamado de piroptose, liberando enorme quantidade de mediadores inflamatórios, desencadeando uma resposta em cascata. Esse evento é chamado de tempestade de citocinas. (MANTA; SARKISIAN et al., 2022).
Após a infecção, a doença cursa com sintomas que variam da forma clínica leve a quadros graves e críticos, que são classificados em casos assintomáticos, caracterizados por testagem viral positiva com ausência de sintomas; casos leves com presença dos sintomas mais característicos como tosse, odinofagia, coriza, anosmia, diarreia, dor abdominal, febre, calafrios, mialgia, fadiga e cefaleia; casos moderados, que cursam, além dos sintomas leves, com tosse e febre persistente diária, adinamia, anorexia, diarreia e pneumonia sem gravidade; os casos graves são considerados como síndrome respiratória aguda grave (SARS) (BRASIL, 2021).
Além de todos os sintomas citados, a SARS cursa com desconforto respiratório e comprometimento da saturação de oxigênio, persistindo menor que 95% em ar ambiente, levando a hipoxemia, alteração da consciência, desidratação, lesão do miocárdio, cianose central, latergia, convulsão e entre outros; por fim os casos críticos que são sepse, síndrome do desconforto respiratório agudo, insuficiência respiratória grave, disfunção de órgãos e pneumonia grave (BRASIL, 2021).
Além dos sinais clássicos referentes ao aparelho respiratório, sintomas neurológicos, neuromusculares e musculares foram relatados ao longo do curso da doença e após a sua suposta resolução. (HOLANDA; et al, 2021). As afecções mais relatadas foram a mialgia, miosite, miastenia gravis, síndrome de Guillain-Barré, neuropatias envolvendo a junção neuromuscular do músculo respiratório e os próprios músculos, culminando na piora do quadro de insuficiência respiratória (PALIWAL; et al, 2020).
A partir do que foi exposto, o trabalho vigente tem como objetivo sintetizar as sequelas neuromusculares do pós-covid-19 utilizando as produções científicas encontradas de mesma temática. Para tanto, desenvolveu-se de forma a identificar a partir das produções os tipos de sequelas neuromusculares mais comuns nos pacientes pós-covid-19, caracterizar as manifestações clínicas neuromusculares citadas nas produções e analisar as produções sobre sequelas neuromusculares no pós-covid-19.
Metodologia
Trata-se de uma revisão integrativa, com o objetivo de sintetizar as sequelas neuromusculares do pós-covid-19 através das produções científicas, para posteriormente caracterizar as manifestações clínicas encontradas nas produções.
Para Gil (2017), a pesquisa bibliográfica decorre de várias etapas específicas e é elaborada a partir de materiais já publicados, cujo objetivo principal é fornecer fundamentação teórica e identificar o estágio de conhecimento atual sobre um determinado tema. Para uma revisão integrativa, Whittemore (2005) afirma a necessidade de seguir uma metodologia de pesquisa rigorosa, a fim de proporcionar uma conclusão precisa.
Quadro 1 – Descrição da estratégia de busca
Estratégia de busca | |
Pergunta norteadora: Quais são as sequelas neuromusculares identificadas nas produções científicas? | |
Componentes da estratégia PICo | Descrição: |
População | Pacientes com sequelas neuromusculares pós-covid-19 |
Interesse | Sintetizar através de revisão bibliográfica as sequelas neuromusculares do pós-covid-19. |
Contexto | Caracterizar os resultados das pesquisas encontradas |
Desfecho | Analisar e separar os resultados. |
Aquisição dos dados | |
Portais | BVS, NIH |
Base de dados: | LILACS, Medline, PubMed |
Critérios de elegibilidade: | Inclusão: a) textos escritos na língua portuguesa e/ou inglesa, b) bases de dados MEDLINE, LILACAS e PubMed, c) amostra composta por sujeitos com sequelas neuromusculares decorrente da infecção pelo Covid-19, d) casos clínicos de humanos a partir de 2021, e) textos completos. Exclusão: Revisões sistemáticas e outros tipos de fonte secundária, resenhas e artigos de opinião, produções, artigos que tratam de outra doença e artigos duplicados. |
Para formular a questão da pesquisa, foi utilizada a estratégia PICo, onde (P) é a população alvo, foram os pacientes com sequelas neuromusculares pós-covid-19, (I) a área de interesse, a síntese das sequelas neuromusculares, (C) o contexto, que foi a caracterização dos resultados e o (O) o desfecho referiu-se a analisar e separar os resultados, possibilitando assim a formulação dos critérios de busca (quadro 1).
Foram utilizados os portais: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e National Library of Medicine (NIH), e as bases indexadoras de dados LILACS, Medline e PubMed durante o ano de 2021 até junho 2024. Os seguintes descritores foram empregados na busca: COVID-19, Polineuropatia, Doença neuromuscular, assim como seus termos alternativos (quadro 2).
Os estudos encontrados foram avaliados dentro dos seguintes critérios de inclusão: a) textos escritos na língua portuguesa e/ou inglesa, b) bases de dados MEDLINE, LILACAS e PubMed, c) amostra composta por sujeitos com sequelas neuromusculares decorrente da infecção pelo Covid-19, d) casos clínicos de humanos a partir de 2021, e) textos completos. Os estudos inclusos responderam positivamente aos critérios de inclusão (Quadro 1).
Os critérios de exclusão foram: Revisões sistemáticas e outros tipos de fonte secundária, resenhas e artigos de opinião, artigos que não se enquadravam na doença e nas sequelas identificadas e artigos duplicados.
A pesquisa teve início após uma leitura exploratória dos títulos e resumos dos artigos encontrados nas bases de dados BVS e NIH. Em seguida foi selecionado os artigos que atendessem à pergunta norteadora: Quais são as produções científicas sobre as sequelas neuromusculares do pós-covid? E aos critérios de inclusão e exclusão. Após a pré-seleção, foi realizada a leitura na íntegra e extraídos os conceitos abordados em cada artigo.
Quadro 2 – Estratégias de pesquisa nos diferentes portais e bases de dados.
Portais/Base de dados | Estratégia de pesquisa | Produções recuperadas |
Biblioteca Virtual em Saúde (BVS)LILACS, Medline | (COVID-19) or (COVID19) or (Doença pelo Novo Coronavírus (2019-nCoV)) or (Doença por Vírus COVID-19) or (Epidemia de Pneumonia por Coronavírus de Wuhan de 2019-2020) or (Infecção por SARS-CoV-2) or (Surto por 2019-nCoV) or (Virose COVID-19) or (2019 nCoV Disease) or (2019 Novel Coronavirus Disease) or (2019-nCoV Infection) or (COVID-19 Virus Diseases) or (SARS-CoV-2 Infections) or (Brote de la COVID-19) or (Brote por el Nuevo Coronavirus 2019) or (Enfermedad del Coronavirus 2019) or (Enfermedad por el Coronavirus 19) or (Infección por el Virus COVID-19) or (Coronavirus disease-19) or (Infection par le 2019-nCoV) or (Maladie à coronavirus 2019) AND (Polineuropatias) or (Polineuropatia Adquirida) or (Polineuropatia Adquirida) or (Polineuropatías) or (Polyneuropathies) AND (Doenças Neuromusculares) or (Neuromuscular Diseases) or (Enfermedades Neuromusculares) or (Miladies neuromusculaires) | Produções: 39 publicações |
National Library of Medicine (NIH)PubMed, Medline | Produções: 343 publicações. |
Fonte: dados da pesquisa
A seleção dos artigos foi feita através das normas do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) demonstrado em fluxograma na figura 1.
Fonte: Autor
Resultados
Após selecionar os artigos a serem utilizados na presente pesquisa, foram encontrados 382 artigos no total, desses, 357 foram excluídos após leitura de títulos e resumos, por não conterem o conteúdo relacionado ao tema deste artigo. Dos 25 artigos selecionados para leitura na integra, 13 foram excluídos por não responderem aos critérios de elegibilidade, como serem artigos pagos para ter acesso ou serem revisões bibliográficas, resultando em 12 artigos para o uso nesta revisão integrativa.
Das evidências selecionadas, 8 foram relatos de casos clínicos, 2 foram estudos de casos clínicos, 1 estudo prospectivo de um paciente e 1 estudo de coorte retrospectivo. Destes, 11 corroboraram para a origem dos acometimentos neuromusculares serem de fato decorrente da infecção prévia do covid-19 e 1 estudo de caso relata que não houve relação entre a infecção do vírus e o aparecimento da alteração neuromuscular do paciente.
De acordo com a pesquisa realizada, dentre as sequelas citadas, como a neuropatia, miopatia, polineuropatia de doença crítica, polineuropatia desmielinizante aguda, polineuromiopatia, paralisia de Bell, encefalite, mielopatia medular e meningoencefalite, que afetaram o sistema neuromuscular e foram decorrentes da infecção por covid-19, o achado mais frequente foi a síndrome de Guillain-Barré (SGB), visto no quadro 3, tendo como queixa principal a fraqueza muscular.
Quadro 3 – Resultados incluídos na revisão
Autor/ano | Desenho | Objetivo | Resultados | Conclusão |
Wegner et al. (2022) | Estudo de caso | Comparar as complicações neuromusculares em pacientes pediátricos com covid-19 severa com as de adultos, analisando seus registros. | 4 de 36 pacientes pediátricos com covid-19 apresentaram complicações: 1 neuromuscular; 2 neuropatias focal; 1 plexopatia. Pacientes pediátricos apresentaram complicações neuromusculares como adultos | Os achados neurofisiológicos são semelhantes aos achados neuromusculares, a miopatia foi a mais frequente. |
Chraa et al. (2022) | Relato de caso | Relatar a evolução do paciente positivo para sars-cov-2 com trombose cerebral associada à polineuropatia axonal inflamatória aguda. | Ocorrência de trombose venosa cerebral e síndrome de Guillain-Barré (SGB) em pacientes com COVID-19. | Mais estudos devem ser realizados em todo o espectro clínico de pacientes com COVID-19 com sintomas neurológicos. |
Dean et al. (2021) | Relato de caso | Relatar o caso de uma paciente que apresentou paralisia aguda do NC X com risco de vida e desenvolvimento de uma polineuropatia progressiva no contexto da COVID-19. | Paralisia isolada do NC X esquerdo com evolução para acometimento dos NCs III, V, XII e X. | Falta compreensão da doença patogênica. É necessário observar as manifestações imprevisível da doença da COVID-19. |
Punga et al. (2021) | Estudo prospectivo | Caracterizar as características eletrofisiológicas e os biomarcadores plasmáticos da polineuropatia de doença crítica e miopatia, em pacientes com doença por covid-19 com fraqueza adquirida na unidade de terapia intensiva. | Foram incluídos 111 pacientes com COVID-19, 11 dos quais desenvolveram NIC/CIM. | NIC/CIM foi mais prevalente entre pacientes de UTI com COVID-19 com doença grave. |
Burgos et al. (2021) | Relato de caso | Investigar um caso de SGB concomitante com COVID-19 na Colômbia. | A análise do LCR mostrou dissociação proteína-citológica e o diagnóstico de SGB foi confirmado por meio de exame de condução nervosa e eletromiografia. Foi realizado teste de diagnóstico SARS-CoV-2 com resultado positivo. | Este estudo investigou o primeiro caso confirmado de COVID-19 com SGB concomitante na Colômbia. Mais estudos são necessários para determinar a possível associação entre a exposição à COVID-19 e a SGB. |
Gigli et al. (2021) | Relato de caso | Relatar características clínicas e eletroneuromiográficas de pacientes acometidos por infecção grave por COVID-19, avaliados quanto à fraqueza muscular. | O envolvimento neuromuscular em 6/8 pacientes (75%) 2 tinham CIP, 1 tinha possível CIM, 1 tinha CIPM, enquanto 1 paciente, com fraqueza clinicamente evidente, mas achados equívocos de eletroneuromiografia, foi classificado como UTI-AW. Finalmente, 1 paciente foi diagnosticado com neuropatia desmielinizante aguda. | As complicações neuromusculares são frequentes na COVID-19 grave e não podem ser excluídas pela soma das pontuações do MRC acima de 48. IL-6 elevada na admissão pode ser um biomarcador preditor de AW-UTI em COVID-19. |
Mohammed et al. (2021) | Relato de caso | Apresentar um caso de paralisia de Bell associada à COVID-19 numa primigesta a termo. | Neste caso, o paciente foi diagnosticado com paralisia de Bell no contexto da COVID-19 em ambiente pós-operatório. | São necessários mais dados epidemiológicos sobre as manifestações neurológicas na COVID-19 para estabelecer uma relação causal entre o vírus e os sintomas neurológicos. |
Saber et al. (2021) | Estudo de coorte retrospectivo | Estimar proporção de complicações neurológicas e psiquiátricas agudas em 439 pacientes com COVID-19A frequência relativa do envolvimento do SNC e do SNPOs tipos de comorbidades associadas às complicações neurológicas | 50,8% com doença Neurológica Aguda; 26,6% AVC: 12,5% Convulsões: 1,1% Encefalite: 1,4% Encefalopatia Hipóxica: 0,9% Mielopatia Medular: 0,5% Recidiva de Esclerose Múltipla: 0,5% Meningoencefalite: 0,2% Sintomas Neuropsiquiátricos Inespecíficos: 24,1% Localização: SNC: 17,1% SNP: 9,6%. Anosmia e Ageusia: 7,1%. Síndrome de Guillain-Barré: 0,9% Neuropatia Periférica: 0,7% Miastenia Gravis: 0,5% Miosite: 0,5%. | Na COVID-19, tanto o SNC como o SNP são afetados. O acidente vascular cerebral foi a complicação mais comum para o SNC, e anosmia e/ou ageusia foram comuns para doenças do SNP. No entanto, ocorreram 6 casos de encefalite, 2 casos de mielopatia medular, 2 casos de MG e 2 casos de miosite. |
Pesavento et al. (2021) | Relato de caso | Relatar uma série de casos de cinco pacientes afetados por COVID-19 que desenvolveram um espectro de polineuropatias autoimunes durante a hospitalização. Descrever suas características clínicas, exames laboratoriais e resposta ao tratamento. | Exame neurológico revelou paresia flácida em quatro pacientes, com predomínio variável de membros inferiores ou superiores; Dois pacientes também relataram parestesia O quinto paciente desenvolveu quadro clínico ligeiramente diferente, caracterizado por oftalmoplegia bilateral, hipoestesia no território dos ramos trigêmeos maxilar e mandibular, paralisia leve do nervo facial inferior direito e ataxia de membros. | Em conclusão, este estudo descreve as características clínicas e neurofisiológicas da polineuropatia por SGB em pacientes afetados por COVID-19 e as respostas clínicas à terapia com IVIG, incentivando o uso da neurofisiologia clínica para melhor detectar anormalidades, definir o diagnóstico e promover o uso de terapias específicas, como IVIG, para tratar esses importantes sintomas neurológicos. |
Bueso et al. (2021) | Relato de caso | Relatar caso de pacientes com SGB concomitante a complicação respiratória por doença da covid-19. | Paciente positivada para SARS-CoV-2 com dispneia grave diagnosticada com SGB. | Enfatiza-se que, além da insuficiência respiratória por síndrome do desconforto respiratório agudo em pacientes com COVID-19, complicações neurológicas, como SGB, devem ser consideradas como um dos diagnósticos diferenciais em pacientes com polineuropatia e dificuldade de desmame do ventilador. |
Defabio et al. (2020) | Relato de caso | Relatar caso de paciente cometida por covid-19 com evolução para arreflexia dos reflexos profundos de membros inferiores. | Síndrome de toxicidade sistêmica por anestésico local (LAST), SGB secundária a COVID-19 e síndrome desmielinizante ascendente aguda secundária a causa desconhecida. | É importante que os médicos de emergência compreendam que a SGB pode ocorrer semanas a meses após a infecção por COVID-19 e que o reconhecimento e o tratamento imediatos melhoram os resultados. |
Agergaard et al. (2020) | Estudo de caso | Investigar eletrofisiologicamente a função nervosa e muscular periférica em pacientes com sintomas neuromusculares persistentes após doença por Coronavírus 2019 (COVID-19). | qEMG mostrou alterações miopáticas em um ou mais músculos em 11 pacientes (55%). Todos os pacientes com qEMG miopática relataram fadiga física e 8 pacientes sobre mialgia, enquanto 3 pacientes sem alterações miopáticas reclamaram de fadiga física. | A COVID-19 a longo prazo não causa neuropatia de fibras grandes, mas são observadas alterações miopáticas. |
Legenda – NC = nervo craniano; NIC/CIP = polineuropatia de doença crítica; CIM = miopatia; LCR =líquido cefalorraquidiano; CIPM = polineuromiopatia; UTI-AW = fraqueza muscular adquirida na UTI; qEMG = eletromiografia quantitativa.
Fonte: Autor
Fonte: dados da pesquisa
Discussão
De acordo com os resultados encontrados, sugere-se que o covid-19 pode deixar sequelas neuromusculares nos pacientes acometidos. Dos 12 artigos selecionados, a sequelas mais citadas foram as polineuropatias e, 6 desses artigos relataram a a Síndrome de Guillain-Barré como sequela.
As sequelas neuromusculares provenientes da COVID-19 foram relatadas em diversos estudos de caso, tais como Defabio (2020) Burgos (2021), Gigli (2021), Pesavento (2021), Bueso (2021), dentre outros citados, que observaram a evolução da doença no paciente. De acordo com Paliwal (2020), parte dessas sequelas surgiram durante a fase aguda e cessaram nela, ou persistiram durante todo o curso da patologia e depois que a carga viral foi cessada.
Entender a fisiopatologia da doença é essencial para entender as sequelas, Yuki (2020) explica que o patógeno causa injúria ao tecido infectado, levando a célula à apoptose, podendo ser posteriormente capitada pelos macrófagos e pelas células dendríticas, essas células apresentadoras de antígeno irão sinalizar para as células T, recrutando-as para ativarem as células B a fim de produzir anticorpos. O processo infeccioso irá propiciar a migração das células de defesas, como linfócitos, monócitos e citocinas pró-inflamatórias.
Além da resposta imunitária já esperada da COVID-19, a infecção pode levar a complicações sistêmicas diretamente associadas aos efeitos citopáticos do SARS-CoV-2, como hiperinflamação associada a hipercitocinemia, ocasionando a tempestade de citocinas (TC), no qual há uma liberação exacerbada de agentes pró-inflamatórios e citocinas (ALOMAIR; AL‐KURAISHY et al., 2023).
A infecção do SARS-CoV-2 leva a vários outros tipos de tempestades: tempestade oxidativa, tempestade trombótica e tempestade lipídica. Essas tempestades estão interligadas, sendo assim recebem o nome de Tempestade Mista, desenvolvida pela interação das espécies reativas ao oxigênio que geram o estresse oxidativo, pró-inflamatórios, citocinas, ativação do complemento, distúrbio de coagulação e outras vias de sinalização ativadas, justificando os vários acometimentos em diversos sistemas no paciente com sintomas graves da COVID-19 (ALOMAIR; AL‐KURAISHY et al., 2023).
Além da inflamação exacerbada, Manta (2022) cita a capacidade do SARS-CoV-2 de infectar os receptores ACE2, glicoproteínas presentes nas células. Paliwal (2020) evidência que essa glicoproteína está de forma abrangente no tecido nervoso, como nos neurônios, astrócitos e oligodendrócitos, substância negra, ventrículos, giros, córtex cingulado posterior e bulbo olfatório. Uma vez dentro do tecido nervoso, é capaz de alterar o transporte celular e se propagar com maior facilidade entre os neurônios.
Dentre as sequelas neuromusculares existentes, evidencia-se a Síndrome de Guillain-Barré (SGB), que tem sua fisiopatologia intrinsecamente ligada ao processo inflamatório que se desenvolve durante e depois da doença do covid-19. As neuropatias e polineuropatias periféricas são lesões difusas dos nervos periféricos e se evidenciam com fraqueza, déficit sensitivo, dor e disfunção autonômica (MERRITT,2018).
A Síndrome de Guillain-Barré é uma polineuropatia adquirida específica, que surge após infecções virais das vias respiratórias ou do trato gastrointestinal, imunização ou intervenção cirúrgica. (MERRITT,2018).
Bueso (2021) explica que a SGB se desenvolve quando o sistema imunológico ataca os gânglios no sistema nervoso periférico (SNP), caracterizando uma polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda, relatada principalmente em pacientes em estado grave da doença por Covid-19, processo explicado pela inflamação existente e corroborando para o neurotropismo do vírus.
Considerações finais
Indica-se que a infecção pelo vírus SARS-CoV-2 está fortemente relacionada com o aparecimento das sequelas neuromusculares nos pacientes acometidos, mas que há a necessidade de maior compreensão da patogenia da doença. Ainda não está claro se o vírus tem a capacidade de causar de forma direta as sequelas neuromusculares, quais serão e se aparecerão.
O estudo contribui significativamente para entender que as doenças neuromusculares, quanto sequelas da covid-19, podem fazer parte de um diagnóstico diferencial das demais etiologias, também corrobora para um maior entendimento do mecanismo patogênico do vírus.
Tem como limitação a heterogeneidade do material analisado, composto por casos e pequenas séries de casos, o que dificulta e generaliza os resultados. Outra limitação é o tempo de análise das sequelas, por ser uma doença recente ocasionando o curto tempo de observação do paciente acometido, podendo um estudo transversal trazer novos resultados. Faz-se necessário novos estudos para elucidar o processo de patogênese desses achados e aumentar o tamanho da amostra para futuras análises.
Referências
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1Discente do curso de Medicina da UnesulBahia e-mail: gabrielfadini10@gmail.com;
2Doutor em Engenharia Biomédica Docente do Curso de Medicina da UnesulBahia e-mail: jcouto@unesulbahia.br;
3Residência em Clínica Médica e-mail: priscilafadini@hotmail.com