SEGURANÇA PÚBLICA E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS POR MEIO DA ATUAÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102412311405


Aline Batista Rodrigues Fernandes


Dedico este trabalho ao meu filho, Paulo Cezar, pequeno e de tenra idade, mas já comprometido em proteger os direitos do próximo. Dedico ao meu esposo, quem com paciência e carinho motiva-me a continuar buscando o conhecimento. Por fim, dedico a todos os meus professores que contribuíram para o meu crescimento enquanto pessoa humana. Sob a benção de Deus, prometo não os decepcionar.

O presente trabalho volta-se à temática de Direitos Humanos em sua intrínseca relação com a Segurança Pública, com foco na instituição de um Estado Democrático de Direito. São apresentados os conceitos e características dos direitos humanos, explorados os sistemas de proteção Global e Regionais, bem como a incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos ao direito brasileiro, com destaque para a Emenda Constitucional n. 45/2004. Num segundo momento, examinamos os principais documentos internacionais de proteção aos Direitos Humanos voltados à Segurança Pública e à Atuação Policial, incluindo as Regras de Mandela, e o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela aplicação da Lei, entre outros, e instrumentos normativos nacionais, tanto em âmbito federal quanto estadual, como o Programa Nacional de Direitos Humanos e o Programa Estadual de Direitos Humanos do Estado de São Paulo. Por fim, discute-se o garantismo penal e os limites da atuação policial, destacando a dignidade da pessoa humana como valor supremo e os direitos humanos das minorias e dos grupos vulneráveis, com apontamentos sobre Portaria DGP nº 26, de 30 de outubro de 2023, que institui a Consolidação das Normas de Serviço da Polícia Judiciária e a importância do cuidado com os policiais civis enquanto titulares de direitos humanos.

Palavras-chave: Direitos Humanos e Segurança Pública. Atuação Policial e o Estado Democrático de Direito.

INTRODUÇÃO

A intersecção entre Direitos Humanos, Segurança Pública e a Atuação Policial é um tema de extrema relevância na contemporaneidade, demandando uma análise aprofundada dos princípios, normas e práticas que regem esses campos.

Este trabalho tem como objetivo explorar essa relação complexa e multifacetada, abordando desde os fundamentos teóricos dos Direitos Humanos até a aplicação prática desses princípios no contexto da Segurança Pública e na atuação policial. Ao fazê-lo, busca por meio observação, indução e dedução, conceituar direitos humanos e fundamentais, discutir a arquitetura dos direitos humanos e os sistemas de proteção.

Ao explorarmos a importância da instituição de um Estado Democrático de Direito, analisamos os principais documentos internacionais de proteção aos Direitos Humanos voltados à Segurança Pública e à Atuação Policial.

Por fim, o presente trabalho traz à tona a discussão sobre os limites da atuação policial sob a perspectiva dos Direitos Humanos, especialmente no que diz respeito à dignidade da pessoa humana e aos direitos das minorias e grupos vulneráveis. Para tanto, analisaremos o papel das Delegacias de Defesa da Mulher do Estado de São Paulo e a Consolidação das Normas de Serviço da Polícia Judiciária (Portaria DGP nº 26, de 30 de outubro de 2023) na promoção aos Direitos Humanos.

CAPÍTULO I – TEORIA GERAL DOS DIREITOS HUMANOS
1.  Introdução aos direitos humanos:

Os direitos humanos têm como pilar aquilo que se denominou por Dignidade da Pessoa Humana. Sob um contexto histórico, é inegável a expansão dos direitos humanos após a Segunda Guerra Mundial. A defesa do conteúdo das normas em detrimento da forma, conforme explanou Carl Schmitt, e a afirmação de que leis não precisavam ser escritas, sendo a Constituição uma “decisão política fundamental”, tornaram-se plano de fundo ao Estado Nazista e ao Holocausto. Naquele episódio, judeus eram apenas “raças”, vistos [e combatidos] como “inimigos”, desprovidos de qualquer dignidade. Campos de concentração, genocídio, mortes, destruição e uma afirmação: o direito pertence à “raça pura”, a “ariana”.

Conforme afirma Von Ihering (2009, p. 47) “quando o arbítrio e a ilegalidade se aventuram audaciosamente a levantar a cabeça, é sempre um sinal certo de que aqueles tinham por missão defender a lei não cumpriram o seu dever”.

Parecia o fim da história, mas outras páginas ainda seriam escritas e reveladas aos seres humanos. As diferenças deram lugar à igualdade e ao reconhecimento universal dos direitos humanos. E nos perguntamos: quando surgiram os tais direitos humanos?

Segundo o Professor Fábio Konder Comparato, a resposta está no próprio homem, sua existência e afirmação histórico evolutiva, passando pelos fundamentos religiosos, filosóficos e científicos.

Ao pensarmos em direitos humanos enquanto direitos naturais, observamos que, de fato, existem desde sempre e são inerentes ao homem. Valores como justiça, igualdade e liberdade, estão presentes em diversas culturas, desde os tempos mais remotos da civilização. Entretanto, como bem observa André de Carvalho Ramos: “não se pode medir épocas distantes da história da humanidade com a régua do presente”.

O amadurecimento dos direitos humanos confunde-se com a própria existência humana, cercada de lutas, conflitos e histórias. A internacionalização dos direitos humanos e a ordem contemporânea foram construídas em respostas às atrocidades num passado recente.

Na antiguidade Oriental, entre os séculos VIII a II a.C., demos início ao processo de afirmação dos direitos humanos em códigos de comportamentos baseados no amor e no respeito ao próximo. Diversos filósofos são citados: Zaratustra (Pérsia), Buda (Índia), Confúcio (China) e Dêutero-Isaías (Israel). No Antigo Egito, direitos individuais são reconhecidos na Codificação de Menes (3100- 2850 a.C.). Na Suméria antiga, o Código de Hammurabi (1792 – 1750 a.C.) estabelecia punições para determinadas condutas dos cidadãos mesopotâmicos, baseado na Lei de Talião, que pregava reciprocidade às ofensas (“olho por olho, dente por dente”).

Na antiguidade Clássica, Grécia e Roma se destacam. A democracia ateniense faz fundar a consolidação dos direitos políticos e a participação dos cidadãos (ainda que muitos não o fossem assim considerados). Na obra “A República” (400 a.C.), Plantão defende a igualdade e o bem comum, Aristóteles, por sua vez, primou pelo agir com justiça em prol do bem de todos em “Ética a Nicômaco”. A famosa peça de Sófocles – Antígona – evidencia uma personagem que luta contra a ordem do tirano Creonte, refletindo que não se pode cumprir leis humanas que se chocam às leis divinas.

A religião e o Cristianismo acrescenta uma visão de justiça, solidariedade e bem-estar de todos. No antigo testamento temos um escopo daquilo que tempos depois convencionou chamar de grupos vulneráveis e minorias:

O estrangeiro não afligirás, nem o oprimirás; pois estrangeiros fostes na terra do Egito. A nenhuma viúva nem órfão afligireis. Se de algum modo os afligires, e eles clamarem a mim, eu certamente ouvirei o seu clamor. E a minha ira se acenderá, e vos matarei à espada; e vossas mulheres ficarão viúvas, e vossos filhos órfãos. (BÍBLIA, Êxodo 22:21-24)

O Direito Natural (defendido pelos pensadores cristãos São Tomás de Aquino e Santo Agostinho) versus o Direito Positivo (normas impostas pelo Estado em uma sociedade, com poder e força coercitiva), apesar de antagônicos, complementam-se e tornam-se imprescindíveis para a efetivação da justiça na sociedade.

Caminhando pela Idade Média, deparamo-nos com o grande marco do constitucionalismo medieval: a Magna Carta de 1215. Imposta ao Rei João-Sem- Terra, pelos barões ingleses, outorgou liberdades à igreja e importantes direitos individuais. Apesar de não ser um documento universal (era voltado à proteção da nobreza inglesa), consubstanciava a ideia de um governo representativo, desenhava o escopo do devido processo legal, da limitação do poder de tributar, do tribunal do júri, da legalidade, do acesso à justiça e da proporcionalidade entre o delito e a pena. O soberano também foi limitado e seu poder vinculava-se às próprias leis editadas.

A Idade Moderna se aproxima, chegamos ao berço do Renascimento e da Reforma Protestante. Surgem os Estados Nacionais absolutivas e a centralização do poder na figura do rei. A busca pela limitação do poder é consagrada na Petition of Rights, de 1628 – o Rei tem o dever de não cobrar impostos sem a autorização do Parlamento. Outros documentos importantes surgem, como o Habeas Corpus ACT de 1679 e a Bill of Rights de 1689.

Hugo Grócio, um dos pais do Direito Internacional, na sua obra “Da Guerra e da Paz”, de 1625, defende a existência do direito natural de cunho racionalista. John Lock, por sua vez, defende o direito dos indivíduos contra o Estado (Tratado sobre o Governo Civil, de 1689). Jean-Jacques Rousseau defende um pacto entre os homens pelo bem-estar da maioria (Do Contrato Social, 1762). No Direito Penal, Cesare Beccaria, em sua obra Dos Delitos e das Penas, em 1766, defendeu os limites ao “jus puniendi” estatal e a proporcionalidade das penas:

“A pena de morte, pois, não se apoia em nenhum direito. É guerra que se declara a um cidadão pelo país, que considera necessária ou útil a eliminação desse cidadão. Se eu provar, contudo, que a pena de morte nada tem de útil ou de necessário, ganharei a causa da humanidade.”(Becaria, 1971, p. 45)

Immanuel Kant, com a obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes, de 1785, traz a dignidade como valor intrínseco a todo ser racional, sendo o homem “um fim em si mesmo”. A luta pela independência também reflete nas Américas, quando, em 1776, proclama-se a Declaração do Bom Povo da Virgínia, sob a afirmação de que “todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes”.

Chegamos à Democracia Moderna. A limitação de poderes e o respeito aos direitos humanos parecia em ascensão. A Declaração de Independência dos EUA, em 1776, primeiro documento a afirmar os princípios democráticos na história política moderna, legitimou a soberania popular. Reconheceram-se direitos inalienáveis de todos os homens, tais como a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Uma igualdade formal contrapondo-se à economia capitalista dos Estados Unidos da América.

Na Europa, em 1789, ocorre a Revolução Francesa – o grande marco na proteção dos direitos humanos. A busca por uma renovação completa, não apenas de um regime político, mas de toda estrutura social, pregava o fim das desigualdades entre indivíduos e grupos sociais. Em 1789, sob o lema da liberdade, igualdade e fraternidade, surge a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, o que seria o alicerce universal para a Declaração dos Direitos Humanos, em 1948.

Ecoam as Constituições e a fundamentação dos direitos humanos: a Constituição Francesa de 1791 consagrou a perda dos direitos absolutos do monarca francês e instituiu a primeira noção de controle judicial da constitucionalidade.

Os conflitos se intensificam, a guerra passa a ser vista como meio antijurídico de solução de conflitos, inaugura-se, assim, o direito humanitário internacional por meio da Convenção de Genebra de 1864, com a proteção à população civil atingida por conflitos bélicos. Em seguida, o utilitarismo, o socialismo e o constitucionalismo social, ao passo que bate à porta a Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918).

Os direitos sociais são incorporados às Constituições, sendo pioneiras a Constituição do México (1917), a Constituição de Weimer (1919) e a Constituição Brasileira (1934).

Finda-se a guerra, cria-se a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, por meio do Tratado de Versalhes, voltado à melhoria das condições dos trabalhadores. Tantos outros acontecimentos ecoam: escravatura, abolição do trabalho forçado; novos conflitos; nova guerra; holocausto:

[…] a crença na paz perpétua atinge o apogeu da sua florescência, até que o primeiro tiro de canhão faça desvanecer o belo sonho e que no lugar de uma raça que gozou a paz, sem cuidados venha colocar-se uma outra que deva merecê-la primeiro pelos rudes e penosos trabalhos da guerra. A paz sem luta, o gozo sem trabalho, nunca existiram senão no paraíso terrestre; a história só os conhece como o resultado de incessantes, de laboriosos esforços”. (Von Ihering, 2009, p. 3)

Após inúmeras perdas, enfim alcançamos a fase da Internacionalização dos Direitos Humanos, pós-Segunda Guerra Mundial, com a elaboração da Carta de São Francisco, em 1945, tratado que cria a Organização das Nações Unidas (ONU). Já em 1948, a ONU proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento que, junto aos Pactos Internacionais de 1966, simbolizam o processo de internacionalização dos direitos humanos em âmbito global.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) – também conhecida como Declaração de Paris – foi promulgada pela Resolução 217-A da Assembleia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948, com aprovação de quarenta e oito Estados e oito abstenções. Seu texto reforça o princípio da indivisibilidade dos direitos humanos a unir, num só documento, direitos civis e políticos (artigos 1º ao 21º) e os direitos sociais, econômicos e culturais (artigos 22 ao 27). Fundamentada na dignidade humana, não prevê sanções ou restrições aos direitos, apenas os declara.

As constituições criadas após este período, buscam fortalecer o Estado Democrático de Direito, unindo os ideais liberais e sociais. Nesse enfoque, a Constituição Federal de 1988 estabelece a construção do Estado Democrático de

Direito, tornando fundamentais os individuais e coletivos, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça.

Os direitos à vida e à segurança exigem não apenas a abstenção do Estado, mas também a implementação de políticas de segurança pública. As responsabilidades do Estado, conforme o direito internacional dos direitos humanos, devem ser avaliadas com diligência e proporcionalidade:

A segurança pública é corolário do direito à vida. É a tutela prestada pelo Estado em favor da vida digna, livre do medo, livre dos atos de barbárie que revoltam a consciência da humanidade. O Estatuto do Desarmamento é o diploma legislativo que consubstancia os valores constitucionais concernentes à proteção da vida humana (CF, art. 5º, caput) e à promoção da segurança pública. (ADI 6.680 MC, rel. min. Rosa Weber, j. 3-7-2023, P, DJE de 5-9-2023.)

A criação de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, conforme expresso na Constituição Federal, requer uma ruptura com a prática de dominação e desrespeito à dignidade humana, sobretudo, objetiva a promoção do bem de todos, sem discriminação de origem, raça, sexo, cor, idade ou outra forma.

1.1        Conceitos    e    características:    Direitos    Humanos    x Direitos Fundamentais

O conceito de Direitos Humanos diverge no campo doutrinária. Não há uma única distinção, mas apresentamos aquela que pode ser mais aceita. Tecnicamente, a expressão diretos humanos significa que existem direitos protegidos por normas internacionais (declarações ou tratados celebrados entre Estados) com o objetivo específico de proteger os direitos das pessoas sob sua jurisdição (ou seja, que estejam no território de determinado Estado).

Conforme André de Carvalho Ramos (2014, p.13):

Os direitos humanos consistem em um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. Os direitos humanos são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna. Não há um rol predeterminado desse conjunto mínimo de direitos essenciais a uma vida digna. As necessidades humanas variam e, de acordo com o contexto histórico de uma época, novas demandas sociais são traduzidas juridicamente e inseridas na lista dos direitos humanos.

Para Valerio de Oliveira Mazzuoler (2021, p.13) Os direitos humanos são aqueles protegidos pelo direito internacional, especialmente por meio de acordos multilaterais, globais ou regionais, para prevenir violações e abusos que um Estado possa cometer contra as pessoas sob sua jurisdição.

Os direitos humanos surgem quando necessário e viável como demandas morais. Norberto Bobbio destaca que esses direitos não surgem todos ao mesmo tempo nem de uma vez por todas. Para Hannah Arendt, os direitos humanos não são inerentes, mas são criados e constantemente reconstruídos pela humanidade. Eles representam um conjunto de valores construídos a partir de um espaço simbólico de luta e atividade social.

As terminologias e os conceitos adotados descrevem direitos e períodos, numa mudança contínua. O uso do termo “direito natural” sugere que esses direitos são inerentes à natureza humana, mas essa concepção foi superada ao reconhecer a historicidade de cada um desses direitos, que são verdadeiramente conquistados. A expressão “direitos do homem” reflete a origem jusnaturalista, assim como também carrega uma conotação sexista que pode negligenciar os direitos das mulheres. Não obstante, vê-se limitante a nomenclatura “direitos individuais”, isso pois, abrange apenas os direitos da primeira geração, como o direito à vida, à igualdade, à liberdade e à propriedade, excluindo os demais direitos, tais como os sociais e coletivos. Assim, com as expressões mais utilizadas: “direitos humanos” e “direitos fundamentais”: os direitos humanos são prestações conferidas aos seres

hunos previstos em tratados e convenções internacionais. Ou seja, os direitos humanos se encontram consagrados na órbita internacional. Já os direitos fundamentais representam os direitos humanos positivados na ordem interna de cada país. Ou seja, os direitos fundamentais são espécies de direitos humanos (Baronovsky, 2022, p.31).

Em geral, aponta a doutrina que os “direitos humanos”, são os direitos estabelecidos pelo Direito Internacional em tratados e outras normas internacionais, e “direitos fundamentais”, aqueles reconhecidos e positivados pelo Direito Constitucional de um país específico. No entanto, alguns questionam o uso da expressão “direitos humanos” como redundante, já que todos os direitos são inerentes à humanidade, essa expressão enfatiza a importância desses direitos para uma vida digna e destaca que são direitos de todos, sem distinção. Assim, ao chamá-los de “direitos humanos”, reconhece-se que são atribuídos a todos os indivíduos, independentemente de qualquer outra consideração.

Os direitos fundamentais são elementos essenciais a um Estado Democrático de Direito, a interseção que evidencia a concretização do princípio democrático, desempenhando um papel crucial na promoção da democracia. Eles recebem uma proteção especial nos sistemas jurídicos dos Estados devido à sua importância. O que os torna fundamentais são suas características essenciais, que são tanto formais quanto materiais.

Nesse sentido, questionamo-nos se há diferença em amplitude entre os direitos humanos e os direitos fundamentais? Se a resposta basear-se por critérios territoriais, sim, podemos dizer que os direitos humanos são mais amplos que os direitos fundamentais, já que, podem ser reivindicados por qualquer pessoa em qualquer condição, desde que esteja no território de um país que reconheça normais internacionais de proteção. Noutro giro, os direitos fundamentais são restritos ao país onde estão previstos.

As principais características dos direitos humanos vieram à tona com a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, foram reafirmadas na I Conferência Mundial de Direitos Humanos, em Teerã, em 1968, e consolidadas na II Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993.

Alicerce moral e legal que protege a dignidade, liberdade e igualdade de todos os seres humanos, independentemente de sua origem, raça, sexo, religião, opinião política ou status social, os direitos humanos são universais, ou seja, aplicam-se a todas as pessoas em todos os lugares, sem exceção; inalienáveis, o que significa que não podem ser retirados, negados, não possuem preço nem valor econômico. São também indivisíveis e interdependentes, o que quer dizer que cada direito está ligado aos outros e todos são igualmente importantes para garantir uma vida plena e digna.

Os direitos humanos são garantidos por meio de leis nacionais e internacionais, como tratados de direitos humanos, constituições e legislações específicas. As organizações de direitos humanos desempenham um papel fundamental na promoção e proteção desses direitos, monitorando sua implementação, denunciando violações e defendendo os direitos das pessoas em situações de vulnerabilidade.

Valerio de Oliveira Mazzuoler cita as seguintes características: a) Historicidade, b) Universalidade, c) Essencialidade, d) Irrenunciabilidade, e) Inalienabilidade, f) Inexauribilidade, g) Imprescritibilidade, e a h) Vedação do retrocesso. Resumindo-as enquanto “características contemporâneas” dos direitos humanos a i) Indivisibilidade, a II) Interdependência, e a III) Inter-relacionariedade.

Para André de Carvalho Ramos, o estudo das características dos direitos humanos é de suma importância, primeiro que permite a compreensão da proteção atual destes direitos, em seguida por permitir ao operador do direito utilizá-las (características) numa filtragem “pro persona”, tendo como epicentro axiológico, a dignidade humana.

Não é possível que nenhum ser humano renuncie a sua própria dignidade e ao seu direito. Limitações temporárias, de forma controlada e parcial, em situações específicas, são aceitas, assim como um lutador que consente (na prática do esporte) ofensas à sua integridade física, ou um participante de reality televisivo que permite interferências em sua privacidade. Lado outro, não sera admitido violações ou convalidações que ofendam à dignidade da pessoa humana.1

A respeito, citamos o famoso caso do Arremesso de Anão (lancer de nain). A prática ocorria numa casa noturna, na periferia de Paris. O ato foi proibido pela Prefeitura local, com base no respeito à ordem pública. Ocorre que, o próprio anão se insurgiu contra a decisão, alegou que tinha consentido com a prática e usava equipamentos de segurança, fundamentando suas alegações no direito de trabalhar. Ainda assim, o Conselho de Estado Francês manteve a proibição,

E diante da colisão entre direitos fundamentais, o que deve prevalecer? A teoria (ou princípio) “limite dos limites” assevera que apesar de essenciais e superioridade normativa, os direitos não são absolutos. É importante considerarmos que, num Estado Democrático de Direito, as limitações só poderão ocorrer por previsão legal e sua interpretação requer argumentação jurídico racional, transparente e convincente, de modo a evitar arbítrios, interferências e um “paternismo estatal” exacerbado.

Nesse sentido, cresce a discussão jurisprudencial (nacional e internacional) sobre a temática da proporcionalidade e a limitação dos direitos humanos. No direito interno, evidencia-se a atuação das cortes, sobretudo, a do Supremo Tribunal Federal:

Os postulados da igualdade e da dignidade pessoal constituem limitações externas à liberdade de expressão, que não pode ser exercida com o propósito de veicular práticas criminosas tendentes a fomentar e a estimular situações de intolerância e expressões de ódio público por motivo de crença religiosa ou de convicção política ou filosófica.2

Os direitos humanos são fundamentos para a construção de sociedades justas, igualitárias e democráticas, onde cada indivíduo possa viver com dignidade e liberdade. São uma expressão do valor intrínseco de cada ser humano e devem ser respeitados, protegidos e promovidos por todos. Suas características sustentam a sua aplicação e existência, numa constante e progressiva evolução. Por didática, Karel Vasak, jurista de origem tcheca, naturalizado francês, em 1979, em uma utilizando-se de precedente da Corte Europeia de Direitos Humanos sobre o tratamento degradante, reafirmando que há limites à autonomia da vontade decorrentes da própria ideia de dignidade humana. Inconformado com a decisão, o senhor Manuel Wackenhim denunciou a França perante ao Comitê dos Direitos Humanos, órgão de monitoramento do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, alegando violação aos seus direitos à liberdade, à vida privada e ao trabalho. Em resposta, o Comitê decidiu por arquivar o caso, entendendo que o “arremesso de anão” violava a dignidade humana.


Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF). Liberdade de expressão / Supremo Tribunal Federal. – Brasília : STF, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, 2023. Disponível em:                     <https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoPublicacaoTematica/anexo/ LiberdadeExpressao.pdf> p. 194.

conferência proferida no Instituto de Direitos Humanos de Estrasburgo (França), comparou as “gerações de direitos” à bandeira francesa (e ao lema da revolução). O azul seria a liberdade, o branco a igualdade, e o vermelho, a fraternidade (ou solidariedade). Ao aprofundarem nos estudos, alguns doutrinadores passaram a afastar o termo “geração”, substituindo-o por dimensão, vez que, o primeiro traria a falsa ideia de superação ou defasagem, o que, segundo as características dos direitos humanos, não prospera.

A primeira geração (ou dimensão) traria os direitos de liberdade, direitos individuais, civis e políticos, cujo marco foram as revoluções liberais do século XVII na Europa e Estados Unidos, formalizando o Estado Liberal (ou Estado de Direito).

A segunda geração (ou dimensão) diz respeito aos direitos de igualdade, direitos sociais, econômicos e culturais, exigindo do Estado um papel ativo, para além de mero fiscal da lei. Deixamos de lado o Estado Liberal e exigimos um Estado Social, fruto das lutas sociais na Europa e Américas, cujos marcos são a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimer de 1919, além do Tratado de Versalhes, de 1919, que criou a Organização Internacional do Trabalho (OIT). No Brasil, a Constituição de 1934 é o grande marco da proteção destes direitos sociais, tratando como fundamentais o direito à saúde, educação, trabalho, cultura, lazer, segurança etc.

Por seguinte, a terceira geração (ou dimensão) apresenta os direitos de fraternidade, ou solidariedade, de titularidade coletiva, também chamados de direitos difusos e coletivos, de toda a humanidade. Típicos do pós-Segunda Guerra Mundial, agora se instituí o Estado Democrático de Direito.

A evolução contínua da humanidade requer adaptação constante às mudanças históricas. Uma verdadeira independência inclui não apenas progresso econômico, trabalho digno e fortalecimento das instituições, mas também inclusão social, valorização da ciência, educação e cultura. A arte desempenha um papel crucial, sendo uma fonte de luz, paixão, emoção, beleza e, acima de tudo, liberdade.

O Estado Democrático de Direito é a base da República, um ponto de partida para uma jornada contínua de aprimoramento. A democracia, em constante evolução, enfrenta desafios diários e exige um diálogo constante, tolerância e compreensão  das  diferenças.  Tanto  as  maiorias  quanto  as  minorias  são

protagonistas importantes do processo decisório, coexistindo sob a égide dos mecanismos constitucionais que promovem debates amplos e buscam consensos. Todos os cidadãos têm direitos essenciais que devem ser respeitados e protegidos, sem exceção.

2.  Arquitetura dos direitos e os sistemas de proteção

Na estrutura normativa internacional dos direitos humanos (ou arquitetura) encontramos dois grandes sistemas de proteção: o sistema global (também denominado universal ou onusiano) e os sistemas regionais (europeu, americano e africano).

Não há uma hierarquia entre os sistemas, o objetivo comum é agregar e proteger, prevalecendo, segundo o princípio “pro persona”, a norma mais favorável ao ser humano. A coexistência permite ampliar, fortalecer e proteger os direitos humanos, seja no direito internacional ou no interno, os instrumentos se interagem em benefício dos indivíduos, de acordo com cada caso e sua especificidade.

A “livre escolha” permite que a vítima escolha em qual sistema internacional demandará o Estado pela violação sofrida, contudo, pelo princípio da subsidiariedade e complementariedade, os Estados só poderão ser responsabilizados internacionalmente após acionados no plano interno, sob o esgotamento dos recursos nacionais. A cooperação e o diálogo devem estar presentes nas relações entre os Estados e os Órgãos internacionais de proteção, sempre em busca da solução pacífica dos conflitos e a efetivação dos direitos humanos.

2.1  Sistema Global

O sistema global de proteção dos direitos humanos, sob a égide da ONU, abarca tanto normas de alcance geral quanto de alcance especial. As normas de alcance geral, como os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de aplicação genérica e abstrata, quanto às normas de alcance especial (direcionadas a grupos específicos, como mulheres, refugiados e crianças).

O Direito Internacional dos Direitos Humanos se consolida em meados do século XX, como consequência da Segunda Guerra Mundial. As graves violações de direitos humanos na era “Hitler” impulsionaram um sistema de proteção internacional. Se na Primeira Guerra Mundial buscavam-se territórios, na Segunda o objetivo era subjugar os povos “inferiores”. Nessa perspectiva, tornou-se necessário recuperar e reconstruir o valor da pessoa humana. Hanna Arendt trata como o mais básico dos direitos, o “direito a ter direitos”.

Assim, questões saltam aos indivíduos e a comunidade internacional: como e qual jurisdição aplicar em resposta às atrocidades? Como punir, responsabilizar ou esquecer? Nesse contexto, cria-se o Tribunal de Nuremberg (1945-1946), que responsabilizou os alemães pelas barbáries cometidas durante o nazismo e estimulou, em grande medida, a internacionalização dos direitos humanos.

A respeito, explica Flávia Piovesan:

O significado do Tribunal de Nuremberg para o processo de internacionalização dos direitos humanos é duplo: não apenas consolida a idéia da necessária limitação da soberania nacional como reconhece que os indivíduos têm direitos protegidos pelo direito internacional. Testemunha-se, desse modo, mudança significativa nas relações interestatais, o que vem a sinalizar transformações na compreensão dos direitos humanos, que, a partir daí, não mais poderiam ficar confinados à exclusiva jurisdição doméstica. São lançados, assim, os mais decisivos passos para a internacionalização dos direitos humanos. (Piovesan, 2006, p. 123).

Ainda que criticado por ter sido um tribunal de exceção, criado ad hoc e post factum, é inegável a contribuição do Tribunal de Nuremberg aos direitos humanos, sobretudo, no que diz respeito ao direito à segurança, à resposta, à restauração. Baseado em princípios e costumes do direito internacional, não apenas consolidou a ideia de limitação ao poder, mas também reconheceu direitos individuais protegidos internacionalmente.

O sistema da ONU possui procedimentos convencionais, previstos em tratados internacionais, supervisionados pelos Comitês, e outros, não convencionais, que contribuem para a eficácia do sistema de proteção internacional.

O Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos, representado pelas Nações Unidas, enfatiza a proteção de crianças e adolescentes como parte essencial dos direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, destaca o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, bem como o direito da infância a cuidados especiais. Além disso, os Pactos Internacionais dos Direitos Civis e Políticos, e dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificados pelo Brasil em 1992, reforçam a proteção das crianças, garantindo medidas especiais para sua segurança e assistência.

No que diz respeito à proteção específica, alguns documentos ganham relevância, dentre eles a Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Convenção sobre os Direitos da Criança, normas ratificadas pelo Brasil, quem se comprometeu a enviar relatórios periódicos aos Comitês correspondentes.

Em síntese, fundamenta-se o sistema global no reconhecimento da dignidade inerente a toda pessoa humana, na liberdade, na justiça, no espírito de fraternidade e na paz no mundo.

2.2  Sistemas Regionais

Os sistemas regionais de proteção aos direitos humanos representam um cuidado especial à promoção e garantia dos direitos fundamentais em determinadas áreas geográficas. Atualmente, três são os sistemas regionais: a) sistema americano, b) sistema europeu e c) sistema africano.

O Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos engloba os países das Américas, é regido pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e tem como principais órgãos a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). A Comissão é responsável por monitorar e promover os direitos humanos na região, recebe denúncias e faz recomendações, enquanto a Corte IDH julga casos de violações graves de direitos humanos, também exercendo papel consultivo quanto à compatibilidade de instrumentos internos e as normas do sistema americano de proteção aos direitos humanos.

Dentre os documentos produzidos por este sistema, ressaltamos aqueles inciais, tidos como pilares do sistema americano de proteção: i) a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica): Este tratado estabelece os direitos humanos fundamentais e os mecanismos de proteção na região das Américas. Foi assinado em 1969 e entrou em vigor em 1978. É o principal instrumento jurídico do sistema e estabelece os deveres dos Estados partes em relação aos direitos humanos. ii) O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador): assinado em 1988 e em vigor desde 1999, amplia a proteção dos direitos humanos na região, abordando questões econômicas, sociais e culturais.

O Sistema Europeu, por sua vez, criado pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (1950), abrange os países europeus e é regido pelo Conselho da Europa. Seu principal órgão é o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), sediado em Estrasburgo, responsável por julgar casos individuais e emitir pareceres consultivos sobre a interpretação e aplicação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

O Sistema Africano de Proteção foi instituído pela Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (1981), regido pela União Africana, cujo órgão principal é a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP), sediada em Banjul, Gâmbia.

Em resumo, esses sistemas regionais visam fortalecer a proteção dos direitos humanos por meio de mecanismos de supervisão, investigação e julgamento de casos de violações. Eles desempenham um papel complementar ao sistema global

de proteção dos direitos humanos, proporcionando um foco mais específico e adaptado às realidades regionais.

3.   A incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos ao direito brasileiro: apontamentos à Emenda Constitucional n. 45/2004

O tratado internacional é a principal fonte do Direito Internacional Público, instrumento que traz segura jurídica às relações internacionais. O tratado é um acordo internacional, juridicamente obrigatório e vinculante (princípio do pacta sunt servenda). O instrumento poderá criar regras, ou modificá-las, dentro do Direito Internacional; assim como tem força para reconhecer àquelas já existentes e consolidadas por meio do costume internacional.

A Constituição Federal de 1988 menciona os tratados internacionais de direitos humanos em seu artigo 5º, parágrafos 2º e 3º. Na vertente processual, referente à interpretação internacional dos direitos protegidos, prevê o artigo 7º da processo de formação e incorporação dos tratados ao ordenamento jurídico, prevê o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), em seu artigo 7º que: “O Brasil propugnará pela formação de um tribunal penal internacional dos direitos humanos.”

Conforme já abordado neste capítulo, na parte introdutória, evoluímos a um estado de constitucionalização do direito internacional e uma internacionalização do direito constitucional. A celebração de tratados no Brasil é um ato complexo, reforçando o mecanismo de freios e contrapesos entre os poderes (independentes e harmônicos).

Nesse sentido, dispõe os artigos 84, inciso VIII e 49, inciso I, os trâmites processuais para a incorporação de um tratado em nosso ordenamento jurídico, percorrendo, assim, as fases de a) negociação e assinatura (competência do Poder Executivo), b) Decreto Legislativo ou aprovação congressual (Congresso Nacional);

Ratificação (Poder Executivo); d) Decreto de Promulgação.

O processo de incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro é de suma importância e ganhou outros patamares após a Emenda Constitucional n. 45 de 2002.

Antes da Emenda Constitucional 45/2004, o processo de incorporação dos tratados de direitos humanos no Brasil seguia uma sistemática que conferia aos tratados internacionais de direitos humanos uma posição hierárquica inferior à Constituição Federal. Segundo a Constituição de 1988, esses tratados deveriam ser aprovados pelo Congresso Nacional, por meio de um procedimento específico de ratificação, e, após essa aprovação, eram equiparados às leis ordinárias, não possuindo status de norma constitucional.

No entanto, com a promulgação da Emenda Constitucional 45/2004, ocorreu uma mudança significativa nesse processo. A referida emenda introduziu o §3º do artigo 5º da Constituição Federal, estabelecendo que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Isso significa que, após a aprovação por esse quórum qualificado, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos passaram a ter status de norma constitucional, equiparando- se às emendas constitucionais em termos de hierarquia normativa.

Essa mudança representou um avanço significativo no processo de incorporação dos tratados de direitos humanos, conferindo-lhes uma maior proteção e garantindo sua supremacia em relação às leis ordinárias. Dessa forma, o Brasil fortaleceu seu compromisso com a promoção e proteção dos direitos humanos, alinhando-se aos padrões internacionais e ampliando a eficácia desses instrumentos na ordem jurídica nacional.

Atualmente, gozam de status de emenda constitucional os seguintes tratados: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (Decreto Legislativo n. 186/2008 e Decreto Executivo n. 6949/2009); Tratado de Marraqueche, relativo à reprodução e a distribuição de obras, livros e textos em formato acessível a pessoas com deficiência visual (Decreto Legislativo n. 261/2015 e Decreto Executivo n. 9522/2018) e a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (Decreto Legislativo n. 01/2021 e Decreto Executivo n. 10.932/2022).

CAPÍTULO II – DIREITOS HUMANOS E A SEGURANÇA PÚBLICA
1.   Direitos humanos e a Segurança Pública: a instituição de um Estado Democrático de Direito

O Estado Democrático de Direito e a segurança pública estão intrinsecamente ligados, complementares e interdependentes, formando a base para uma sociedade justa, livre e segura. Nesse sentido, sob a ótica de um Estado Democrático de Direito, os direitos fundamentais dos cidadãos são protegidos não apenas pelo império da lei, mas, também, criam-se instituições e políticas públicas.

Podemos conceituar a segurança pública sob o ponto de vista de ações e políticas implementadas pelo Estado para proteger os cidadãos, prevenir crimes e garantir a ordem social. Envolve instituições como a polícia, o sistema penitenciário e outras agências responsáveis pela aplicação da lei com o objetivo é proporcionar um ambiente seguro para todos os membros da sociedade. Todavia o presente trabalho não se limita aos termos citados, aqui vemos na segurança pública um direito fundamental, base para a instituição e promoção do Estado Democrático de Direito.

A segurança pública, nos termos da Constituição Federal, artigo 144, é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. Cumpre ao Estado garantir a proteção dos direitos individuais e coletivos, a integridade física e psicológica de seus cidadãos. Isso envolve a prevenção e repressão de crimes, a manutenção da ordem pública e o combate à violência em todas as suas formas, tarefa atribuída, precipuamente, nos termos da Constituição aos órgãos da I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares; e VI – polícias penais federal, estaduais e distrital.

No entanto, é fundamental que as políticas de segurança pública sejam implementadas de forma a respeitar os princípios democráticos e os direitos humanos. Isso significa que as ações do Estado devem ser pautadas pela legalidade, pela proporcionalidade e pela eficiência, sem violar os direitos individuais dos cidadãos. Além disso, em um Estado Democrático de Direito, a segurança pública deve ser exercida de forma transparente e responsável, com prestação de contas à sociedade e mecanismos de controle e fiscalização das atividades policiais.

A segurança pública é um direito humano fundamental que desempenha um papel crucial na garantia da dignidade e da liberdade de cada indivíduo em uma sociedade. Embora não seja explicitamente mencionada na maioria das declarações internacionais de direitos humanos, a segurança pública está diretamente ligada a uma série de direitos fundamentais, como o direito à vida, à liberdade, à integridade física e psicológica, e ao devido processo legal.

O direito à segurança pública pressupõe o direito de viver em um ambiente seguro, livre do medo da violência, do crime e da opressão. Isso inclui a proteção contra a criminalidade, o terrorismo, a violência doméstica, o abuso de poder por parte das autoridades e outras formas de ameaças à segurança pessoal e coletiva.

Uma sociedade que não garante a segurança pública, falha na proteção dos direitos humanos de seus cidadãos. A insegurança cria um ambiente de medo e desconfiança, limitando a liberdade de movimento, a participação na vida pública e o pleno desenvolvimento individual e coletivo. Além disso, a falta de segurança pode levar a violações generalizadas de outros direitos humanos, como o direito à educação, ao trabalho e à saúde, uma vez que a criminalidade e a violência podem impedir o acesso a esses direitos básicos.

Portanto, é dever do Estado garantir a segurança pública como parte de seu compromisso com os direitos humanos. Isso inclui a implementação de políticas públicas eficazes de prevenção e repressão ao crime, o fortalecimento das instituições de segurança, o combate à impunidade, a promoção da justiça social e a proteção dos grupos mais vulneráveis da sociedade.

A proteção também se consubstancia na apuração e responsabilização por violações de direitos humanos em âmbito da segurança pública, tais como: o uso excessivo da força; detenções arbitrárias; discriminações raciais e étnicas, incluindo abordagens seletivas; entre outros. Para além da punição, é necessário, antes, investir no treinamento para os profissionais de segurança pública, promovendo uma cultura de respeito aos direitos humanos.

A segurança pública não é apenas uma questão de ordem pública, mas também um direito humano essencial que deve ser protegido e promovido pelo Estado e pela sociedade como um todo. Garantir a segurança de todos os cidadãos é fundamental para construir uma sociedade mais justa, pacífica e democrática,

encontrando um equilíbrio entre a proteção da segurança pública e o respeito aos direitos humanos em prol da dignidade humana.

2.      Principais documentos internacionais de proteção aos Direitos Humanos voltados à Segurança Pública e à Atuação Policial

A atuação policial pautada nos direitos humanos e no Estado Democrático de Direito é um tema relevante e complexo. O papel da polícia, no Estado Democrático de Direito, não é apenas o de zelar pelo cumprimento das normas estabelecidas, mas, principalmente, garantir a dignidade da pessoa humana e a proteção dos direitos. O policial atua como linha de frente das políticas estatais, enfrentando diretamente o conflito e mantendo a ordem social.

Seja no policiamento ostensivo, preventivo, investigativo ou comunitário, a idoneidade moral e social daquele que desempenha as funções deve prevalecer. A atuação policial deve estar estritamente dentro dos limites legais estabelecidos pela Constituição e pela legislação (global e nacional), respeitando os direitos individuais e coletivos garantidos pela lei.

A aplicação da força deve ser proporcional à gravidade da situação e estritamente necessária para alcançar os objetivos legítimos de segurança pública. O uso excessivo da força deve ser evitado, priorizando-se sempre meios não violentos de resolução de conflitos. Os agentes policiais devem respeitar integralmente os direitos humanos de todas as pessoas, independentemente de sua origem étnica, religião, orientação sexual, ou qualquer outra característica. Isso inclui o respeito à dignidade, integridade física e psicológica, e o direito a um julgamento justo. As ações policiais devem ser transparentes e sujeitas a escrutínio público. Mecanismos eficazes de prestação de contas devem ser estabelecidos para responsabilizar os agentes policiais por abusos ou condutas ilegais.

Os policiais devem receber treinamento adequado sobre direitos humanos, técnicas de negociação, mediação de conflitos e uso adequado da força. A polícia deve estabelecer uma relação de confiança e cooperação com a comunidade, promovendo o diálogo, a participação cidadã e a colaboração na prevenção e

combate à criminalidade. O policiamento comunitário e a criação de canais de comunicação direta são ferramentas importantes nesse sentido.

A linha tênue entre o estrito cumprimento do dever legal e o abuso de direito, fez com que surgissem documentos internacionais de direitos humanos voltados à segurança pública, uma resposta à necessidade de garantir a proteção dos direitos fundamentais das pessoas e promover o respeito à dignidade da pessoa humana em todo o mundo, cujos principais diplomas serão discutidos a seguir.

2.1   Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Presos (Regras de Mandela)

Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, também conhecidas como as Regras de Mandela, são um conjunto de diretrizes internacionais que visam garantir o respeito aos direitos humanos e à dignidade das pessoas privadas de liberdade. Adotadas no I Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e para o Tratamento de Delinquentes, realizado em Genebra, em 31 de agosto de 1955. A evolução (ou involução) social e o aumento do encarceramento, fez com que tais regras fossem atualizadas em maio de 2015 pela Comissão das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Justiça Criminal (as atualizações foram aprovadas, por unanimidade, em dezembro de 2015 pela Assembleia Geral da ONU).

Também conhecida como “Regras de Mandela”, homenageia o ex-Presidente da África do Sul, Nelson Rolihlahla Mandela, que passou 27 anos na prisão durante sua luta pelos direitos humanos. O texto, de caráter não vinculante, possui (atualmente) 122 regras e tem sido observado por órgãos internacionais e Estados, inclusive o Brasil. Essas regras estabelecem princípios e práticas para o tratamento adequado dos reclusos e a gestão dos estabelecimentos prisionais:

Uma regra relacionada à atuação policial é a número 4, que diz que a força policial deve utilizar meios não violentos sempre que possível e deve ser treinada para garantir a segurança dos presos sem recorrer ao uso desnecessário ou excessivo da força. Isso enfatiza a importância de respeitar os direitos humanos

durante as operações policiais e ao lidar com indivíduos sob custódia. Os presos devem ser tratados com respeito à sua dignidade como seres humanos, e não devem ser submetidos a tratamento cruel, desumano ou degradante. Devem receber alimentação adequada, água potável e condições de alojamento que garantam sua saúde e bem-estar. Também lhes são assegurados o acesso adequado à assistência médica, incluindo cuidados de saúde física e mental, tratamento de doenças e prevenção de doenças transmissíveis. São proibidas todas as formas de tortura, maus-tratos e tratamento cruel, desumano ou degradante, sendo garantida a investigação e punição de qualquer forma de abuso por parte das autoridades.

2.2   Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras (Regras de Bangkok)

As Regras de Bangkok são diretrizes das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. Criadas como fruto do trabalho de um um grupo de especialistas, realizado em Bangkok, entre 23 e 26 de novembro de 2009, foram aprovadas pela Assembleia Geral da ONU, em 21 de dezembro de 2010, por meio da Resolução n. 65/229. Assim como as Regras de Mandela, são normas de soft law, consideradas complementares àquelas (cabe observar, entretanto, que são anteriores à atuação que ocorreu em 2015).

Com o objetivo de oferecer orientações para o tratamento de pessoas presas, tem foco especial na realidade feminina e na sua condição de pessoa vulnerável. Reconhece que é necessário um tratamento igualitário, mas também equitativo, essas regras propõem um olhar específico para as questões de gênero no encarceramento feminino, priorizando medidas alternativas à prisão.

Uma das questões fundamentais abordadas pelas Regras de Bangkok é o aumento do número de mulheres encarceradas em todo o mundo. Esse fenômeno tem levantado preocupações sobre como as instituições penitenciárias podem atender adequadamente às necessidades dessas mulheres, muitas vezes diferentes das dos homens. Ao serem encarceradas, as mulheres enfrentam desafios únicos

que exigem uma abordagem sensível e adequada por parte das autoridades prisionais. Por exemplo, as mulheres têm maior probabilidade de serem vítimas de violência sexual e de gênero, tanto dentro quanto fora do sistema prisional. Portanto, é crucial que as instituições prisionais adotem medidas eficazes para proteger as mulheres contra qualquer forma de abuso ou violência:

As Regras de Bangkok abordam diversos aspectos, incluindo saúde, higiene, visitas familiares, assistência jurídica, educação e trabalho dentro das prisões. Elas reconhecem que uma parcela das mulheres infratoras não representa risco à sociedade e que o encarceramento pode dificultar sua reinserção social. Portanto, promovem penas alternativas e prisão domiciliar, sempre considerando as necessidades específicas das mulheres. Ao garantir que as mulheres presas sejam tratadas com dignidade e tenham acesso a serviços e cuidados adequados, podemos ajudar a promover a justiça e a igualdade de gênero no sistema de justiça criminal.

2.3      Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela aplicação da Lei

O Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei foi adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 17 de dezembro de 1979. Este código estabelece princípios básicos que orientam o comportamento ético e profissional dos agentes responsáveis pela aplicação da lei em todo o mundo.

O documento visa promover a eficácia e a integridade das instituições encarregadas da aplicação da lei, garantindo que elas ajam de acordo com os mais altos padrões éticos e legais. Além disso, o código destaca a importância do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais durante o exercício das funções policiais.

O texto traz alguns pontos relevantes que devem ser observados de modo geral, dentre eles: a) o respeito à dignidade humana, b) o uso da força, c) a confidencialidade; e a d) proibição de tortura e tratamento Cruel.

Estes princípios visam garantir que os agentes da lei ajam de forma justa, imparcial e respeitosa em todas as circunstâncias. Além disso, o código estabelece diretrizes específicas para a conduta dos agentes da lei em diversas situações, incluindo o uso da força, a detenção de suspeitos, a investigação de crimes e a proteção das vítimas.

Sua aplicação vai além do estrito cumprimento do dever legal, é, antes, a contribuição para a construção de uma sociedade mais segura, justa, igualitária e com respeito aos direitos humanos e a dignidade da pessoa humana.

2.4  Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às vítimas da criminalidade e de abuso de poder

A Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 29 de novembro de 1985. Esse documento estabelece um conjunto de princípios fundamentais destinados a garantir a proteção dos direitos das vítimas de crimes e abusos de poder em todo o mundo.

O texto reconhece o impacto físico, psicológico e socioeconômico que o crime e o abuso de poder podem ter sobre as vítimas, e destaca a importância de proporcionar-lhes acesso à justiça, assistência e reparação adequadas. Além disso, ressalta a necessidade de os Estados adotarem medidas eficazes para prevenir a vitimização e proteger os direitos das vítimas.

Entre os princípios contidos na declaração estão o direito das vítimas à informação e participação no processo judicial, o direito à assistência jurídica e social, o direito à reparação e restituição, o direito à proteção contra retaliação e intimidação, e o direito à privacidade e dignidade.

Segundo o documento, o termo “vítimas” refere-se a pessoas que sofreram prejuízos, como atentados à integridade física e sofrimento, individualmente ou coletivamente. A declaração enfatiza a necessidade de adoção, tanto em nível nacional quanto internacional, de medidas que garantam o reconhecimento universal dos direitos das vítimas da criminalidade e do abuso de poder. Os Estados-membros

são instados a tomar medidas efetivas para reduzir a vitimização. Isso inclui aplicar medidas nos campos da assistência social, saúde, educação, economia e prevenção criminal, além de promover a participação dos cidadãos na prevenção do crime.

2.5   Outros documentos importantes na atuação policial: Protocolo de Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças; e a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes e Convenção Interamericada para Prevenir e Punir a Tortura

Tantos outros documentos internacionais, relacionados à atuação policial, à segurança pública e ao Estado Democrático de Direito podem ser citados na proteção dos direitos humanos e na promoção da dignidade da pessoa humana.

Instrumentos internacionais estabelecidos para orientar e regulamentar as atividades dos profissionais de segurança, com ênfase na proteção de grupos vulneráveis, como mulheres e crianças.

Nesse sentido, é de suma importância o Protocolo de Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças, que busca combater uma das formas mais graves de violação dos direitos humanos. Esse protocolo enfatiza a necessidade de os profissionais de segurança estarem atentos e agirem para prevenir o tráfico de pessoas, protegendo as vítimas e punindo os responsáveis.

Além disso, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (Sistema Global) e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (Sistema Interamericano) destacam a proibição absoluta da tortura e de tratamentos desumanos ou degradantes; estabelecem a obrigação dos Estados de investigar, processar e punir os responsáveis por tais práticas, garantindo a proteção dos direitos das vítimas.

Todos esses instrumentos, fornecem aos profissionais de segurança instruções claras e reforçam a necessidade de respeito à dignidade da pessoa

humana em todas as circunstâncias, fortalecendo, assim o Estado Democrático de Direito.

3.   Instrumentos normativos nacionais (em âmbito Federal e do Estado de São Paulo) voltados à Segurança Pública e à Atuação Policial

Os instrumentos normativos nacionais, tanto em âmbito federal quanto estadual, desempenham um papel fundamental na regulação e orientação das atividades relacionadas à Segurança Pública e à atuação policial. Representam, pois, uma forma de garantir a eficácia das políticas públicas, bem como de assegurar a observância dos direitos fundamentais dos cidadãos, contribuindo para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

No contexto da Segurança Pública, os instrumentos normativos estabelecem diretrizes, normas e procedimentos que orientam a atuação das forças policiais, promovendo a eficiência e a eficácia no combate à criminalidade, bem como a proteção da população. Eles também contribuem para a promoção da transparência e da accountability nas instituições policiais, permitindo que haja um maior controle social sobre suas ações, cujo assunto aprofundaremos nos tópicos a seguir.

3.1  Programa Nacional de Direitos Humanos

O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) é um conjunto de diretrizes e ações estabelecido pelo Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, com o objetivo de promover e proteger os direitos humanos no Brasil. Uma iniciativa governamental que visa promover e proteger os direitos humanos em todas as esferas da sociedade brasileira, incluindo a atuação policial e a segurança pública. Desde sua criação, em 1996, o PNDH passou por diversas versões e atualizações, cada uma refletindo os desafios e demandas específicas da época, sendo que, atualmente, estamos no terceiro programa, o PNDH-3.

São 81 diretrizes e 692 ações voltadas para a promoção e proteção dos direitos humanos em diferentes áreas, incluindo a segurança pública e a atuação policial. Algumas das regras específicas relacionadas a esses temas são a democratização e modernização do sistema de Segurança Pública; a prevenção da violência e profissionalização da investigação; e o combate à violência institucional e garantia dos direitos das vítimas.

O Programa atende às exigências de um Estado Democrático de Direito, o que inclui a promoção da transparência, a participação popular e a busca por práticas mais eficazes e justas na atuação policial. Também enfatiza a prevenção da violência e da criminalidade, por meio da valorização e aprimoramento dos profissionais e das práticas investigativas. Propõe, ainda, o combate à violência institucional, com foco na erradicação da tortura e na redução da letalidade policial e carcerária, protegendo vítimas e pessoas ameaçadas.

3.2  Programa Estadual de Direitos Humanos do Estado de São Paulo

O Programa Estadual de Direitos Humanos do Estado de São Paulo (PEDH- SP) é uma iniciativa que complementa o Programa Nacional de Direitos Humanos, buscando promover e proteger os direitos fundamentais dos cidadãos paulistas. Dentro de suas diretrizes, o programa estabelece normas e ações específicas relacionadas à segurança pública, visando fortalecer o Estado Democrático de direito e promover a dignidade da pessoa humana.

O programa aplica-se a entidades governamentais e não governamentais responsáveis pela proteção e defesa dos cidadãos. Quanto à temática segurança pública, o PEDH-SP prevê medidas que visam garantir o respeito aos direitos humanos durante as atividades policiais, como o uso da força, abordagens e prisões. Além disso, o programa prevê a implementação de políticas de prevenção à violência, promoção da cultura de paz e o fortalecimento dos mecanismos de controle externo das atividades policiais.

Essas normas fortalecem o estado democrático de direito ao assegurar que a atuação policial esteja em conformidade com os princípios da legalidade, da proporcionalidade e do respeito aos direitos humanos. Ao mesmo tempo, contribuem para a promoção da dignidade da pessoa humana ao proteger a integridade física e moral dos cidadãos, garantindo que sejam tratados com respeito e dignidade em todas as circunstâncias.

O PEDH propõe a elaboração e divulgação de um mapa da violência, identificando as regiões com maior incidência de violência e criminalidade. Esse mapeamento deve ser baseado em dados e indicadores de desenvolvimento e qualidade de vida, permitindo ações mais eficazes de prevenção e combate à violência.

O programa determina a implementação de cursos de direitos humanos para agentes penitenciários, policiais militares, civis e da polícia científica e promove a criação de Ouvidorias de Segurança Pública

Assim, o Programa Estadual de Direitos Humanos do Estado de São Paulo desempenha um papel essencial na construção de uma sociedade justa e igualitária, onde os direitos de todos os cidadãos são respeitados e protegidos, complementando as ações do programa nacional e contribuindo para o fortalecimento do estado democrático de direito e o respeito à dignidade da pessoa humana.

3.3   Decreto Estadual n. 55.588/2010: Tratamento nominal das pessoas transexuais e travestis nos órgãos públicos do Estado de São Paulo e Decreto Estadual n. 55.839/2010: Plano Estadual de Enfrentamento à Homofobia e Promoção da Cidadania da Comunidade LGBTQIA+

Em busca da promoção dos direitos humanos, sobretudo, àqueles voltados aos grupos minoritários e vulneráveis, dedicou-se o Estado de São Paulo, inclusive, legislando a respeito.

Nesse sentido, o Decreto Estadual n. 55.588/2010, trata do tratamento nominal das pessoas transexuais e travestis nos órgãos públicos do Estado de São Paulo, já o Decreto Estadual n. 55.839/2010, estabelece o Plano Estadual de Enfrentamento à Homofobia e Promoção da Cidadania da Comunidade LGBTQIA+.

Os documentos estão interligados por sua relevância e pertinência temática: a promoção dos direitos humanos, especialmente no contexto da segurança pública e da atuação policial.

Ambos os decretos visam combater a discriminação e promover a inclusão e o respeito à diversidade de gênero e orientação sexual. Especialmente no âmbito da segurança pública, é fundamental reconhecer que as pessoas transexuais, travestis e membros da comunidade LGBTQIA+ enfrentam uma série de desafios e vulnerabilidades, incluindo a violência e o preconceito.

A atuação policial desempenha um papel crucial na garantia da segurança e proteção de todos os cidadãos, independentemente de sua identidade de gênero ou orientação sexual. Nesse sentido, é essencial que os órgãos de segurança pública estejam sensibilizados e capacitados para lidar de forma adequada e respeitosa com as demandas e necessidades específicas desses grupos.

O tratamento nominal adequado e o respeito à identidade de gênero das pessoas transexuais e travestis, conforme estabelecido pelo Decreto Estadual n. 55.588/2010, contribuem para garantir sua dignidade e integridade. Da mesma forma, o Plano Estadual de Enfrentamento à Homofobia e Promoção da Cidadania da Comunidade LGBTQIA+, busca políticas e ações afirmativas que promovam a igualdade e o respeito aos direitos humanos dessa população.

Ao reconhecer e valorizar a diversidade e promover a inclusão, tanto os órgãos públicos quanto as forças de segurança pública podem contribuir significativamente não apenas com o Estado Democrático de Direito, mas reafirmam o compromisso do Estado de São Paulo com a proteção da dignidade e dos direitos de todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.

3.4   Lei n. 17.432/2021 – Consolidação da Legislação Paulista relativa à proteção dos direitos da Mulher e outras considerações

A Lei n. 17.432/2021, intitulada “Consolidação da Legislação Paulista relativa à proteção dos direitos da Mulher”, representa um marco na proteção e promoção dos direitos das mulheres no Estado de São Paulo. Essa legislação tem como objetivo central reunir e organizar em um único documento as normas estaduais voltadas para a garantia dos direitos das mulheres, facilitando o acesso e a compreensão dessas disposições legais, trazendo importantes disposições que impactam diretamente a atuação policial e a segurança pública

A lei aborda uma variedade de temas relacionados à proteção das mulheres, incluindo medidas de prevenção e combate à violência de gênero, acesso à saúde e assistência social, igualdade de gênero, enfrentamento ao assédio e discriminação, entre outros aspectos relevantes.

Entre as disposições da lei, podem ser destacadas medidas específicas para fortalecer o enfrentamento à violência contra as mulheres, como a promoção de campanhas de conscientização, a criação de centros de apoio e acolhimento às vítimas, e o estabelecimento de políticas públicas voltadas para a prevenção e punição dos agressores.

Além disso, a legislação reforça a importância da integração entre os órgãos e entidades públicas na implementação de políticas e programas voltados para a promoção dos direitos das mulheres, visando garantir uma atuação efetiva e coordenada na defesa desses direitos.

Destacam-se neste arcabouço legislativos as medidas de: a) combate à violência de gênero: a lei reforça a importância da atuação policial no enfrentamento à violência contra a mulher, estabelecendo diretrizes para o atendimento humanizado e especializado às vítimas, bem como para a investigação e punição dos agressores; b) a criação de centros de apoio: prevê a implantação de centros de acolhimento e apoio às mulheres vítimas de violência, que podem contar com a presença e assistência policial para garantir a segurança e proteção das mulheres em situação de vulnerabilidade; c) a capacitação policial: treinamento contínuo dos profissionais de segurança pública, visando aprimorar suas habilidades no atendimento às vítimas de violência de gênero, bem como na identificação e prevenção dessas situações; e a d) articulação com outros órgãos: integração entre as instituições de segurança pública e outros órgãos, como o Ministério Público e o Poder Judiciário, para garantir uma resposta eficaz e coordenada no enfrentamento à violência contra a mulher.

Tantos outros instrumentos poderiam ser citados, inclusive àqueles que compreendem punições aos que violam os direitos humanos, contudo, sintetizamos àqueles que trazem pertinência temática com os direitos humanos, a atuação policial e o Estado Democrático de Direito. Os direitos humanos exigem constantemente um avanço e aprimoramento contínuo para beneficiar cada vez mais as pessoas. O Estado não pode retroceder na proteção dos direitos humanos, ou seja, não pode oferecer menos proteção do que antes. Tanto os tratados internacionais de direitos humanos quanto as leis internas não podem impor restrições que reduzam ou anulem direitos já garantidos, por tal razão, o princípio da proibição do retrocesso é fundamental, conforme destacado em várias manifestações do Supremo Tribunal Federal, impedindo que as conquistas alcançadas em relação aos direitos fundamentais de caráter social sejam desfeitas.

CAPÍTULO III – GARANTISMO PENAL E OS LIMITES DA ATUAÇÃO POLICIAL

O garantismo penal é uma doutrina jurídica que busca garantir o respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos no âmbito do direito penal. Ele se baseia na ideia de que o poder punitivo do Estado deve ser exercido dentro dos limites estabelecidos pela lei e pelos princípios constitucionais, de modo a proteger a liberdade e a dignidade das pessoas.

As garantias penais, ao subordinar a pena aos pressupostos substanciais dos crimes a lesão, a conduta e a culpabilidade -, são tanto efetivas quanto mais estes forem objeto de um juízo, em que sejam assegurados ao máximo a imparcialidade, a verdade e o controle. É por isso que as garantias processuais, e em geral as normas que disciplinam a jurisdição, são ditas também “instrumentais” no que tange às garantias e às normas penais, estas chamadas, por sua vez, “substanciais”. A correlação funcional é além disso biunívoca, uma vez que as garantias penais podem, por seu turno, ser consideradas necessárias para garantir juízos não arbitrários: na sua ausência, de fato, juízos e penas seriam desvinculados de limites legalmente preestabelecidos e resultariam não menos potestativos do que se estivessem em ausência das garantias processuais. Em síntese, tanto as garantias penais como as processuais valem não apenas por si mesmas, mas, também, como garantia recíproca de efetividade (Ferrajoli, 2002, p. 432).

Na atuação policial, o garantismo penal se manifesta na necessidade de respeitar os direitos dos suspeitos e acusados, mesmo durante a investigação e a condução de prisões. Isso significa que a polícia deve agir de acordo com os princípios do devido processo legal, da presunção de inocência e do direito à ampla defesa.

Os procedimentos legais devem ser seguidos rigorosamente, protegendo direitos e garantias, inclusive na fase de investigação policial e os meios de obtenção de prova, tais como, interrogatórios e busca e apreensão.

Ainda nesta perspectiva, a adoção de medidas extremas, como a prisão cautelar, deverão basear-se na dignidade humana, considerando as peculiaridades do caso concreto, a gravidade do crime, os antecedentes e vida pregressa do investigado, e a devida fundamentação técnico-jurídica.

Além disso, as ações policiais devem ser proporcionais e necessárias, assegurar que a aplicação da lei penal seja feita de forma justa, equilibrada e respeitosa, contribuindo para a construção de uma sociedade mais democrática e igualitária evitando abusos, tratamento desumano ou degradante e violações dos direitos humanos.

1.  Direitos Humanos das Mulheres: sistema global, sistema americano e instrumentos internos de proteção

O tema dos Direitos Humanos das Mulheres emergiu ao longo do século XX, impulsionado por movimentos feministas e pela crescente conscientização sobre as desigualdades de gênero e as violações dos direitos das mulheres. No entanto, foi nos anos 1970 que o conceito começou a ser formalizado e ganhou destaque internacional.

Um marco importante foi a Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1967. Esta declaração reconheceu a necessidade de garantir a igualdade de direitos entre homens e mulheres e condenou a discriminação com base no sexo. Em 1979, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), que é frequentemente considerada o principal instrumento internacional para promover os direitos das mulheres. O documento definiu claramente os direitos das mulheres em várias áreas, incluindo direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, e estabeleceu um quadro para os Estados Partes adotarem medidas para combater a discriminação contra as mulheres em todas as suas formas.

Desde então, o tema dos Direitos Humanos das Mulheres continuou a evoluir, com a criação de outras convenções internacionais, como a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), em 1994, e o desenvolvimento de leis nacionais e políticas voltadas para a promoção da igualdade de gênero e a proteção dos direitos das mulheres em todo o mundo.

No Brasil, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) é a base da proteção das mulheres contra a violência doméstica e familiar. Nomeada em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, uma vítima de violência doméstica que se tornou símbolo de luta pelos direitos das mulheres, esta lei estabelece medidas protetivas, punições para agressores e mecanismos para prevenir e combater a violência contra as mulheres.

Todos esses diplomas são essenciais para garantir a igualdade de gênero, proteger os direitos das mulheres e fortalecer o Estado Democrático de Direito, inclusive, pautando as condutas e atuações policiais, conforme veremos nos próximos tópicos.

1.1    Atividades desempenhadas pelas Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher do Estado de São Paulo em prol dos grupos vulneráveis: da instituição (Decreto Estadual n. 23.769/1985) à atualidade (Decreto Estadual n. 65.127/2020)

O aumento da violência de gênero e a luta pelos direitos humanos das mulheres, fizeram com que grandes movimentos surgissem ao longo dos séculos. No contexto político brasileiro das décadas de 1970 e 1980, dois fatores contribuíram para o surgimento das primeiras delegacias da mulher a partir de 1985. Primeiramente, a expansão dos movimentos feministas, impulsionando a conscientização sobre os direitos das mulheres. Em segundo lugar, o processo de redemocratização política do Brasil, ocorrido na primeira metade dos anos 1980, durante a transição do governo militar para o civil, resultando na criação de novas instituições e leis que refletiam os ideais de um Estado Democrático de Direito, reconhecendo os brasileiros como sujeitos de direitos e de cidadania plena. Neste período, são levantadas as pautas feministas, com o apoio da Organização das Nações Unidas, refletindo no cenário das mulheres brasileiras.

A partir dos anos 1970, a violência doméstica contra as mulheres tornou-se uma das principais bandeiras de luta do movimento feminista no país. Os movimentos demandavam “serviços integrados” de atendimento às mulheres em situação de violência, incluindo assistência psicológica, social e jurídica, sendo a impunidade e o descaso com a violência contra mulheres, especialmente a violência doméstica e sexual, denunciados pelos movimentos feministas.

Com as primeiras eleições para Governadores dos Estados, após quase vinte anos de ditadura militar, o governo de Franco Montoro, em São Paulo, sai à frente na criação das primeiras instituições de atendimento às mulheres em situação de violência, estabelecendo o Centro de Orientação Jurídica e Encaminhamento à Mulher (COJE) em 1983 e a primeira delegacia da mulher do Brasil em agosto de 1985.

O Decreto 23.769, de 6 de agosto de 1985, foi responsável por estabelecer a primeira delegacia da mulher no Brasil. Essa delegacia tinha como função investigar, especificamente, crimes cometidos contra mulheres, previstos no Código Penal. A criação da delegacia da mulher foi pioneira ao reconhecer as necessidades e direitos de grupos sociais historicamente excluídos do acesso à justiça. Essa iniciativa inspirou a criação de outras delegacias especializadas, como as de crimes raciais e de crimes contra os idosos, todas baseadas no mesmo critério de reconhecimento pelo Estado das necessidades e direitos de grupos sociais vulneráveis.

Atualmente, as Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher do Estado de São Paulo não se limitam a investigar os crimes catalogados no Código Penal. Nos termos do o Decreto n° 29.981, de 1º de junho de 1989, atualizado pelo Decreto Estadual n. 65.127, de 12 de agosto de 2020, as Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher, “têm, em suas respectivas áreas de atuação, a atribuição para investigar infrações penais relativas à violência doméstica ou familiar e infrações contra a dignidade sexuais praticadas contra pessoas com identidade de gênero feminino e contra crianças e adolescentes”. Cumpre salientar que a violência sofrida poderá estar não apenas no Código Penal Brasileiro, como também, em legislações extravagantes, tais como a própria Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e o Estatuto da Criança e do Adolescente, entre outros (se no contexto de violência doméstica ou familiar e/ou contra a dignidade sexual).

Além disso, a previsão expressa de qualquer tipo de violação aos direitos dessas pessoas, ponderando por atendimento adequado, acolhimento necessário e imediato, preservando a intimidade da vítima e evitando que seja submetida a procedimentos desnecessários como a revitimização.

Nesse sentido, citamos um dos direitos naturais das crianças: o direito de falar (ou direito ao diálogo): “toda criança tem o direito de falar sem ser interrompida, de ser levada a sério nas suas ideias, de ter explicações para suas dúvidas e de escutar uma fala mansa, sem gritos”.3

O Governo do Estado de São Paulo, comprometido com a proteção das mulheres em situação de vulnerabilidade, implementou a Sala Lilás nas Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher (DDMs). Esta sala, equipada e ambientada para o acolhimento individual, oferece um atendimento humanizado a crianças, adolescentes e mulheres vítimas de violência doméstica e sexual.

Além disso, cresce o número de usuárias das Delegacias Eletrônicas, outra forma de proteger os grupos vulneráveis.

Outra mudança, como forma de afirmação dos direitos dos grupos vulneráveis é o dever de “fomentar a criação e ampliação do atendimento multidisciplinar disponibilizado à pessoa com identidade de gênero feminino em situação de violência doméstica e familiar, por meio de integração e parcerias […]”.

Sabemos, contudo, que plenitude e efetivação das Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher dependem não apenas de iniciativas legislativas, mas dotações orçamentárias, motivo pelo qual, ainda não estão presentes em todos os municípios, de modo que, o Decreto n. 65.127/2020, assevera que a proteção a mulheres e demais grupos vulneráveis é exercida de forma concorrente.

Em consonância com o disposto no artigo 10-A, da Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha), cujo texto diz ser “direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores – preferencialmente do sexo feminino – previamente capacitados”, dispõe o Decreto n. 65.127/2020 que, preferencialmente, serão das Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher, Delegados de Polícia do gênero feminino.

Em suma, as Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher consolidam o Estado Democrático de Direito, ao assegurar que todas as mulheres tenham acesso à investigação, justiça e punição contra todas as formas de violência. Assegurar os direitos de todos, independentemente do gênero, raça, cor, etnia, religião ou idade é compromisso do policial na promoção da igualdade e do respeito. Essa é a essencialidade dos direitos humanos: a construção de uma sociedade justa, igualitária e acessível a toda pessoa humana dotada de dignidade.


Disponível em: <https://www.childfundbrasil.org.br/blog/dez-direitos-naturais-das-criancas/ #:~:text=Direito%20ao%20di%C3%A1logo%3A%20Toda%20crian%C3%A7a,uma%20fala %20mansa%2C%20sem%20gritos>. Acesso em: 06 abr. 2024.

2.    Polícia Civil do Estado de São Paulo e o Estado Democrático de Direito: Consolidação das Normas de Serviço da Polícia Judiciária (Portaria DGP nº 26, de 30 de outubro de 2023) e a Promoção aos Direitos Humanos

A Portaria DGP n. 26, datada de 30 de outubro de 2023, é, atualmente, o instrumento normativo mais relevante para os trabalhos da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Por ela, institui-se a Consolidação das Normas de Serviço da Polícia Judiciária, estabelecendo diretrizes para a atuação dos profissionais no âmbito da investigação criminal, propiciando clareza e uniformidade nas práticas adotadas pelos servidores da Polícia Civil.

A portaria inclui diretrizes sobre procedimentos e meios de obtenção de provas, tais como interrogatórios, busca e apreensão, e outros aspectos relevantes na condução das investigações, primando e salvaguardando a dignidade da pessoa humana e o respeito pelos direitos e garantias fundamentais, contribuindo para uma atuação mais eficiente e alinhada aos princípios do Estado Democrático de Direito.

Em suas considerações, extraímos do texto a busca pela atuação policial na proteção aos direitos humanos, o respeito a legislação nacional (assim como a Lei nº 13.869/19 – Lei de Abuso de Autoridade), a jurisprudência local e internacional, além da observância aos tratados internacionais de direitos humanos.

Pontua a missão da Polícia Civil do Estado de São Paulo, enquanto instituição permanente, incumbida da exercer as funções de polícia judiciária, administrativa e preventiva especializada, essencial à justiça e à segurança pública, promovendo a solução ou composição de conflitos e garantindo o bem-estar coletivo e o respeito à dignidade da pessoa humana.

Institui sua visão como instituição policial democrática, jurídica, autônoma, imparcial,  eficiente,  eficaz  e  indispensável  à  tutela  dos  direitos  e  garantias

fundamentais, e traz como valores a legalidade, a ética, a inovação sustentável, a eficiência e excelência gerencial.

Nos próximos tópicos, analisaremos temas relevantes em matéria de direitos humanos e segurança púbica, relacionando-os com a Consolidação das Normas de Serviço da Polícia Judiciária, na busca da proteção efetiva e respeito à dignidade da pessoa humana.

2.1.     A condução do procedimento apuratório de investigação pelo Delegado de Polícia e sua importância no controle de convencionalidade e proteção aos direitos humanos enquanto primeiro garantidor:

Ao Delegado de Polícia, nos do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais. Muito além de mero executor da lei, é o Delegado de Polícia o primeiro garantidor do Estado Democrático de Direito.

Conforme a seção II, Artigo 5º, da Portaria DGP-26/2023, a Autoridade Policial deverá se manter imparcial na investigação criminal, dotado de “autonomia intelectiva para, de modo racional, motivado e no âmbito de suas atribuições legais, avaliar e decidir sobre fatos, elementos probatórios e normas a serem aplicadas ao caso concreto.”

O Delegado de Polícia admitirá a produção de todos os elementos que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias, vedadas as provas ilícitas e respeitados os direitos e garantias da pessoa investigada.

Conforme a seção II, Artigo 5º, da Portaria DGP-26/2023, a Autoridade Policial deverá se manter imparcial na investigação criminal, dotado de “autonomia intelectiva para, de modo racional, motivado e no âmbito de suas atribuições legais, avaliar e decidir sobre fatos, elementos probatórios e normas a serem aplicadas ao caso concreto.”

O Delegado de Polícia admitirá a produção de todos os elementos que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias, vedadas as provas ilícitas e respeitados os direitos e garantias da pessoa investigada.

O atendimento digno e respeitoso, dispensado no atendimento de ocorrências em geral, é dever de todos os policiais civis, sem distinção de origem, raça, sexo, cor, idade, religião, orientação ou qualquer outra natureza, bem como o papel de resguardar a privacidade e a intimidade.

No bojo da Consolidação das Normas de Serviço da Polícia Judiciária, também é possível vislumbrar o “direito de falar”, nos termos do artigo 7º, § 1º: “O atendimento ao público deverá ser dotado de justeza, dando-se voz ao usuário do serviço e concedendo-se a ele a oportunidade de se expressar sobre os fatos, incrementando, assim, a confiabilidade junto à sociedade”.

Assim como se pontua, na seção II, artigo 21 e seguintes o atendimento especializado com garantia de acessibilidade e de atendimento prioritário e especial a pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, aos idosos com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, as crianças, as gestantes, as lactantes e as pessoas acompanhadas de criança de colo.

Outro alinhamento importante é quanto à oitiva de criança e adolescente, com base na legislação federal (Lei n. 13431/2017 – Depoimento sem dano e escuta especializada)

Ao Delegado de Polícia também incumbe a condução da investigação preliminar sumária, quando pela falta de indício idôneo sobre a prática de crime; pela escassez de informações sobre a existência de fato delituoso ou pela ausência de justa causa fundamentada, não viabilizar a imediata instauração de inquérito policial ou outro procedimento investigatório previsto em lei, qual será conduzida sem qualquer tipo de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, orientação sexual ou identidade de gênero.

Não obstante, é também responsável pela instauração e condução do principal instrumento de garantia de um Estado Democrático de Direito no âmbito da investigação criminal, o Inquérito Policial. A instauração de inquérito policial, quando legalmente admitida, dependerá de prévia e fundamentada decisão do Delegado de Polícia.

Na direção e gerência das investigações, poderá determinar a produção de provas necessárias a instrução, deferir e indeferi-las, sempre de forma fundamentada, zelando, sempre, pela preservação dos direitos a imagem e a privacidade das pessoas submetidas a investigação policial.

Neste ponto, far-se-á algumas considerações importantes, que dão prova à condição do Delegado de Polícia como guardião do Estado Democrático de Direito e atuante no controle de convencionalidade.

O controle de convencionalidade é um mecanismo jurídico que verifica a compatibilidade das leis internas de um país com os tratados internacionais de direitos humanos que foram ratificados nacionalmente. O juízo de convencionalidade não possui o poder de revogar, tecnicamente, a lei, mas tem o efeito de paralisar o seu efeito prático.

Na Portaria DGP-26/2023, verificamos a afirmação dos direitos humanos e o controle de convencionalidade, entre outros, ao tratar da condução coercitiva do investigado4 e o uso de algemas5.

Desse modo, conclui-se que Delegado de Polícia, enquanto autoridade constitucionalmente responsável pela condução das investigações criminais, ao analisar os casos sob sua responsabilidade, deve garantir que as ações policiais estejam em conformidade com os padrões estabelecidos pelos tratados internacionais de direitos humanos, além do respeito à legislação interna e jurisprudência em matéria de direitos humanos. Isso significa que o Delegado de Polícia deve assegurar que os direitos fundamentais dos indivíduos sejam respeitados durante o curso das investigações, incluindo o direito à vida, à integridade física e psicológica, à privacidade, à não discriminação e ao devido processo legal.


O Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil decidiu que a condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório, prevista no artigo 260 do Código de Processo Penal (CPP), é incompatível com a Constituição Federal de 19881. A decisão foi tomada no julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 395 e 444, ajuizadas, respectivamente, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O (STF) aprovou a Súmula Vinculante nº 11, que regulamenta o uso de algemas no país. A medida proíbe a utilização das algemas durante operações policiais e julgamentos, a não ser em casos excepcionais. A súmula estabelece que só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros. A excepcionalidade deve ser justificada por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

Ao promover a cultura de respeito aos direitos humanos dentro das instituições policiais, prevenindo e coibindo abusos de poder, garantimos a aplicação da lei de forma justa, transparente e igualitária, em conformidade com os compromissos internacionais assumidos pelo país em relação aos direitos humanos, fortalecendo o Estado Democrático de Direito.

2.2   Reconhecimento de Pessoas e o Perfilamento Racial: apontamentos sobre as jurisprudências do STF e da Corte IDH

O perfilamento racial viola direitos fundamentais e direitos humanos e é condenado pelo STF, pela Comissão e pela Corte Interamericanas.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, em publicação de 2020, o perfilamento racial é o “processo pelo qual as força policiais fazem uso de generalizações fundadas na raça, cor, descendência, nacionalidade ou etnicidade ao invés de evidências objetivas ou o comportamento de um indivíduos, para sujeitar pessoas a batidas policiais, revistas minuciosas, verificações e reverificações de identidade e investigações, ou para proferir um julgamento sobre o envolvimento de um indivíduo em uma atividade criminosa”.

O perfilamento racial viola vários princípios e direitos do Direito Internacional dos Direitos Humanos. É considerada uma ferramenta de policiamento ineficaz, já que tem fracasso na prevenção do crime, além de aumentar a tensão entre os policiais e as comunidades que são alvos desta prática. O perfilamento também pode ser tendencioso sobre o sexo, gênero, religião ou outros motivos que se interseccionem. Obviamente, tais práticas devem ser combatidas.

No sistema americano, o perfilamento racial já foi reconhecido e condenado tanto no âmbito da Comissão quanto da Corte Interamericana. Em 2020, a Argentina foi condenada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, por perfilamento racial, no Caso Acosta Martínez. A Corte responsabiliza o Estado pelo assassinato do ativista afrouguguaio José Delfín Acosta Martínez, em 5 de abril de 1996, pela polícia da cidade de Buenos Aires.

Em 2022, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou a violência policial sistêmica contra pessoas afrodescendentes no Brasil. Nesse contexto, instou o Estado a investigar pronta, diligente e exaustivamente os eventos ocorridos, assim como sancionar os responsáveis e avançar com a reparação integral às vítimas e seus familiares.

Um dos casos se refere à morte de Genivaldo de Jesus Santos, pessoa afrodescendente com deficiência mental, após uma operação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Sergipe, no dia 25 maio de 2022. Por conduzir sua motocicleta sem capacete, Genivaldo foi preso em um veículo policial por agentes que detonaram dentro da viatura uma bomba de gás, de acordo com vídeos disponíveis na mídia. O evento teve características de extrema crueldade e resultou na morte de Genivaldo por asfixia, de acordo com a autópsia preliminar.

No ordenamento jurídico brasileiro, a falta de objetividade por parte dos agentes de segurança ao abordar suspeitos de cometer atos ilícitos tem sido objeto de debate, inclusive, no Poder Judiciário, gerando grande preocupação. Em 2023, a questão ganhou destaque no Supremo Tribunal Federal (STF), que analisa um pedido de Habeas Corpus (HC 208.240/SP) impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que tem como paciente Francisco Cicero Santos Junior, homem negro condenado por tráfico de drogas devido à posse de 1,53 grama de cocaína.

Nesse sentido, entendeu o Supremo Tribunal Federal que os policiais não podem decidir abordar pessoas apenas com base na sua raça, sexo, orientação sexual, cor da pele ou aparência física. Essa conduta discriminatória desrespeita a dignidade humana e viola outros direitos fundamentais previstos na Constituição. A revista só pode ser realizada quando a pessoa estiver em posse de arma de uso proibido ou com objetos que indiquem a prática de crime.

No caso analisado, outros elementos além da cor da pele justificaram a decisão dos policias de revistar o homem condenado (por exemplo, o fato de ele estar em ponto de venda de drogas e de ter alterado o seu comportamento ao ver os policiais militares). Por isso, a conduta dos policiais não caracterizou perfilamento racial, situação em que critérios discriminatórios com base na raça são usados para justificar a abordagem. O pedido de absolvição com base na baixa quantidade de droga, não foi acolhido, porque o Supremo Tribunal Federal entende que, em regra,

o princípio da insignificância não se aplica ao crime de tráfico de drogas. Já o pedido de condenação pelo crime de porte de drogas para consumo pessoa não pode ser analisado em habeas corpus, porque esse tipo de ação não permite examinar os fatos e as provas do caso.

Por fim, o STF fixou a seguinte tese de julgamento: “A busca pessoal, independente de mandado judicial, deve estar fundada em elementos indiciários objetivos de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não sendo lícita a realização da medida com base na raça, sexo, orientação sexual, cor da pele ou aparência física”.

De igual modo, deverão ser afastadas todas as formas de discriminação em sede de reconhecimento de pessoas. O reconhecimento de pessoas é um meio de prova regulado pelo artigo 226 do Código de Processo Penal, que também o lista como uma diligência a ser realizada pelo Delegado de Polícia durante a investigação de crimes, conforme o artigo 6º, inciso VI. Anteriormente, prevalecia na jurisprudência a ideia de que o procedimento do artigo 226 era apenas uma recomendação legal, e que o descumprimento não acarretaria nulidade.

No entanto, em outubro de 2020, houve uma mudança interpretativa a partir do julgamento do HC 598.886 pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essa mudança estabeleceu o procedimento legal como uma garantia mínima a ser observada, sob pena de invalidação. Essa nova interpretação valoriza a natureza interdisciplinar do processo penal, reconhecendo a importância do reconhecimento de pessoas como uma etapa fundamental na busca pela verdade durante a investigação criminal.

Sobre a temática, asseveram os Excelentíssimos Delegados, Dr. Anderson Pires Giampaoli e Dr. Rafael Francisco Marcondes Moraes, no artigo jurídico “Reconhecimento de pessoas: por um olhar para o chão de fábrica” (2022, p.14):

[…] não se pode descurar do chão de fábrica, representado pela atuação das agências de polícia judiciária, porta de entrada do desviante no sistema de justiça criminal e cenário identificado em levantamentos como o divulgado pela Folha de São Paulo (RODRIGUES; PAGNAN; VALENTE,2021), reveladores de que muitos erros atribuídos ao subsistema judiciário são, na orgiem, erros policiais”.

Como meio de prova irrepetível, vez que, um reconhecimento ilegal ou ilegítimo vicia todo e qualquer procedimento posterior, não se pode mais admitir, nos trabalhos de polícia judiciária, o reconhecimento de pessoas com base em alinhamentos injustos e racistas, instruções inadequadas e procedimentos desnecessários (tanto aos investigados quanto às vítimas), além de segregações cautelares com base, isoladamente, em reconhecimentos precários.

Defendendo uma atuação igualitária e comprometida com os direitos da pessoa humana, a Portaria DGP-26/2023 com os procedimentos de reconhecimento de pessoas e coisas na seção XV, artigo 139 e seguintes:

Artigo 140 – Compete ao Delegado de Polícia presidente da investigação criminal, admitir e valorar o reconhecimento de pessoas à luz das disposições legais e, se o caso, infralegais, zelando pela produção de maneira a evitar equívocos. § 1º – O reconhecimento de pessoas, por sua natureza, consiste em prova irrepetível, realizada uma única vez, consideradas as necessidades da investigação policial e da instrução processual, bem como os direitos e garantias da pessoa investigada. § 2º – Nos termos da legislação vigente, o sujeito a ser submetido a reconhecimento de pessoas poderá constituir defensor para acompanhar o ato.

Além disso, o respeito às garantias constitucionais devem ser primazia, tal qual o que conhecemos por “Aviso de Miranda”, termo utilizado para se referir à notificação dos direitos constitucionais de uma pessoa sob custódia policial. Teve origem nos Estados Unidos, no caso Miranda vs. Arizona, decidido pela Suprema Corte dos EUA em 1966. Esse aviso inclui o direito de permanecer em silêncio e o direito de ter um advogado presente durante o interrogatório policial, com o objetivo de proteger os direitos individuais e evitar a autoincriminação forçada durante os procedimentos policiais.

Em conclusão, a condução de investigações, o reconhecimento de pessoas e as buscas devem ser realizadas com base em evidências concretas e não em perfilamento criminal ou práticas racistas pautadas em colorismo. A justiça deve ser cega para a cor da pele, focando-se unicamente na busca pela verdade e na aplicação imparcial da lei. É imperativo que as autoridades policiais e judiciais sejam treinadas para evitar preconceitos e estereótipos, garantindo que todos os cidadãos sejam tratados com igualdade e justiça. A sociedade como um todo deve se esforçar para eliminar o racismo e o colorismo, promovendo a igualdade e a justiça para todos, independentemente de sua origem étnica ou cor de pele. Apenas assim podemos esperar alcançar uma sociedade verdadeiramente justa e equitativa.

3.   Cuidando de quem protege: O Policial Civil como titular de direitos humanos

A Polícia Civil do Estado de São Paulo, como guardiã da ordem pública e da segurança dos cidadãos, tem o dever de proteger e promover os direitos humanos, compromisso que deve ter como primazia o próprio policial.

Os policiais civis desempenham um papel crucial na proteção da sociedade e na aplicação da lei, enfrentam desafios e levam respostas à sociedade. Na correria do dia a dia, muitas vezes, esquecemo-nos que o servidor também é pessoa humana e titular de direitos, quais devem ser respeitados e protegidos.

Muitos são os direitos que poderiam ser enumerados ao policial, dentre tantos outros, condições de trabalho adequadas e dignas, treinamento de qualidade e formação/educação contínua, equipamentos de proteção, suporte psicológico, assistência médica, salários justos, jornadas de trabalho adequadas e oportunidades de promoção profissional.

Também é importante promover uma cultura organizacional que valorize os direitos humanos, o respeito à diversidade e a não discriminação dentro da Polícia Civil. Isso inclui combater qualquer forma de discriminação, assédio ou abuso dentro da instituição e promover a igualdade de oportunidades para todos os policiais, independentemente de sua origem étnica, gênero, orientação sexual ou qualquer outra característica pessoal.

Nesta pauta, expediu-se a Resolução SSP nº 02, de 01 de fevereiro 2024, instituindo o Núcleo de Assessoramento e Gestão em Saúde (NAGS-SSP) na Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo. O objetivo é formular, acompanhar e avaliar políticas públicas, programas e projetos de saúde física e mental para os integrantes das forças estaduais de segurança, assim como para seus familiares e dependentes.

Ao cuidar dos policiais civis como titulares de direitos humanos, não apenas estamos protegendo esses profissionais essenciais, mas também fortalecendo a eficácia e a legitimidade da instituição policial como um todo. Um ambiente de trabalho saudável e respeitoso contribui para a motivação, o engajamento e o desempenho dos policiais, refletindo-se positivamente na segurança e no bem-estar da comunidade que eles servem.

CONCLUSÃO

Diante da complexidade e relevância dos temas abordados neste trabalho, torna-se evidente a importância da análise da intersecção entre os direitos humanos, a segurança pública e a atuação policial para a consolidação de um Estado Democrático de Direito. Ao longo do estudo, foram apresentados os fundamentos teóricos da teoria geral dos direitos humanos, destacando-se conceitos essenciais e a arquitetura dos sistemas de proteção global e regionais, bem como a sua incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro.

Além disso, exploramos a relação intrínseca entre os direitos humanos e a segurança pública, evidenciando a importância da promoção dos direitos fundamentais no contexto da atuação policial. Nesse sentido, foram analisados os principais documentos internacionais de proteção aos direitos humanos voltados à segurança pública, assim como os instrumentos normativos nacionais, tanto em âmbito federal quanto estadual, que visam garantir a proteção e promoção dos direitos humanos no contexto da segurança pública.

Destacamos, ainda, a importância do garantismo penal e dos limites da atuação policial, ressaltando a dignidade da pessoa humana como valor supremo e a necessidade de proteção dos direitos das minorias e dos grupos vulneráveis. Nesse contexto, foi discutido o papel das Delegacias de Defesa da Mulher do Estado de São Paulo, assim como a consolidação das normas de serviço da Polícia Judiciária, que visam assegurar o respeito aos direitos humanos no exercício das atividades policiais.

Por fim, abordamos a importância do cuidado com os policiais civis enquanto titulares de direitos humanos, reconhecendo a sua relevância como agentes fundamentais na promoção e proteção dos direitos humanos no âmbito da segurança pública. Assim, ao considerar as reflexões e análises apresentadas ao longo deste trabalho, reafirmamos a necessidade de uma abordagem integrada e comprometida com a promoção dos direitos humanos em todas as esferas da atuação policial, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e democrática.

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