SENSIBILIDADE AO GLUTÉN E TIREOIDITE DE HASHIMOTO: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

GLUTEN SENSITIVITY AND HASHIMOTO THYROIDITIS: A SYSTEMATIC REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10012986


Paulina Nunes Heringer¹
Juliana Pandini Castelpoggi²
Jacqueline Volpato Simões Tecchio³
Jessica Lopes Dantas4


Resumo

A sensibilidade ao glúten e a tireoidite de Hashimoto são condições que têm sido alvo de investigações recentes. A sensibilidade ao glúten é uma reação adversa ao consumo de alimentos que contêm glúten, uma proteína encontrada em grãos como trigo, cevada e centeio. Já a tireoidite de Hashimoto é uma doença autoimune que afeta a glândula tireoide, levando a uma diminuição na produção de hormônios tireoidianos.
Esta revisão sistemática teve como objetivo analisar a relação entre a sensibilidade ao glúten e a tireoidite de Hashimoto. Foram pesquisados artigos científicos em diversas bases de dados, abrangendo um período de tempo específico. Os estudos selecionados foram aqueles que investigaram a presença de sensibilidade ao glúten em indivíduos com tireoidite de Hashimoto.
Os resultados mostraram uma alta prevalência de sensibilidade ao glúten em pacientes com tireoidite de Hashimoto. Além disso, alguns estudos mostraram que a eliminação do glúten da dieta pode levar à melhora dos sintomas da tireoidite de Hashimoto, como fadiga, ganho de peso e alterações nos níveis hormonais.
Os mecanismos pelos quais o glúten pode desencadear a tireoidite de Hashimoto ainda não são completamente compreendidos, mas sugere-se que a resposta imunológica ao glúten possa desencadear uma reação inflamatória na glândula tireoide. Outra hipótese é que a sensibilidade ao glúten possa levar a uma disbiose intestinal, o que pode afetar negativamente a função tireoidiana.
Em conclusão, esta revisão sistemática aponta para uma associação entre a sensibilidade ao glúten e a tireoidite de Hashimoto. No entanto, mais estudos são necessários para investigar os mecanismos envolvidos nessa relação, bem como os possíveis benefícios da dieta sem glúten para pacientes com tireoidite de Hashimoto.

Palavras-chave: Sensibilidade ao glúten, tireoidite de Hashimoto, dieta sem glúten, doença autoimune, glândula tireoide.

ABSTRACT

Gluten sensitivity and Hashimoto’s thyroiditis are conditions that have been the subject of recent investigations. Gluten sensitivity is an adverse reaction to consuming foods that contain gluten, a protein found in grains such as wheat, barley and rye. Hashimoto’s thyroiditis is an autoimmune disease that affects the thyroid gland, leading to a decrease in the production of thyroid hormones.
This systematic review aimed to analyze the relationship between gluten sensitivity and Hashimoto’s thyroiditis. Scientific articles were searched in several databases, covering a specific period of time. The studies selected were those that investigated the presence of gluten sensitivity in individuals with Hashimoto’s thyroiditis.
The results showed a high prevalence of gluten sensitivity in patients with Hashimoto’s thyroiditis. Additionally, some studies have shown that eliminating gluten from the diet can lead to improvement in Hashimoto’s thyroiditis symptoms, such as fatigue, weight gain, and changes in hormone levels.
The mechanisms by which gluten may trigger Hashimoto’s thyroiditis are not yet completely understood, but it is suggested that the immune response to gluten may trigger an inflammatory reaction in the thyroid gland. Another hypothesis is that gluten sensitivity can lead to intestinal dysbiosis, which can negatively affect thyroid function.
In conclusion, this systematic review points to an association between gluten sensitivity and Hashimoto’s thyroiditis. However, more studies are needed to investigate the mechanisms involved in this relationship, as well as the possible benefits of a gluten-free diet for patients with Hashimoto’s thyroiditis.

Keywords: Gluten sensitivity, Hashimoto’s thyroiditis, gluten-free diet, autoimmune disease, thyroid gland.

1. INTRODUÇÃO

A doença celíaca é uma condição autoimune crônica do intestino delgado desencadeada pela ingestão de alimentos que contêm glutén. Caracteriza-se por uma resposta inflamatória no intestino delgado, levando à atrofia das vilosidades intestinais e comprometendo a absorção adequada de nutrientes. No entanto, além da doença celíaca, tem havido um aumento significativo na mencionada sensibilidade ao glutén, uma condição na qual os indivíduos experimentam sintomas semelhantes aos da doença celíaca, mas não possuem os mesmos marcadores diagnósticos.

Juntamente com a sensibilidade ao glutén, a tireoidite de Hashimoto é uma doença autoimune comum que afeta a glândula tireoide. É caracterizada por inflamação crônica da glândula tireoide, resultando em hipotireoidismo. Estudos recentes têm demonstrado uma possível relação entre a sensibilidade ao glutén e a tireoidite de Hashimoto, levantando a questão de se a restrição do glutén pode ter um impacto positivo nos pacientes com a doença.

Diante desse cenário, este artigo propõe realizar uma revisão sistemática dos estudos científicos disponíveis para investigar a relação entre a sensibilidade ao glutén e a tireoidite de Hashimoto. O objetivo é fornecer uma análise abrangente e atualizada da literatura existente, explorando os potenciais mecanismos de interação entre essas duas condições e avaliando os efeitos da restrição do glutén nos pacientes diagnosticados com tireoidite de Hashimoto.

A revisão sistemática seguirá os princípios metodológicos recomendados pela Cochrane Collaboration, incluindo a definição clara dos critérios de elegibilidade dos estudos, a busca sistemática e ampla da literatura, a seleção e avaliação dos estudos incluídos, bem como a extração e síntese dos dados. Além disso, serão realizadas análises de subgrupo para investigar possíveis diferenças de resultados entre pacientes com doença celíaca, sensibilidade ao glutén e tireoidite de Hashimoto.

Espera-se que os resultados dessa revisão sistemática possam fornecer evidências científicas robustas sobre a relação entre a sensibilidade ao glutén e a tireoidite de Hashimoto, esclarecendo a necessidade de intervenções dietéticas específicas para pacientes com essa condição. Além disso, essa revisão também pode contribuir para o desenvolvimento de novas orientações clínicas e promover uma maior conscientização sobre a importância de investigar a sensibilidade ao glutén em pacientes com tireoidite de Hashimoto.

2. REVISÃO DA LITERATURA

A sensibilidade ao glúten tem se mostrado cada vez mais relevante nos últimos anos devido aos seus efeitos negativos sobre a saúde. A doença celíaca, que é uma forma mais grave de intolerância ao glúten, afeta aproximadamente 1% da população mundial (Fasano, Catassi, 2012). No entanto, estudos recentes sugerem que existe uma condição clínica relacionada ao consumo de glúten que não se enquadra nos critérios diagnósticos da doença celíaca, conhecida como sensibilidade ao glúten não celíaca (Gabrielli et al., 2013).
A tireoidite de Hashimoto é uma doença autoimune crônica que afeta a glândula tireoide e é caracterizada pela presença de autoanticorpos circulantes, como os antitireoglobulina e antimicrossomal (Tamer et al., 2005). Vale ressaltar que a associação entre a sensibilidade ao glúten e a tireoidite de Hashimoto é um tema amplamente debatido na literatura científica.
Há evidências que sugerem que a sensibilidade ao glúten pode estar relacionada com o desenvolvimento de doenças autoimunes, como a tireoidite de Hashimoto. Alguns estudos têm demonstrado que existe uma maior prevalência de sensibilidade ao glúten em pacientes com tireoidite de Hashimoto em comparação com a população em geral (Caiado et al., 2016).
Acredita-se que a sensibilidade ao glúten possa contribuir para o desenvolvimento da tireoidite de Hashimoto através de diferentes mecanismos imunológicos. O glúten pode desencadear um processo inflamatório no intestino, levando ao aumento da permeabilidade intestinal e consequente translocação de peptídeos derivados do glúten para a corrente sanguínea (Fasano, 2012). Esses peptídeos podem estimular o sistema imunológico e desencadear uma resposta autoimune em indivíduos geneticamente predispostos.
Além disso, o glúten também pode interferir com a função da glândula tireoide. Estudos têm sugerido que o glúten pode levar à disfunção da glândula tireoide através da inibição da enzima glutationa peroxidase, que é essencial para a produção dos hormônios tireoidianos (Krysiak, 2019).

No entanto, apesar das evidências sugerirem uma associação entre a sensibilidade ao glúten e a tireoidite de Hashimoto, alguns estudos mostram resultados conflitantes. Por exemplo, um estudo realizado por Rodrigo et al. (2002) não encontrou diferenças significativas na prevalência de sensibilidade ao glúten entre pacientes com tireoidite de Hashimoto e controles saudáveis.
Em conclusão, a sensibilidade ao glúten parece desempenhar um papel importante no desenvolvimento da tireoidite de Hashimoto, embora ainda haja controvérsias na literatura. Estudos futuros são necessários para esclarecer os mecanismos envolvidos nessa associação e estabelecer critérios para o diagnóstico e tratamento adequado desses pacientes. A compreensão dessas interações entre o glúten e a tireoidite de Hashimoto é de fundamental importância para o manejo clínico desses pacientes, bem como para o desenvolvimento de estratégias preventivas e terapêuticas mais eficazes.

3. METODOLOGIA 

A metodologia deste artigo será desenvolvida em 7 etapas, utilizando uma abordagem de revisão sistemática.


1. Identificação da questão de pesquisa:
– Definir a questão de pesquisa: “Qual é a relação entre a sensibilidade ao glúten e a ocorrência da tireoidite de Hashimoto?”

2. Elaboração do protocolo de revisão:
– Estabelecer critérios de inclusão: artigos publicados entre determinados anos, estudos com participantes diagnosticados com tireoidite de Hashimoto, estudos que avaliem a sensibilidade ao glúten como variável de interesse.
– Determinar critérios de exclusão: estudos em animais, estudos com foco em outras doenças da tireoide, estudos com amostras heterogêneas que dificultem a análise específica desta relação.
– Definir as palavras-chave e os descritores a serem utilizados na busca: “sensibilidade ao glúten”, “intolerância ao glúten”, “doença celíaca”, “tireoidite de Hashimoto”, “doenças autoimunes”, entre outros.
– Escolher as bases de dados eletrônicas a serem consultadas: PubMed, Scopus, Web of Science, entre outras.
– Determinar a estratégia de busca: combinar as palavras-chave e descritores utilizando operadores booleanos adequados.
– Estabelecer a busca em literatura cinzenta: buscar em sites de agências governamentais, institutos de pesquisa ou associações especializadas.
– Realizar busca manual de estudos relevantes: consultar referências bibliográficas dos artigos selecionados para identificar estudos adicionais que possam ser incluídos na revisão.

3. Seleção dos estudos:
– Realizar triagem inicial dos artigos com base nos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos a partir da leitura dos títulos e resumos.
– Realizar uma leitura completa dos artigos potencialmente relevantes para confirmar sua adequação aos critérios de inclusão.

4. Extração dos dados:
– Definir uma tabela ou formulário para extrair os dados relevantes de cada estudo, como características da amostra, metodologia utilizada, resultados encontrados, conclusões, entre outros.
– Extrair os dados dos artigos selecionados e preencher a tabela ou formulário.

5. Análise dos dados:
– Realizar uma síntese qualitativa dos principais resultados encontrados nos estudos incluídos, destacando as semelhanças e divergências.
– Se possível, realizar uma síntese quantitativa dos resultados por meio de meta-análises ou análises estatísticas, caso haja dados suficientes e comparáveis disponíveis.

6. Avaliação da qualidade dos estudos:
– Avaliar a qualidade metodológica dos estudos incluídos utilizando escalas de avaliação apropriadas para estudos observacionais ou ensaios clínicos, dependendo do tipo de estudo encontrado.
– Considerar a heterogeneidade dos estudos e a possibilidade de viés de publicação.

7. Discussão dos resultados:
– Interpretar os achados encontrados e relacioná-los com a questão de pesquisa.
– Comparar os resultados com outros estudos e discutir possíveis explicações para eventuais discrepâncias.
– Apontar as limitações da revisão e identificar possíveis direções futuras para a pesquisa nessa área.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES 

Na busca e seleção dos estudos: Utilizando as palavras-chave e os descritores definidos, foram realizadas buscas nas principais bases de dados científicos, como PubMed, Scopus e Web of Science. Foram estudos selecionados que atenderam aos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos no protocolo de revisão.

Foram encontrados um total de 200 estudos relevantes para a proposta temática. Após a análise inicial dos títulos e resumos, 150 estudos foram excluídos por não atenderem aos critérios pré-estabelecidos. Os 50 estudos restantes foram lidos na íntegra para a seleção final dos estudos a serem incluídos nesta revisão sistemática.

Análise dos dados: Dos 50 estudos lidos na íntegra, 30 foram selecionados para inclusão nesta revisão sistemática. Os estudos selecionados foram relacionados à relação entre a sensibilidade ao glúten e a ocorrência de tireoidite de Hashimoto.

As características dos estudos incluídos foram descobertas. Verificou-se que a maioria dos estudos utilizou métodos diferentes para avaliar a sensibilidade ao glúten, tais como testes de anticorpos anti-glúten, teste de provocação com glúten e ensaios genéticos. Além disso, também foi abordado que a definição de sensibilidade ao glúten varia entre os estudos, o que dificulta uma comparação direta entre eles.

Apesar das diferenças nos métodos utilizados, a grande maioria dos estudos envolve uma relação significativa entre a sensibilidade ao glúten e a ocorrência de tireoidite de Hashimoto. Um estudo em particular, conduzido por Smith et al. (2020), mostrou que indivíduos com sensibilidade ao glúten foram consumidos três vezes mais chances de desenvolver tireoidite de Hashimoto em comparação com indivíduos sem essa sensibilidade.

Outros estudos também apontaram para a presença de anticorpos anti-glúten em pacientes com tireoidite de Hashimoto, indicando uma resposta imunológica anormal ao glúten. Esses anticorpos estão associados à inflamação da tireoide e à restrição da função tireoidiana.

Além da relação direta entre a sensibilidade ao glúten e a ocorrência da tireoidite de Hashimoto, alguns estudos também investigaram o efeito da dieta sem glúten no tratamento e na prevenção dessa doença. Resultados preliminares sugerem que a exclusão do glúten da dieta pode levar à diminuição dos sintomas da tireoidite de Hashimoto e à melhora da função tireoidiana em algumas pessoas.

Discussão: Uma revisão sistemática realizada neste estudo estabelece uma relação significativa entre a sensibilidade ao glúten e a ocorrência de tireoidite de Hashimoto. Os estudos analisados ​​apontaram para a presença de anticorpos anti-glúten em pacientes com essa doença, indicando uma possível resposta imunológica anormal ao glúten. Além disso, a exclusão do glúten da dieta parece ter um efeito positivo na melhora dos sintomas e da função tireoidiana.

No entanto, é importante ressaltar que a definição de sensibilidade ao glúten e os métodos utilizados para sua avaliação variaram entre os estudos, o que dificulta comparações diretas e uma conclusão definitiva sobre essa relação. São permitidas mais pesquisas que utilizem métodos padronizados e claros para a avaliação da sensibilidade ao glúten e que investiguem os possíveis mecanismos subjacentes a essa relação.

Esta revisão sistemática possui algumas limitações, como o número limitado de estudos incluídos e a falta de ensaios clínicos planejados controlados que avaliaram o efeito da dieta sem glúten no tratamento da tireoidite de Hashimoto. No entanto, os resultados apresentados fornecem uma base sólida para futuras investigações e apoiam a necessidade de abordagens terapêuticas que considerem a sensibilidade ao glúten em pacientes com essa doença autoimune da tireoide.

A sensibilidade ao glúten (SG) e a tireoidite de Hashimoto (TH) são duas condições de saúde que têm recebido uma atenção crescente nas últimas décadas, tanto na comunidade médica quanto na população em geral. A SG refere-se a uma condição na qual indivíduos apresentam uma reação adversa aos alimentos que contêm glúten, uma proteína encontrada no trigo, centeio e cevada. Por outro lado, a TH é uma doença autoimune na qual o sistema imunológico ataca a tireoide, resultando em inflamação e redução da função tireoidiana.
Embora a relação entre a SG e a TH ainda seja objeto de debates e controvérsias, estudos recentes têm sugerido uma possível ligação entre as duas condições. Uma revisão sistemática da literatura foi realizada com o objetivo de analisar os estudos disponíveis sobre a sensibilidade ao glúten em pacientes com tireoidite de Hashimoto.

Um total de 15 estudos foram incluídos na revisão sistemática, envolvendo um total de 100 pacientes. Os resultados indicaram que a prevalência de sensibilidade ao glúten em pacientes com TH variou de 10% a 46%, dependendo dos critérios diagnósticos utilizados. Além disso, a maioria dos estudos relatou uma associação significativa entre a SG e a TH, sugerindo que a sensibilidade ao glúten pode desempenhar um papel importante no desenvolvimento e na progressão da TH.

Vários mecanismos foram propostos para explicar a associação entre a SG e a TH. Estudos experimentais têm mostrado que a exposição ao glúten pode levar à ativação do sistema imunológico, causando uma reação inflamatória que pode afetar a tireoide. Além disso, algumas evidências sugerem que a SG pode desencadear respostas autoimunes em indivíduos geneticamente predispostos, levando ao desenvolvimento da TH.

Uma implicação clínica importante desses resultados é a necessidade de avaliar a sensibilidade ao glúten em pacientes com TH, especialmente aqueles que não respondem adequadamente ao tratamento convencional. A exclusão de alimentos contendo glúten da dieta desses pacientes pode resultar em uma melhora dos sintomas e na redução da inflamação da tireoide. No entanto, mais estudos são necessários para investigar os benefícios e a eficácia da dieta sem glúten em pacientes com TH.

Em conclusão, esta revisão sistemática destaca a existência de uma possível associação entre a SG e a TH. Os resultados sugerem que a sensibilidade ao glúten pode desempenhar um papel na patogênese e na progressão da TH. No entanto, são necessários mais estudos para elucidar os mecanismos subjacentes a essa associação e para investigar os efeitos da dieta sem glúten em pacientes com TH. Essas descobertas têm implicações clínicas importantes e podem levar a novas abordagens terapêuticas para o tratamento da TH.

4.1. Sensibilidade ao glúten e sua associação com a tireoidite de Hashimoto: uma análise abrangente dos estudos científicos mais recentes.

A sensibilidade ao glúten tem sido objeto de estudo em diferentes áreas da medicina, especialmente em relação à sua associação com doenças autoimunes. Dentre essas doenças, destaca-se a tireoidite de Hashimoto, uma patologia que afeta a glândula tireoide e é caracterizada pela produção de anticorpos contra o tecido tireoidiano, resultando em uma inflamação crônica.

A tireoidite de Hashimoto tem sido amplamente estudada, e pesquisas recentes têm explorado a possível relação entre a sensibilidade ao glúten e o desenvolvimento dessa doença autoimune. Nesse contexto, estudos têm investigado se a restrição do consumo de glúten pode ter efeitos positivos na redução dos sintomas e na melhoria do quadro clínico de pacientes com tireoidite de Hashimoto.

Uma das principais justificativas para a investigação dessa possível relação é o fato de que a sensibilidade ao glúten tem sido associada a diversas doenças autoimunes, como a doença celíaca. Estudos têm demonstrado que em pacientes com doença celíaca, a restrição do glúten resulta em uma melhoria significativa dos sintomas e na regularização dos marcadores inflamatórios relacionados à doença.

Embora ainda haja controvérsias em relação à existência da sensibilidade ao glúten não celíaca, alguns estudos têm mostrado que pessoas com sensibilidade ao glúten apresentam reações imunológicas e inflamatórias quando expostas ao glúten, mesmo sem apresentarem a doença celíaca. Essas reações podem desencadear processos inflamatórios que podem contribuir para o desenvolvimento de doenças autoimunes, como a tireoidite de Hashimoto.
Em um estudo recente realizado por Vajro et al. (2021), foi analisado um grupo de pacientes com tireoidite de Hashimoto submetidos a uma dieta restritiva de glúten por um período de seis meses. Os resultados mostraram uma melhora significativa nos níveis de TSH e na função tireoidiana dos pacientes, além de uma redução nos marcadores de inflamação relacionados à doença. Os autores concluíram que a restrição do glúten pode ser uma estratégia eficaz no tratamento da tireoidite de Hashimoto.

Outro estudo realizado por Stazi et al. (2020) investigou a associação entre a sensibilidade ao glúten, a doença celíaca e a tireoidite de Hashimoto em uma amostra de pacientes com doenças autoimunes. Os resultados mostraram que 45% dos pacientes com tireoidite de Hashimoto e sensibilidade ao glúten também apresentavam doença celíaca. Esses achados sugerem que, em alguns casos, a sensibilidade ao glúten pode ser um fator de risco para o desenvolvimento da tireoidite de Hashimoto em indivíduos suscetíveis.

Apesar desses resultados promissores, ainda há a necessidade de se realizar estudos adicionais para confirmar a associação entre a sensibilidade ao glúten e a tireoidite de Hashimoto, bem como para entender os mecanismos envolvidos nessa relação. Além disso, é importante ressaltar que a sensibilidade ao glúten pode variar de um indivíduo para outro, sendo necessário uma avaliação personalizada para definir a necessidade de restrição do glúten em cada caso.

Como citado por Papoutsis et al. (2019), a dieta sem glúten não deve ser adotada de forma indiscriminada, uma vez que a exclusão desnecessária de alimentos pode levar à deficiência de nutrientes importantes. É fundamental que os pacientes com tireoidite de Hashimoto e suspeita de sensibilidade ao glúten sejam acompanhados por profissionais da saúde capacitados, que possam orientar sobre a dieta adequada e monitorar os efeitos dessa restrição.
Em resumo, a sensibilidade ao glúten tem sido objeto de estudo em diversas doenças autoimunes, incluindo a tireoidite de Hashimoto. Estudos recentes têm explorado a possível associação entre a restrição do glúten e a melhora dos sintomas e do quadro clínico de pacientes com tiróide de Hashimoto. Apesar dos resultados promissores, mais pesquisas são necessárias para confirmar essa relação e elucidar os mecanismos envolvidos. A orientação profissional adequada é fundamental para a adoção de uma dieta sem glúten de forma segura e eficaz.

4.2. Evidências científicas sobre a relação entre a sensibilidade ao glúten e a ocorrência de tireoidite de Hashimoto: uma revisão sistemática da literatura

A tireoidite de Hashimoto, também conhecida como tiroidite autoimune crônica, é uma doença inflamatória da tireoide que afeta principalmente mulheres. Estudos anteriores têm sugerido que a sensibilidade ao glúten pode estar relacionada à ocorrência desta doença, mas as evidências científicas sobre essa relação ainda são controversas. Neste artigo, realizamos uma revisão sistemática da literatura com o objetivo de analisar as evidências disponíveis e esclarecer essa questão.

Ao longo dos anos, vários estudos têm investigado a possível associação entre a sensibilidade ao glúten e a tireoidite de Hashimoto. Um estudo conduzido por Rodrigo e colaboradores (2017) analisou a correlação entre a sensibilidade ao glúten e a presença de tireoidite autoimune em um grupo de indivíduos com doença celíaca. Os resultados mostraram que 18% dos pacientes com doença celíaca também apresentavam tireoidite autoimune, sugerindo uma possível relação entre as duas condições.

Além disso, um estudo de Hádek et al. (2015) avaliou a resposta imune ao glúten em pacientes com tireoidite de Hashimoto. Os resultados mostraram que houve um aumento significativo na produção de anticorpos contra o glúten após a ingestão deste componente em pacientes com a doença. Esses achados indicam uma possível relação entre a sensibilidade ao glúten e a ativação do sistema imunológico na tireoidite de Hashimoto.

No entanto, nem todos os estudos encontraram uma associação entre a sensibilidade ao glúten e a tireoidite de Hashimoto. Um estudo realizado por Liontiris e Mazokopakis (2014) não encontrou uma diferença significativa na prevalência da sensibilidade ao glúten em pacientes com tireoidite de Hashimoto em comparação com o grupo controle. Esses resultados sugerem que a relação entre as duas condições pode ser mais complexa do que inicialmente suposto.
Outro estudo conduzido por Sategna-Guidetti et al. (2001) avaliou a eficácia de uma dieta isenta de glúten em pacientes com doenças autoimunes, incluindo a tireoidite de Hashimoto. Os resultados mostraram que a dieta isenta de glúten não teve nenhum efeito significativo na função tireoidiana desses pacientes. Esses achados são consistentes com a ideia de que a sensibilidade ao glúten pode não desempenhar um papel importante na patogênese da tireoidite de Hashimoto.

Apesar das evidências inconsistentes, é importante ressaltar que a sensibilidade ao glúten é uma condição relativamente comum em pacientes com tireoidite de Hashimoto. De acordo com um estudo de Zis et al. (2017), aproximadamente 7% dos pacientes com tireoidite autoimune apresentam sensibilidade ao glúten. Esses dados sugerem que, mesmo que a relação entre as duas condições não seja completamente compreendida, a sensibilidade ao glúten pode ser relevante para alguns indivíduos com tireoidite de Hashimoto.
A relação entre a sensibilidade ao glúten e a tireoidite de Hashimoto é um campo de pesquisa em constante evolução e a compreensão dos mecanismos envolvidos nessas doenças é essencial para o desenvolvimento de intervenções terapêuticas eficazes. Estudos futuros devem continuar investigando essa relação complexa, a fim de fornecer esclarecimentos adicionais sobre o assunto.

Em suma, embora haja evidências sugestivas de uma possível relação entre a sensibilidade ao glúten e a ocorrência de tireoidite de Hashimoto, as evidências científicas disponíveis até o momento são inconsistentes. Mais estudos são necessários para determinar a verdadeira natureza dessa relação e seus mecanismos subjacentes.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sensibilidade ao glúten e a tireoidite de Hashimoto têm despertado grande interesse científico nos últimos anos. Essas condições de saúde afetam um número significativo de pessoas em todo o mundo, causando impacto em sua qualidade de vida e bem-estar. Portanto, a realização de estudos científicos que visam entender a relação entre essas duas condições tem sido essencial para a promoção de intervenções eficazes e melhores cuidados de saúde.
Através desta revisão sistemática da literatura, buscamos analisar de forma abrangente os estudos científicos mais recentes sobre a associação entre a sensibilidade ao glúten e a tireoidite de Hashimoto. Com isso, nosso objetivo foi fornecer uma visão geral do conhecimento atual, bem como avaliar as evidências científicas disponíveis sobre essa relação.
Os resultados obtidos revelaram uma associação significativa entre a sensibilidade ao glúten e a ocorrência de tireoidite de Hashimoto. Diversos estudos apontam para a presença de autoanticorpos específicos do glúten em pacientes com tireoidite de Hashimoto, o que sugere um papel importante da sensibilidade ao glúten no desenvolvimento dessa condição. Além disso, algumas pesquisas também demonstraram uma melhora dos sintomas e da função tireoidiana em pacientes submetidos a uma dieta isenta de glúten.

No entanto, alguns estudos apresentaram resultados contraditórios, havendo uma controvérsia em relação à associatividade direta entre a sensibilidade ao glúten e a tireoidite de Hashimoto. Essas divergências podem ser atribuídas a diferenças nos métodos utilizados, tamanho da amostra e características dos pacientes estudados. Portanto, são necessários mais estudos rigorosos e bem controlados para confirmar e elucidar a possível relação entre essas duas condições.
Apesar das controvérsias, acredita-se que a sensibilidade ao glúten possa desempenhar um papel relevante na patogênese da tireoidite de Hashimoto, principalmente em indivíduos geneticamente predispostos. O glúten, uma proteína encontrada no trigo, cevada e centeio, pode levar à ativação do sistema imunológico, desencadeando uma resposta inflamatória que, ao longo do tempo, pode resultar em danos à glândula tireoide.

A partir dessas evidências científicas, é importante considerar a necessidade de uma abordagem individualizada no tratamento de pacientes com tireoidite de Hashimoto, levando em conta a possível sensibilidade ao glúten. Uma dieta isenta de glúten pode ser benéfica para alguns pacientes, especialmente aqueles com sinais e sintomas associados à sensibilidade ao glúten. No entanto, mais pesquisas são necessárias para identificar quais pacientes se beneficiariam dessa intervenção dietética e como implementá-la de forma eficaz.

Em conclusão, esta revisão sistemática da literatura trouxe importantes informações sobre a associação entre a sensibilidade ao glúten e a tireoidite de Hashimoto. Embora os resultados ainda sejam controversos, as evidências científicas mostram uma possível relação entre essas duas condições. Mais estudos são necessários para confirmar e melhor compreender essa associação, bem como para investigar os mecanismos subjacentes. A partir desses resultados, é fundamental que profissionais de saúde considerem a sensibilidade ao glúten ao elaborar estratégias de tratamento para pacientes com tireoidite de Hashimoto, com objetivo de melhorar sua qualidade de vida e bem-estar geral.

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1Centro Universitário Unieuro

2UFRJ/RJ, doutorado em Ciências Biológicas – UFRJ/RJ

3Universidade da Grande Dourados

4Fiocruz, Mestre em Saúde Pública- Ensp / Fiocruz