MENTAL HEALTH IN FAMILY MEDICINE: A CASE REPORT IN A FAMILY CONTEXT
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202501192054
Angélica Caroline Leandro1
RESUMO
A depressão é um grave problema de saúde mental no Brasil, com alta prevalência em mulheres e pessoas com doenças crônicas, destacando-se como a principal causa de incapacidade global. Objetivo: Esta pesquisa teve como objetivo investigar a influência da relação médico-paciente na Estratégia Saúde da Família (ESF) no diagnóstico e tratamento da depressão em uma comunidade rural. Justifica-se pela relevância da saúde mental no contexto da atenção primária, onde a ESF desempenha um papel estratégico. Método: A metodologia incluiu um estudo de caso qualitativo, com análise do atendimento a uma paciente de 40 anos, realizado por uma equipe da ESF em Monteiro-PB. Dados foram coletados por visitas domiciliares e entrevistas com a paciente e sua família, focando na interação entre equipe de saúde, paciente e comunidade. A fundamentação teórica baseou-se em modelos de atenção primária e determinantes sociais de saúde. Resultados: Os resultados evidenciam que o acompanhamento contínuo, a abordagem humanizada e o fortalecimento da rede de apoio familiar foram determinantes para uma melhora do quadro clínico da paciente, que apresentou redução dos sintomas depressivos e dos pensamentos suicidas. Conclusão: Conclui-se que a ESF, ao integrar ações descentralizadas e humanizadas, pode promover impactos positivos na saúde mental em áreas rurais, reforçando a necessidade de políticas públicas que ampliem a cobertura e qualifiquem os serviços de atenção primária.
Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde.Depressão. Relações Médico-Paciente. Saúde mental.
ABSTRACT
Depression is a serious mental health issue in Brazil, with high prevalence among women and individuals with chronic diseases, and is recognized as the leading cause of global disability. Objective: This study aimed to investigate the influence of the doctor-patient relationship in the Family Health Strategy (FHS) on the diagnosis and treatment of depression in a rural community. It is justified by the relevance of mental health in the context of primary care, where the FHS plays a strategic role. Method: The methodology involved a qualitative case study, analyzing the care of a 40-year-old patient provided by an FHS team in Monteiro-PB. Data were collected through home visits and interviews with the patient and her family, focusing on the interaction between the health team, the patient, and the community. The theoretical framework was based on primary care models and social determinants of health. Results: The results highlight that continuous follow-up, a humanized approach, and the strengthening of the family support network were crucial factors for the improvement of the patient’s clinical condition, with a reduction in depressive symptoms and suicidal thoughts. Conclusion: It is concluded that the FHS, by integrating decentralized and humanized actions, can have a positive impact on mental health in rural areas, reinforcing the need for public policies that expand coverage and enhance primary care services.
Keywords: Primary Health Care. Depression. Doctor-Patient Relationships. Mental Health.
1. INTRODUÇÃO
A depressão tem se destacado como um dos principais problemas de saúde mental no Brasil, com uma prevalência alarmante em comparação a outros países de renda média. Um estudo internacional sobre a prevalência de depressão em 18 países revelou que o Brasil lidera essa estatística, o que chama atenção para a gravidade da situação (OMS, 2017). A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) indica que os sintomas depressivos são mais comuns em mulheres, indivíduos com menor nível educacional e aqueles que convivem com doenças crônicas, como diabetes, hipertensão e problemas cardíacos (Brasil, 2019).
A depressão é caracterizada pela presença de pelo menos cinco sintomas, que devem ocorrer na maior parte do tempo durante um período mínimo de duas semanas e impactar as atividades diárias do indivíduo. Entre esses sintomas estão o humor deprimido, perda de interesse em atividades anteriormente prazerosas, alterações no apetite, insônia ou hipersonia, fadiga, agitação ou lentidão psicomotora, sentimentos de inutilidade ou culpa, dificuldades de concentração e tomada de decisões, além de pensamentos recorrentes de morte e até tentativas de suicídio. Esses sintomas, quando persistem, podem transformar a depressão em uma condição crônica, que provoca sofrimento contínuo e dificulta a adaptação do paciente às demandas cotidianas (American Psychiatric Association, 2014).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o transtorno depressivo maior é a principal causa de incapacidade no mundo, um dado que é medido pela quantidade de anos vividos com incapacidade (do inglês Years lived with disability – YLD). Além disso, as projeções indicam que, em cerca de 11 anos, a depressão será a principal responsável pela carga global de doenças, um índice calculado pelos anos de vida ajustados para incapacidade (do inglês disability-adjusted life year – DALY), que combina os anos perdidos por morte prematura com os anos vividos com incapacidade ().
No Brasil, dados de 2022 revelam que o país apresenta a maior prevalência de depressão na América Latina, com 5,8% da população afetada (Brasil, 2022). Esse cenário evidencia a importância de estratégias de cuidado voltadas à saúde mental. No contexto da Estratégia Saúde da Família (ESF), destaca-se sua organização descentralizada e próxima à vida das pessoas, facilitando o ordenamento do fluxo entre os serviços da rede e o percurso dos usuários (Molck; Barbosa; Domingos, 2021).
O estudo de caso foi realizado no contexto da Estratégia Saúde da Família (ESF), que reorganiza a atenção básica no Brasil, promovendo maior impacto na saúde das comunidades. Reconhecida por gestores como uma estratégia de expansão e qualificação, a ESF aprofunda os princípios do SUS e melhora a relação custo-efetividade das ações realizadas (Brasil, 2024).
A ESF surgiu como parte de um esforço para reorganizar e fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), contribuindo para sua gestão e integralidade. Criada em 1994, sua configuração atual começou a tomar forma a partir de 1998, quando foi necessário enfrentar os desafios de implementação desse novo modelo. Apesar das dificuldades iniciais, como a insuficiência de cobertura total das Unidades Básicas de Saúde (UBS), a ESF consolidou-se como um pilar fundamental da atenção primária, integrando a participação da comunidade e a descentralização das ações de saúde (Ramos, 2024).
Diante desse contexto, o objetivo desta pesquisa foi compreender como a relação médico-paciente no âmbito da ESF, enquanto primeiro ponto de atendimento, pode influenciar na agilidade do diagnóstico e no início do tratamento. Nesse cenário, é evidente a presença do sofrimento nos serviços da ESF, dada a complexidade e a frequência das situações enfrentadas diariamente pelos profissionais nesses centros de saúde, o que reforça a importância de uma atenção primária estruturada para acolher e tratar essas demandas (Coroa, 2022).
Na ESF, a relação médico-paciente é essencial para o cuidado integral. O paciente, ao buscar ajuda, espera que o médico, como detentor do saber, restabeleça a normalidade e resolva seu sofrimento, muitas vezes por meio de tratamentos medicamentosos. O médico, ao classificar os sintomas, exerce uma autoridade que é aceita pelo paciente, que acredita que o tratamento será a solução para suas dificuldades (Freitas; Reuter, 2021).
A depressão é um dos principais problemas de saúde mental no Brasil, com alta prevalência, especialmente entre mulheres e pessoas com doenças crônicas. A Estratégia Saúde da Família (ESF) desempenha um papel crucial ao organizar a atenção primária, permitindo um cuidado mais próximo e rápido, essencial para o diagnóstico e tratamento de transtornos mentais como a depressão. A ESF facilita a interação entre profissionais de saúde e comunidade, promovendo um atendimento mais eficaz e humanizado.
Este artigo abordará a relação médico-paciente na ESF, destacando como essa interação influencia o diagnóstico e tratamento da depressão. A análise enfocará o papel do médico como detentor do conhecimento e a confiança do paciente no tratamento, discutindo os desafios da ESF e a importância de um atendimento acolhedor e estruturado para enfrentar as demandas de saúde mental.
2. METODOLOGIA
Este estudo adotou uma abordagem qualitativa (Flick, 2013), tendo como método principal o relato de caso (Yoshida, 2007) para investigar o impacto da Estratégia Saúde da Família (ESF) na saúde mental de pacientes com transtornos depressivos em uma comunidade rural. A pesquisa foi desenvolvida por meio de uma análise do atendimento realizado a uma paciente de 40 anos, residente na zona rural de Monteiro-PB.
O estudo foi baseado em um caso específico de uma paciente atendida por uma equipe da ESF, sendo que as informações sobre a paciente e sua evolução clínica foram coletadas durante o acompanhamento médico realizado ao longo de três meses. O estudo de caso incluiu também a experiência de atendimento da família da paciente, com foco na integração da equipe de saúde com os familiares e a comunidade local.
A coleta de dados ocorreu a partir das visitas domiciliares (Teixeira, 2009; Savassi, Dias, 2006) realizadas pela equipe de saúde da ESF. Durante essas visitas, foram registrados os dados clínicos da paciente, incluindo a evolução dos sintomas de depressão, o uso de medicações e a resposta ao tratamento.
Durante o estudo, foram realizadas conversas com a paciente e seus familiares para compreender o impacto do tratamento e a percepção dos envolvidos sobre o acompanhamento oferecido pela ESF. As conversas foram conduzidas de forma confidencial, assegurando o consentimento informado dos participantes. Além disso, foi observada a interação familiar e a participação da paciente nas atividades diárias. Foram registradas mudanças no comportamento e no estado emocional da paciente ao longo do acompanhamento.
Os dados qualitativos (Minayo, 2006) coletados foram analisados com base na análise de conteúdo, buscando identificar os principais temas relacionados à saúde mental, à atuação da ESF, ao papel do apoio familiar e aos desafios específicos da comunidade rural.
A análise também considerou o contexto social e cultural da zona rural, avaliando as implicações do atendimento oferecido e os impactos do modelo de saúde na melhoria do quadro de saúde mental da paciente. Além disso, foram considerados os determinantes sociais em saúde, como fatores econômicos, educacionais e de acesso a serviços, que influenciam diretamente a saúde mental da população rural, impactando tanto a eficácia das intervenções quanto a equidade no atendimento prestado pela Estratégia Saúde da Família – ESF (Machado et al., 2023).
O estudo seguiu todos os princípios éticos estabelecidos para a pesquisa em saúde, respeitando a privacidade e o sigilo das informações. No entanto, como tratou-se de um relato de caso, os resultados e conclusões não podem ser generalizados para todas as populações rurais ou para todos os casos de transtornos depressivos. Contudo, as informações obtidas contribuíram para uma compreensão mais aprofundada da ESF no contexto da saúde mental em áreas rurais.
3. RELATO DE CASO
Este relato de caso tem como amostra uma paciente atendida pela equipe de saúde da ESF em uma ação itinerante no Sítio Impueira Funda, na zona rural de Monteiro-PB. A paciente, uma mulher de 40 anos, inicialmente procurou a unidade de saúde devido a preocupações com seu filho adolescente, que apresentava sintomas de depressão e ansiedade. Contudo, durante a consulta, a paciente revelou sintomas de um quadro clínico mais grave: depressão profunda com ideação suicida. Este relato discute o processo de identificação do transtorno, a importância da abordagem humanizada, do acompanhamento contínuo e do suporte familiar no tratamento e recuperação da paciente.
O jovem apresentava sintomas típicos de depressão, como isolamento social, irritabilidade, e dificuldades para lidar com a separação dos pais. Entretanto, durante a consulta, a equipe de saúde notou que a paciente também demonstrava sinais de sofrimento emocional, como tristeza profunda, cansaço extremo e pensamentos suicidas. A paciente relatou, em conversa com os profissionais, que, em momentos de desespero, chegou a considerar a morte e a de seu filho como uma forma de escapar de sua dor emocional.
Após uma avaliação mais detalhada, foi identificado que a paciente estava enfrentando um quadro clínico de depressão severa, com ideação suicida, que exigia intervenção imediata. Foi iniciado um tratamento com antidepressivos, aliado a sessões de acompanhamento psicológico, e um plano de visitas domiciliares regulares para monitoramento do progresso da paciente.
A equipe de saúde, composta por médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde, estabeleceu um vínculo de confiança com a paciente, o que facilitou a comunicação sobre seu sofrimento e permitiu a intervenção precoce. O atendimento inicial foi seguido de acompanhamento contínuo, com visitas regulares à residência da paciente, o que foi essencial para garantir que o tratamento fosse mantido e que a paciente recebesse o suporte necessário para sua recuperação.
A abordagem humanizada foi um elemento chave para o sucesso do tratamento da paciente. A escuta ativa e a empatia demonstrada pela equipe de saúde foram fundamentais para que a paciente se sentisse confortável em compartilhar seus sentimentos e pensamentos. Nesse contexto, a abordagem integral da ESF, que leva em consideração o paciente em sua totalidade — seus aspectos físicos, emocionais, familiares e sociais — é essencial no tratamento de transtornos mentais.
A equipe de saúde não tratou apenas os sintomas da paciente, mas também se preocupou com seu contexto de vida, suas preocupações familiares e as questões sociais que poderiam estar influenciando seu quadro clínico. Esse olhar de totalidade é fundamental para a promoção da saúde mental, pois reconhece que a saúde não é apenas a ausência de doença, mas um estado de bem-estar físico, mental e social.
Nesse sentido, a equipe realizou o atendimento durante as visitas domiciliares semanais realizadas na zona rural de Monteiro-PB, como parte do trabalho itinerante de assistência em saúde. Foi iniciado o uso de antidepressivos, e a paciente foi encaminhada para acompanhamento psiquiátrico e psicológico, enquanto recebia suporte contínuo dos profissionais de saúde durante as visitas semanais. O psiquiatra introduziu ansiolíticos e indutores do sono ao esquema terapêutico.
As consultas semanais foram combinadas diretamente com a paciente, que aceitou prontamente a proposta e demonstrou cooperação com o plano de tratamento. Além disso, durante as visitas, a equipe de saúde orientou os familiares próximos sobre como oferecer suporte emocional e monitorar possíveis sinais de agravamento no quadro clínico da paciente. Abaixo tem-se o quadro com as principais ações desenvolvidas nesse acompanhamento:
Quadro 1. Ações interventivas no acompanhamento da paciente
Ação Realizada | Objetivo/Justificativa | Responsáveis | Frequência/Período |
Identificação do quadro clínico (triagem inicial) | Diagnóstico da condição de saúde mental da paciente. Identificação de depressão severa com ideação suicida. | Médico (ESF) | Primeira consulta durante a visita domiciliar. |
Entrevista clínica e anamnese | Avaliação das condições psicossociais e emocionais da paciente, identificando fatores desencadeantes da depressão. | Médico (ESF) | Durante consulta inicial. |
Avaliação do risco de suicídio | Identificação de riscos iminentes à vida da paciente, análise da ideação suicida e possíveis planos suicidas. | Médico (ESF) | Durante a consulta inicial, com acompanhamento posterior. |
Início do tratamento farmacológico | Início do uso de antidepressivos, ansiolíticos e indutores do sono para controle imediato dos sintomas depressivos e ansiosos. | Médico (ESF) | Imediatamente após diagnóstico clínico. |
Encaminhamento para acompanhamento psiquiátrico | Encaminhamento da paciente para avaliação psiquiátrica especializada para controle e ajustes da medicação. | Médico (ESF) | Após diagnóstico, conforme necessidade de cuidados adicionais. |
Monitoramento dos efeitos adversos dos medicamentos | Acompanhamento do impacto da medicação, observando efeitos colaterais como sonolência excessiva, náuseas, etc., e ajustes necessários. | Médico (ESF) | Durante visitas domiciliares semanais ou conforme a resposta da paciente ao tratamento. |
Ajuste de medicação (dosagem e tipo) | Ajuste da dosagem dos antidepressivos e introdução de ansiolíticos ou outros medicamentos de acordo com a resposta da paciente e as necessidades emergentes. | Médico (ESF) | Durante o acompanhamento contínuo, principalmente após o primeiro mês de tratamento. |
Encaminhamento para a paciente continuar o acompanhamento psicológico | Reforço do tratamento psicoterápico junto ao acompanhamento psiquiátrico, para abordar fatores emocionais e familiares no quadro depressivo. | Médico (ESF) | Durante as consultas, com encaminhamento para psicólogos e outros profissionais conforme necessário. |
Consultas de seguimento para acompanhamento do quadro clínico | Manter acompanhamento periódico para garantir a estabilidade do quadro, a manutenção da saúde mental da paciente e a prevenção de recaídas. | Médico (ESF) | Mensal, com ajustes conforme evolução do quadro clínico. |
Orientações sobre autocuidado e prevenção de recaídas | Orientações sobre práticas de autocuidado, como exercícios físicos, alimentação saudável, e técnicas de manejo do estresse, para fortalecer a recuperação e prevenir recaídas. | Médico (ESF) | Durante visitas domiciliares e consultas. |
Fortalecimento do vínculo entre paciente e equipe de saúde | Estabelecimento de uma relação de confiança e apoio mútuo, facilitando a comunicação e o compromisso com o tratamento. | Enfermeiro (ESF), Médico (ESF), ACS | Durante todas as visitas, com foco em criar um ambiente de empatia e apoio constante. |
Fonte: Autoria própria (2024)
No primeiro mês de tratamento, houve uma redução nos pensamentos suicidas, com relato de melhora no humor e maior interesse em atividades cotidianas. No segundo mês, as visitas passaram a ser quinzenais, e a paciente apresentou avanços consistentes, retomando atividades domésticas e fortalecendo laços familiares. No terceiro mês, relatou sentir-se “mais viva” e agradeceu à equipe pelo suporte prestado. Nesse momento, as consultas foram ajustadas para um intervalo mensal, mantendo-se o acompanhamento e a renovação das medicações, que já estavam estabilizadas.
Após a estabilização do quadro da paciente, ela trouxe o filho para acompanhamento. Apesar do quadro leve apresentado pelo adolescente, ele foi encaminhado ao psicólogo e ao psiquiatra para início de terapia e avaliação medicamentosa, garantindo um cuidado preventivo e complementando o suporte familiar iniciado.
4. DISCUSSÃO
Os transtornos mentais (TM) englobam condições que podem impactar profundamente a funcionalidade de indivíduos, estando associados a fatores como disfunções biológicas, sociais, psicológicas, genéticas, físicas ou químicas. Essas condições apresentam-se de diversas formas e podem incluir alterações em pensamentos, percepções, emoções e comportamentos, afetando também as relações interpessoais (Gouveia et al., 2020).
Entre os transtornos mais comuns estão a depressão, o transtorno afetivo bipolar, a esquizofrenia, as psicoses, demências, deficiências intelectuais e transtornos de desenvolvimento, como o autismo. Esses aspectos, segundo Gouveia et al. (2020), estão classificados na Classificação Internacional de Transtornos Mentais e de Comportamento (CID-10), que fornece diretrizes para a compreensão e manejo dessas condições.
A depressão, um dos transtornos mentais mais recorrentes, teve sua conceituação como condição específica consolidada apenas no final do século XVII. Segundo Cunha et al. (2012, apud Gouveia et al., 2020), o termo “depressão” foi inicialmente empregado em 1680 para descrever uma tristeza profunda, frequentemente acompanhada de desconfiança e visões pessimistas sobre si mesmo e o ambiente ao redor. Com o passar do tempo, os sintomas associados a essa condição expandiram-se, passando a incluir perda de interesse em atividades, alterações no sono e no apetite, fadiga e até dores físicas, como cefaleias.
A depressão é entendida como resultado da interação de fatores biológicos, psicológicos e sociais (Gouveia et al., 2020). Fatores biológicos, como a presença de casos de depressão na família, podem predispor o indivíduo à doença. Já os fatores psicológicos e sociais, como a perda de um ente querido ou a falta de suporte social, frequentemente desencadeiam episódios depressivos. Além disso, as alterações nos sistemas químicos do cérebro, particularmente com relação a neurotransmissores como a noradrenalina e a serotonina, têm um papel central nesse processo. Esses múltiplos fatores atuam conjuntamente para contribuir para o desenvolvimento da depressão (Gouveia et al., 2020).
A depressão, além de ser uma das principais causas de incapacidade no mundo, afeta cerca de 300 milhões de pessoas globalmente. Ela é caracterizada por uma tristeza persistente e perda de interesse por atividades que antes eram prazerosas, acompanhada pela dificuldade de realizar tarefas cotidianas por pelo menos 14 dias consecutivos. Nos casos mais graves, a depressão pode levar a sérios danos à saúde mental, incluindo o suicídio (OPAS; OMS, 2024).
O diagnóstico tardio da depressão pode causar complicações para a saúde mental dos pacientes, o que torna a detecção precoce e a atuação preventiva fundamentais. Nesse contexto, no âmbito da atenção primária à saúde, são identificados os sinais iniciais da depressão e encaminhado os pacientes para o tratamento adequado. A prevenção e o suporte adequado desde os primeiros sinais podem reduzir os danos a longo prazo e melhorar a qualidade de vida das pessoas afetadas pela doença (Gouveia et al., 2020).
Nas últimas décadas, o modelo de assistência em saúde mental no Brasil passou por diversas transformações, com ênfase na desinstitucionalização e na reabilitação psicossocial. Esses processos têm resgatado o território como um elemento central para o trabalho em saúde, focando na atenção psicossocial de forma mais integrada à realidade local (Santos et al., 2020; Yasuí; Luzio; Amarante, 2018).
A Atenção Básica, neste contexto, ocupa um papel fundamental, atuando como a base de articulação dos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Ao integrar os especialistas da saúde mental com os profissionais generalistas da Atenção Básica, cria-se um ambiente propício para novas práticas profissionais e modelos de cuidado mais integrados e acessíveis, com foco na integralidade do atendimento (Santos et al., 2020; Brasil, 2014; Moliner, Lopes, 2013).
Entretanto, essa integração entre as diferentes esferas da saúde mental e Atenção Básica representa um desafio, principalmente devido a alguns aspectos do modelo assistencial vigente. A centralização das ações no modelo biomédico, a verticalização do atendimento e a pouca valorização do sujeito nas relações de cuidado ainda são obstáculos a serem superados (Brasil, 2014).
Para enfrentar essas dificuldades e qualificar a atenção à saúde, o Ministério da Saúde introduziu os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), com a proposta de integrar diversas categorias profissionais às equipes das Unidades de Saúde da Família (USF). Essa estratégia busca implementar o conceito de apoio matricial e transformar as relações de trabalho em saúde, promovendo uma abordagem mais colaborativa e multidisciplinar (Brasil, 2014).
No caso específico da saúde mental, o apoio matricial proporcionado pelos NASF tem se mostrado eficaz ao potencializar a abordagem diagnóstica e terapêutica, além de fortalecer a construção de projetos terapêuticos singulares e coletivos. A integração dos serviços especializados com a Atenção Básica, por meio de intervenções psicossociais, tem sido essencial para melhorar o cuidado aos usuários em sofrimento psíquico, respeitando os princípios da integralidade, longitudinalidade e autonomia. Além disso, o trabalho interprofissional e colaborativo tem fortalecido a articulação entre os serviços de saúde, ampliando a cobertura e a qualidade do atendimento (Gonçalves, 2018).
Diante desse contexto, a atuação de profissionais da saúde em áreas rurais é fundamental para levar assistência às populações que frequentemente têm acesso limitado a unidades de saúde estruturadas. Esse trabalho, que muitas vezes ocorre por meio de visitas domiciliares, permite identificar precocemente situações de risco e proporcionar intervenções adequadas, mesmo em condições de infraestrutura limitada (Peixoto; Gomes; Souza, 2023).
A depressão é uma condição prevalente em contextos rurais, frequentemente subdiagnosticada devido à baixa procura por serviços especializados. Este relato de caso ilustra como a escuta qualificada e a abordagem humanizada em visitas domiciliares podem transformar o curso de um transtorno mental grave, reforçando o impacto positivo do cuidado centrado na pessoa (Peixoto; Gomes; Souza, 2023).
Diante desse contexto, a Estratégia de Saúde da Família (ESF) constitui em uma estratégia importante para a promoção da saúde e o acesso aos serviços de saúde na zona rural. Muitas vezes a USF (Unidade de Saúde da Família) representa a única alternativa de assistência disponível. Os desafios enfrentados por essas comunidades, como o isolamento e a falta de recursos, dificultam o acesso à informação e aos serviços de saúde, principalmente no que concerne à saúde mental da população rural do país.
Estudos indicam que a população rural frequentemente enfrenta dificuldades financeiras e de transporte, o que impede o acesso a serviços de saúde mais especializados (Oliveira et al., 2020). Nesse contexto, a ESF se destaca como um serviço essencial, buscando atender às necessidades de saúde da população de forma mais próxima e acessível.
Além de garantir o acesso à saúde, a ESF também contribui para a valorização e satisfação dos profissionais de saúde que atuam em áreas rurais. Essa identificação com o contexto rural permite que os profissionais aprendam com a realidade dos moradores, enriquecendo sua prática mais humana e promovendo um cuidado mais integral (Oliveira et al., 2020). Assim, a atuação da ESF se torna um espaço de aprendizado e crescimento tanto para os profissionais quanto para a comunidade, reforçando sua importância na promoção da saúde integral no meio rural.
5. CONCLUSÃO
Este relato de caso evidenciou a importância da abordagem humanizada, do acompanhamento contínuo e do fortalecimento da rede de apoio familiar e comunitária no tratamento da depressão na atenção primária à saúde. A atuação da ESF foi essencial para a identificação precoce do quadro clínico da paciente e a implementação do tratamento.
Nesse sentido, a participação da família e o vínculo médico-paciente foram determinantes para o sucesso do tratamento, evidenciando que a saúde mental não pode ser tratada isoladamente, mas deve ser integrada ao contexto social e familiar do paciente. A experiência relatada neste caso reforça a importância de se investir na qualificação e ampliação dos serviços de saúde mental, especialmente em áreas rurais, onde o acesso a tratamentos especializados é limitado.
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1 Médica pelo Centro Educacional de Ensino Superior de Patos (UNIFIP), residente do Programa de Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade da Escola de Saúde Pública do Governo da Paraíba. E-mail: angelica_leandro@outlook.com