MENTAL HEALTH IN THE HILLS OF CRATEÚS: AN EPIDEMIOLOGICAL STUDY OF SUICIDE MORTALITY IN A MUNICIPALITY IN THE STATE OF CEARÁ
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202409301336
Marcus Brendo Reis de Melo1
Allana Ribeiro Porto Sales2
RESUMO
Falar sobre suicídio continua sendo um tabu em nossa sociedade apesar de termos avançado em relação a saúde mental. O suicídio é um fenômeno intrincado e multifatorial, resultante da interação complexa de diversas influências que vão além da esfera da saúde mental. Elementos sociais, psicológicos, econômicos, culturais e políticos desempenham papeis significativos nesse contexto, por ser um fenômeno que transcende as fronteiras demográficas, afetando indivíduos de variados estratos sociais. Este artigo tem como objetivo coletar e descrever dados coletados a respeito da mortalidade por suicídio no município de Crateús, Ceará, no período de 2013 a 2022. Um estudo epidemiológico, que condensa as informações disponíveis para análise como sexo, idade, quantidade de tentativas de suicídio e de casos consumados, com os quais podemos observar os possíveis fatores de risco e população mais afetada. Ao trazermos para análise os dados de mortalidade por suicídio, podemos estudar alguns dos fatores que podem ter interferência para um aumento ou diminuição dos casos e observamos a maior quantidade de casos consumados pelo sexo masculino, porém o maior número de tentativas foi do sexo feminino. Durante todos os anos analisados, a faixa etária em que há a maior quantidade de casos está entre 20 e 29 anos. Observou-se, assim como na literatura já consolidada, uma predominância no município de Crateús onde as mulheres apresentam taxas mais elevadas de ideação e tentativas de suicídio, enquanto os homens exibiram taxas mais elevadas de suicídio consumado.
Palavras-chave: Saúde Mental. Suicidologia. Psicologia da Saúde
ABSTRACT
Discussing suicide remains a taboo in our society, despite progress made in the field of mental health. Suicide is a complex and multifactorial phenomenon, resulting from the intricate interaction of various influences that extend beyond the realm of mental health. Social, psychological, economic, cultural, and political factors all play significant roles in this context, as it is a phenomenon that transcends demographic boundaries, affecting individuals from various social strata. This article aims to collect and describe data on suicide mortality in the municipality of Crateús, Ceará, from 2013 to 2022. An epidemiological study was conducted, consolidating available information for analysis, including variables such as gender, age, number of suicide attempts and of completed cases. These data allow us to observe possible risk factors and the most affected population groups. By analyzing suicide mortality data, we can study some of the factors that may influence an increase or decrease in cases. It was observed that while the highest number of completed suicides was among males, the highest number of attempts was among females. Throughout the years analyzed, the age group with the highest number of cases was between 20 and 29 years. Consistent with established literature, it was found that in the municipality of Crateús, women had higher rates of suicidal ideation and attempts, while men exhibited higher rates of completed suicides.
Keywords: Mental Health. Suicidology. Health Psychology.
1. INTRODUÇÃO
Existem diversas formas de se entender saúde, uma destas é a de que entendemos o fato de saúde-doença não estarem separados, mas interligados, sendo saúde a normalidade, onde passamos pelas variações desses modos de estar bem (saúde), ou estarmos mal (doença), uma compreensão mais positivista voltada ao físico, biológico e químico. Podemos também observar de uma forma subjetiva, onde esse conceito se liga a ideia de que não só o corpo, mas a mente, a cultura e a sociedade, por exemplo, são fatores determinantes de saúde (SARAFINO, 2004; ALCÂNTARA et al., 2022).
Nesse sentido, ao abordarmos sobre saúde, surge a necessidade de compreender os aspectos que envolvem o suicídio. De acordo com COELHO et al. (2022), o suicídio é uma forma de violência praticado pelo sujeito com a intenção de se auto lesionar, provocando a morte. O suicídio é um fenômeno complexo e de várias causas que não envolvem apenas saúde mental, mas fatores de ordem social, psicológica, econômica, cultura e política, afetando diversas pessoas com variadas idades, cor, raça, sexo e classes sociais (BRASIL, 2021).
As discussões que envolvem mortalidade por suicídio e todos os fenômenos que o permeiam são bem pertinentes a psicologia por ser uma categoria que tem como foco principal o cuidado com a saúde mental do ser humano. Durante os trabalhos realizados com atendimentos dentro da Atenção Básica e CAPS em atividades coletivas com outras categorias profissionais no município de Crateús, conhecemos algumas das demandas voltadas a saúde mental que nos fizeram pensar a respeito de um olhar mais profundo sobre a mortalidade por suicídio.
Outro dado que nos leva a pensar e pesquisar sobre este assunto se dá pela pandemia de COVID-19 enfrentada em todo mundo nos últimos anos. No dia 5 de maio de 2022 a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) junto à Organização Mundial de Saúde (OMS), publicou um texto onde declarava que a estimativa de mortalidade por COVID-19 entre o período de 1 de janeiro de 2020 e 31 de dezembro de 2021 no mundo foi de aproximadamente 14,9 milhões de pessoas (OPAS, 2022).
Para a Psicologia da Saúde, quando falamos em saúde e doença, o foco é voltado a prevenção e promoção de saúde, trabalhando de uma forma ampliada, analisando onde aquele sujeito está inserido em conjunto com características de saúde física e mental, verificando assim possíveis comportamentos que gerem risco ao mesmo (CROSSLEY, 2000).
Vemos que a Psicologia da Saúde então, não tem o foco no que diz respeito ao foro médico, e sim, em observar as formas como os indivíduos têm se relacionado com o seu processo de saúde-doença diante das relações subjetivas e com o social (ALMEIDA; MALAGRIS, 2011). Ou seja, observar o paciente como um todo, conhecendo por exemplo doenças preexistentes e observar de que formas os tratamentos de psicoterapia e/ou em conjunto outros profissionais, podem prevenir agravos principalmente na saúde mental (TEIXEIRA, 2004).
Há um número crescente das taxas de suicídio no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2021), onde mostram que por ano mais de 700.000 pessoas morrem vítimas de suicídio e para cada um desses ainda há um número maior de casos de tentativas de suicídio, onde o fato de já haver tentado uma vez torna-se um fator de risco mais eminente de uma próxima tentativa. Esses dados são baseados no mundo, de uma maneira geral da população, sendo famílias e até comunidades afetadas com os efeitos por traz do suicídio, sendo este a 4ª maior causa de óbitos no mundo (OMS, 2021).
Similarmente, os dados da população brasileira entre os anos de 2010 e 2019, segundo o Ministério da Saúde (2021), demonstram que a taxa de mortalidade por suicídio aumentou em 43%, com um total de 112.230 mortes sendo que os homens têm uma prevalência de risco 3,8 vezes maior que as mulheres.
No estado do Ceará, de janeiro de 2020 a setembro de 2021, a quantidade de óbitos por suicídio foi de um total de 1004 pessoas, um total de 194 do público feminino e 810 do público masculino, sendo desses casos 109 por intoxicação e 895 por lesão autoprovocada (COELHO et al., 2022).
Em Crateús há uma lei extremamente nova a qual trata do cuidado acerca da prevenção e posvenção ao suicídio. Ela foi idealizada por um profissional de psicologia do CAPS e foi levada adiante para a câmara para virar um projeto de lei e foi enfim aprovada. A lei n.º 833/2020 de 28 de julho de 2020 instituiu o Plano Municipal de Prevenção e Posvenção do Suicídio e a Comissão Permanente de Prevenção do Suicídio dentro do município de Crateús (PREFEITURA DE CRATEÚS, 2020).
O município de Crateús, com base nos dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022), tem cerca de 76.390 habitantes, os quais 8.377 pessoas são trabalhadores formais, representando 11,13% da população a colocando em 49° lugar em relação às outras 184 cidades do estado. Em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) per capita, Crateús está na 72º posição do estado.
Portanto, tendo em mãos essas informações e percebendo um alto número de óbitos por suicídio no Brasil e no mundo, observamos a necessidade de analisar, conhecer e entender os dados e fenômenos que estão envolvidos nas taxas de mortalidade por suicídio na nossa região.
2. METODOLOGIA
O método de construção deste artigo tem como base um estudo epidemiológico de base quantitativa e retrospectiva, realizado no município de Crateús, região interiorana do Ceará, com uma população estimada de 76.390 habitantes em 2022, último censo do IBGE (2022). Os dados para fundamentação serão coletados no DATASUS, que é uma base de dados responsável por divulgar as informações relacionadas à saúde, como morbimortalidade, indicadores epidemiológicos e demográficos.
Os dados a serem descritos durante o artigo que descrevem e enumeram os casos de mortalidade por suicídio no município de Crateús, foram retirados também das bases de dados do DATASUS e estão disponíveis no Sistema de Informações de Mortalidade no serviço de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Crateús.
Especificamente, coletamos informações relacionadas ao suicídio, que estão disponíveis no Sistema de Informações de Mortalidade no serviço de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Crateús. Como critério de inclusão, serão coletados dados sobre suicídio no período do ano de 2013 a 2022 na cidade de Crateús e pela incompletude de dados, serão excluídos a divisão entre casos da zona urbana e zona rural.
Para serem considerados como mortalidade por suicídio, os dados coletados têm como base a causas da morte como óbitos causados por lesões ou envenenamento auto-infligidos com a intenção de morte, baseados na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), dos códigos X60 a X84. Como forma de melhor entendimento da realidade apresentada, foram criados tabelas elencando-se as variáveis como: o número de suicídio por ano, sexo, idade e tipos de agressões.
Todas as informações coletadas são de domínio público, com base em dados secundários e de livre acesso, sendo não necessária a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa. Toda a pesquisa respeitou a Resolução nº 466/ 2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) com suas diretrizes éticas.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1. Apresentação dos dados coletados
Através da coleta de dados entre os anos de 2013 e 2022, foram registrados um total de 78 óbitos por suicídio no município de Crateús. Ao observar a tabela de número 1 a seguir, observa-se que houve uma queda de 50% entre os anos de 2019 e 2020, porém um aumento significativo nos anos seguintes, onde no ano de 2022 atingiu a maior taxa dos últimos 10 anos (aumento de 133% aproximadamente entre 2020 e 2022).
Pelos dados obtidos percebemos que os números de casos de mortalidade por suicídio nestes anos são sempre maiores com a população do sexo masculino, principalmente nos anos de 2017 e 2020 em que todos os casos foram desse sexo. Vemos também que entre os anos de 2017 e 2022 há um número muito discrepante quando comparamos a quantidade de suicídios consumados entre homens (43) e mulheres (9), onde os homens representam cerca de 82,7% do total.
Tabela 1 – Distribuição de óbitos por Violência Autoprovocada em Crateús entre os anos de 2013 e 2022
Fonte: DATASUS, 2024
Estes dados confirmam outros estudos relacionados a suicidologia, como dados publicados pela OMS de 2019 (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2021) onde mostram que no mundo cerca de 2,3 homens são vítimas de suicídio para cada mulher e no Brasil esse número é ainda maior, um valor estimado entre 3 a 3,9 vezes a mais.
Outras informações importantes a serem vistas são o número de óbitos por violência autoprovocada por faixa etária. A quantidade de ocorrência desse fenômeno foi prevalente na população que se encontra de 50 a 59 anos, representando 18 casos. Contudo, se compararmos com as duas faixas etárias anteriores, só há 1 caso a menos de 40 a 49 anos e 2 a menos de 30 a 39 anos como descrito na tabela 2.
Tabela 2 – Mortalidade por suicídio e Crateús por faixa etária entre 2013 e 2022
Fonte: DATASUS, 2024
Levando em consideração os dados sobre mortalidade por suicídio, há outro fenômeno que merece ser investigado e analisado: os casos de violência interpessoal ou tentativas de suicídio. Durante o período de anos abrangente da pesquisa foram registradas 439 tentativas de suicídio e nestes registros as mulheres emergem como o grupo mais vulnerável. Em 2022, um pico preocupante de 208 tentativas foi observado, com 117 envolvendo mulheres e 91 envolvendo homens. Nota-se que tanto em 2019 quanto em 2022 Crateús teve um aumento significativo no número de tentativas de suicídio em comparação com anos anteriores.
Tabela 3 – Violência interpessoal/autoprovocada em Crateús por ano e sexo
Fonte: DATASUS, 2024
Segundo os dados anteriores, é possível observar que entre 2013 e 2017 houve poucos casos se comparado aos anos seguintes. Essas informações acabam por fazer-nos pensar sobre a quantidade de subnotificação tanto relacionado aos casos de óbito por suicídio como de tentativas, já que por várias questões como tabu e religião por exemplo, muitos casos não são notificados como realmente deveriam ser (SCAVACINI; SILVA, 2021).
Na pesquisa feita no SINAN, procuramos também destacar as idades e os anos em que aconteceram essas tentativas. Aqueles que estão entre as idades de 20 a 29 anos foram os que mais tentaram em todos os anos de abrangência da pesquisa, demonstrando ainda um nível preocupante no ano de 2019 com 61 casos registrados e em 2022 com 48 casos registrados, disponível para leitura na tabela 4.
Tabela 4 – Violência interpessoal/autoprovocada em Crateús por ano e faixa etária
Fonte: DATASUS, 2024
Dentro da plataforma do Tabnet (DATASUS) também está disponível a consulta destes mesmos dados por raça. Entre estes anos de 2013 e 2022 vimos que a mortalidade por suicídio, ao considerarmos raça/cor, ocorreu com 11 pessoas brancas, 60 pardos e ainda 7 que não identificaram no registro a cor. E ainda os dados relacionados a violência interpessoal/autoprovocada por raça teve prevalência com 545 pardos; 144 brancos; 42 pretos; 31 indígenas; e 9 ignorados sem descrição.
Na tabela (5) a seguir, vê-se quais os métodos que foram utilizados para a consumação do óbito, sendo eles divididos com base na Classificação Internacional de Doenças (CID-10), onde encontramos todos os óbitos causados por lesões ou envenenamento auto-infligidos com a intenção de morte, classificados entre X60 e X84
Tabela 5 – Quantidade de óbitos por método de autolesão/autointoxicação dividido por sexo
Fonte: DATASUS, 2024
3.2. Análise epidemiológica dos dados coletados
Os resultados obtidos demonstram que entre o primeiro e sétimo ano a taxa de mortalidade se manteve num valor médio de 5,6 casos. No sétimo ano dobrou esse número, caiu pela metade no ano seguinte e voltou a subir até chegar em 2022 com o maior valor de todos os anos, 14 casos. Através das informações anteriormente citadas (ver tabela 1), observamos que estes corroboram com diversos artigos onde vemos a tamanha diferença entre a mortalidade por suicídio do sexo masculino para o feminino.
Considerando o público masculino, é importante observar que, tanto no Brasil quanto em todo o mundo, os dados revelam uma tendência preocupante: homens são as principais vítimas de violência autoprovocada. É alarmante constatar que muitos deles recorrem a métodos altamente letais em suas tentativas, intensificando ainda mais a gravidade desse cenário. (MOREIRA et al., 2017).
Quando se observa as tendências nos dados encontrados, vê se uma pluralidade de marcadores importantes acerca de fatores relacionados a sexo, raça, renda, trabalho e outros aspectos que atravessam e modelam a construção da subjetividade da população como um todo. O marcador relacionado a sexo, se destaca de forma bastante contundente na amostra analisada, no qual houvera uma prevalência significativa de mortes relacionadas ao sexo masculino, o qual se relaciona a tendência mundial de homens são três vezes mais propensos do que as mulheres a cometer suicídio, no qual uma das razões se dá pelo uso de métodos mais letais (MOREIRA et al., 2017).
Em relação às mulheres, estas menores taxas se relacionam às baixas taxas de alcoolismo, à religiosidade, às atitudes flexíveis em relação às aptidões sociais e ao desempenho de papeis que culturalmente lhe são imputados (MINAYO et al., 2012). Essas características, divergem em relação ao sexo masculino, no quais fatores culturais relacionados a gênese da identidade contemporânea masculina, são baseados no ideário engessado do homem enquanto um ser monolítico que possui seu sofrimento negado e que é moldado a não o expressar ou vivenciá-lo por sua totalidade. As autoras ainda ressaltam que o desempenho masculino relacionado às tentativas, envolve comportamentos machistas e agressivos, como competitividade, impulsividade e gosto por armas de fogo, os quais se relacionam fortemente a intensidade e gravidade dos atos.
Quanto aos meios utilizados, observa-se que o número mais elevado de mortalidade consumada está no código X70, que representa lesão autoprovocada intencionalmente por enforcamento, estrangulamento e sufocação (tabela 5). Podemos observar também que os meios utilizados por homens são geralmente os mais letais, pois há um número expressivo do sexo masculino que foi vitimado por esse meio. Já o público feminino, está entre aqueles que buscam meios menos letais de tentativa de suicídio, estando distribuídos os casos entre enforcamento/asfixia, autointoxicação medicamentosa, por pesticidas ou outros produtos químicos.
Em contraposição aos dados de mortalidade, observa-se que as mulheres representam uma parcela significativa nos registros de tentativas de suicídio. No período analisado em Crateús, foram documentadas 439 tentativas, correspondendo a 56,9% do total de casos registrados. Estes dados são coerentes com dados já consolidados na literatura, os quais apontam que mulheres tendem a apresentar maiores taxas de tentativas em relação aos homens (CANETTO, 2008).
Nesse sentido, o marcador de gênero se apresenta como uma variável altamente correlacionada ao fenômeno, o qual é modelado por aspectos culturais, históricos e sociais. Meneghel et al. (2013) ressalta que ao pensar o suicídio segundo o olhar de gênero, é necessário explorar a possibilidade de que as diferenças entre os sexos socialmente construídas, possam ser fatores de vulnerabilidades para as mulheres e inclusive tornar-se o gatilho de atos suicidas.
Quanto à faixa etária, observa-se que conforme o Ministério da Saúde (2021), no Brasil, a população mais afetada está entre 15 e 29 anos, sendo a quarta maior causa de mortes. Já a OMS (2021), ressalta que no mundo a população mais afetada está entre 20 e 29 anos. Nos dados analisados, fora possível observar uma prevalência divergente em relação a estes dados, no qual a faixa etária com mais óbitos registrados, fora a de 40 a 59 anos, enquanto as faixas etárias mais jovens (20 a 29 anos) apresentaram maior quantidade de tentativas.
Em relação a estes dados por faixa etária, levantou-se algumas hipóteses, como os sentimentos de solidão e prevalência de transtornos do espectro da depressão nessa faixa de idade, a questão do isolamento social, as dimensões subjetivas quanto ao processo de envelhecer (sentimentos de inutilidade, diminuição das capacidades físicas e cognitivas, etc.) e entre outros.
Ao observar a população de homens idosos, Minayo, Meneghel e Cavalcante (2012) apontam que o mesmo ambiente cultural que consagra e reproduz a supremacia masculina quando estes eram jovens, prejudica o homem quando, por exemplo, o leva a descuidar de sua saúde e a negar riscos frente a qualquer falha na função de provedor. Assim, quando este é afetado por condições diversas, ele tende a se calar e a não buscar apoio
No que tange aos fatores culturais associados ao fenômeno, é necessário ter um olhar atento às variáveis culturais que se imiscuem na sua expressão e construção. Quando observamos a região Nordeste como um todo, vê-se um amplo caldeirão de variáveis culturais que fomentam a construção do ideário e do repertório de cada sujeito neste território. Neste sentido, a complexidade do suicídio também é captada e modificada por estes aspectos.
Quando se estuda esses artigos e observarmos os dados colhidos a respeito de raça/cor e tentativa ou mortalidade por suicídio, podemos nos questionar se o número elevado de pretos e pardos serem mais vulneráveis pode ter ligação com todos esses outros fatores descritos anteriormente. Segundo o IBGE, no Brasil, as populações pretas e pardas representaram 55,9% da população total do país, onde estes recebem em média uma renda mensal de R$ 1.608,00 e a população branca R$ 2.796,00. Nos cargos gerenciais 68,6 são brancos. Outro dado agravante são os de mortalidade por homicídio, onde as taxas são de 43,4 mortes para cada 100 mil habitantes para pessoas pretas ou pardas e cerca de 15,3 para brancos (BRASIL, 2023; LOSCHI, 2019).
Biglan (2018) realizou estudos voltados para a área de prevenção de agravos à saúde. Suas pesquisas corroboram para a ideia de que a saúde, física ou mental, está associada a uma melhora (ou não) de acordo com múltiplos fatores de diversas ordens, sendo elas sociais, culturais, comportamentais e/ou cognitivas.
Nas crianças e em seus desenvolvimentos e habilidades sociais, encontram-se alguns fenômenos que trazem a ideia de perceber que o ambiente é capaz de ser participante nessa formação. Segundo Komro, Flay e Biglan (2011), existem: influências distantes, como acesso a recursos (comida, saúde, dinheiro, educação); influências mais próximas com os familiares e seus hábitos, sejam eles positivos ou negativos; funções biológicas, desenvolvimento neurológico, etc. e o que consideram como influências primárias que são competências sociais, estudos, regulação emocional e saúde.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A problemática acerca do suicídio atravessa diversas searas do conhecimento científico, as quais exigem uma abordagem direta e pautada na multiplicidade de variáveis associadas ao fenômeno. Nesse sentido, analisar e compreender as taxas de incidência deste fenômeno em um território definido, nos permite entender quais são os principais fatores associados a este contexto e, consequentemente, propor formas de intervenção personalizadas.
Em síntese, se pôde observar que no município de Crateús, houvera uma predominância já confirmada na literatura de mulheres apresentarem maiores taxas de ideação e tentativas de suicídio, enquanto os homens apresentaram maiores taxas de suicídio. Além disso, se pôde constatar que a população idosa vem apresentando dados significantes quanto ao óbito associado ao suicídio, enquanto as faixas etárias mais jovens (20 a 29 anos) apresentaram maior quantidade de tentativas.
Tais dados ressaltam a necessidade de ações mais amplas voltadas a prevenção do suicídio no território. Iniciativas como a Lei n.º 833/2020 de 28 de julho de 2020, a qual instituiu o Plano Municipal de Prevenção e Posvenção do Suicídio e a Comissão Permanente de Prevenção do Suicídio dentro do município de Crateús (PREFEITURA DE CRATEÚS, 2020), são iniciativas inovadoras, que permitem vislumbrar um futuro mais promissor em relação à problemática.
Assim, espera-se que esta pesquisa, possa trazer contribuições acerca da discussão do suicídio no município de Crateús e colocar o assunto em voga, o qual infelizmente ainda é tratado com tabu no território, o que impede que as ações preventivas e de cuidado, possam atingir o seu potencial completo de abrangência e eficácia.
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1Bacherel em Psicologia, Faculdade Princesa do Oeste – FPO (Crateús, Ceará)
2Doutora em Psicologia, Universidade de Fortaleza – UNIFOR (Fortaleza, Ceará)