SELETIVIDADE ALIMENTAR EM CRIANÇAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA): UMA REVISÃO DE LITERATURA

FOOD SELECTIVITY IN CHILDREN WITH AUTISM SPECTRUM DISORDER: AN LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202412121107


Mariana de Sousa Monteiro¹;
Lorena Sousa Soares².


Resumo

Introdução: O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição neuropsiquiátrica que impacta no desenvolvimento da interação social, da comunicação e no comportamento da criança. A recusa a determinados alimentos está relacionada à consistência, cheiro, aparência, temperatura e sabor. Objetivos: Compreender o comportamento alimentar relacionado à seletividade de alimentos em crianças com Transtorno do Espectro Autista através da literatura científica. Metodologia: A  busca de produções científicas foi feita via portal de Periódicos CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), por meio da opção CAfe (Comunidade Acadêmica Federada)   Medical Literature and Retrieval Online (Medline/Pubmed), Scientific Electronic Library Online (Scielo), Lilacs e Scopus (Elsevier). Quatorze artigos foram selecionados após terem sido submetidos a esses critérios de exclusão: textos em idiomas diferentes do português, inglês e espanhol, textos duplicados e  trabalhos com a questão norteadora inadequada. Discussões: A discussão do trabalho foi fundamentada em três categorias: Fatores relacionados as crianças com TEA, Impacto nas relações familiares e Estratégias para lidar com o comportamento alimentar. Foi relatado que  alterações sensoriais foi correlacionado com a ingestão de menos alimentos, especificamente a sensibilidade à textura oral. Pais de crianças com TEA experimentam níveis mais elevados de estresse do que os pais de crianças com desenvolvimento típico, pois o horário das refeições, muitas vezes, ocorre choro, arremesso de objetos, empurrar a comida e outras manifestações de recusa alimentar. O alimento deve ser trabalhado como mediador de conexões que passam pelo campo sensorial: cheirar, tocar e lamber. Conclusão: É evidente a relação entre alterações sensoriais e a seletividade alimentar, tornando-se indispensável entender o funcionamento dos sistemas sensoriais e sua interferência no processo da alimentação. Torna-se fundamental destacar a necessidade e disponibilidade de serviço especializado atendimentos multidisciplinares que deve ser feita para garantir o diagnóstico precoce, o tratamento e a promoção do desenvolvimento das crianças com TEA.

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista. Seletividade Alimentar. Perfil Nutricional.

ABSTRACT

Introduction: Autism Spectrum Disorder (ASD) is a neuropsychiatric condition that impacts the development of social interaction, communication and child behavior. Refusal of certain foods is related to consistency, smell, appearance, temperature and taste. Objectives: To understand eating behavior related to food selectivity in children with Autism Spectrum Disorder through scientific literature. Methodology: The search for scientific productions was carried out via the CAPES (Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel) Journals portal, through the CAfe (Federated Academic Community) option, Medical Literature and Retrieval Online (Medline/Pubmed), Scientific Electronic Library Online (Scielo), Lilacs and Scopus (Elsevier). Fourteen articles were selected after having been submitted to these exclusion criteria: texts in languages ​​other than Portuguese, English and Spanish, duplicate texts and works with an inadequate guiding question. Discussions: The discussion of the work was based on three categories: Factors related to children with ASD; Impact on family relationships; and Strategies for dealing with eating behavior. It was reported that sensory changes were correlated with the ingestion of less food, specifically sensitivity to oral texture. Parents of children with ASD experience higher levels of stress than parents of children with typical development, since mealtimes often involve crying, throwing objects, pushing food away, and other manifestations of food refusal. Food should be worked on as a mediator of connections that pass through the sensory field: smelling, touching, and licking. Conclusion: The relationship between sensory changes and food selectivity is evident, making it essential to understand the functioning of sensory systems and their interference in the feeding process. It is essential to highlight the need for and availability of specialized services and multidisciplinary care that must be provided to ensure early diagnosis, treatment, and promotion of the development of children with ASD.

Keywords: Autism Spectrum Disorder. Food Selectivity. Nutritional Profile.

1. INTRODUÇÃO

A síndrome do Espectro Autista (TEA), também conhecido como autismo, é definida de acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mentais (DSM-5) como uma condição do neurodesenvolvimento com características no déficit da comunicação, interação social e com padrões repetitivos e restritivos  no comportamento em estágios de  gravidade variável. Tais sintomas podem aparecer nos primeiros anos de vida e a  identificação precoce de sinais de problemas possibilita a implementação imediata de intervenções que são extremamente importantes, uma vez que os resultados positivos em resposta a terapias são significativamente amplificados quando iniciados precocemente. Os primeiros anos de vida são caracterizados pela maior plasticidade das estruturas anatômicas e fisiológicas do cérebro, bem como pelo papel crucial das experiências de vida na formação das conexões neuronais e no desenvolvimento psicossocial (BRASIL,2014).

Uma vez que os sintomas do TEA  são perceptíveis nos primeiros anos de vida, na grande maioria das vezes, são observados a partir de alterações observadas nos marcos do desenvolvimento neuropsicomotor nessa idade, como atraso no desenvolvimento motor, dificuldade na atenção, déficit na fala, entre outros sintomas, tornando-se indispensável a avaliação na consulta pediátrica. Apesar disso, o acesso a intervenção precoce não ocorre de forma igualitária nos grupos socioeconômicos, o TEA evidencia em sexo e raças diferentes, predominando no sexo masculino, que são quatro vezes mais propensos a desenvolver tal transtorno. (SBP, 2019). 

Dentre as inúmeras características desse transtorno, a restrição alimentar também pode está presente, e isso se deve ao fato de que a criança com autismo apresenta dificuldade em experimentar novos alimentos. A não aceitação alimentar está relacionada à consistência, cheiro, aparência, temperatura e sabor, caracterizando a seletividade alimentar, devido, em grande parte, à sensibilidade  sensorial (SBP, 2019). As práticas alimentares são uma maneira essencial de interação com o mundo ao nosso redor. É responsabilidade de todos os membros da família e da rede de apoio aprender a identificar sinais e entender quais fatores podem estar afetando negativamente a alimentação da criança, como é no caso da seletividade alimentar em crianças com TEA (BRASIL,2019).

Outro aspecto que deve ser abordado, é que o Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo (TARE), incluído e caracterizado no DSM-5, revela-se como sendo uma condição de dificuldades alimentares persistentes pela falta de interesse em alimentso ou pela evitação a determinados alimentos devido a percepções sensoriais aversivas, o que diminui a ingestão energética, o que leva a consequências negativas para a saúde como deficiências nutricionais. (DSM-5, 2023). Essa seletividade pode não apenas afetar a qualidade nutricional da dieta, mas também impactar o bem-estar físico e emocional da criança, assim como o relacionamento familiar.

Ressalta-se, ademais, que a hipersensibilidade sensorial é uma característica muito comum em crianças com TEA e, trata-se de uma condição em que apresenta dificuldade em processar estímulos sensoriais como luzes, sons, textura, cheiro e cor. Tais sentidos estão relacionados à seletividade alimentar, tendo repulsa com determinados cheiros, sabores e texturas. A sensibilidade gustativa se deve ao fato de que indivíduos com TEA possuem aumento de receptores gustativos, o que potencializa as características dos alimentos, uma vez que, Além da aversão alimentar, pode ocorrer também rejeição à aparência do prato e os talheres usados e ao ambiente em que são realizadas as refeições (SBP ,2019).

Sob o enfoque das alterações alimentares, destacam-se bastante presentes no cotidiano de crianças com TEA, pois além de ter impactos na vida deste público, afetando as interações sociais, o desenvolvimento e a nutrição, pode acarretar problemas de saúde e deficiências nutricionais. Neste aspecto, podemos inferir que uma alimentação adequada é fundamental para o desenvolvimento emocional, cognitivo e físico de qualquer indivíduo, principalmente  desse público específico. Muitas pessoas, inclusive, pais, educadores e profissionais da saúde, podem não  estar conscientes dos desafios específicos que as crianças e adolescentes com TEA enfrentam em relação à alimentação adequada, tornando-se fundamental promover ações que garantam o conhecimento acerca das necessidades alimentares dessas crianças.

Por ser um tema pouco abordado e possuir  intervenções precárias no âmbito de saúde básica, essas características alimentares são pouco exploradas quando relacionadas com o Transtorno do Espectro Autista, o que nos leva ao desafio de compreender os aspectos nutricionais e a seletividade alimentar desses indivíduos, sendo possível aproximar-se de uma formação, mesmo que empírica, aproximando o que pode  contribuir para formulação de condutas terapêuticas e elaboração de estratégias que melhorem a dificuldades alimentar e que possam auxiliar os profissionais de saúde a intervir diretamente na qualidade de vida desses indivíduos por meio do desenvolvimento de intervenções e ações preventivas de carências nutricionais.

O presente estudo tem como objetivo compreender o comportamento alimentar relacionado à seletividade de alimentos em crianças com Transtorno do Espectro Autista por meio de uma revisão de literatura.

1 METODOLOGIA

Este artigo consiste em uma revisão integrativa da literatura publicada sobre o tema. A  busca de produções científicas ocorreu nos meses de maio a  julho de 2024 e foi feita via portal de Periódicos CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), por meio da opção CAfe (Comunidade Acadêmica Federada)   Medical Literature and Retrieval Online (Medline/Pubmed), Scientific Electronic Library Online (Scielo), Lilacs e Scopus (Elsevier).

Para a busca inicial de artigos para referência foram utilizados os seguintes  descritores nos idiomas português, inglês e espanhol: seletividade alimentar, comportamento alimentar, Transtorno do Espectro Autista, Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo  e percepção e seus correlatos nos idiomas inglês e espanhol. Além disso, foram utilizadas palavras-chave “processamento sensorial”, “Transtorno Alimentar” e “autismo” , de modo a complementar a busca. O cruzamento dos descritores e palavras-chave foram articulados por meio do operador booleano “AND”.

Com relação aos critérios de inclusão para a seleção de artigos foram textos escritos em português, inglês e espanhol, estudos com temática central seletividade alimentar em crianças com TEA, que abrangessem relatos de casos, revisões, metanálises, estudos experimentais e manuais. Além de textos publicados nos últimos 5 anos (2019 a 2024). Já os critérios de exclusão foram textos em idiomas diferentes do português, inglês e espanhol, textos duplicados, teses, resenha de livros, anais de congressos, trabalhos com a questão norteadora inadequada, textos publicados fora do intervalo dos últimos 5 anos. Além de textos indisponíveis na íntegra.

2 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Ao todo foram encontradas 172 publicações, a partir do cruzamento dos descritores e palavras-chave, nas bases Scielo ( n=10 ), Scopus  ( n=20 ),  LILACS (35),  Pubmed ( n= 107). Destes, foram excluídos, 19 publicações  por duplicidade,  59 excluídos por título,55 por não está disponível na íntegra. Com isso,  restaram 39 artigos escolhidos para elegibilidades, no qual 24 artigos foram excluídos por fuga do tema e 1 excluído por idioma espanhol. Desse modo, foram selecionados 14 publicações para a revisão integrativa. Todos os artigos foram importados para uma planilha no word de modo a facilitar a seleção dos estudos para a revisão.

No que diz respeito aos veículos de publicação, dos 14 artigos, 4 foram publicados em jornais acadêmicos, 1 em revistas de sociedades de especialidades médicas ( pediatria )  5 em revistas  sobre cuidados em saúde 1 em revistas sobre enfermagem,  1 em revista sobre nutrição e alimentação e 2 em revistas específicas sobre TEA e neurologia pediátrica. No que concerne aos desenhos de estudo,  5 (35,8 %) pesquisas qualitativas, 3 ( 21,4%) estudos de caso controle, 3 (  21,4%)  revisões sistêmicas, 1(  7,2%)  estudo de caso e 2 (14,2  %) observacional.

Fluxograma ilustrando a seleção das publicações

Fonte: Autor

A partir da leitura de 14 artigos, foi elaborada 3 categorias de análise: Fatores relacionados as crianças com TEA; Dificuldades alimentares em crianças com TEA impactam as relações familiares e Estratégias que afetam positivamente o comportamento alimentar. Essas categorias nortearam as discussões do trabalho.

2.1 Fatores relacionados a seletividade alimentar de crianças com TEA

A partir das evidências no que diz respeito às crianças com TEA, além do transtorno neurológico, elas apresentam diversas peculiaridades com relação ao estado geral de saúde, pois muitas funções vitais são afetadas, como a nutrição. Esta está, intrinsicamente, atrelada ao comportamento alimentar seletivo, que apesar desse problema alimentar está presente em muitas crianças, a situação é mais grave em crianças com TEA. Ao comparar crianças com desenvolvimento típico, crianças com autismo apresentam uma ingestão diária, significamente, menor de frutas e vegetais. Além disso, outros distúrbios  também são mais presentes neste grupo como neofobia alimentar e  hipersensibilidade sensorial, além de dificuldades para mastigar e engolir. (CHUNG et al., 2020).

LEMES et al (2023) descrevem a seletividade alimentar como a capacidade de aceitar pequena variedade de alimentos e rejeitar outros grupos alimentares. Tal desordem é relatado como mais comum em crianças com TEA. A partir da análise de dados da pesquisa de LEMES et al (2023) revelam que as crianças com TEA apresentaram alterações maiores na categoria seletividade alimentar seguida de aspectos comportamentais e motricidade na mastigação de crianças com TEA. Além disso, também foi relatado correlações entre motricidade na mastigação com seletividade alimentar e aspectos comportamentais e sensibilidade sensorial. Isso evidencia que quando uma categoria se altera, a outra também se altera.

PAGE et al (2022) apontam o processamento sensorial correlacionado com as dificuldades alimentares. Tal processamento se refere a capacidade de resposta do sistema nervoso de uma pessoa diante de estímulos sensoriais. Foi relatado que ter sensibilidade prejudicada ao olfato/paladar foi correlacionado com a ingestão de menos alimentos. Especificamente a sensibilidade à textura oral foi significamente correlacionada com a alimentação seletiva. Adicionalmente OLIVEIRA; SOUZA (2022), no relato de caso sobre uma criança de 5 anos, destacam a relação entre perfil sensorial e alimentação. Foi relatado a análise dos fatores sensoriais  que influencia diretamente o comportamento alimentar das crianças com TEA:  o sistema visual, olfativo, gustativo e tátil.

MALHI, P. et al (2021) destaca também o sistema auditivo, já que em seu estudo o barulho durante as refeições, como por exemplo: conversas contínuas e  som da colher contra utensílios, e coisas do tipo podem fazer com que as crianças com TEA hipersensíveis reajam exageradamente, e isso pode refletir em comportamentos disruptivos nas refeições e, consequentemente, rejeição de alimentos nutritivos. Também aborda a disfunção sensorial visual excessivamente sensíveis à apresentação das refeições, pois isso pode estar associado a aversões alimentares, texturas desagradáveis dos alimentos, alimentação exigente e distúrbios comportamentais.

OLIVEIRA; SOUZA (2022) destacam também a hipersensibilidade tátil , devido a criança possuir dificuldades em tocar em diferentes texturas de alimentos. Além disso,  o sistema tátil  apresentou-se alterado, pois houve evitação gustativa e olfativa de alguns sabores e odores. Essas alterações no perfil sensorial foram responsáveis na limitação da alimentação, com diminuição do interesse por alimentos de diferentes texturas, cores e temperatura. Foi abordado também a preferência da temperatura, consistência e textura, a criança apresentou preferência por temperatura ambiente, crocantes. OLIVEIRA ; SOUZA (2022). FARAG, Fatila et. al, (2021) relatam que a alimentação seletiva e sensibilidade sensorial em crianças com TEA predispõem inadequação nutricional. Além disso, em sua pesquisa foi demonstrado a preferência por carboidratos e aversão a frutas, grãos e vegetais em crianças com TEA.

RUTHES (2022), relata que esses distúrbios alimentares levam a um padrão alimentar atípico que prejudica a rotina alimentar na criança com TEA. o que desencadeia a ingestão insuficiente de nutrientes, o que interfere no processo de desenvolvimento, e  consequentemente, evoluir para um estado de desnutrição. Com efeito, para  CHUNG et al.(2020) as crianças com TEA apresentam taxas mais altas de déficits nutricionais, aumentando o risco de desnutrição e resultados adversos à saúde a longo prazo. Isso pode ser percebido através de doenças relacionadas a deficiências nutricionais .

No estudo de MALHI, P. et al (2021) foram avaliados sensibilidades sensoriais, comportamentos durante as refeições e insuficiências nutricionais de crianças com TEA  comparadas com um grupo de crianças com desenvolvimento típico pareadas por idade. Uma proporção significativamente maior de crianças com TEA apresentou resposta atípica em todas as subescalas do perfil sensorial curto em comparação com crianças com desenvolvimento típico. Além disso, as crianças com TEA eram mais propensas a gritar ou chorar na hora das refeições, virar o rosto ou o corpo para longe da comida, fechar a boca com força quando a comida era apresentada  e mostrar comportamento agressivo e comportamento disruptivo do que crianças com desenvolvimento típico. A comparação dos grupos em relação às preferências alimentares revelou que uma proporção significativamente maior de crianças com TEA se recusou a comer frutas comumente consumidas, como maçã  e goiaba; e vegetais batata  e couve-flor. No entanto, crianças com TEA tiveram menor consumo de proteínas , vitamina D  e ácido fólico quando comparadas a crianças com desenvolvimento típico.  Apesar diversidade alimentar limitada, não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos na ingestão média diária de calorias e gorduras.

Além disso, questões relacionadas ao excesso de peso são comumente associadas ao TEA como  destacam AZEVEDO; LOPES (2024),  a seletividade alimentar de crianças com TEA interfere diretamente no estado nutricional, não só em desnutrição, mas  levar ao excesso de peso e obesidade. Ademais, a baixa diversidade alimentar e dietas restritivas podem levar a doenças relacionadas a deficiências nutricionais como destacado  por YULE et al., 2020, em que foram destacada em seus estudo, a enfermidade mais comum relacionada a crianças autistas, em primeiro lugar, o escorbuto, causada pela deficiência em vitamina c, em segundo lugar de casos publicados foram distúrbios oculares devido a deficiência de vitamina A.  Outras deficiências de nutrientes também foram reveladas como deficiência de vitamina B-12 e de tiamina.  Com isso, a atenção nutricional torna-se crucial  para lidar com tal distúrbio e garantir que a criança tenha uma alimentação balanceada e adequada para seu desenvolvimento cognitivo e físico.

Vale destacar  também o transtorno de ingestão alimentar esquiva/restritiva (ARFID), em que é definido como um distúrbio alimentar com persistência na falha de atender as necessidades energéticas adequadas e nutricionais e que deve está associada a pelo menos um dos seguintes critérios: perda de peso significativa ou falha em ganhar peso adequado, deficiência nutricional significativa e dependência de suplementação oral. (FARAG, Fadila et. al,2021). Adicionalmente, a ARFID está intrinsecamente relacionado com outros transtornos do desenvolvimento, principalmente o TEA. Tal distúrbio pode surgir devido a falta de interesse pelos alimentos e hipersensibilidade alimentar. (FARAG, Fadila et. al,2021).

 2.2 Dificuldades alimentares em crianças com TEA impactam as relações familiares

O comportamento alimentar atípico em crianças com TEA tem um impacto substancial não apenas na saúde, mas também no bem estar e dinâmica de crianças e das famílias. Foi relatado que os comportamentos alimentares impactava tanto sua vida diária quanto seu nível de preocupação dos pais. Além disso, foi o comportamento alimentar durante as refeições que elevou o nível mais alto de estresse. Isso impacta diretamente as relações conjugais e familiares a ponto dos momentos das refeições serem de lazer, passam a ser fonte de estresse e preocupação. Também foi relatado refeições extras durante o dia, horários prolongados durante as refeições, recusa de vegetais e frutas e recusa de sentar-se à mesa (GENT, V. et al. , 2024; LEMES et al., 2023).

Adicionalmente MALHI, P. et al (2021), em seu estudo destacaram um número significamente maior de relatos de pais de crianças com TEA de comportamentos problemáticos durante a alimentação, recusa de alimentos, sensibilidades sensoriais mais altas e deficiências nutricionais em comparação aos controles. Além disso, foram relacionados comportamentos alimentares atípicos entre crianças com TEA relacionados ao aumento de labilidade emocional, irritabilidade aumentada, ansiedade e comportamento de oposição

Considerando os hábitos alimentares de crianças e suas famílias, na formação do comportamento alimentar de uma criança com TEA, é necessário atentar para a atenção dos pais à problemática do processo de nutrição e alimentação, pois o padrão alimentar atípico podem levar a situações negativas, no que diz respeito a alimentação,o que, consequentemente, gera um desafio para a organização familiar(STOIEVA, 2023; RUTHES, 2022). Ademais, AZEVEDO; LOPES (2024) aponta que a ausência de diagnóstico precoce dos distúrbios alimentares em crianças com TEA e conduta inadequada podem levar a problemas nutricionais a curto e longo prazo. FARAG, Fatila et. al, (2021) também sugerem que o diagnóstico precoce de dificuldades alimentares no TEA torna-se essencial para diminuir estresse/ ansiedade devido a comportamentos difíceis durante as refeições e  relações tensas entre pais e filhos, bem como minimizar resultados negativos a saúde.

PAGE et al (2022) acrescenta também que os pais de crianças com TEA experimentam níveis mais elevados de estresse do que os pais de crianças com desenvolvimento típico, pois o horário das refeições, muitas vezes, ocorre choro , arremesso de objetos, empurrar a comida e outras manifestações de recusa alimentar. Houve evidências de que são os comportamentos na hora das refeições, e não apenas a ingestão de uma variedade restrita de alimentos, que os pais consideram estressantes.. Ademais, foi relatado  o estresse conjugal, em que é um conceito diferente do estresse parental, pois se permeia  na percepção dos pais sobre como o comportamento do filho na hora das refeições impacta o cônjuge ou o relacionamento com o cônjuge.

2.3 Estratégias que afetam positivamente o comportamento alimentar

Os transtornos alimentares presentes comumente em crianças com TEA requerem de acompanhamento nutricional para tratar e prevenir problemas associados. Com isso, a atenção nutricional torna-se essencial para lidar com as consequências da seletividade alimentar. Sob essa perspectiva AZEVEDO; LOPES (2024) defende a importância de um acompanhamento nutricional direcionado para esse público com abordagem interdisciplinar e personalizada. Atividades alimentares lúdicas com estimulação aos perfis sensoriais, o que permite que as crianças interajam com os alimentos de maneira descontraída e educativa, e consequentemente, atenuar os sintomas de seletividade alimentar.(AZEVEDO; LOPES 2024).

Sobre o mesmo enfoque, OLIVEIRA ; SOUZA (2022) destaca a terapia de integração sensorial  como medida para reduzir a hipersensibilidade frente ao alimento . No estudo de CHUNG, L. M. Y. et al. a exposição sensorial diversos alimentos para elevar o consumo de frutas e vegetais constituiu-se como uma estratégia chave,  no qual teve um aumento da qualidade da alimentação e na redução de comportamentos aberrantes nas refeições. Também foi abordado melhoria do equilíbrio nutricional, aumento da capacidade oral e função motora . Além disso, CHUNG, L. M. Y. et al. demostraram efeito positivo nas intervenções para modificação de problemas alimentares em grupos de crianças com  TEA, em que se destacaram a importância da terapia ocupacional e da formação parental.

Como destacado por OLIVEIRA, B.M.F. DE; FRUTUOSO, M.F.P.(2021), o alimento deve ser trabalhado como um mediador de conexões que passam pelo campo sensorial: cheirar, tocar, lamber. Em seu estudo foram realizadas oficinas culinárias com o objetivo de apresentar o alimento, promover interação e interesse em consumi-lo. Foi possível notar gestos e comportamentos que contrapõem descrições generalistas acerca do transtorno, direcionadas aos comprometimentos e às dificuldades como socialização e comunicação. Além disso, esse estudo reforçam a necessidade de valorizar as diferenças em tempos de homogeneização considerar a subjetividade.

Adicionalmente, ISMAIL, N.A.S et al (2020) trazem três formas diferentes para introduzir novos alimentos, são eles: modelagem alimentar, reforço e informações nutricional. Destaca-se que alimentos novos podem ser introduzidos aos poucos, utilizando o momento de compras em supermercado para educar, e posteriormente preparando as refeições em conjunto. Além disso, a exploração de novos alimentos através de brincadeiras pode ser incorporada no plano de novos alimentos. A exposição repetida também é uma estratégia que permite que a criança tenha uma sensação de controle.

3 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por mais que a seletividade alimentar em crianças com TEA seja bastante vivenciada pelas famílias, a presença de trabalhos científicos sobre os temas pertinentes ao assunto ainda é muito discreta. Entretanto, no que diz respeito a essa escassez, foi possível realizar uma razoável confrontação de achados e estabelecer convergências, mas também divergências entre os estudos.

Todos os resultados foram unânimes em relação ao comportamento alimentar, em que há uma tendência a seletividade alimentar e está mais presente em crianças com TEA , quando comparadas a crianças com desenvolvimento típico. Também foi destacado a evidente relação entre alterações sensoriais e a seletividade alimentar,  tornando-se indispensável compreender o funcionamento dos sistemas sensoriais e sua interferência no processo da alimentação. Foram salientados outros distúrbios que podem está por trás da seletividade como a neofobia alimentar e distúrbios motores, no que se refere à mastigação. Porém, esses temas não foram discutidos de forma detalhadas.

Em relação ao impacto nas famílias de crianças com dificuldades alimentares, foi visto que afeta drasticamente as relações, porém os trabalhos científicos não abordaram como os pais e cuidadores se sentem diante disso. Salienta-se, portanto, como sugestão para estudos futuros, a necessidade de compreender as principais angústias e dúvidas de pais e cuidadores diante dos distúrbios alimentares de crianças com TEA.

Além disso, várias estratégias para intervir na hipersensibilidade sensorial de crianças autistas foram destacados nos estudos, no qual foi possível avaliar a evolução sensório-motora da criança e como produziu efeitos importantes no processo de alimentação. Dessa forma, o acompanhamento nutricional, torna-se indispensável para identificar alterações do consumo e comportamento alimentar das crianças com TEA, na qual pode ser uma ferramenta para auxiliar na conduta nutricional e orientação de pais e cuidadores, possibilitando qualidade de vida e saúde para esse grupo específico.

Desse modo, é fundamental destacar a necessidade e disponibilidade de serviço especializado atendimentos multidisciplinares que deve ser feita para garantir o diagnóstico precoce, o tratamento adequado e a promoção do desenvolvimento das crianças com TEA. Sendo indispensável também, ajudar e orientar os pais, cuidadores e educadores na implementação de abordagem para alcançar estilo de vida saudável.

REFERÊNCIA

 ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2023.

AZEVEDO, E. A. DE; LOPES, A. F. Demandas de cuidado nutricional de crianças com      Transtorno do Espectro Autista em uma região de acesso remoto. Revista Ciência Plural, v. 10, n. 1, p. 1–12, 2024.

BRASIL. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

BRASIL. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília: Ministério da Saúde, 2019.

CHUNG, L. M. Y. et al. “Still work?” Design and effect of interventions used to modify feeding problems in children with autism: A systematic review of studies employing group designs. Child: care, health and development, v. 50, n. 4, 2024.

CHUNG, L. M. Y.; LAW, Q. P. S.; FONG, S. S. M. Using physical food transformation to enhance the sensory approval of children with autism spectrum disorders for consuming fruits and vegetables. Journal of Alternative and Complementary Medicine (New York, N.Y.), v. 26, n. 11, p. 1074–1079, 2020.

FARAG, F. et al. Avoidant/restrictive food intake disorder and autism spectrum disorder: clinical implications for assessment and management. Developmental Medicine and Child Neurology, v. 64, n. 2, p. 176–182, 2022.

GENT, V. et al. Investigating the impact of autistic children’s feeding difficulties on caregivers. Child: care, health and development, v. 50, n. 1, p. e13218, 2024.

ISMAIL, N. A. S. et al. Exploring eating and nutritional challenges for children with autism spectrum disorder: Parents’ and special educators’ perceptions. Nutrients, v. 12, n. 9, p. 2530, 2020.

LEMES, M. A. et al. Comportamento alimentar de crianças com Transtorno do Espectro Autista. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v. 72, n. 3, p. 136–142, 2023.

MALHI, P. et al. Sensory processing dysfunction and mealtime behavior problems in children with autism. Indian Pediatrics, v. 58, n. 9, p. 842–845, 2021.

OLIVEIRA, B. M. F. DE; FRUTUOSO, M. F. P. Muito além dos nutrientes: experiências e conexões com crianças autistas a partir do cozinhar e comer juntos. Cadernos de Saúde Pública, v. 4, 2021.

OLIVEIRA, P. L. DE; SOUZA, A. P. R. DE. Terapia com base em integração sensorial em um caso de Transtorno do Espectro Autista com seletividade alimentar. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, v. 30, 2022.

PAGE, S. D. et al. Correlates of feeding difficulties among children with autism spectrum disorder: A systematic review. Journal of Autism and Developmental Disorders, v. 52, n. 1, p. 255–274, 2022.

RUTHES, V. et al. Práticas e comportamentos alimentares de famílias de crianças com perturbação do espectro autista. Revista de Enfermagem Referência, v. VI Série, n. Suplemento ao n. 1, 2022.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Departamento Científico de Desenvolvimento e Comportamento. Transtorno do Espectro do Autismo. 2019. Disponível em: https://www.sbp.com.br/departamentos/pediatria-do-desenvolvimento-e-comportamento/. Acesso em: 29 mai. 2024.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Departamento Científico de Desenvolvimento e Comportamento. Triagem precoce para Autismo/Transtorno do Espectro Autista. 2017. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2017/04/19464b-DocCient-Autismo.pdf. Acesso em: 29 mai. 2024.

SOUZA, Marcela Tavares de; SILVA, Michelly Dias da; CARVALHO, Rachel de. Integrative review: what is it? How to do it? Einstein (São Paulo), v. 8, p. 102–106, 2010.

STOIEVA, T. V. et al. Peculiarities of eating behavior in children with autistic spectrum disorders. Wiadomosci Lekarskie (Warsaw, Poland: 1960), v. 76, n. 3, p. 508–514, 2023.

YULE, S. et al. Nutritional deficiency disease secondary to ARFID symptoms associated with autism and the broad autism phenotype: A qualitative systematic review of case reports and case series. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, v. 121, n. 3, p. 467–492, 2021.


¹Discente do Curso Superior de Medicina da Instituição UFDpar Campus Parnaíba, Piauí e-mail: marisousa@ufdpar.edu.br
²Docente do Curso Superior de Medicina da Instituição UFDpar Campus Parnaíba, PiauÍ. E-mail: nome@provedor.com.br