SENTIMENTOS EXPERIENCIADOS POR CUIDADORES DE PESSOAS QUE VIVENCIAM A ESQUIZOFRENIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7226625


Autoria de:

Catrine Viegas Asevedo dos Santos
Cristiano de Almeida Fernandes
Elisabel Pappis Orso
Emilie Alyssa Aires de Freitas
Inara Cléia de Paiva Cardoso
Micael Fernandes Ferreira Chagas
Nicole da Silva Cavalheiro


RESUMO

O referido artigo é pautado no aprofundamento teórico acerca dos sentimentos experenciados por cuidadores de pessoas que vivenciam a esquizofrenia. Dispõe, nesse sentido, do objetivo de compreender quais os principais sentimentos experienciados por esses cuidadores, bem como suas origens e possíveis formas de intervenções por parte da saúde pública. A relevância de se discorrer a respeito desta temática, emerge da identificação de que há uma carência atencional em relação à mesma. Logo, está pautada na precisão de se desenvolver um maior enfoque acadêmico e social em prol das múltiplas problemáticas que acometem o tema. A pesquisa foi conduzida a partir dos pressupostos metodológicos da abordagem qualitativa, e, para tal, participaram do estudo, como entrevistados, dois psicólogas atuantes nos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS). A coleta de dados foi obtida através de questionários semiestruturados, por meio de dez perguntas, que viabilizaram o levantamento acerca da afetividade ou não, de medidas públicas destinadas aos pacientes psiquiátricos e familiares destes; tendo, como parâmetro de análise, especialmente, a LEI N 10.216, de 6 de abril de 2001. Os resultados evidenciaram a potencialização das sobrecargas emocionais em cuidadores de pacientes psiquiátricos, decorrente da carência do auxílio de medidas públicas. Identificou-se, também, que as sobrecargas variam em intensidade, de acordo com a psicopatologia do paciente, bem como o grau dela. Comprovou-se que, a efetiva execução de medidas públicas existentes, funcionaria como um fator atenuante das sobrecargas vivenciadas pelos cuidadores. Ao que tange às hipóteses teóricas previamente traçadas, cabe afirmar que estas foram, em sua integralidade, confirmadas.

Palavras-chaves: Sobrecargas emocionais, cuidadores, esquizofrenia.

ABSTRACT

This paper presents a deep theoretical analysis of the feelings experienced by the caregivers of people living with schizophrenia. It provides with a better comprehension of what are the main feelings experienced by such caregivers as well as of the origins of these feelings and possible means of intervention from the healthcare system. The relevance of discussing this matter is due to the lack of attention currently given to it. Therefore, there’s a need for academics and  the society in general to tend to the multiple issues in this regard. This research was led by the qualitative method, for which two psychologists working at CAPS – Centro de Atenção Psicossociais (Psychosocial Attention Centre) participated as interviewees. The data was collected through semistructured questionnaires made of ten questions that led to a sense of the efficiency of the public policies destined to psychiatric patients and their families, using as parameter the Brazilian Law Number 10.216 from April 6th, 2001. The final results showed a striking emotional overwhelm experienced by the caregivers of psychiatric patients ensued by  the poor management of the existing public policies to aid them. Furthermore, it also identified that these cases of emotional overwhelm vary in intensity according to the patients’s psychopathology as well as its levels. In conclusion, it was proved that an effective handling of the existing public policies would reduce the emotional overwhelm experienced by caregivers. Regarding the theoretical hypothesis previously argued, they have all been fully affirmed. 

Keywords: Emotional Overwhelm, Caregivers, Schizophrenia. 

1. INTRODUÇÃO

O termo “cuidador” pode ser definido como “que ou quem trata, toma conta de alguém ou algo”, dessa forma, está presente nas mais variadas relações interpessoais. Trazendo especificamente para a perspectiva do tema em questão – Sentimentos experienciados por cuidadores de pessoas que vivenciam a esquizofrenia – trata-se de pessoas que direcionam cuidados a indivíduos que experienciam a esquizofrenia. 

 Ao longo da história, as doenças psicológicas foram vistas e tratadas de diferentes formas e, em determinado momento, entrou em vigor o modelo manicomial de internação. Séculos mais tarde, a partir de um processo de descontentamento – por parte da sociedade e trabalhadores da saúde – acerca do tratamento desumano realizado no modelo de internação, conquistaram-se avanços em prol da saúde mental e, entre estes, estava a desospitalização das pessoas acometidas por psicopatologias. Nasceu, assim, uma maior possibilidade de inserção, dos pacientes psiquiátricos, na sociedade; através do cuidado “livre de grades”. Nesse sentido, nasce o cuidador, tratando-se desse âmbito específico. 

Apesar de o processo de desospitalização das psicopatologias constituir grande avanço, junto a ele, não foi proporcionado, ao cuidador – por parte das instituições e organizações governamentais – uma preparação técnica e conhecimentos necessários para exercer tal função de forma mais fluida. Assim, muitas vezes, a pessoa que realiza a tarefa de cuidador, não está preparada para exercê-la. Logo, ao se deparar com a necessidade de realizar tal função, o cuidador experiencia diversos sentimentos que, muitas vezes, são negativos, como negação e sobrecargas emocionais, que se ramificam em diversos aspectos. 

Além disso, observa-se que esta temática detém de uma quantidade limitada e carente, de bibliografias, a respeito dela. Identifica-se, facilmente, materiais que abordam as psicopatologias em si, bem como suas diversas nuances, entretanto, esse quadro muda, quando se tratando do olhar acadêmico, teórico e social para os cuidados com os cuidadores das pessoas que vivenciam psicopatologias. Nesse sentido, tendo em vista os fatores mencionados anteriormente, observou-se a necessidade de se debater o tema do referido artigo, que se faz essencialmente relevante, uma vez que proporciona maior enfoque para esta causa. 

Ademais, carrega a possibilidade de expandir e reafirmar os conhecimentos teóricos acerca do mesmo. Conhecimentos estes, que constituem base para melhorias necessárias no que se refere a esta problemática. 

A partir desses aspectos, então, o referido artigo baseia-se no questionamento de quais são os principais sentimentos experienciados por cuidadores de pessoas que vivenciam a esquizofrenia. Buscando suprir o questionamento em questão, através identificação de quais os principais sentimentos experienciados por cuidadores de pessoas com esquizofrenia, da verificação de quais as origens dos sentimentos negativos enfrentados por cuidadores de pessoas com esquizofrenia, bem como, da análise de que formas potenciais, os sentimentos em questão poderiam ser atenuados, a partir de uma maior assistência de instituições governamentais de saúde mental. 

Alcançando, dessa forma, a compreensão dos principais sentimentos experienciados por cuidadores de pessoas com esquizofrenia, bem como suas origens e possíveis formas de intervenções, por parte da saúde pública.

2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO GERAL E SOBRECARGAS ENVOLVIDAS NO CUIDADO ÀS PESSOAS COM PSICOPATOLOGIAS 

O termo “cuidador” pode ser definido como “que ou quem trata, toma conta de alguém ou algo”, dessa forma, está presente nas mais variadas relações interpessoais. Em se tratando da temática abordada pelo referido artigo – Sentimentos experienciados por cuidadores de pessoas que vivenciam a esquizofrenia – trata-se de pessoas que direcionam cuidados a indivíduos que experienciam a esquizofrenia. 

Nesse sentido, o primeiro aspecto de relevância a ser analisado, baseia-se no questionamento acerca da história de cuidados com pessoas portadoras de psicopatologias: em que momento, na história, esse cuidado foi atribuído a terceiros, que não as instituições? Delegado, especialmente, à família? 

Segundo (ALMEIDA; SCHAL; MARTINS; MODERA, 2010) a família dos pacientes psiquiátricos, passou a ganhar um lugar privilegiado, ao que se refere à função de tratamento e cuidado, a partir da mudança das políticas públicas em saúde mental, ocorrida no Brasil, no século XX, que proporcionou a desospitalização dos pacientes, bem como a desinstitucionalização psiquiátrica; entretanto, esse papel não foi acompanhado de uma preparação e conhecimentos necessários para tal função, assim, na maioria das vezes, a pessoa que realiza a tarefa de cuidador, não está preparada para exercê-la. Percebe-se, então, que a sobrecarga existente nas relações cuidadores-pacientes, possui raízes profundas, que nasceram junto à atividade de cuidar. 

Outra circunstância dotada de grande relevância, a ser analisada, trata-se do fato de o ato de cuidar, em si, sobrecair, em sua maioria, evidentemente, sobre gênero feminino:

 Outra evidência apontada refere-se a questão de gênero predizendo qual pessoa da família assumirá o cuidado. Há comprovação por diversos autores e por dados coletados pelo mundo, que as mulheres são as “grandes cuidadoras”, as “cuidadoras tradicionais (35). O papel da mulher como responsável pelo cuidado é visto como natural, uma vez que este está inserido socialmente no papel de mãe. O cuidar constitui-se em mais um dos papéis assumidos pela mulher dentro da esfera doméstica, sendo transferido de geração a geração (36), independente desta estar trabalhando ou não fora de casa (BAPTISTA; BEUTER; PERLINI; BRONDANI; BUDÓ; SANTOS, 2012)

A referida circunstância, caracteriza um reflexo de todo um processo estrutural de formação de sociedade. Desde os tempos mais remotos a que se têm informações acerca da dinâmica de funcionamento social, à mulher foi atribuída a função de cuidar – cuidar de sua casa, filhos, maridos – ficando responsável por essa tarefa, enquanto, paralelamente, o homem supria as demais necessidades, como alimentação – através do trabalho – e proteção. 

As sociedades, em sua maioria, evoluíram e desenvolveram esse modelo de funcionamento, trazendo outro panorama, no qual, a mulher foi inserida ativamente no sistema capitalista, e passou a ter a possibilidade de desenvolver-se intelectualmente e profissionalmente, tomando pra si, a responsabilidade de manter financeiramente, também, seu lar. Ainda assim, frente a todo esse avanço, o cargo de cuidar – de modo geral e também articulando-o ao referido contexto de cuidado às pessoas com psicopatologias – permanece prioritariamente atribuído a este gênero; não há um equilíbrio, nem frequente divisão dessa função. Esse fator constituí um potencializador da sobrecarga. 

O termo “sobrecarga familiar”, por sua vez, refere-se, de acordo com Almeida; Schal; Martins; Modera (2010, p.2), ao “impacto causado no meio familiar pela convivência com o paciente, envolvendo aspectos econômicos, práticos e emocionais aos quais os cuidadores/familiares são submetidos”, nesse sentido, entende-se que os impactos sentidos por aqueles que têm a função de cuidar, estendem-se por diversos âmbitos de suas vidas pessoais, logo, os reflexos também são extensos, podendo influenciar grandemente em suas vidas econômicas, sociais e emocionais, variando, assim, entre sobrecargas objetivas e subjetivas:

 A sobrecarga objetiva se refere às consequências da alteração da rotina e dos projetos de vida, da diminuição da vida social, da supervisão de comportamentos problemáticos, dentre outros25. O cuidado com o paciente portador de um transtorno mental grave requer adaptações na vida diária, e os cuidadores acabam por desistir ou mudar os seus objetivos, deixando de viver sua realidade e passando a viver uma realidade construída a partir do convívio com o paciente (ALMDEIDA; SCHAL; MARTINS; MODERA, 2010, P.2)

Nesse sentido, nota-se que, nesta modalidade de sobrecarga, os âmbitos afetados, da vida do cuidador, englobam aspectos de ordem prática, mais externos, que, entretanto, relacionam-se com a outra modalidade de sobrecarga – subjetiva – pois, uma vez que fatores externos, como planos pessoais, vida social e trabalho, são afetados, pode-se gerar um grande reflexo emocional, tendo em vista que estas dimensões da vida, dialogam constantemente.           

Paralelamente a isso, têm-se, então, a sobrecarga subjetiva: “A sobrecarga subjetiva se refere a distúrbios emocionais experienciados pelo cuidador ou às percepções, preocupações, sentimentos negativos e incômodos gerados pelo fato de ter que cuidar de um paciente esquizofrênico” Almeida; Schal; Martins; Modera (2010, p.5), que pode ser representada por diferentes e diversos fatores geradores da fragilização emocional.

Ao que tange à especificidade da pesquisa em questão, que aborda os sentimentos experienciados por cuidadores de pessoas com esquizofrenia, faz-se necessário a contextualização a respeito da psicopatologia em questão.

2.2. A ESQUIZOFRENIA: DEFINIÇÃO DA PSICOPATOLOGIA

A esquizofrenia é uma doença complexa e incapacitante, caracterizada por crises, onde eventualmente o mundo real é substituído por alucinações e distorções do pensamento, tornando o portador incapaz de julgar corretamente a realidade, encontrando-se emergido em pensamentos simbólicos e abstratos, totalmente fora do contexto da realidade. 

Classificada hoje pela psiquiatria como uma síndrome, ela é caracterizada por uma série de sintomas e sinais que costumam surgir pela primeira vez, na forma de um surto psicótico, por volta dos 20 anos, nos homens, e 25, nas mulheres, normalmente está associada a uma série de sintomas e sinais como alucinações, delírios e desorganização do pensamento, durante as crises agudas, intercalados por períodos de remissão, dificuldade de expressão das emoções, apatia, isolamento social e um sentimento profundo de desesperança. (GIRALDI; CAMPOLIM, 2014, p.07)

A esquizofrenia é uma doença psiquiátrica crônica idiopática, que aparenta ser um grupo de doenças múltiplas com sintomas semelhantes sobrepostos, e de origem multifatorial, ou seja, indivíduos suscetíveis, poderão desenvolver a doença, quando estimulados por fatores biológicos, ambientais ou emocionais (Lima; Espindola, 2015).

Segundo Silva (2006), é um transtorno causado por uma variedade de fatores biopsicossociais, que podem ser favoráveis ou desfavoráveis ​​para o aparecimento da doença. Os fatores biológicos serão aqueles relacionados à genética e/ou causados ​​por dano ou anormalidade da estrutura cerebral e deficiência de neurotransmissores. Na perspectiva da sociedade e de sua interação com o meio social, os fatores psicossociais são fatores relacionados aos indivíduos, tais como: ansiedade elevada, estado de alto estresse, fobia social e impactantes condições sociais e emocionais.

Trata-se de uma doença crônica que requer tratamento contínuo, por toda a vida e, decorrente de um dos sintomas da doença, o paciente dificilmente entenderá o seu quadro, uma vez que, uma de suas características, é a falta de compreensão da realidade. A família ou cuidador se faz um aliado essencial, uma vez que pode suprir a função de identificar o problema e ser o responsável pelo encaminhamento do paciente ao especialista ou internação, além de promover cuidado, controle de medicações, sintomas e reinserção social. 

Por se tratar de uma doença de longa duração, neste caso, o indivíduo vivencia períodos de crise e alívio, o que leva à deterioração gradativa das funções do paciente e dos familiares, fator que acarreta diversos prejuízos para o cuidador, como: diminuição da capacidade de cuidar de si mesmo, trabalhar, se conectar individualmente com pessoas e sociedade (GIACON; GALERA, 2006).

É de importante relevância que se faça um esclarecimento desta psicopatologia, para que, assim, haja um rompimento com o preceito de que a doença psiquiátrica caracteriza perigosidade, bem como a ideia de só haver a alternativa de internação. Uma vez que, frente a um acompanhamento e tratamento adequados, ao paciente, é proporcionada uma melhor qualidade de vida e sociabilidade – tanto para ele, quanto para sua família. 

No que diz respeito do tratamento, este inclui medicamentos, psicoterapia e terapia social. A medicação é essencial para controlar a esquizofrenia, mas, quando o paciente é avaliado, os danos causados ​​pela medicação podem ser tão graves quanto os sintomas da doença. O tratamento recebido pelos pacientes com esquizofrenia quase não corresponde à complexidade da doença, então, este deve ser realizado tendo em vista múltiplos aspectos, para que o paciente obtenha uma boa qualidade de vida (SOUZA et al., 2013). 

2.3. A SOBRECARGA EMOCIONAL EM CUIDADORES DE PESSOAS COM ESQUIZOFRENIA

 Em um primeiro instante, faz-se necessário apontar que as sobrecargas emocionais vivenciadas por cuidadores de pessoas com esquizofrenia, têm um caráter variante. Ou seja, os fatores de sobrecarga emocional, variam de forma e intensidade, levando-se em conta diferentes determinantes, como a concepção e entendimento que se tem acerca da psicopatologia, que se relaciona diretamente com o contexto de vida dos cuidadores.

De acordo com Melman (2008), os aspectos subjetivos da experiência de sobrecarga em cuidadores, são influenciadas diretamente por valores e representações que se tem a respeito da psicopatologia, e estes, por sua vez, são resultados de suas histórias de vida, contexto cultural, social, religioso e afins; esses valores e concepções, influenciam não só a vivência emocional frente a situações de estresse, mas, também, o modo de lidar com situações concretas.  Fatores como o cuidado ser, ou não, constante: segundo KEBBE (2014), há uma fragilização da saúde mental de cuidadores, advinda da dificuldade de encontrar tempo para o autocuidado, frente à necessidade de direcionar dedicação exclusiva ao indivíduo cuidado. 

Outro gerador dessa sobrecarga emocional, Almeida; Schal; Martins; Modera (2010, p.5), é o sentimento constante de preocupação, relacionado a aspectos como: a impossibilidade de saber qual será o comportamento do paciente, frente às diversas situações – os comportamentos podem englobar tentativas de fuga e suicídio; o medo de adoecer fisicamente ou psiquicamente; a incerteza em relação ao futuro, como a dúvida angustiante de quem o poderia substituir como cuidador, caso venha a falecer. Assim, observa-se como são diversos os fatores geradores de sobrecargas no cuidador. Estes podem, ainda, variar de intensidade, tendo em vista variantes como: 

Destacaram-se, como fatores relacionados à sobrecarga familiar: a severidade da sintomatologia do paciente, o número de hospitalizações e de comportamentos problemáticos do paciente, as tarefas cotidianas para supervisionar seu comportamento, a limitação das atividades do familiar, a falta de apoio dos profissionais de serviços de saúde mental e residir com o paciente. Um maior grau de sobrecarga também esteve associado a dois outros fatores: o paciente já ter sido internado e viver com a família desde sua desinstitucionalização (BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2009).

As variantes continuam tendo em vista que, muitas vezes, há um sentimento de obrigatoriedade no exercício de cuidar: segundo Almeida; Schal; Martins; Modera (2010, p.5), o sentimento de obrigatoriedade, muitas vezes intrínseco ao ato de cuidar, quando se trata de um contexto no qual, para o cuidador, não é ofertado o auxílio de terceiros ou não existe outra alternativa que supra a necessidade de assistência ao seu indivíduo cuidado, senão a de ele próprio exercer esse papel. Esse aspecto é reforçado na afirmação de que:

Esta evidência está relacionada a uma situação de imposição, em que o familiar é obrigado a assumir a tarefa do cuidado. Muitas vezes o familiar não se sente preparado para esta função, mas como a decisão envolve todo o conjunto familiar, esta influência na decisão de quem vai cuidar, ou até impõe essa função a quem a família julgar mais apto ou disponível. Em outros casos, o familiar assume a função de cuidador por não existir outra opção dentro do núcleo familiar, nem fora dele. Assim, a imposição em ser cuidador pode gerar um alto nível de estresse, visto que ele não decidiu espontaneamente assumir a função (BAPTISTA; BEUTER; PERLINI; BRONDANI; BUDÓ; SANTOS, 2012).

Nesse sentido, nota-se como são múltiplos os fatores desencadeadores de sentimentos negativos e sobrecarga emocional nos cuidadores de pessoas com esquizofrenia. Assim, uma vez apontados os principais fatores, torna-se relevante pesquisar acerca dos reflexos oriundos destes. 

Identifica-se que os sentimentos negativos enfrentados por cuidadores, embora sejam de ordem emocional, ascendem, frequentemente, como sintomas físicos nesses indivíduos:

A sobrecarga física e emocional identifica-se pelo aparecimento de doenças relacionadas ao sistema nervoso (como gastrite e problemas gastrointestinais), evidenciando como os problemas de ordem emocional se repercutem na saúde física. (ALVES; ALMEIDA; MATA; PIMENTEL, 2018, p. 3). 

Esse aspecto está associado a fatores como a privação de sono, frente à demanda de intensos e constantes cuidados, ou à dificuldade em lidar com a convivência Alves; Almeida; Mata; Pimentel (2018); além disso, os fatores anteriormente sinalizados neste material, constituem, também, causas que dialogam com a eclosão dos sintomas mencionados. 

Outro sintoma comumente encontrado em cuidadores, é a ansiedade. Ela pode decorrer do conjunto de tensões vivenciadas, Pegorano; Caldana (2006), apontam que, o cuidador pode apresentar ansiedade, uma vez que há dificuldade em lidar com alguns comportamentos – como o silêncio excessivo, fala contínua e desordenada, ou a imprevisibilidade das ações do indivíduo que recebe os cuidados; esse fator é potencializado pela carência de busca e recebimento de informações. 

A partir de um estudo realizado por Dourado; Rolim; Ahnerth; Gonzaga; Batista (2018), tem-se que os índices de ansiedade estão diretamente relacionados ao tempo em que o cuidador demanda cuidado ao paciente, como principal/único cuidador – quanto maior o tempo responsável pelo cuidado, maior o índice de ansiedade. Além disso, observa-se que, de modo geral:

A sobrecarga do cuidador também tem sido associada ao seu adoecimento psíquico. Segundo a pesquisa de Barroso, Bandeira e Nascimento (2007) com uma amostra de 150 familiares, concluiu-se que a maioria dos familiares participantes que cuidavam dos pacientes sofriam de algum transtorno psicológico (DOURADO; ROLIM; AHNERTH; GONZAGA; BATISTA, 2018, p.5)

Frente ao exposto, observa-se não somente a multiplicidade dos fatores e sentimentos negativos/de tensão e sobrecarga presentes em cuidadores de pessoas que vivenciam a esquizofrenia, mas, também, o grande potencial da eclosão, desses fatores, em sintomas físicos e psíquicos. 

3. METODOLOGIA 

 De acordo com MINAYO (1994, p.16), entende-se por metodologia, o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade. A metodologia, então, ocupa um lugar central no interior das teorias e está sempre referida a elas. Com base nisso, o trabalho em questão, constitui uma pesquisa de campo exploratória, tendo em vista que:

Este tipo de pesquisa tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. A grande maioria dessas pesquisas envolve: (a) levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e (c) análise de exemplos que estimulem a compreensão (GIL, et al. 2007. P. 1).

Sua abordagem, por sua vez, é qualitativa, uma vez que, a pesquisa qualitativa não se preocupa com representatividade numérica, mas sim, com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização etc. (GOLDENBERG, 1997, p. 34).

A pesquisa em questão, foi dividida em duas etapas: a primeira, consistiu em um levantamento bibliográfico acerca de produções a respeito da esquizofrenia – psicopatologia abordada. Nesse processo, constatou-se que, a problemática abordada, constitui um debate relativamente novo, no meio acadêmico, fator que, em partes, limitou a amplitude de referências acerca do problema. 

Em se tratando das definições e características da esquizofrenia, foi realizado um levantamento de dados baseado, principalmente, nos trabalhos de Campolim, Giraldi; Giacom, Galera E Silva. Quanto à sobrecarga emocional em cuidadores de pessoas com esquizofrenia, referenciou-se a partir de produções de Melman e Kebbe. 

Deu-se seguimento, posteriormente, utilizando-se do método de entrevista, aplicado a dois profissionais atuantes na área de saúde mental em instituições públicas, a fim de realizar um levantamento teórico acerca da efetividade, ou não, de medidas destinadas a pacientes psiquiátricos e familiares destes; tendo, como parâmetro de análise, especialmente, a LEI N 10.216, de 6 de abril de 2001; objetivando-se, a partir dissoanalisar de que formas potenciais, os sentimentos experienciados por cuidadores de pessoas com esquizofrenia, poderiam ser atenuados, a partir da maior assistência – referindo-se aos pontos de carência identificados – de instituições governamentais de saúde mental. 

A entrevista em questão, foi realizada por meio de um questionário semiestruturado com dez perguntas e, aplicado a 2 profissionais, por meio da ferramenta Google Forms (Questionário). Optou-se por esse método tendo em vista que, de acordo com Maria De Fatima Oliveira em ENTREVISTA PSICOLÓGICA – O CAMINHO PARA ACEDER AO OUTRO (2005). A entrevista é a técnica que permite o acesso às representações mais pessoais dos sujeitos: história, conflitos, representações, crenças, sonhos, fantasmas, acontecimentos vividos e afins.

4. RESULTADOS 

4.1. Local de trabalho e atribuições dos profissionais em contextos não pandêmicos:

CAPS II – atendimento a adultos e idosos; atendimento individual, em grupo, visita domiciliar e avaliação de pacientes inaugurais na psicoterapia 

4.2. Realização das atividades na pandemia

Atendimentos com horário agendado, via chamada telefônica e videoconferência, atendendo às normas necessárias, tendo em vista a pandemia, evitando assim aglomerações. Sendo notado aumento na demanda.  

4.3. Consideração referente à lei 10.216 de 2001

As atividades propostas pela lei, como atendimentos individuais, atendimentos em grupo, visitas domiciliares e atividades comunitárias eram efetivadas anteriormente ao contexto pandêmico. 

Em relação à equipe de atuação necessária para o atendimento de pacientes, é exposto a falta de profissionais em relação à demanda de pacientes. O sistema remunera o atendimento de até 15 pacientes em regime de 2 turnos (8 horas por dia) e mais 15 pacientes por turno de 4 horas, em cada unidade assistencial, porém a medida não é cumprida mesmo fora da pandemia.

4.4. Questões relacionadas às sobrecargas vividas pelos cuidadores

As questões emocionais e sobrecargas dos cuidadores são percebidas, porém, estas variam de acordo com a psicopatologia do paciente, bem como o grau dela, pois, quanto mais grave o quadro, mais difícil de lidar.

As características que evidenciam a sobrecarga estão relacionadas a superproteção, pois os cuidadores acabam acumulando muitas funções referentes ao paciente e, consequentemente, acabam sobrecarregados, podem vir a apresentar quadros depressivos ou de ansiedade em função disto. 

Para que se possa atenuar essa sobrecarga, é oferecido um acompanhamento aos cuidadores que tem necessidade de atendimento.

Constatou-se, também, que as medidas públicas seriam um mecanismo de atenuação dessas sobrecargas, entretanto, o tratamento psicossocial sempre envolverá uma corresponsabilidade entre a equipe de saúde mental e o cuidador do paciente.

Algumas medidas que poderiam proporcionar a atenuação de sobrecargas vividas pelos cuidadores são: Promoção de saúde mental na atenção básica; fortalecimento do serviço CAPS com aumento da equipe de profissionais, melhoria da estrutura física; implantação do CAPS III; ambulatório de psicologia e psiquiatria para desafogar o atendimento especializado. 

5. DISCUSSÃO

Este artigo possui, como foco, o aprofundamento teórico acerca dos sentimentos experienciados por cuidadores de pessoas que vivenciam a esquizofrenia, com ênfase nas sobrecargas, bem como suas causas e problemáticas sociais e/ou governamentais que auxiliam na manutenção dessas sobrecargas.

Para que fosse suprida a finalidade de responder tais questionamentos, realizou-se uma pesquisa de campo, qualitativa, com psicólogos atuantes em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), buscando, através desse contato, informações acerca das condições de trabalho dos mesmos, ofertadas por políticas públicas; das sobrecargas percebidas por eles – profissionais – nos cuidadores de pacientes que vivenciam psicopatologias, bem como a relação entre esses aspectos (de que forma a carência ou não efetivação de medidas públicas funcionam como ferramenta de manutenção ou intensificação das sobrecargas vivenciadas pelos cuidadores). 

Inicialmente, faz-se necessário contextualizar o tema e pesquisa em questão, com o atual contexto pandêmico da COVID-19 vivenciado, uma vez que ambos aspectos são indissociáveis. Observou-se, primeiramente, que os atendimentos, no contexto anterior à pandemia da COVID-19, tinham variadas dinâmicas de funcionamento; eram realizados de forma individual, em grupo, através de visitas domiciliares e, também ocorria avaliação de pacientes inaugurais na psicoterapia. 

A partir dessa informação, é notável que, antes deste atual contexto, existia uma maior variedade de atendimentos e ofertas de serviços, que possibilitava o alcance de mais pacientes, o enriquecimento das dinâmicas, bem como uma interação e contato mais aprofundado e íntimo com esses, uma vez que se tinha a possibilidade de adaptação do serviço, de acordo com as diferentes demandas e necessidades de cada paciente. 

Entretanto, embora seja inquestionável a interferência, causada pela pandemia da COVID-19, na maior fluidez/possibilidade das dinâmicas de atendimento e, consequentemente, nos resultados obtidos, com base na pesquisa realizada, fica evidente que o sistema já detinha de significativos problemas estruturais, pois, têm-se que, em se tratando da equipe de atuação necessária para o atendimento de pacientes, há uma falta de profissionais em relação à demanda de pacientes – a quantidade de profissionais, não é proporcional à de pacientes que necessitam de atendimento. 

Esse aspecto explicita uma problemática estrutural que, certamente, vai de encontro ao propósito da oferta de um atendimento mais atencioso, que supra, com maior potencial, as demandas apresentadas por pacientes, tendo em vista que, caso o número de profissionais fosse equivalente à quantidade de pacientes, seria ampliada a possibilidade de um atendimento de maior qualidade. Esta questão é caracterizada como problemática, pois, na teoria, a LEI Nº 10.216, de 2001, assegura que: 

Para o atendimento a 30 pacientes por turno de 4 horas, deve ser composta por: – 1 médico psiquiatra; – 1 enfermeiro; – 4 outros profissionais de nível superior (psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional e/ou outro profissional necessário a realização dos trabalhos); – profissionais de níveis médio e elementar necessários ao desenvolvimento das atividades (BRASIL, 2001).

E observa-se que, na prática, existe um vasto distanciamento entre a referida teoria e a realidade institucional. 

Transitando pelas demais questões identificadas através da coleta de dados, têm-se a problemática de sobrecarga em cuidadores de pacientes psiquiátricos. Quanto ao referido aspecto, identificou-se que, as questões emocionais e sobrecargas dos cuidadores são percebidas pelos psicólogos entrevistados, que têm contato com esses, porém, essas sobrecargas variam de acordo com a psicopatologia do paciente, bem como o grau dela, pois, quanto mais grave o quadro, mais difícil de lidar. 

Foi identificado, também, que as características que evidenciam a sobrecarga estão relacionadas, principalmente, à superproteção: os cuidadores acumulam muitas funções referentes ao cuidado do paciente e, consequentemente, acabam sobrecarregados, apresentando, assim, por vezes, quadros depressivos ou de ansiedade em função disto. Esse fator de superproteção, remete à questão já pontuada neste artigo, acerca de que se identifica, como um dos fatores de sobrecargas em cuidadores de pacientes psiquiátricos:

O sentimento constante de preocupação, relacionado a aspectos como: a impossibilidade de saber qual será o comportamento do paciente, frente às diversas situações – os comportamentos podem englobar tentativas de fuga e suicídio; o medo de adoecer fisicamente ou psiquicamente; a incerteza em relação ao futuro, como a dúvida angustiante de quem o poderia substituir como cuidador, caso venha a falecer Almeida; Schal; Martins; Modera (2010, p.5).

Esses aspectos dialogam diretamente com a necessidade de superproteção, identificada, pelos profissionais entrevistados, nos cuidadores, tendo em vista que, questões como a imprevisibilidade do comportamento que terá o paciente em certos ambientes – que, por sua vez, podem o colocar em situações que representem risco sua integridade física ou até a vida – geram, consequentemente, a necessidade de superproteção nos cuidadores. Esse ato de cuidado exacerbado pode manifestar, nos cuidadores, o sentimento de atenuação dos perigos eminentes, o que, entretanto, não anula a sobrecarga decorrente dessa preocupação intensa e constante. 

 Foi constatado, também, por meio das entrevistas realizadas, que a melhor efetivação de medidas públicas, funcionaria como atenuadora das sobrecargas emocionais experienciadas por cuidadores de pacientes psiquiátricos, tendo em vista que, se esses fossem eficientemente amparados e auxiliados por instituições/organizações públicas de saúde, o peso vivenciado, por vezes, decorrente da função de cuidar, seria devidamente compartilhado, tornando-o viável, pois, assim, estes cuidadores teriam uma maior possibilidade de dedicar tempo ao seu autocuidado e vida social. O que se torna relevante, tendo em vista que a falta destes aspectos configura um dos principais potencializadores das sobrecargas: segundo Kebbe (2014), há uma fragilização da saúde mental de cuidadores, advinda da dificuldade de encontrar tempo para o autocuidado, frente à necessidade de direcionar dedicação exclusiva ao indivíduo cuidado.

Um exemplo prático de como a melhor efetivação de medidas públicas funcionaria como atenuadora das sobrecargas emocionais experienciadas por cuidadores de pacientes psiquiátricos, está baseado na constatação de que o sistema público de saúde, através da LEI Nº 10.216, de 2001, garante o atendimento de até 15 pacientes em regime de 2 turnos (8 horas por dia) e mais 15 pacientes por turno de 4 horas, em cada unidade assistencial, entretanto, esta medida não é e nem era cumprida, mesmo anteriormente ao contexto pandêmico. 

Caso essa proposta fosse, de fato, efetivada, possibilitaria, ao cuidador, usufruir desse serviço, compartilhando, com o serviço público, a responsabilidade cuidada ao ‘seu paciente’. Esse aspecto seria, consequentemente, uma ferramenta de atenuação da sobrecarga, uma vez que o cuidador receberia um “intervalo” do cuidado integral que demanda e, então, teria a possibilidade de usar esse tempo em benefício próprio – focando em seu autocuidado, interações sociais ou como lhe coubesse. 

Além disso, identificou-se outras medidas que poderiam proporcionar a atenuação de sobrecargas vividas pelos cuidadores, sendo estas: a promoção de saúde mental na atenção básica; o fortalecimento do serviço CAPS com aumento da equipe de profissionais, a melhoria da estrutura física; a implantação do CAPS III, bem como o serviço ambulatorial de psicologia e psiquiatria para desafogar o atendimento especializado. 

Ao que tange à construção e desenvolvimento do referido artigo, frente ao aos dados obtidos a partir da entrevista qualitativa, bem como o levantamento bibliográfico previamente realizado, cabe afirmar que as hipóteses teóricas, previamente traçadas, foram, em sua maioria, confirmadas – de fato há uma forte sobrecarga emocional em cuidadores de pessoas que vivenciam a esquizofrenia e, esta poderia ser atenuada através da melhor efetivação de políticas públicas em saúde mental. 

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