SEQUELAS NEUROLÓGICAS EM PACIENTES PÓS-COVID: UMA REVISÃO DE LITERATURA

NEUROLOGICAL SEQUELAE IN POST-COVID PATIENTS: A REVIEW OF LITERATURE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10200415


Lydiane Dantas Lima1
Raylane Teixeira Pereira2
Marlene Guimarães Santos3


RESUMO

O SARS-CoV-2, atualmente conhecido como COVID-19, causador da síndrome respiratória aguda grave, emergiu como uma emergência de Saúde Pública de Preocupação Internacional, afetando milhões globalmente. Após mais de dois anos de pandemia, tornou-se evidente o surgimento de manifestações neuropsiquiátricas, seja por efeitos diretos da infecção no Sistema Nervoso Central ou de forma indireta através de respostas imunológicas ou tratamentos médicos. A metodologia adotada foi a revisão de literatura, realizada por meio da análise de artigos e fontes online provenientes de plataformas como Scientific Electronic Library Online (SCIELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Google Acadêmico e Ministério da Saúde. Torna-se evidente a necessidade de ampliação em estudos e pesquisas mais detalhadas sobre as sequelas pós-Covid-19. Até o momento, a prevenção continua sendo a abordagem mais eficaz para lidar com a situação pandêmica que enfrentamos. As pesquisas revelaram que as complicações neurológicas apresentam diversas gravidades, inclusive com uma possível subestimação da frequência das formas mais leves na população. Como resultado, fica evidente que as alterações neurológicas após a infecção pelo SARS-CoV-2 exercem um impacto direto na vida da população afetada.

Palavras-chave: Covid-19. SARS-CoV-2. Sequela neurológica.

ABSTRACT

SARS-CoV-2, currently known as COVID-19, which causes severe acute respiratory syndrome, has emerged as a Public Health Emergency of International Concern, affecting millions globally. After more than two years of the pandemic, the emergence of neuropsychiatric manifestations became evident, whether due to the direct effects of the infection on the Central Nervous System or indirectly through immunological responses or medical treatments. This study consisted of a literature review, covering articles published on the topic retrieved from electronic databases. Research has revealed that neurological complications have different severities, including a possible underestimation of the frequency of milder forms in the population. As a result, it is clear that neurological changes following SARS-CoV-2 infection have a direct impact on the lives of the affected population.

Keywords:  Covid-19. SARS-CoV-2. Neurological sequelae.

1 INTRODUÇÃO

A COVID-19, provocada pelo vírus SARS-CoV-2, é uma infecção respiratória que ganhou dimensões globais desde dezembro de 2019, evoluindo para uma pandemia de magnitude histórica, conforme classificado pela Organização Mundial da Saúde. A disseminação da doença abrangeu diversos países, resultando, até 22 de agosto de 2022, em quase 450 milhões de casos confirmados e aproximadamente 6 milhões de óbitos (VASCONCELLOS et al., 2021).

Ocasionalmente, esses microrganismos são transmitidos aos seres humanos, como observado no caso da COVID-19 e em doenças respiratórias do Oriente Médio, como a causada pelo MERS-CoV. Essa família viral pode desencadear enfermidades respiratórias leves e moderadas. No entanto, algumas delas, conforme explicado por Meira et al. (2020), podem resultar em Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome).

No contexto específico da COVID-19, há uma preocupação global devido à elevada taxa de transmissão e ao significativo número de óbitos resultantes. Essa situação não apenas impacta os indivíduos infectados, mas também aqueles que se recuperaram, pois muitos apresentam sintomas persistentes e sequelas neurológicas meses após a infecção. Atualmente, reconhece-se que a COVID-19 é uma enfermidade que afeta diversos sistemas e órgãos, incluindo cérebro, pulmões, coração, rins e até o intestino (DE VALÉCIO, 2022).

As consequências deixadas pela Covid-19 são numerosas, de acordo com o Dr. Valter Furlan, diretor do Hospital Samaritano Paulista, ressalta que, sem uma reabilitação adequada após a alta, esses problemas podem evoluir para condições crônicas, comprometendo a autonomia e a qualidade de vida dos pacientes. O Hospital Samaritano Paulista destaca-se como uma das poucas instituições no país a disponibilizar um programa especializado e estruturado para a reabilitação pós-Covid (FURLAN, 2022).

Dentre as diversas formas graves pelas quais o vírus SARS-CoV-2 impacta o organismo, talvez o efeito sobre o funcionamento cerebral seja o mais intrigante. Torna-se cada vez mais evidente que muitos pacientes diagnosticados com o vírus apresentam sintomas neurológicos, como delírio, perda de memória, dores de cabeça e até mesmo sonolência. É importante destacar que o comprometimento neurológico é mais prevalente em formas mais graves da doença e em pacientes que possuem comorbidades, como hipertensão arterial e diabetes (GAMA; CAVALVANTE, 2020).

Diante da complexidade apresentada, a motivação primordial para conduzir esta revisão decorre do expressivo número de casos de Covid-19 e de seu impacto na sociedade, evidenciando os prejuízos à população. No entanto, é notável a carência de fundamentos teóricos e científicos que respondem de maneira conclusiva aos efeitos dessa pandemia recente. 

Nesse contexto, o objetivo delineado consiste em realizar uma revisão de literatura sobre as sequelas neurológicas observadas em pacientes após a recuperação da Covid-19. Pretende-se, assim, descrever os impactos neurológicos, enumerar as diversas sequelas e alertar a equipe multidisciplinar acerca da importância da reabilitação para pacientes que apresentam tais sequelas neurológicas pós-Covid-19.

1.1 Covid 19

Em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, província de Hubei, China, identificou-se o primeiro caso confirmado de infecção pelo vírus SARS-CoV-2, responsável pela doença por coronavírus (COVID-19) (WANG et al., 2020). Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2021), a COVID-19 é uma infecção respiratória aguda, por vezes grave, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, caracterizando-se por alta transmissibilidade e abrangência global. 

No Brasil, o primeiro caso confirmado dessa doença foi registrado em fevereiro de 2020. A taxa de mortalidade situa-se em 2,8%, com 207,4 óbitos por 100.000 habitantes e 435.751 mortes confirmadas até o momento (Brasil, 2021). Entretanto, o COVID-19 continua a ceifar a vida de milhares de brasileiros e da população global (RESENDE; MENDES; GONÇALVES, 2020).

Conforme Nunes et al. (2020), os sintomas associados ao COVID-19 abrangem febre, tosse, fadiga, hemoptise e dificuldade respiratória. Em situações mais críticas, podem manifestar-se pneumonia, síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), doença cardíaca aguda e falência múltipla de órgãos. 

Os pacientes com COVID-19 também podem apresentar sintomas neurológicos, tais como dor de cabeça, perda de olfato, alteração do paladar, tontura e modificações na consciência. Os sintomas parecem variar de indivíduo para indivíduo, mas a maioria dos pacientes infectados pelo SARS-CoV-2 é assintomática ou desenvolve sintomas leves a moderados, não requerendo intervenção hospitalar (FILATOV et al., 2020).

Por ser uma infecção respiratória aguda, o SARS-CoV-2 se propaga principalmente por meio de gotículas respiratórias, secreções e contato direto com indivíduos infectados. Nesse sentido, a capacidade de transmissão direta do vírus é mais notável, especialmente entre membros da família que mantêm contato próximo e por períodos prolongados (BRITO et al., 2020). 

Portanto, a principal recomendação para conter a disseminação da doença é a prática extensiva de distanciamento social, juntamente com a higienização adequada e frequente das mãos, para pacientes sintomáticos ou diagnosticados com o SARS-CoV-2, são indicados o isolamento domiciliar e a quarentena de seus respectivos contatos (ORTELAN et al., 2021).

A Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde do Brasil implementou medidas preliminares para manter o controle da infecção pelo novo coronavírus desde a identificação dos sintomas e sinais, incluindo critérios para a definição de casos suspeitos e o processo de notificação. Inicialmente, o método de notificação era realizado por meio do Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde Nacional, mas posteriormente esse núcleo foi transferido para uma plataforma virtual e, pouco depois, desvinculado do sistema de registro de notificações do Ministério da Saúde, passando a integrar o SUS Notifica (BRASIL, 2022).

A batalha contra a COVID-19 parece persistir além da identificação e tratamento das doenças agudas. Os sintomas persistentes agora descritos pelos sobreviventes da COVID-19 são diversos e associados a elevadas taxas de morbidade. Contudo, não foram conduzidos estudos de longo prazo sobre esse tema específico. Ainda não se determinou se essas manifestações persistentes experimentadas pelos pacientes representam uma nova síndrome exclusiva da COVID-19 ou se coincidem com a fase de recuperação de condições semelhantes. 

Muito do que foi relatado até o momento está em consonância com descrições de outras síndromes pós virais e com aquelas observadas em pacientes criticamente enfermos que receberam alta da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e continuam a apresentar síntomas generalizados (ÁLVAREZ; ZÚÑIGA; RUZ, 2021).

Conforme Carfi, Bernabéi e Landi (2020), é comum a persistência de sintomas físicos após a recuperação da COVID-19, incluindo frequentemente fadiga, dificuldade para respirar, dor ou aperto no peito, alterações no paladar ou olfato e tosse, outras sequelas menos frequentes mencionadas incluem cefaleia, artralgia, anorexia, tontura, mialgia, insônia, queda de cabelo, sudorese e diarreia. 

A literatura sugere que a dissipação de alguns sintomas ocorre de maneira mais rápida do que outros, por exemplo, febre e calafrios geralmente desaparecem em 2 a 4 semanas, enquanto fadiga, dispneia, aperto no peito, déficits cognitivos e efeitos psicológicos podem persistir por meses (CARFI, BERNABÉI; LANDI, 2020).

1.2 Sequelas neurológicas pós-covid 

As sequelas neurológicas referem-se a alterações nos sistemas nervosos que impactam o funcionamento normal do corpo humano, resultantes de diversas condições, como acidentes vasculares cerebrais (isquemia, AVC), encefalite, doença de Parkinson, câncer e, inclusive, a infecção por COVID-19, os indivíduos com sequelas neurológicas enfrentam desafios na comunicação, podendo manifestar dificuldades na pronúncia adequada das palavras e na compreensão da linguagem de outras pessoas (GEBUR, 2020).

Considerando que, até dezembro de 2021, aproximadamente 22 milhões de pessoas no Brasil se recuperaram da Covid-19, estima-se que cerca de 11 milhões delas possam apresentar ou desenvolver sintomas persistentes ou sequelas. Isso pode resultar em uma nova sobrecarga nos serviços de saúde, especialmente na Atenção Primária à Saúde (APS), que serve como a principal porta de entrada para a rede de atenção à saúde. Diante desse cenário, é imperativo que as unidades de APS identifiquem as necessidades de cuidado e fortaleçam os laços com as redes de atenção, assegurando assim que os pacientes com sequelas pós-COVID-19 recebam atendimento qualificado (SAES, 2021).

É relevante enfatizar a influência da COVID-19 nas manifestações neurológicas, como evidenciado em ensaios clínicos não randomizados. É notório que o comprometimento neurológico associado à COVID-19 pode ser categorizado em três cenários distintos: manifestações neurológicas decorrentes da própria infecção viral; complicações neurológicas pós-infecciosas; e infecção ou complicações específicas do sistema nervoso (FIGUEIREDO; MENDONÇA; TARNHOVI, 2021).

De acordo com a Fiocruz (2022), a síndrome pós-COVID-19 afeta indivíduos com antecedentes de infecção por SARS-CoV-2, seja provável ou confirmada, geralmente manifestando-se cerca de três meses, após o início dos sintomas da COVID-19 e perdurando por pelo menos dois meses, podendo estender-se até um ano. Essa condição não pode ser explicada por diagnósticos alternativos. Os sintomas podem surgir após a recuperação de um episódio agudo de COVID-19 ou persistir da doença original. Além disso, é possível que os sintomas variem ou se manifestem novamente ao longo do tempo.

De acordo com a Fiocruz (2022), a síndrome pós-COVID-19 afeta indivíduos com antecedentes de infecção por SARS-CoV-2, seja provável ou confirmada, geralmente manifestando-se cerca de três meses após o início dos sintomas da COVID-19 e perdurando por pelo menos dois meses, podendo estender-se até um ano. Essa condição não pode ser explicada por diagnósticos alternativos. 

Conforme Figueiredo, Mendonça e Tarnhovi (2021), as manifestações no sistema nervoso podem ser categorizadas em sintomas do sistema nervoso central, como cefaleia, tontura, distúrbios sensoriais, ataxia, encefalite, acidente vascular cerebral e convulsões, e sintomas no sistema nervoso periférico, incluindo lesões no músculo esquelético e comprometimento dos nervos periféricos, manifestando-se, por exemplo, com hiposmia e redução do paladar.

Em um estudo conduzido em 2022, com uma amostra de 135 pacientes sobreviventes da COVID-19, com idades variando entre 47 e 64 anos, e um período de observação de 3 meses a 1 ano, foram relatadas sequelas neurológicas pós-COVID-19. Entre essas sequelas, destacam-se a fadiga (38%), dificuldade de concentração (25%), esquecimento (25%), distúrbios (22%), mialgia (17%), fraqueza nos membros (17%), dor de cabeça (16%), distúrbios sensoriais (16%), hiposmia (15%), tontura (12%), diminuição do paladar (9%), dificuldade para andar/quedas (7%) e zumbido (5%) (RASS et al., 2022).

2. METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão de literatura que se baseia no uso de repositórios de artigos provenientes de revistas indexadas, uma escolha feita devido à sua abundância de dados e à sua frequente utilização na pesquisa acadêmica. As bases de dados selecionadas para esta revisão incluem a Scientific Electronic Library online (SciELO Brasil), a Base de Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde (LILACS) e o PubMed. Foram excluídos artigos que não disponibilizavam o texto completo, não estavam redigidos em português e não foram publicados em revistas indexadas entre 2019 e 2023, restringindo a análise aos que estavam alinhados com o tema proposto. Anais, comunicações breves e boletins não foram incorporados à análise. Por fim, uma organização eficiente dos materiais lidos e analisados foi realizada.

Os descritores utilizados para a seleção dos estudos foram os termos “Pós-Covid-19”, “Sequelas” e “Neurológico” em português. A revisão incluiu exclusivamente estudos científicos, revistas, teses e revisões bibliográficas em língua portuguesa que atendiam aos critérios de seleção definidos. Nos critérios de exclusão abrangeram pesquisas e trabalhos realizados fora do período de amostragem, textos incompletos, revisões duplicadas e estudos que não se alinhavam ao processo de seleção, especialmente aqueles conduzidos fora do território brasileiro. Após a seleção, todos os estudos foram minuciosamente lidos e analisados quanto à sua relevância para os objetivos desta pesquisa.

3. RESULTADO E DISCUSSÃO

Após realizar uma pesquisa na base de dados, identificamos 156 resultados, sendo reduzidos para 85 após a exclusão de duplicatas. Posteriormente, por meio da leitura dos resumos e da análise dos artigos completos, considerando sua relevância para o tema, incluímos 15 artigos provenientes da referida base de dados, os quais foram discutidos quanto aos seus achados.

Desde o início da atual pandemia de COVID-19, surgiu especulação em torno da possível ocorrência de complicações e sequelas neurológicas e psiquiátricas. Essa especulação baseou-se em estudos prévios que já exploravam esse desfecho para outros coronavírus. A definição de complicações e sequelas neurológicas, seja isoladamente ou na síndrome pós-COVID-19, considera o tempo no pós-COVID-19, sendo classificado como curto (durante ou logo após a doença), médio-longo (até 4-6 meses) e mais longo (≥ 6 meses) a partir do início dos sintomas, também sendo referidas como agudas ou crônicas.

De acordo com a pesquisa de Gebur (2020), pacientes que enfrentam casos severos e críticos de COVID-19 apresentam uma probabilidade elevada de desenvolver complicações neurológicas, essas as alterações de curto prazo (agudas, durante e pós-COVID-19) incluem modificações no olfato (anosmia, hiposmia e parosmia), paladar (ageusia, hipogeusia e disgeusia), visão, delirium, e alterações cerebrovasculares e obstrutivas agudas. 

Para Meira et al. (2020), várias dessas modificações inicialmente observadas a curto prazo podem perdurar a longo prazo, englobando eventos como AVC, polineurite, alterações nos padrões de movimento e comportamento, distúrbios de humor e ansiedade, psicose, catatonia, déficit cognitivo, transformações neurológicas com repercussões nos comportamentos sociais, estresse, síndrome pós-traumática, além da SGB e outras síndromes neurológicas (BAIG, 2020).

Dessa maneira, Carvalho et al. (2020), os relatos de infecções no sistema nervoso estão em ascensão, manifestando-se em diversas formas de acometimento ao tecido nervoso. Na literatura, são frequentemente documentadas diversas manifestações neurológicas associadas à infecção por SARS-CoV-2. No início da infecção, cefaléia e disfunções olfativas/gustativas são os achados mais comuns. À medida que a infecção progride, observam-se encefalopatia, acidente vascular cerebral (AVC), encefalite, meningite e alterações da consciência como principais afetamentos do sistema nervoso central (SNC) (WANG et al., 2020).

Em consonância com Brito et al. (2020), no sistema nervoso periférico (SNP), disfunções olfativas e gustativas, juntamente com a síndrome de Guillain-Barré, associada à paralisia de Bell, destacam-se como principais achados, nessa fase inicial da infecção, as alterações músculo esqueléticas incluem mialgias, miosite, atrofia e lesões musculares.

Para Cunha e Silva (2020), em relação às psicopatologias, a depressão e ansiedade foram relatadas na minoria das pesquisas, mas apresentando alta prevalência sugerindo potencial para estudos no futuro. A literatura também relata manifestações neurológicas após COVID -19 sem prejuízos respiratórios, o que potencializa a tese de que a lesão nervosa não se restringe apenas há um prejuízo secundário, pacientes com COVID-19 também podem apresentar diferentes afecções ao sistema nervoso. 

Em uma análise de 61 pacientes hospitalizados e diagnosticados como positivos para o SARS-CoV-2, foram acompanhados durante o período de internação e nos três meses subsequentes à alta. Entre os 61 indivíduos avaliados, 28 (46%) apresentaram comprometimento do sistema nervoso central (SNC) e/ou do sistema nervoso periférico (SNP). Em relação ao SNC, as condições mais prevalentes foram afecções cerebrovasculares, cefaleia, encefalopatia, encefalite necrosante aguda, mielite, alteração do nível de consciência e convulsões, destacando-se a encefalopatia como a condição de maior incidência, registrando 19 casos (31%) (FIGUEIREDO; ROSA, 2021).

Gama e Cavalcante (2021) relatam em seu estudo que no âmbito do sistema nervoso periférico (SNP), foram observados sintomas como ageusia e anosmia em 18 pacientes (29,5%), bem como neuralgia, paralisia facial periférica, mialgia e síndrome de Guillain-Barré. Entre esses, oito pacientes apresentaram tetraparesia hipotônica, caracterizada por hiporreflexia ou arreflexia e atrofia muscular, associada ao uso de bloqueadores musculares. Desses oito pacientes, dois desenvolveram meralgia parestésica, uma condição reconhecida como lesão decorrente da posição prona em indivíduos submetidos à ventilação mecânica.

Um estudo descritivo abrangente, comparando as linhagens dos vírus MERS-CoV, SARS-CoV e SARS-CoV-2, destaca a semelhança entre SARS-CoV e SARS-CoV-2 em termos de sintomatologia e complicações neurológicas. A análise de dois estudos, um realizado em Manaus com 841 pacientes e outro na Cuiabá com 214 pacientes, revelou porcentagens de 57% e 38%, respectivamente, em relação aos prejuízos neurológicos manifestados. Essas complicações no sistema nervoso foram mais proeminentes em pacientes em estado grave ou crítico (VASCONCELOS FIGUEIREDO, 2021).

Portanto, Rass et al. (2022), de maneira semelhante, outro estudo demonstrou manifestações neurológicas em 36,6% dos pacientes com COVID-19, com uma taxa de 45,5% em pacientes em estado grave. Entre 2.533 pacientes hospitalizados e infectados com COVID-19, 73% apresentaram alguma manifestação neurológica, como cefaleia, mialgias, anosmia, vertigem, alteração do nível de consciência, doenças cerebrovasculares, encefalomielite, encefalopatia necrosante aguda, síndrome de Guillain-Barré e miopatia.

Consequentemente, os mecanismos patogênicos que afetam o sistema nervoso central (SNC) e/ou periférico (SNP), isoladamente ou em combinação, colocam os sobreviventes de COVID-19 em risco de desenvolver consequências neurológicas a longo prazo. Em geral, um terço dos pacientes apresenta evidências de comprometimento cognitivo ou motor no momento da alta, sendo mais pronunciado em grupos de risco, como os idosos (WANG et al., 2020).

As manifestações neurológicas associadas ao pós-covid-19 podem representar desafios significativos para a equipe multiprofissional, especialmente para os profissionais envolvidos na reabilitação física desses pacientes. Portanto, reconhece-se a importância da fisioterapia não apenas durante a internação hospitalar, mas também na neurorreabilitação após períodos prolongados de internação, especialmente para aqueles que desenvolveram prejuízo neuromotor.

Assim, torna-se relevante encaminhar esses indivíduos aos serviços ambulatoriais de fisioterapia para promover a recuperação funcional. Acredita-se que esta pesquisa contribua para a prática baseada em evidências, oferecendo orientações aos profissionais de saúde e auxiliando na compreensão, manejo e cuidado adequado desses pacientes. Por fim, destaca-se a importância de estar atento não apenas aos sinais e sintomas agudos, mas também à cronicidade da doença.

Novas pesquisas indicam que, além dos sintomas sistêmicos e respiratórios, o novo coronavírus pode desencadear sintomas neurológicos, como cefaléia, perturbações da consciência e parestesia. Os pacientes que experimentam uma resposta mais intensa ao vírus têm maior propensão a desenvolver sintomas neurológicos em comparação àqueles com sintomas leves ou moderados (MARCIÃO, 2022).

De acordo com Souza (2021), estudos sugerem que, em termos epidemiológicos, há uma incidência e gravidade mais elevadas entre pacientes idosos e do sexo masculino. A forma mais grave da COVID-19 pode manifestar-se em indivíduos saudáveis de qualquer faixa etária, mas, como mencionado, é mais prevalente em adultos mais velhos e em pessoas com fatores de risco, como obesidade, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, doenças neurológicas, pulmonares, cardíacas, renais, entre outras.

Segundo Gomes (2021), destaca que, desde sua descoberta em Wuhan, na China, a comunidade científica questiona diariamente sobre o novo coronavírus. Apesar das respostas ainda serem escassas devido à novidade da patologia e suas consequências, a urgência em compreender a doença é evidente, especialmente com mais de 5 milhões de mortes confirmadas em todo o mundo pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Carmona (2021) observa em seus estudos recentes que os sintomas neurológicos mais frequentemente relatados incluem cefaléia, alterações do olfato e paladar, mialgias e encefalopatia. No entanto, outras condições, como acidentes vasculares cerebrais, polineuropatias agudas e encefalomielites, também estão associadas à infecção. A própria insuficiência respiratória, comum em pacientes infectados, pode ter origem central.

Silva (2021) relata que, em relação às manifestações neurológicas, foram documentados casos de meningite, encefalite, mielite, vasculite do SNC, encefalomielite aguda disseminada, síndrome de Guillain-Barré e acidente vascular cerebral associados à infecção por SARS-CoV-2. Em um estudo com 214 pacientes em Wuhan, China, 34,6% apresentaram comprometimento neurológico, sendo os sintomas mais comuns incluindo redução ou perda do olfato (anosmia), perda do paladar (ageusia), dor de cabeça, tontura, sonolência e fraqueza muscular (GAMA, 2020).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando os relatos de comprometimento cerebral pelo COVID-19, este estudo se torna essencial para destacar a importância da identificação precoce dos sintomas neurológicos que afetam os pacientes com essa doença. O objetivo é evidenciar o mecanismo fisiopatológico, as manifestações clínicas e as sequelas geradas por esse vírus.

É imperativo que pacientes com suspeita ou diagnóstico positivo para COVID-19 passem por avaliação detalhada do sistema nervoso, possibilitando aos profissionais de saúde diagnosticar doenças precocemente e adotar condutas adequadas, mitigando os impactos cerebrais associados ao novo coronavírus e reduzindo a morbimortalidade e as sequelas neurológicas.

Apesar dos estudos abrangentes relatarem a fisiopatologia e a associação do COVID-19 com as manifestações neurológicas, ainda é necessário realizar pesquisas para compreender os efeitos a longo prazo da invasão no Sistema Nervoso. Além disso, os médicos devem estar cientes de que, para além do comprometimento respiratório, é crucial avaliar os sintomas neurológicos com cautela para otimizar o tratamento e o prognóstico desses pacientes.

Em conclusão, o entendimento do impacto global da COVID-19 e a extensão e prognóstico de suas manifestações neurológicas ainda estão em estágio inicial. Os estudos observacionais publicados envolvem poucos pacientes, frequentemente sem grupos comparativos e, em alguns casos, apresentam falhas metodológicas. Portanto, é vital promover iniciativas robustas de pesquisa clínica e continuar a diagnosticar e tratar adequadamente pacientes com doenças neurológicas, tanto com quanto sem infecção por SARS-CoV-2.

5. REFERÊNCIAS

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1Bacharelanda em Medicina pela Faculdade Metropolitana, União de Ensino Superior da Amazônia Ocidental (UNNESA). Rua das Araras,24 Bairro Jardim Eldorado, Porto Velho/RO, CEP 76811-678. E-mail: lydianedantas@gmail.com, https://lattes.cnpq.br/6850191562494297
2Bacharelanda em Medicina pela Faculdade Metropolitana, União de Ensino Superior da Amazônia Ocidental (UNNESA). Rua das Araras, 24 Bairro Jardim Eldorado, Porto Velho/RO, CEP 76811-678. E-mail: raylaneteixeirapereira@gmail.com, https://lattes.cnpq.br/7295804325919413
3Doutora em Biologia Experimental. Fundação Universidade Federal de Rondônia-UNIR. Docente do curso de Bacharelado em Medicina da Faculdade Metropolitana, União de Ensino Superior da Amazônia Ocidental (UNNESA). Rua das Araras,24 Bairro Jardim Eldorado, Porto Velho/RO, CEP 76811-678. E-mail: marlene.santos@metropolitana-ro.com.br, http://lattes.cnpq.br/0467183456395799