MENTAL HEALTH AND SUICIDE OF PUBLIC SECURITY OFFICERS: A BIBLIOGRAPHIC ANALYSIS
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202502242334
Voldik Albenon Andrade Júnior1,
Sergio Ricardo Schierholt2
RESUMO
A saúde mental dos policiais é uma área de extrema importância e preocupação dentro das forças de segurança em todo o mundo. O trabalho policial muitas vezes envolve situações altamente estressantes, traumáticas e perigosas, o que pode ter um impacto significativo na saúde mental desses profissionais. Objetivo: Realizar uma revisão sistemática da literatura para compreender os principais desafios e riscos relacionados à saúde mental dos policiais, incluindo estudos sobre estresse ocupacional, transtornos psicológicos e estratégias de promoção do bem-estar e possibilidades e interfaces da Saúde Coletiva. Métodos: Revisão sistemática da literatura. A busca por artigos foi feita na base de dados SciELO com publicações de 2018 a 2023 em língua portuguesa. Para a base de dados também foram usados o Anuário da Segurança Pública, as publicações feitas de 2019 a 2023 além do Boletim epidemiológico para dar mais consistência qualitativa à discussão. Resultados: Foram selecionados 10 estudos categorizados em estudos transversais, revisões sistemáticas, revisões integrativas, estudo descritivo-analítico, estudo etnográfico e estudo quantitativo, observacional e transversal. Os resultados foram caracterizados em: Estresse na Profissão Policial; Suicídio entre policiais; Hierarquia, Disciplina e a Desvalorização Policial; Desafios da atividade policial; Saúde Coletiva e a estratégias de promoção do bem-estar. Conclusão: Os profissionais de segurança enfrentam uma situação preocupante devido à negligência do poder público, evidenciada pela alta taxa de suicídios no grupo. A ausência de dados consistentes e sistemas de informação padronizados dificulta a compreensão e o enfrentamento eficaz dos problemas enfrentados por esses profissionais. Além dos perigos físicos, como jornadas exaustivas e exposição à violência, esses agentes lidam com condições de trabalho que resultam em adoecimento físico e mental. É urgente que a sociedade e as autoridades reconheçam a importância de salvaguardar a saúde desses profissionais, implementando medidas de apoio e criando ambientes laborais mais saudáveis, essenciais para garantir seu bem-estar e contribuição vital para a sociedade.
Palavras-chave: Policiais; Saúde Coletiva; Saúde Mental; Suicídio
1 INTRODUÇÃO
A saúde mental é um fator determinante para um ser humano prosperar em sociedade, tão importante quanto a saúde física. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde mental como condição de bem-estar na qual a pessoa pode empregar suas próprias capacidades, lidar com o estresse diário, manter a produtividade e contribuir para sua comunidade (OMS, 2013). A pesquisa feita pela agência, divulgada em 2022, mostrou que em 2019, quase um bilhão de pessoas – incluindo 14% dos adolescentes do mundo – viviam com um transtorno mental. O suicídio foi responsável por mais de uma em cada 100 mortes e 58% dos suicídios ocorreram antes dos 50 anos de idade. Os transtornos mentais são a principal causa de incapacidade, causando um em cada seis anos vividos com incapacidade. Pessoas com condições graves de saúde mental morrem em média 10 a 20 anos mais cedo do que a população em geral, principalmente devido a doenças físicas evitáveis. A depressão e a ansiedade aumentaram mais de 25% apenas no primeiro ano da pandemia (OMS, 2022).
Os agentes da segurança são os pilares fundamentais de uma sociedade democrática os quais têm o papel, de acordo com a Carta Magna de 1988 em seu artigo 144 caput, preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (BRASIL, 1988). Não há como se falar de uma polícia capacitada e cidadã sem falar de saúde mental. Este é um aspecto crucial da qualidade de vida de qualquer indivíduo, e quando se trata de profissionais que atuam em atividades de alto estresse, risco e extremamente desgastante física e emocionalmente como os policiais (BORGES, 2013), esse cuidado torna-se ainda mais fundamental. A vida de um policial é permeada por desafios constantes, desde o enfrentamento de situações perigosas até a exposição a cenários traumáticos e conflitos sociais (FONTANA et al., 2016).
O Brasil é um país continental com 8.515.759 quilômetros quadrados de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com uma população estimada de 203.062.512. Ainda é composto por 27 unidades federativas e no que tange a segurança pública destaca-se que cada unidade da federação tem 3 policiais cada: Polícia Civil, Polícia Militar, e Polícia Penal Estadual. O governo federal tem em sua jurisdição três principais forças policiais: a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Penal Federal, além da Polícia Ferroviária Federal está praticamente extinta (LIMA, 2022) totalizando 85 Instituições policiais operando efetivamente.
Esses dados mostram a complexidade na formulação de políticas públicas voltadas à segurança visto que o Brasil apresenta diversidade geográfica e cultural, além da criminalidade nas fronteiras com o contrabando, descaminho e tráfico em um espaço territorial o qual o Brasil faz fronteira com 10 dos 12 países da América do Sul, totalizando uma extensão de 16.885,7 quilômetros e também o mar territorial brasileiro que compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura (Lei nº 8.617/93). O trabalho na fronteira é feito pela polícia federal, rodoviária federal com apoio das polícias estaduais da região.
Nesta perspectiva, é essencial compreender os desafios que os policiais enfrentam em seu dia a dia e essa relação com sua saúde mental e buscar estratégias que promovam o cuidado, o suporte e a prevenção de problemas psicológicos nesse contexto profissional. A atividade policial intensa e arriscada, aliada às longas horas de trabalho em turnos, cria uma propensão natural a dores no corpo. Isso se deve ao tempo prolongado em que os policiais precisam permanecer em posição ereta, ao uso de equipamentos como coletes balísticos e cintos de guarnição, e ao estresse físico e emocional inerentes à profissão (SANTOS et al., 2021). A exaustão física e a falta de equilíbrio emocional podem induzir esses profissionais a adotarem comportamentos irracionais durante momentos de crise e situações caóticas. Consequentemente, essas ações podem comprometer a eficácia no cumprimento de suas funções, colocando tanto os policiais quanto o público em risco (OLIVEIRA et al., 2010; CASTRO et al., 2019). Os policiais formam um grupo de funcionários públicos para os quais o risco não é apenas um acaso, mas desempenha um papel fundamental na configuração das condições de trabalho, do ambiente e das relações. Esses profissionais têm plena consciência de que perigo e coragem são características intrínsecas de suas atividades. Seus corpos estão constantemente expostos, e suas mentes nunca encontram descanso.
A presente pesquisa tem como objetivo analisar a saúde mental dos policiais, identificando os fatores que influenciam negativamente seu bem-estar. Ao fornecer uma análise aprofundada sobre essa temática, espera-se contribuir para o desenvolvimento de políticas e programas que visem melhorar a saúde mental dos policiais, proporcionando-lhes condições de trabalho mais saudáveis e respeitando sua integridade física e emocional. A valorização da saúde mental desses profissionais não apenas beneficia individualmente os policiais, mas também repercute positivamente na eficiência do serviço prestado à comunidade e no fortalecimento das instituições policiais como um todo.
Ao longo deste trabalho, serão explorados estudos, pesquisas e relatos que ofereçam reflexões valiosas sobre a saúde mental dos policiais, bem como as estratégias e práticas que podem ser adotadas para promover uma abordagem mais humana e preventiva no ambiente de trabalho policial. Assim, é possível aspirar a uma atuação policial mais saudável e resiliente, capaz de lidar com os desafios inerentes à profissão de forma mais equilibrada e efetiva, refletindo em sua relevância acadêmica, social e humanitária. O propósito desta revisão de literatura consiste em analisar e identificar as evidências disponíveis na pesquisa sobre a saúde mental e suicídio dos policiais brasileiros e nos dados relacionados a essa temática, os fatores que levam ao adoecimento mental dos profissionais da segurança pública.
Diante disto, o presente estudo teve como objetivo geral investigar e analisar a saúde mental dos policiais, identificando fatores de risco, impactos no desempenho profissional e estratégias de promoção da saúde mental, visando contribuir com uma discussão sobre as condições de trabalho e o bem-estar dos agentes de segurança. Além disso, a pesquisa teve como objetivos específicos realizar uma revisão sistemática da literatura para compreender os principais desafios e riscos relacionados à saúde mental dos policiais, incluindo estudos sobre estresse ocupacional, transtornos psicológicos e estratégias estratégias de promoção do bem-estar e possibilidades e interfaces da Saúde Coletiva.
2 METODOLOGIA
Esta pesquisa sustenta-se em uma revisão integrativa ao qual se optou pelo formato de análise da literatura. A busca por artigos foi feita em bases de dados digitais tidas como referências nas áreas de Segurança Pública, Saúde Coletiva e Psicologia, por meio das plataformas Scientific Electronic Library Online (SciELO). Para a filtragem de artigos, foram definidos termos objetivos que fossem diretamente relacionados com o escopo da pesquisa. As seguintes palavras-chave foram utilizadas de forma combinada (and): saúde mental, suicídio e estresse com o termo “polícia”.
A pesquisa fez um recorte de publicações do ano de 2018 a 2023, com publicações apenas em português, buscando pesquisas referentes a doenças mentais, suicídio ou outros assuntos com a mesma temática, relacionados a agentes da segurança pública. Para a base de dados também foram usados o Anuário da Segurança Pública, as publicações feitas de 2019 a 2023, aos quais apresentam dados referentes ao ano anterior à publicação do documento, e o Boletim epidemiológico para dar mais consistência quantitativa à discussão que será apresentada. Os estudos que não investigaram o estresse, as doenças mentais e os suicídios relacionados à carreira policial, assim como aqueles que discutiram a carreira policial, mas abordaram diferentes tópicos, foram excluídos, juntamente com aqueles que não se enquadraram no recorte de tempo definido ou estavam escritos em língua estrangeira.
Os artigos foram submetidos a um processo de triagem em três etapas, foram conduzidas seguindo a seguinte sequência: (1) leitura dos títulos dos estudos; (2) análise dos resumos com foco na temática e na população; e (3) leitura completa dos textos. A avaliação e seleção foram realizadas pelo autor desta pesquisa, com o objetivo de determinar a relevância de cada artigo identificado no sentido de compreender os impactos físicos e, sobretudo, mentais da profissão policial.
Por se tratar de uma revisão integrativa da literatura, não houve a necessidade de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa de acordo com a regulamentação do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa vigente.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS
A pesquisa na mencionada base de dados levou a 97 publicações encontradas. Destes, 73 foram excluídos na primeira triagem por estarem fora do tempo de recorte ou língua estrangeira, após a leitura dos artigos pré-selecionados foram excluídos 14 artigos por não estarem diretamente associados à saúde mental do policial. Foram então selecionados 10 artigos para análise, sendo posteriormente agrupados em 6 diferentes categorias: 4 estudos transversais, 1 revisão sistemática, 2 revisões integrativas, 1 estudo descritivo-analítico, 1 estudo etnográfico e 1 estudo quantitativo, observacional e transversal. Em relação ao ano de publicação foram encontradas 2 publicações de 2018 a 2022.
Dentre os 10 artigos selecionados para a pesquisa, 6 tratam especificamente sobre a Polícia Militar, 1 sobre a Polícia Rodoviária Federal, 1 relacionado a Polícia Civil e Militar e outros dois sobre as polícias em geral. O predomínio dos artigos voltados à Polícia Militar pode ser explicado pelo fato de ser a Polícia mais próxima da sociedade, com maior efetivo e que primeiro está exposta a violência e conflito no desempenho de polícia ostensiva. Assim como na revisão sistemática (CASTRO et al., 2019) os policiais militares protagonizaram a maior parte dos estudos encontrados.
Estresse na Profissão Policial
As pesquisas de (PELEGRINI et al., 2018; SANTOS et al., 2021), ambos estudos transversais e (URBANI et al., 2019) uma revisão integrativa, discorrem sobre o estresse no trabalho policial e suas consequências mentais e físicas. Na pesquisa de PELEGRINI feita em unidades de operações especiais das policiais civis e militares mostrou que mais da metade dos policiais identificou seu trabalho como de baixa demanda, baixo controle e baixo apoio social, em relação ao estresse ocupacional (PELEGRINI et al., 2018). Esses dados demonstram que a maioria deles acredita que experimenta poucas pressões de natureza psicológica ao desempenhar suas funções (baixa demanda). O estudo também apontou que 20,2% dos policiais foram categorizados nesse cenário de elevado desgaste, 4,8% apresentaram trabalho passivo o que também são circunstâncias identificadas como as que apresentam maior risco para o adoecimento.
Em contrapartida, um estudo feito em um batalhão da polícia militar do Paraná, publicado em 2021, sobre estresse ocupacional mostrou que os militares demonstraram índices significativos de estresse no trabalho, atingindo 46,7% do total, com 86,4% destes sendo do sexo masculino e 46,4% com idades entre 31 e 40 anos, 55,2% desses militares apresentavam entre 3 e 10 anos de serviço (SANTOS et al., 2021). verifica-se que, de acordo com a perspectiva dos policiais militares, os fatores estressantes foram relacionados a organização do trabalho falta de perspectivas de crescimento na carreira; deficiência nos treinamentos profissionais; presença de discriminação/favoritismo no ambiente de trabalho; longas jornadas de trabalho; forma de distribuição das tarefas; tipo de controle; deficiência na divulgação de informações sobre decisões organizacionais; baixa valorização por superiores; falta de autonomia na execução do trabalho (SANTOS et al., 2021).
A revisão integrativa de Urbani, analisou 26 artigos, que buscou associação entre estresse presente no trabalho policial e a síndrome da disfunção da articulação temporomandibular (DTM), uma doença comumente associada a condições estressantes, demonstrou em sua pesquisa que a atividade policial é uma fonte significativa de estresse, devido a vários fatores, como pressão, responsabilidade, sobrecarga de trabalho, deficiências na infraestrutura de trabalho, risco para a vida pessoal e de terceiros, ambiente autoritário, centralização de decisões, além da insatisfação devido à baixa remuneração e falta de reconhecimento profissional. Também foi observado um aumento da vitimização dos trabalhadores da segurança pública. Entre as causas de estresse, as questões organizacionais e operacionais do trabalho são destacadas como prejudiciais ao bem-estar dos policiais. Além disso, os policiais sentem que o trabalho da segurança pública não é devidamente reconhecido pela sociedade e pelo governo, o que contribui para a desvalorização da profissão e, por conseguinte, para o estresse. Alguns policiais também têm uma segunda ocupação em seu tempo livre, o que reduz o tempo disponível para descansar e se alimentar adequadamente. Estudos demonstraram um alto nível de estresse entre as mulheres policiais, atribuído à discriminação, sobrecarga de trabalho e fatores fisiológicos e psicológicos específicos das mulheres, que as tornam mais suscetíveis ao estresse (URBANI et al., 2019).
Fatores desencadeadores de estresse em policiais brasileiros são semelhantes aos relatados por policiais em outros países, como Itália, Índia, Malásia, Austrália e Estados Unidos. Essa constatação respalda estudos que indicam que, devido ao contato direto e constante com perigo e violência, bem como à atuação em situações de conflito e tensão, os policiais são trabalhadores com o mais alto nível de exposição ao estresse, independentemente do país em que atuam (URBANI et al., 2019; TAVARES et al., 2021).
A síndrome de burnout é uma condição psicossocial que se manifesta como uma reação aos estressores interpessoais crônicos no ambiente de trabalho (FERREIRA et al., 2015). Existem diversos fatores estressores que tornam os profissionais policiais vulneráveis a situações diárias de estresse no exercício de suas atividades, o que pode desencadear a síndrome de burnout. Em particular, a falta de autonomia dentro da instituição policial e a exposição prolongada à violência e a situações de alto estresse se destacam como principais desencadeadores. O contato com a violência é um elemento identificado como um fator que impacta significativamente a vida pessoal e familiar desses profissionais (CASTRO et al., 2019).
O estudo transversal em um batalhão da polícia militar do Ceará evidenciou que cerca de 87,5% dos policiais estão enfrentando, no mínimo, os estágios iniciais da Síndrome de Burnout. Nenhum dos policiais do sexo masculino demonstrou completa ausência do Burnout, e 16,7%, embora ainda não apresentassem a síndrome, tinham risco de desenvolvê-la. A maioria (60%) estava em estágio inicial, enquanto 5% encontrava-se em um estágio mais avançado. No grupo de policiais do sexo feminino, todas (100%) estavam na fase inicial do Burnout (LIMA et al., 2018).
Outro estudo transversal com foco em examinar as interações entre as dimensões do Modelo de Desequilíbrio Esforço-Recompensa (DER), resiliência e qualidade de vida em policiais militares. identificou que em relação ao estresse ocupacional, a maioria dos policiais classificou seu trabalho como tendo baixa demanda, controle e apoio social. Além disso, foi observada uma relação direta e inversa entre as condições de trabalho e o estresse ocupacional (TAVARES et al., 2021).
O artigo de revisão sistemática identificou que os temas que mais se destacam em relação ao tema saúde mental policial, 21 estudos (45%), concentram-se de maneira específica no estresse ocupacional, no estresse pós-traumático e no burnout (CASTRO et al., 2019). A mesma pesquisa ainda evidencia que em comparação com diversas outras profissões, o trabalho policial se destaca como a segunda ocupação mais propensa ao estresse e a terceira mais frequentemente associada a sintomas físicos e psiquiátricos relacionados ao trabalho. Esta profissão apresenta um alto risco de problemas de saúde, tanto físicos quanto emocionais, incluindo o burnout, estresse, abuso de álcool e pensamentos suicidas. Tais desafios de saúde surgem de condições adversas inerentes ao trabalho policial, que podem levar ao esgotamento físico e emocional (CASTRO et al 2019). A revisão integrativa demonstrou dados bem próximos dos trabalhos analisados, 79 deles continham dados sobre a prevalência de patologias entre os policiais. As questões de saúde mais frequentemente investigadas incluíam o estresse (44,00%), o estresse pós-traumático (20,20%), a depressão (14,30%), a ansiedade (6,00%) e o suicídio (6,00%) (SOUSA et al., 2022). O estresse foi o aspecto de saúde mais amplamente explorado, com um total de 37 estudos analisando essa variável. Os resultados indicaram que os policiais avaliados frequentemente apresentavam níveis elevados de estresse, com uma média de prevalência de 43,75% (SOUSA et al., 2022).
A intervenção integrada em saúde mental feita nos trabalhadores de uma corporação policial de Campo Grande (MS) constatou, com base na revisão dos registros dos prontuários, que 58,5% dos atendimentos foram classificados como urgentes, envolvendo situações como alto nível de estresse e uso prolongado de álcool. Além disso, 29,3% foram considerados eletivos, abrangendo casos de estresse e ansiedade, enquanto 12,2% foram categorizados como emergentes, englobando situações como ideações e tentativas suicidas, transtornos depressivos e ansiosos, bem como transtorno de estresse pós-traumático (GUIMARÃES et al., 2020). Isso sugere a distribuição das condições dos pacientes atendidos com base na gravidade e natureza dos problemas de saúde mental com predomínio do estresse associado a algum outro transtorno.
Outra importante questão levantada refere-se às relações identificadas que apontam para a conexão entre o suicídio policial e fatores como o sentimento de desesperança, o apoio institucional e a presença de sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (PEREIRA et al., 2020). No que diz respeito às conexões identificadas entre as condições de trabalho e o estresse ocupacional, constatou-se que à medida que a demanda aumenta, a percepção das condições de trabalho piora. Por outro lado, à medida que o controle e o apoio social aumentam, as condições de trabalho melhoram (PELEGRINI et al., 2018).
Segundo dados divulgados pelo NISP 70,6% dos policiais tem receio de sofrer violência por parte de colegas que possuem problemas psicológicos, 60,4% já teve vontade repentina de cometer algum ato extremo (disparar arma fora de situação de combate, agressão ou suicídio), 75,9% acredita que a estrutura da carreira policial de sua instituição e sua relação com superiores é prejudicial para sua saúde mental (ANDREOTTI, 2023).
O estresse policial é um fenômeno preocupante que afeta a saúde física e mental dos profissionais da área de segurança. Um dos aspectos mais desafiadores é o risco inerente de morrer no trabalho. A natureza da profissão policial expõe os agentes a situações de alto risco, como confrontos armados, perseguições, gerenciamento de crises e situações de violência extrema, o que aumenta a probabilidade de morte ou ferimentos graves durante o cumprimento do dever.
Surpreendentemente, estatísticas revelam que o maior número de mortes de policiais ocorre durante períodos de folga, em atividades não relacionadas ao trabalho policial. Isso sugere que o estresse do trabalho pode ter efeitos significativos na vida pessoal desses profissionais, levando a comportamentos de risco, incluindo suicídio, uso de álcool ou drogas, entre outros, durante os momentos de descanso (MARTINS, 2020).
Além disso, a desvalorização profissional e a falta de reconhecimento adequado pelo trabalho desempenhado contribuem para o estresse crônico entre os policiais. A sociedade muitas vezes não reconhece os desafios enfrentados por esses profissionais e os critica de forma injusta diante de situações complexas e de grande pressão. Isso gera um sentimento de desvalorização, alienação e isolamento, afetando significativamente o bem-estar psicológico desses agentes de segurança.
Outro fator estressante é o “burnout”, um estado de exaustão física, mental e emocional causado pela sobrecarga de trabalho prolongada e condições de estresse crônico. O ambiente operacional tenso, a exposição frequente a situações traumáticas e a constante pressão por desempenho podem levar os policiais ao esgotamento profissional, afetando negativamente sua saúde mental e qualidade de vida.
Lidar com o estresse policial requer abordagens holísticas que considerem não apenas as condições de trabalho, mas também ofereçam suporte psicológico, treinamento em habilidades de enfrentamento, programas de promoção da saúde mental e ações que visem à valorização e reconhecimento desses profissionais, buscando mitigar os efeitos negativos desse ambiente de trabalho desafiador. Apesar do considerável número de policiais com estresse ocupacional, é notável que esses profissionais mantêm bons níveis de engajamento no trabalho, especialmente no domínio de Dedicação, demonstrando um alto grau de entusiasmo, inspiração e orgulho em relação às suas funções (SANTOS et al 2021). Dos inúmeros desafios enfrentados, muitos policiais ainda enxergam a atividade policial como uma vocação, onde a profissão demanda características e esforços especiais para garantir a qualidade do serviço. Embora seja um ideal quase utópico fazer apenas o que se gosta, reconhecemos a importância de valorizar o comprometimento e a dedicação, que desempenham um papel fundamental na profissão policial (LIMA et al 2018).
Suicídio entre policiais
O boletim epidemiológico publicado em 2021 divulgou dados sobre o suicídio. No período de 2010 a 2019, o Brasil registrou um total de 112.230 mortes por suicídio, representando um aumento significativo de 43% no número anual de óbitos, passando de 9.454 em 2010 para 13.523 em 2019. Uma análise das taxas de mortalidade ajustadas durante esse período revelou um aumento no risco de morte por suicídio em todas as regiões do Brasil. Além disso, os homens apresentaram um risco 3,8 vezes maior de morte por suicídio em comparação às mulheres. Em 2019, a taxa de mortalidade por suicídio entre os homens foi de 10,7 por 100 mil habitantes, enquanto entre as mulheres, esse valor foi de 2,9 por 100 mil habitantes. Essas discrepâncias têm sido relacionadas à maior agressividade e intenção de morrer entre os homens, o que resulta no uso de métodos mais letais. Além disso, os homens geralmente têm um maior acesso a armas de fogo e outros objetos letais, tornando-os mais propensos a cometer suicídio. Também são mais suscetíveis aos impactos de instabilidades econômicas em comparação com as mulheres (BRASIL. MS., 2021).
De acordo com dados do Anuário Brasileiro de segurança pública (ABSP), o suicídio policial teve um aumento de 59,7% de 2020 a 2021 taxa quase 8 vezes maior do que comparado com a população geral, no mesmo período, teve um aumento de 7,4% (ABSP, 2022). O aumento nas taxas de suicídio entre policiais em 2021 é notável, sendo em grande parte devido à inclusão de novos Estados no levantamento nacional, com São Paulo liderando em representatividade. Mesmo quando os dados desse Estado são analisados isoladamente, o Brasil registrou um aumento de 18,5% nas taxas de suicídio entre policiais ativos (FERNANDES, 2022). Desde 2018, 11 novos Estados passaram a relatar esses números, embora Ceará e Rio Grande do Norte tenham deixado de fazê-lo na edição atual. Algumas regiões, como o Maranhão e o Rio Grande do Sul, experimentaram aumentos significativos, enquanto outros, como Paraíba e Paraná, mostraram reduções. No entanto, é importante observar que, ao longo dos últimos três anos, Distrito Federal e Pernambuco também se destacam com aumentos substanciais. Outros Estados com números menores apresentaram quedas, como Alagoas, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Rondônia, Roraima e Tocantins (FERNANDES, 2022). A pesquisa afirma que, os estudos sobre a relação entre suicídios e a pandemia apontam para uma baixa correlação.
A volatilidade dos dados mais recentes dificulta a realização de uma análise definitiva, uma vez que, nos últimos três anos, as taxas de suicídio entre policiais variaram de -15,6% a +43,2%. Grande parte desse fenômeno pode ser atribuída à maior atenção das instituições policiais a essa questão, o que deverá resultar em aprimoramentos na metodologia de coleta de dados. Nesse contexto, os esforços terapêuticos individuais ganham relevância em relação às abordagens epidemiológicas mais amplas. No entanto, uma perspectiva sociológica mais abrangente pode ser valiosa para a compreensão do ambiente policial e pode, de fato, estabelecer conexões entre os fenômenos do suicídio e das mortes por causas externas (FERNANDES, 2022).
O estudo transversal sobre suicídio em uma organização policial-militar do sul do Brasil, no período de 2012-2016, permitiu identificar um perfil socio-profissional de maior risco entre os policiais militares que cometeram suicídio. A maioria desses policiais estava na faixa etária de 40 a 47 anos, sendo predominantemente do sexo masculino, casados, com filhos, e com níveis educacionais até o ensino médio. Além disso, notou-se que o suicídio era mais comum entre os policiais militares que ocupavam a posição de praças e estavam mais próximos da aposentadoria (PEREIRA et al.,2020) .
Entre os policiais militares, 3 (21,43%) cometeram suicídio durante a primeira década de suas carreiras, 2 (14,29%) na segunda década (entre 11 e 20 anos de serviço), 6 (42,86%) estavam na última década de serviço antes da aposentadoria na instituição, e 3 (21,43%) já estavam aposentados. A maioria deles (85,71%) fazia parte da carreira de praças, principalmente soldados (n = 7), enquanto apenas 2 (14,28%) pertenciam à carreira de oficialato (PEREIRA et al.,2020).
Para compreender o impacto desse fenômeno, é necessário analisar a revisão integrativa sobre saúde mental dos policiais, a pesquisa identificou que o suicídio entre policiais foi abordado em cinco estudos que apontaram uma média de 196 casos. Essas pesquisas destacaram que o risco era mais elevado entre homens, indivíduos de ascendência branca, policiais em atividade e na faixa etária dos 40 aos 44 anos (SOUSA et al., 2022). A revisão integrada em uma corporação de policiais rodoviários federais em Campo Grande (MS), constatou, com base na revisão dos registros médicos, 12,2% como casos emergentes (tais como ideações e tentativas suicidas, transtornos depressivos e de ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático) (SOUSA et al., 2022).
A subnotificação de casos de suicídio é um fenômeno amplamente reconhecido e estudado em todo o mundo. Na carreira policial é um tipo de informação que costuma ser subnotificada pelo tabu existente em torno do suicídio (MARTINS, 2020; LIMA, 2021; FERNANDES, 2022). Vários fatores contribuem para a subnotificação de casos de suicídio entre policiais, incluindo o próprio tabu em torno do tema, interdições socioculturais, preconceito interno em relação ao policial que enfrenta problemas de saúde mental e a tentativa de proteger os familiares da vítima, uma vez que a revelação da causa de morte pode resultar na perda do direito ao seguro de vida (MARTINS, 2020; LIMA, 2021). Além disso, características da cultura policial, como a crença na invencibilidade, força e coragem como atributos do profissional, muitas vezes deixam pouco espaço para expressar fraquezas, dores e medos inerentes à experiência humana nas organizações policiais. Essas características são especialmente reforçadas nas polícias militares devido à rígida hierarquia e à ênfase na formação que prioriza o condicionamento a rotinas preestabelecidas e pouco flexíveis (MARTINS, 2020).
Pesquisas revelam que a maioria dos suicídios entre profissionais de segurança pública envolve o uso de armas de fogo, sugerindo que o acesso a armamento pode agravar a ocorrência desses casos nas forças de segurança. Estudos apontam que a restrição ao acesso a meios letais é uma das abordagens mais eficazes na prevenção do suicídio (MARTINS, 2020; SOUSA et al 2022). No entanto, é importante notar que as armas de fogo, para o profissional da segurança, transcende seu papel como instrumento de trabalho, transformando-se em um emblema de autoridade e influência, assimilando-se à sua própria identidade (PEREIRA 2020), o que ilustra a complexidade intrínseca à prevenção do suicídio entre os profissionais de segurança pública.
O suicídio entre policiais é uma preocupação significativa e persistente dentro das forças de segurança como demonstrado nos estudos. As taxas de suicídio nesse grupo profissional tendem a ser mais elevadas em comparação com a média da população. Ao analisar essa questão, é interessante considerar as teorias sociológicas de Émile Durkheim, um renomado sociólogo que estudou profundamente o fenômeno do suicídio. Durkheim, em sua obra clássica “O Suicídio”, apresenta a ideia de que o suicídio é influenciado por fatores sociais, não sendo exclusivamente um problema individual, mas sim um reflexo das condições sociais e do contexto em que o indivíduo está inserido.
Durkheim propõe diferentes tipos de suicídio, incluindo o suicídio egoísta, anômico e altruísta. O suicídio egoísta é associado à falta de integração social, onde o indivíduo se sente isolado ou desconectado do grupo ao qual pertence. O suicídio anômico, por sua vez, está ligado à falta de regulação social, quando há uma desestruturação das normas e valores sociais. E o suicídio altruísta ocorre quando há um excesso de integração social, e o indivíduo sacrifica a própria vida em prol do grupo (NUNES 1998).
No contexto policial, esses conceitos de Durkheim podem ser aplicados para compreender as dinâmicas que contribuem para taxas elevadas de suicídio. O excesso de integração social também estava relacionado ao aumento das taxas de suicídio. Isso foi observado, por exemplo, no ambiente militar, onde se cultivava uma preferência pela impessoalidade, uma propensão à renúncia, uma obediência passiva, uma submissão total e um comportamento impessoal (SILVA et al, 2018) pode ser associado com o suicido altruísta. Durkheim associou o suicídio anômico a situações de grande prosperidade econômica seguidas por períodos de recessão, quando as expectativas individuais não são atendidas devido à mudança brusca de circunstâncias. Esse desequilíbrio pode levar ao sentimento de desamparo e desesperança, aumentando o risco de suicídio. Esse tipo de suícidio pode também ser comum entre os policiais, os casos relatados na pesquisa sobre Suicídios em uma organização policial-militar do sul do Brasil identificou que os dados mostram que todos os policiais apresentaram algum percentual da renda salarial direcionada para o pagamento de empréstimos ou dívidas financeiras, além das pesquisas evidenciarem a dupla jornada de trabalho do policial.
Fatores como o estresse constante da profissão, a exposição a situações traumáticas, a pressão da cultura organizacional, a falta de apoio psicológico adequado, a perda de identidade fora do ambiente policial e até mesmo a dificuldade de se integrar socialmente fora do ambiente de trabalho podem ser considerados como elementos que contribuem para o aumento do risco de suicídio entre os policiais.
Dessa forma, ao abordar o suicídio entre policiais, é fundamental considerar não apenas os aspectos individuais, mas também os fatores sociais, culturais e organizacionais que podem desempenhar um papel significativo nesse fenômeno complexo. A compreensão desses elementos pode ser crucial na formulação de estratégias de prevenção e suporte para a saúde mental desses profissionais. Albert Camus, renomado filósofo existencialista francês, provocou reflexões profundas sobre o suicídio por meio de sua obra magistral, “O Mito de Sísifo”. Nesta obra icônica, Camus não apenas explora as complexidades inerentes à condição humana, mas também mergulha na essência do absurdo da existência. Para ele, o suicídio não é apenas um ato de desespero ou fraqueza, mas uma resposta filosófica diante da falta de sentido existencial que muitos indivíduos enfrentam. Camus desafia a ideia convencional de que o suicídio é meramente uma falha moral, ao invés disso, ele o considera como uma possível consequência lógica diante da consciência do absurdo da vida (TOTI 2011).
Michel Foucault, renomado filósofo e pensador social, oferece uma perspectiva única sobre o suicídio ao inseri-lo em seu contexto sociopolítico. Em suas análises profundas, Foucault aborda o suicídio não apenas como um ato individual, mas como um fenômeno enraizado em questões mais amplas de poder, controle social e disciplina. Para ele, o suicídio é um ato que transcende o âmbito pessoal, sendo influenciado e moldado por estruturas de poder e normas sociais que regem a vida das pessoas (Kravetz et al, 2014).
Ao longo de suas obras, Foucault explora como as instituições sociais, como a família, a escola, a medicina e as práticas disciplinares, exercem um papel crucial na regulação e no controle dos corpos e mentes individuais. Ele argumenta que essas instituições não apenas moldam nossas identidades, mas também estabelecem normas e regras que, por vezes, podem ser opressivas e alienantes. Dentro desse contexto, Foucault sugere que o suicídio pode ser uma resposta à pressão e à coercitividade dessas estruturas de poder, representando um ato de resistência contra a disciplina e o controle social impostos (Kravetz et al, 2014).
Hierarquia, Disciplina e a Desvalorização Policial
A formação dos policiais é fortemente baseada na disciplina corporal, psicológica e moral, o que os torna submissos às ordens de seus superiores, independentemente de sua natureza. Nesse contexto, a hierarquia é rígida e inquestionável. É crucial reconhecer que a relação entre a formação policial militar, que enfatiza o disciplinamento, e a violência praticada pelos agentes após sua formação está intrinsecamente ligada. A “fabricação de soldados” durante o processo de socialização tem um impacto significativo na saúde desses profissionais, uma vez que eles são moldados como se fossem quase máquinas (SOUSA, 2019). A cultura organizacional hierárquica da polícia, que estabelece rigorosos mecanismos de vigilância e controle disciplinar, intensifica as barreiras entre os diversos grupos profissionais dentro da instituição, minando a confiança e a colaboração mútua. Estes são elementos cruciais para o sucesso das estratégias no trabalho policial, sobretudo durante operações de campo (CASTRO et al 2019; PEREIRA et al 2020).
Entre os aspectos adversos relacionados ao trabalho desses profissionais, merecem destaque as tarefas repetitivas, a limitada margem de autonomia na tomada de decisões, o ritmo acelerado, o esforço físico excessivo, a execução de atividades físicas intensas e contínuas, contínuo estado de alerta, além da permanência prolongada em posições corporais inadequadas e desconfortáveis, particularmente envolvendo a cabeça e os braços em especial para as mulheres (PELEGRINI et al 2018; TAVARES et al., 2021, DIAS et al 2022 ).
Adicionalmente, a percepção de estresse entre policiais tem sido consistentemente apontada como mais elevada em comparação a outras categorias profissionais. Isso ocorre não apenas devido ao intrínseco alto risco da profissão, mas também devido às responsabilidades inerentes ao cargo, à carga de trabalho excessiva e às dinâmicas organizacionais das instituições, incluindo relações interpessoais, hierarquia rígida, disciplina estrita, falta de reconhecimento e inadequada valorização financeira (PELEGRINI et al 2018).
Embora os policiais militares estejam acostumados a lidar com as relações assimétricas de poder, o modelo rígido de patentes se torna prejudicial à medida que contribui para a humilhação e desvalorização dos profissionais. O uso da patente como instrumento de constrangimento e opressão dos subordinados fortalece estados de baixa autoestima e desvalorização profissional (SANTOS et al 2021).
O uso de drogas e substâncias pode ser interpretado como uma estratégia adotada por policiais para aprimorar seu desempenho e se adaptar às demandas do trabalho. A ocupação policial está associada a um maior risco de morbimortalidade. Com o passar do tempo, os problemas psicofisiológicos tendem a aumentar, uma vez que estão acompanhados de hábitos de enfrentamento prejudiciais que contribuem para a auto deterioração do indivíduo. Eventos perturbadores no ambiente de trabalho têm o potencial de ameaçar o senso de identidade de um policial. Nesse contexto, observa-se um aumento nos casos de suicídio e ideações suicidas entre policiais, fatores estes justificados por influências sociodemográficas, institucionais, organizacionais, relacionais e individuais (DIAS et al 2022).
A identificação de níveis elevados de depressão e ocorrências de suicídio entre policiais está relacionada a uma conjuntura complexa. Dentre os quais destacam-se remuneração e reconhecimento social inadequados, bem como dificuldades com a hierarquia (SOUSA et al 2022). Nos estudos analisados, um tema recorrente é a desvalorização dos policiais, uma questão pertinente que tem implicações políticas abrangentes. Ela aborda aspectos como salários, a organização do trabalho, incluindo jornadas de trabalho, bem como o suporte estrutural oferecido aos agentes de segurança pública, como equipamentos, coletes, armas, viaturas e batalhões. Além disso, a percepção negativa do policial na cultura brasileira é notável, como evidenciado na música “Diário de um Detento” de Mano Brown, que descreve o policial como “Robocop do governo” alguém frio, destituído de compaixão e cheio de ódio. Essa imagem contribui para criar um afastamento entre os órgãos de segurança pública e a sociedade, apesar de ambos dependerem mutuamente, resultando no aumento da discriminação contra os policiais, promovendo a segregação e, consequentemente, desvalorizando esses profissionais.
A desvalorização e insatisfação relaciona-se diretamente com o baixo salário levando a estressores, dos 10 artigos analisados apenas dois não fazem associação ao baixo salário (DIAS et al., 2022; GUIMARÃES et al.,2020). No artigo analisado sobre suícidio, em todos os casos, as vítimas alocavam parte de sua renda salarial para quitar empréstimos ou dívidas financeiras, com uma média de 22,5% de seu salário comprometido para essa finalidade (PEREIRA et al., 2020). Outro estudo aponta que 61,6% dos policiais possuíam outro emprego e 67,4% realizavam horas extras (TAVARES et al., 2021).Quando se fala da dupla jornada de trabalho é importante mencionar a informalidade da segunda atividade, além do curto período de descanso, os expõe a riscos extra (MINAYO et al., 2007).
O endividamento, resultante do custeio de honorários advocatícios para enfrentar processos decorrentes de ações durante intervenções policiais, é uma realidade em muitos estados brasileiros. Na prática, o ônus recai sobre o policial, até que se prove o contrário, consolidando a percepção de que ele é o responsável pelos eventos. Diante desse cenário, o profissional testemunha sua situação financeira sendo comprometida, ao mesmo tempo em que sua sensação de insegurança jurídica é validada (MARTINS et al 2022).
A questão salarial é um ponto comum em qualquer profissão, porém esse aspecto na carreira policial passa por muitas nuances. Quando o indivíduo torna-se policial ele precisa mudar muitas questões em sua vida diferente do cidadão comum, como mudar de regiões periféricas e com mais criminalidade, ter um meio de transporte próprio em que possa ter mais segurança em seu deslocamento, custo com os aspectos jurídicos e compra de arma pessoal. O investimento em segurança é de suma importância para o policial e sua família e o desprendimento financeiro é muito alto, um dos aspectos que levam ao endividamento. Em 2013, surgiu a proposta de desmilitarização sob a forma da Proposta de Emenda Constitucional, a PEC-51/2013, apresentada pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ). Essa proposta tinha como objetivo unificar as polícias Militar e Civil, integrando-as em um único corpo policial que adotaria uma formação civil. (PEC) foi arquivada em 21 de dezembro de 2018. Entretanto, desde 21 de março de 2019, o Senador Humberto Costa (PT-PE) tem solicitado o desarquivamento dessa matéria. O assunto ainda é amplamente discutido, além de suscitar interesse quando analisados o quadro de saúde mental dos policiais militares.
Desmilitarizar a Polícia Militar significa transformá-la em uma instituição civil, uma vez que atualmente está vinculada ao Exército. Esse processo visa equiparar seus membros aos demais cidadãos, concedendo-lhes os mesmos direitos e responsabilidades. Essa proposta busca eliminar da polícia a abordagem militar que é herdada das Forças Armadas e sua estrutura organizacional hierárquica, a fim de adotar uma abordagem mais compatível com os princípios civis de atuação policial.
Além disso, a proposta de desmilitarização visa assegurar a manutenção de todos os direitos trabalhistas dos profissionais da segurança, buscando valorizar adequadamente esses policiais perante a sociedade e o Estado. Como exemplo ilustrativo, alguns Direitos Humanos que os policiais civis possuem, diferentemente dos policiais militares, incluem a liberdade de expressão, a não submissão a prisões arbitrárias dentro dos quartéis e a possibilidade de se organizar em sindicatos para defender coletivamente seus direitos e interesses (NASCIMENTO, 2022). Os estudos anteriores mostram a associação direta entre as doenças mentais e a falta de autonomia e liberdade do policial militar.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sete em cada dez policiais no Brasil manifestam apoio à desmilitarização das polícias e à integração do trabalho entre essas corporações. O estudo revelou que 73,7% dos policiais no país defendem o fim do vínculo entre a Polícia Militar e o Exército. Realizada entre junho e julho deste ano, a pesquisa ouviu 21,1 mil profissionais, incluindo policiais civis, militares, federais, rodoviários federais, bombeiros e peritos criminais, abrangendo todos os estados brasileiros (LIMA et al, 2014) .
A maioria dos policiais (66,2%) expressou a opinião de que suas carreiras não estão adequadamente organizadas. Esses resultados evidenciam uma parcela significativa da classe policial buscando mudanças no atual modelo de organização. Dos participantes da pesquisa conduzida pelo Fórum Brasileiro de Segurança, 52,9% são policiais militares, sendo que 82,4% destes são praças, ou seja, soldados, cabos, sargentos e subtenentes. (RIBEIRO, 2014). O primeiro argumento contrário à desmilitarização da Polícia Militar destaca o potencial de gerar desordem pública, possibilitando práticas excessivas por parte de uma força policial ostensiva sem a regulamentação do Código Penal Militar. Isso poderia resultar em instabilidade institucional, enfraquecendo a hierarquia e disciplina do aparato de segurança estatal. O segundo argumento se opõe à unificação da Polícia Civil e Militar, enfatizando a dificuldade prática dessa integração. Considera-se que as carreiras na PC e PM são distintas e que a união dessas instituições tão diferentes seria praticamente inviável (NASCIMENTO, 2022).
A hierarquia e disciplina são pilares fundamentais dentro das instituições policiais. A estrutura hierárquica estabelece uma ordem clara de comando e controle, definindo responsabilidades, papéis e autoridades dentro da organização. Isso contribui para uma coordenação eficiente das operações policiais e a tomada de decisões ágeis. Por sua vez, a disciplina é crucial para garantir a conformidade com normas, procedimentos e regulamentos estabelecidos, assegurando a efetividade operacional e a manutenção da ordem.
Esses elementos têm vantagens inegáveis. A organização proporcionada pela hierarquia permite uma estruturação clara de liderança, viabilizando ações coordenadas e eficazes. A disciplina, por sua vez, mantém a ordem e a segurança dentro da instituição policial, assegurando o cumprimento das normas e regras, o que é essencial para a execução adequada das missões policiais.
No entanto, essa estrutura hierárquica rígida pode, por vezes, limitar a capacidade de adaptação e inovação frente a novos desafios. O excesso de disciplina pode resultar em desmotivação entre os policiais, reduzindo a autonomia para decisões e a capacidade de enfrentar situações específicas de maneira flexível. Além disso, quando mal gerenciada, a hierarquia pode dar margem a abusos de poder, corrupção e injustiças dentro da instituição.
À luz das ideias de Maquiavel em “O Príncipe”, a noção de ser temido e amado pode se aplicar ao contexto policial. Um líder policial deve ser respeitado e temido para manter a ordem e a disciplina, porém também deve buscar o respeito e a admiração de sua equipe. Encontrar um equilíbrio entre manter a disciplina necessária para o funcionamento da instituição e promover um ambiente de respeito mútuo e colaboração é um desafio constante para os líderes policiais, requerendo habilidades de liderança e sensibilidade para gerenciar essa dualidade. Um líder eficaz é capaz de inspirar confiança, estabelecer limites claros, fornecer orientações sólidas e tomar decisões baseadas no respeito mútuo e na credibilidade conquistada.
Desafios da atividade policial
A violência sofrida por policiais pode ser observada tanto por uma dimensão “objetiva”, como as mortes e lesões, quanto “subjetiva”, como preconceito, ameaça, assédio moral e sexual (FERNANDES, 2022). O maior número de mortes policiais ocorre fora do horário de serviço, crimes violentos letais intencionais (CVLI), de acordo com dados publicados (FBSP 2019 a 2023) O número engloba policiais em serviço ativo que perderam a vida em confrontos ou devido a lesões não naturais, excluindo ocorrências relacionadas a acidentes de trânsito e suicídio (MARTINS, 2020).
Mortes violentas intencionais de Policiais Civis e Militares, por faixa etária a prevalência é maior entre policiais com idade entre 40 a 49 anos, diferente do que se imagina, policiais experientes, maioria homens e negros, instrumento mais utilizado é a arma de fogo (MARTINS, 2020; LIMA, 2021) Em termos de números absolutos, de acordo com os dados fornecidos pelas administrações estaduais, os estados registraram 172 casos de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) envolvendo policiais civis e militares em 2019, em comparação com 313 no ano anterior. O Estado de Goiás foi a única exceção, já que não forneceu informações. Dentre esses casos, 62 envolviam policiais em serviço (6 policiais civis e 56 policiais militares) e 110 ocorreram fora de serviço, em confrontos ou devido a lesões não naturais (9 policiais civis e 101 policiais militares). As mortes fora de serviço, portanto, representaram 64% do total de policiais que perderam a vida (um aumento em relação aos 75% registrados em 2018) (MARTINS, 2020).
Um aspecto que não pode ser ignorado é a ocorrência de feminicídios entre policiais. Neste cenário, as integrantes das forças policiais sofrem uma dupla vitimização, perdendo a vida não apenas por serem mulheres, mas também por exercerem a profissão policial. Além de estarem sujeitas a desigualdade de gênero, são vítimas de um sistema enraizado no patriarcado e no sexismo, uma condição que se acentua dentro das corporações policiais (SOUZA et al 2019).
É relevante salientar que, de acordo com estudos, a condição de ser policial e estar armado torna esses profissionais potenciais alvos de criminosos. Seja por vingança, dívidas com o crime organizado ou o desejo de adquirir sua arma, eles podem ser atacados, muitas vezes quando estão de folga, serviços extras de segurança durante a folga, complementação salarial, (LIMA, 2021) e, portanto, desprovidos da suposta proteção oferecida pela farda, viatura ou colegas de serviço. É importante notar que, contrariando discursos retóricos que podem enganar os menos informados, a maioria das instituições policiais brasileiras não reconhece a morte de um policial de folga como resultado de sua condição de policial. Essa situação acarreta inúmeros desafios para as famílias desses profissionais, que buscam reconhecimento, respeito e direitos devidos em diversas repartições públicas (SOUZA et al., 2019). Observa-se que, mesmo quando estão fora do horário de trabalho, os policiais mantêm a disposição para intervir em situações de violência, impulsionados pela convicção de que carregam consigo a responsabilidade de agir como agentes da lei 24 horas por dia (CASTRO et al., 2019).
A convivência constante com a morte; uma vez que ele precisa lidar com a perda de vítimas, criminosos, colegas de trabalho e enfrentar a constante ameaça à sua própria vida; violência; as extenuantes jornadas de trabalho e a falta de sono, lazer e tempo de convívio com a família são fatores de risco significativos para os policiais, uma vez que estão diretamente relacionados às demandas do trabalho policial (MARTINS, 2020; TAVARES et al., 2021). Adiciona-se a precarização e a ausência de materiais necessários para desempenhar as funções de maneira adequada. Os horários de trabalho são irregulares, muitas vezes em condições climáticas desfavoráveis e em posições geralmente desconfortáveis. As instalações, o material de trabalho e os uniformes são inadequados, especialmente para as policiais mulheres. Além disso, há uma sobrecarga de trabalho devido à falta de recursos humanos (DIAS et al 2022).
A expectativa recai sobre o cumprimento diligente das responsabilidades, sujeitos aos requisitos legais inerentes, sem perder a serenidade e a empatia, mantendo um controle emocional integral, como se isso fosse viável. No entanto, é importante não negligenciar que a supressão das emoções acarreta consequências prejudiciais para o sistema imunológico, comprometendo tanto a saúde física quanto a psicológica (DIAS et al 2022). É comum que as organizações policiais atribuam a responsabilidade por esses problemas ao indivíduo, incluindo casos de violência auto infligida, como suicídios. Da mesma forma, a letalidade policial tende a ser tratada como desvio ou exceção, sugerindo que o indivíduo em questão não possui o perfil adequado para a função, sendo considerado “fraco” ou, possivelmente, excessivamente violento. Essa perspectiva atribui a responsabilidade integral pelo problema ao indivíduo, enquanto deixa de revisar práticas institucionais que contribuem para o adoecimento e a violência (MARTINS, 2020).
Os policiais com mais de uma década de experiência na profissão enfrentam desafios que afetam sua qualidade de vida, saúde mental e bem-estar de maneira notável. Isso se reflete em uma correlação significativa entre a deterioração da qualidade de vida e o aumento do número de distúrbios na saúde mental, resultando em uma maior prevalência de doenças crônicas, o uso regular de medicamentos e uma diminuição nas atividades de lazer (CASTRO et al., 2019). Dentre os fatores individuais associados ao adoecimento emocional, foram identificados problemas de má qualidade do sono, comportamento desconfiado, frieza afetiva, inibição emocional, dificuldades para expressar sentimentos, insegurança, bem como a necessidade de manter um segundo emprego (SOUSA et al 2022).
À medida que envelhece, o policial acumula os efeitos associados ao estresse no trabalho, incluindo comportamento inadequado, alcoolismo, jogo compulsivo, comportamento agressivo, maior propensão a acidentes, ansiedade, insônia, explosões emocionais e diversos tipos de dores crônicas. Isso destaca a relevância de combater o estresse como uma medida preventiva fundamental para evitar o agravamento dos danos à qualidade de vida e à saúde do trabalhador policial (URBANI et al., 2019).
No que diz respeito ao gênero, policiais militares do sexo feminino apresentam níveis mais elevados de estresse, além de relatarem mais sintomas psicológicos do que físicos (CASTRO et al., 2019; URBANI et al 2019). Elas também expressam a percepção de que a estabilidade no emprego, e não necessariamente o prazer decorrente do trabalho, compensa o estresse experimentado. Dentre os principais motivos para essa disparidade, destacam-se a dupla jornada de trabalho, características fisiológicas e psicológicas específicas, desafios relacionados à hierarquia, a demanda por força física, preconceito de gênero, assédio sexual e o receio de serem identificadas na rua como policiais (CASTRO et al., 2019; SOUSA et al 2022), bem como às características fisiológicas e psicológicas específicas que, segundo os autores, as tornam mais suscetíveis ao estresse (URBANI et al 2019). As pesquisas realizadas em diversos países indicaram que as policiais apresentaram níveis mais elevados de depressão em comparação aos homens, tornando-as mais vulneráveis a esse tipo de adoecimento, além disso, novamente observou-se maior risco para ansiedade entre as policiais. Esses achados podem estar relacionados à dupla jornada de trabalho à qual a maioria das mulheres está sujeita, bem como às dificuldades enfrentadas para lidar com as situações de risco no ambiente de trabalho (SOUSA et al 2022).
Em comparação com diversas outras profissões, a ocupação policial classifica-se como a segunda mais propensa ao estresse e a terceira em termos de ocorrência de sintomas físicos e psiquiátricos relacionados ao trabalho. Essa atividade apresenta riscos significativos para a saúde, tanto física quanto emocional, manifestando-se em formas como o burnout, estresse, abuso de álcool e pensamentos suicidas. Tais problemas de saúde decorrem de condições intrínsecas ao trabalho policial, que frequentemente resultam em exaustão tanto física quanto emocional (CASTRO et al., 2019).
A sociedade possui uma expectativa paradoxal em relação ao exercício da função policial. Ela critica a violência nas ações policiais, ao mesmo tempo em que demanda ações mais enérgicas no combate ao crime. Essas expectativas sociais, juntamente com a necessidade de eficácia e as críticas externas, frequentemente entram em conflito com o sistema normativo e as competências legais inerentes ao trabalho policial (CASTRO et al 2019). O policial militar, ao tentar assumir responsabilidades por problemas que muitas vezes estão além de seu controle e âmbito de atuação, frequentemente se vê incapaz de atender às suas próprias expectativas. Ele não percebe que é apenas uma parte de um sistema mais amplo de segurança pública e passa a buscar um papel que ultrapassa suas capacidades. Quando se dá conta de sua suposta inadequação diante de suas próprias expectativas, sua autoestima diminui e surge a frustração, uma vez que acredita que poderia fazer mais (LIMA et al 2018).
Observar interpretações equivocadas e críticas negativas à polícia na mídia, lidar passivamente com situações desafiadoras, restrições no lazer e nas interações pessoais devido às escalas de trabalho por turno, baixa qualidade de vida, insatisfação geral com a vida e sentimentos de vitimização também demonstraram estar associados ao adoecimento dos policiais (SOUSA et al 2022). Isso muitas vezes leva os profissionais a negar sua própria vulnerabilidade diante de problemas que exigem auxílio externo para serem superados. Nesse contexto, o desgaste físico e mental é uma realidade, seja devido à exposição constante a situações de perigo nas ruas, seja devido ao estresse causado pela sobrecarga de tarefas administrativas. Os profissionais enfrentam o desafio de lidar com a pressão por metas a serem cumpridas, afetando todos os níveis da categoria, desde os mais altos até os mais baixos (MARTINS et al 2022).
A representação social da profissão policial é contraditória, gerando conflitos tanto para os próprios policiais como para a sociedade em geral. A aspiração de seguir uma carreira policial muitas vezes entra em choque com a necessidade de manter o sigilo sobre a profissão, a fim de minimizar riscos e proteger a integridade da família. As famílias dos policiais, enfrentando a crítica social, também suportam o impacto do trabalho de seus entes queridos, especialmente quando estes atuam em serviço externo (CASTRO et al 2019).
O estilo de vida dos policiais é caracterizado por hábitos peculiares, incluindo um acentuado comportamento de desconfiança nas relações sociais, a busca por ambientes mais seguros para circulação e a formação de redes de amizades restritas, frequentemente compostas por colegas de profissão. Esses comportamentos são identificados como estratégias de enfrentamento dos riscos que são mais frequentes entre os policiais, tais como o isolamento social, a restrição de conversas sobre assuntos de trabalho com a família e a separação entre vida profissional e familiar (CASTRO et al 2019).
O policial militar, devido à natureza de seu trabalho que o coloca em contato próximo com a comunidade e o encarrega de fazer cumprir a lei, frequentemente se torna uma referência para as pessoas ao seu redor. Isso impõe a ele uma pressão adicional: a de servir como exemplo de disciplina e comportamento, influenciando positivamente as pessoas a lidar melhor com seus desafios. Dada a posição que ocupa, é inevitável que ele sirva de exemplo, e essa pressão pode causar sérios impactos na saúde física e mental desses profissionais (LIMA et al 2018; PEREIRA et al 2020; DIAS et al 2022).
Como evidenciado nas pesquisas, a imagem do policial como um “super-herói” é uma construção social comum em muitas culturas, onde são vistos como símbolos de segurança, bravura e proteção da sociedade. Essa percepção pode colocar uma carga adicional sobre esses profissionais, pois eles são frequentemente idealizados como indivíduos que não devem cometer erros e que devem sempre estar prontos para enfrentar situações difíceis.
Entretanto, a realidade é que os policiais são seres humanos sujeitos às mesmas fragilidades e limitações de qualquer outra pessoa. Eles lidam com desafios e pressões extremas no exercício de suas funções, e essa expectativa de perfeição pode gerar um estresse significativo. Além de serem vistos como super-heróis, os policiais muitas vezes são percebidos como vilões ou “vilões em potencial” pela sociedade. A sociedade espera que eles ajam corretamente em todas as situações, mas também estão sujeitos a um escrutínio constante de suas ações. Qualquer erro pode ser amplificado pela mídia e pela opinião pública, resultando em julgamentos severos e críticas, às vezes injustos.
A cobrança imposta sobre o trabalho policial e a pressão para lidar com situações de alto risco, além da responsabilidade de manter a ordem pública, são fatores que contribuem para o estresse psicológico desses profissionais. O constante estado de alerta, a exposição a situações traumáticas e a incerteza das ocorrências com as quais lidam diariamente também contribuem para o desgaste emocional. É importante reconhecer a complexidade do papel do policial na sociedade e entender que eles enfrentam desafios únicos que podem afetar sua saúde mental e emocional. É fundamental oferecer apoio, programas de saúde mental e estratégias de gerenciamento do estresse para esses profissionais, reconhecendo que eles são humanos e estão sujeitos a limitações, erros e emoções, assim como qualquer outra pessoa.
A vitimização dos policiais permanece como um tema tabu, tanto na sociedade em geral quanto, principalmente, no seio do Estado brasileiro, abrangendo seus diversos níveis e órgãos. Isso ocorre mesmo quando os dados indicam claramente a vulnerabilidade desses profissionais, que enfrentam a possibilidade de sofrer agravos físicos e emocionais, ou até mesmo perder a vida em decorrência de sua profissão. Notavelmente, essa realidade é amplamente ignorada pelas autoridades públicas do Brasil, uma vez que não existem dados oficiais atualizados que registrem o número de profissionais vitimados, incluindo casos de suicídio (SOUZA, 2019)
Estratégias de promoção do bem-estar e possibilidades e interfaces da Saúde Coletiva
A saúde mental dos profissionais de segurança, especialmente dos policiais, é um tema de extrema relevância que demanda atenção e a implementação de estratégias eficazes de promoção do bem-estar. Nesse contexto, o campo da Saúde Coletiva se apresenta como um terreno fértil para explorar e desenvolver abordagens que possam impactar positivamente a saúde mental desses agentes. Diante das complexidades enfrentadas no exercício de suas funções, é crucial investigar e compreender as possibilidades e interfaces oferecidas pela Saúde Coletiva para fornecer suporte e melhorar as condições de saúde mental dos policiais. Essa categoria agrega estudos do resultado que apontam para a importância das estratégias direcionadas à promoção do bem-estar e os aspectos da Saúde Coletiva podem desempenhar um papel fundamental na proteção e no cuidado da saúde mental desses profissionais que enfrentam desafios únicos em seu cotidiano de trabalho.
O estudo transversal sobre suicídio demonstra que o programa de apoio aos policiais implementado nas cidades de Montreal e Quebec, no Canadá, demonstrou uma redução significativa de 78,9% (p < 0,008) nas taxas de suicídio. Esse êxito foi alcançado por meio de intervenções complementares, que incluíram treinamento para todas as unidades policiais sobre a natureza do suicídio, identificação de riscos e formas de auxiliar um colega em dificuldade. Além disso, foram implementadas uma linha telefônica exclusiva de apoio aos agentes, abordando situações traumáticas no trabalho, questões de gênero e homossexualidade, alcoolismo e outras dependências, bem como problemas conjugais e de relacionamento. Supervisores e representantes sindicais receberam treinamentos específicos em prevenção de suicídio, e foram realizadas campanhas publicitárias para informar sobre a prevenção do suicídio e a existência do programa de apoio, abrangendo todos os membros da força policial (PEREIRA et al 2020).
O suporte familiar emerge como uma fonte crucial na prevenção do suicídio, além da presença contínua de apoio médico-psicológico e de amigos é considerada estratégica para a saúde mental e para a adoção de atitudes preventivas diante dos possíveis riscos da profissão (CASTRO et al 2019; PEREIRA et al 2020). Em policiais civis de Santa Catarina, a percepção de suporte familiar foi identificada como um fator de proteção para aqueles afastados do trabalho devido a sofrimento psíquico. A presença desse suporte não apenas desempenhou um papel significativo na recuperação dos policiais, mas também contribuiu para o retorno bem-sucedido às atividades laborais. A escolaridade pode ser considerada um fator protetivo em relação ao suicídio, atuando como um meio de fortalecimento individual. Estudos demonstram que no Brasil há uma maior incidência de suicídios entre pessoas com até ensino médio. A baixa escolaridade pode impactar a autopercepção do indivíduo e suas relações sociais, contribuindo para a baixa autoestima e aumentando o risco de suicídio (PEREIRA et al 2020).
A implementação coordenada da Saúde Mental do Trabalhador, com um público inicial de aproximadamente 250 servidores na Superintendência de Campo Grande, MS, foi orientada por uma abordagem integrada. Esta abordagem foi fundamentada em três aspectos principais: (i) intervenção individual, englobando atividades voltadas para a psicoeducação, gestão dos primeiros socorros psicológicos (plantão psicológico) e um sistema de atenção ao trabalhador, central neste relato; (ii) intervenção em grupo, concentrada nos sistemas sociais (como treinamentos, palestras e grupos); e (iii) intervenção organizacional, direcionada ao ambiente de trabalho (como consultorias relacionadas ao dia a dia, organização e contexto laboral, entre outras) (GUIMARÃES et al 2020).
As estratégias implementadas foram embasadas no campo teórico da psicologia da saúde ocupacional, com foco no bem-estar dentro de ambientes de emergência. No que se refere às medidas de prevenção primária e secundária, foi priorizada a habilidade de gerenciamento das emoções (tais como fortaleza psicológica, controle do estresse, percepção de controle sobre a situação, aspectos sociais e suporte nos primeiros socorros psicológicos em nível individual). A prevenção terciária foi direcionada ao suporte psicoterapêutico e à psicotraumatologia, enfatizando a abordagem multidisciplinar e biopsicossocial (GUIMARÃES et al 2020).
Apesar das dificuldades em quantificar os impactos do programa, existem evidências indicativas da eficácia da intervenção: houve uma redução significativa no número de dias e casos de afastamento associados ao CID-F (CID-10 Classificação Internacional de Doenças/Grupo F – Transtornos Mentais e Comportamentais) um ano após a implementação do programa. Esses dados foram fornecidos pela Polícia Rodoviária Federal por meio do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (GUIMARÃES et al 2020).
A revisão sistemática sobre saúde mental identificou em sua pesquisa que avaliar o estresse sob a perspectiva do policial permite sugerir mudanças na estrutura e organização policial. Estudos sobre TEPT indicam a importância de valorizar o apoio social oferecido pela instituição e pela rede social do policial, bem como implementar programas de tratamento e prevenção no ambiente de trabalho. Pesquisas sobre o uso de substâncias recomendam programas de conscientização para policiais usuários e instituições, enfatizando a necessidade de lidar com a dependência. Propõe-se diagnóstico, controle e investigação prévia ao ingresso na polícia, além de exames periódicos para embasar ações de prevenção e tratamento (CASTRO et al 2019).
A pesquisa sugere assistência psicológica contínua como medida preventiva. Ampliação dos repertórios de controle e prevenção desde a formação policial, oferecendo espaços para troca de experiências é reconhecido como recurso valioso para a saúde mental e profissional das instituições. Intervenções em grupo são eficazes para a autoestima e para lidar com questões do cotidiano policial. Flexibilização das organizações policiais é proposto para gerenciar problemas cotidianos, exigindo força física e intelectual do policial, promovendo o trabalho em equipe, reduzindo hierarquias e incentivando a cooperação, sugerindo a reestruturação e reconhecimento do mérito dos policiais. Estratégias de apoio material e emocional devem ser implementadas para garantir a coesão, segurança e qualidade de vida dos policiais e de suas famílias. Rever a cultura institucional ultrapassada é crucial para a promoção da saúde mental coletiva dos policiais. O foco deve estar na reestruturação das instituições para garantir a saúde mental de seus profissionais (CASTRO et al 2019).
A revisão integrativa apresentou estudos que destacam a importância de examinar a saúde mental dos policiais, revelando a complexidade dessa abordagem. Fatores que protegem a saúde mental dos policiais incluem a prática de atividade física, uma rotina de sono adequada, o apoio social, mais tempo de serviço, ter uma religião, uma percepção positiva de autoeficácia, maior resiliência, esperança e otimismo, além da expressão de emoções negativas.
Essas descobertas apontam diretrizes para a preservação da saúde emocional dos policiais, que se alinham aos padrões da população em geral. Manter um estilo de vida ativo, desenvolver resiliência e habilidades sociais para resolver conflitos foram identificados como fatores associados a uma melhor qualidade de vida e bem-estar, além de correlacionarem-se com níveis mais baixos de depressão e ansiedade (SOUSA et al., 2022).
Para a elaboração de intervenções eficazes no ambiente de trabalho, é crucial considerar a realidade do serviço, a cultura organizacional, as características individuais e o conhecimento prévio sobre os fatores ligados ao bem-estar e à saúde mental. Embora intervenções localizadas tenham tido sucesso em alguns casos, a alta incidência de problemas de saúde entre policiais em diferentes países indica a necessidade de uma investigação mais ampla e de uma reestruturação global no ambiente de trabalho (SOUSA et al., 2022).
O estudo transversal sobre estresse aponta que para mitigar o impacto negativo do estresse ocupacional nos níveis de engajamento dos policiais e assegurar a eficácia dos serviços de segurança, é essencial que as corporações adotem estratégias para promover uma relação mais positiva dos profissionais com o trabalho. Isso pode ser alcançado por meio do reconhecimento e valorização dos policiais, ajuste adequado das cargas horárias, flexibilização nos métodos de supervisão, implementação contínua de capacitações profissionais e valorização por parte da organização (SANTOS et al 2021).
No entanto, é importante reconhecer que a implementação dessas ações representa um desafio significativo para a saúde dos trabalhadores no cenário contemporâneo. Além disso, para alcançar impactos relevantes na saúde dos policiais, é fundamental que haja envolvimento ativo dos mesmos, através de suas representações organizacionais. Isso ampliaria o poder de ação tanto individual quanto coletivo dos policiais nas negociações com superiores hierárquicos e governos estaduais (SANTOS et al 2021).
Os estudos evidenciam que a valorização do policial é um pilar essencial como cuidado de sua saúde mental, além do nível de escolaridade e capacitação sobre saúde mental serem meios protetivos, o que pode ocorrer ao longo do curso de formação do policial e ao longo da carreira. A pesquisa feita pelo NISP evidenciou que 78,3% dos policiais apresenta ou trabalha com algum colega que apresenta sinais de problemas psicológicos ou psiquiátricos, 59,2% afirmam que a instituição possui algum tipo de apoio psicológico ou de saúde mental, porém quando questionados sobre se ele ou algum colega precisar de ajuda psicológica, ele saberia como proceder e 57,9% responderam que não. Os dados mostram que os policiais estão trabalhando doentes ou com seus colegas doentes e a maioria não sabe como pedir ajuda.
A Lei 13.675/18, conhecida como a Lei do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), abrange diversos aspectos essenciais para a promoção de um ambiente mais seguro e eficaz. Esta legislação, em seu Artigo 4º, II, estabelece o compromisso com a “proteção, valorização e reconhecimento dos profissionais de segurança pública”, reconhecendo a importância de valorizar aqueles que trabalham para manter a ordem e a segurança em nossa sociedade.
Além disso, o Artigo 5º, X, destaca a prioridade de fornecer atendimento de alta qualidade, com uma abordagem humanizada, às pessoas em situação de vulnerabilidade, ressaltando a preocupação com a humanidade e dignidade na aplicação da lei. A lei também se preocupa com a segurança dos próprios agentes públicos que compõem o sistema nacional de segurança pública e seus familiares, conforme estabelecido no Artigo 6º, XXI, incentivando a criação de mecanismos de proteção. O Artigo 6º, XXII, destaca o estímulo e apoio à elaboração, execução e monitoramento de ações que visam valorizar profissionalmente, promover a saúde, melhorar a qualidade de vida e garantir a segurança dos servidores que fazem parte do sistema nacional de segurança pública. Esses dispositivos combinados demonstram um compromisso abrangente com o bem-estar, o reconhecimento e a eficácia de todos os envolvidos no sistema de segurança pública (SOUZA et al., 2019).
A saúde coletiva se fundamenta na interação entre a epidemiologia, as ciências humanas e sociais, a política e o planejamento. Essa base sólida é construída tanto pelos avanços internos de cada disciplina individualmente quanto pelas sinergias resultantes das interações entre elas (Villela et al., 2009), do ponto de vista do saber, a Saúde Coletiva se estrutura em um tripé interdisciplinar.
Apesar dos desafios enfrentados, a natureza multidisciplinar da saúde coletiva abre caminho para uma ampla gama de objetos e estratégias metodológicas para sua abordagem. Isso reitera a importância de uma reflexão crítica sobre os determinantes sociais que influenciam o processo saúde-doença e ressalta a necessidade de traduzir esse conhecimento em ações concretas que visem promover a equidade na saúde (VILLELA et al., 2009).
Esse campo de conhecimento se concentra na compreensão da saúde e na explicação dos fatores sociais que a influenciam. Além disso, engloba práticas direcionadas para promover a saúde, prevenir doenças e agravos, assim como oferecer cuidados. Seu foco está nos grupos sociais, considerando a coletividade como seu principal objetivo.
Na esfera da execução prática, a Saúde Coletiva propõe uma abordagem renovada na organização do trabalho em saúde. Este enfoque destaca a promoção da saúde, a prevenção de riscos e problemas de saúde, a reestruturação do atendimento aos doentes e o aprimoramento da qualidade de vida. Isso é alcançado por meio da priorização de mudanças nos estilos de vida e nas interações entre os diversos grupos sociais envolvidos no cuidado à saúde da população. A saúde mental dos policiais é uma preocupação significativa na saúde coletiva, e sua abordagem requer uma perspectiva ampla que envolve múltiplas disciplinas, incluindo a profissão de sanitarista, a epidemiologia, políticas públicas e ciências sociais (PAIM, 2006).
Os sanitaristas desempenham um papel crucial na promoção da saúde mental coletiva dos policiais. Eles são responsáveis por identificar, analisar e abordar fatores de risco, assim como promover intervenções preventivas e estratégias de promoção da saúde mental. Isso pode envolver a implementação de programas de educação em saúde mental, avaliação de riscos ocupacionais, desenvolvimento de estratégias de prevenção de doenças mentais e fornecimento de recursos para apoio psicológico (PAIM, 2006).
A epidemiologia desempenha um papel fundamental ao fornecer dados e análises para entender a prevalência, os fatores de risco e os padrões de doenças mentais entre os policiais. Esses profissionais podem realizar estudos epidemiológicos para identificar tendências, determinantes de saúde mental e possíveis associações entre a profissão policial e transtornos mentais. Com base nesses dados, podem ser desenvolvidas políticas e programas mais eficazes para a promoção da saúde mental dos policiais (PAIM, 2006).
As políticas públicas são fundamentais para criar um ambiente propício à saúde mental dos policiais como apresentado anteriormente. Elas devem abordar questões como condições de trabalho, carga horária, suporte psicológico, acesso a tratamento, entre outros aspectos que impactam diretamente a saúde mental desses profissionais. A formulação e implementação de políticas eficazes requerem a colaboração entre os órgãos governamentais, as agências de segurança pública e os profissionais de saúde coletiva (MARTIN et al 2023).
As ciências sociais desempenham um papel importante ao analisar as dinâmicas sociais, culturais e psicossociais que afetam a saúde mental dos policiais. Esses profissionais investigam questões como estigma, percepções sociais da profissão policial, estrutura organizacional das instituições de segurança pública e suas influências na saúde mental dos policiais. Compreender o contexto social e as interações é essencial para criar estratégias de intervenção que sejam culturalmente sensíveis e eficazes, atribuição as quais o sanitarista exerce papel fundamental na implementação (MARTIN et al 2023).
Em resumo, abordar a saúde mental dos policiais requer uma abordagem holística que envolva múltiplas disciplinas. Não há um profissional mais capacitado que o profissional graduado em saúde coletiva para melhor atender as necessidades desses profissionais e promover a integração entre os órgãos de execução. É preparado para formular, implantar, organizar, monitorar e avaliar políticas, planos, programas, projetos e serviços de saúde.
4 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base na abordagem inicial sobre a importância da saúde mental para o bem-estar dos policiais e sua influência no desempenho profissional, é evidente que a preservação da saúde psicológica desses agentes é essencial para a eficiência do serviço prestado à comunidade. A complexidade das atividades policiais, marcadas por situações de alto estresse, risco, e desgaste físico e emocional, destaca a urgência de estratégias voltadas para o cuidado e a prevenção de problemas de saúde mental nesse contexto profissional.
Os dados apresentados revelam não apenas os desafios enfrentados pelos policiais, mas também a necessidade de políticas públicas específicas para atender às demandas de uma categoria profissional singular. A amplitude territorial do Brasil, com sua diversidade geográfica, cultural e desafios específicos em diferentes regiões, amplia a complexidade na formulação dessas políticas.
É crucial reconhecer que a saúde mental dos policiais não apenas impacta sua qualidade de vida individual, mas também afeta diretamente a eficácia das instituições policiais e, por consequência, a segurança pública como um todo. Investir na promoção do bem-estar psicológico desses profissionais não é apenas uma questão humanitária, mas também uma medida que influencia positivamente a capacidade de resposta diante das demandas sociais.
O estudo proposto, com seus objetivos específicos, buscou trazer à luz não apenas os desafios enfrentados pelos policiais, mas também estratégias que podem ser implementadas para mitigar os impactos negativos na saúde mental desses profissionais. Ao propor uma análise aprofundada sobre os fatores de risco, impactos no desempenho profissional e possíveis estratégias de promoção da saúde mental, a pesquisa buscou contribuir para um debate sobre as condições de trabalho e o bem-estar dos agentes de segurança.
É fundamental que essa discussão permeie não só os círculos acadêmicos, mas também as esferas governamentais e institucionais, a fim de implementar medidas efetivas que valorizem a saúde mental dos policiais e, por conseguinte, melhorem a eficiência e a qualidade dos serviços prestados à sociedade. A valorização desses profissionais não apenas assegura um ambiente de trabalho mais saudável, mas também fortalece a confiança da população nas instituições de segurança pública. A negligência do Estado na coleta e na centralização de informações relevantes sobre a saúde mental dos policiais reflete uma lacuna preocupante nas políticas de segurança pública. A ausência de dados confiáveis e a inexistência de um sistema de informação padronizado contribuem para ocultar os desafios enfrentados pelos policiais, dificultando a análise aprofundada de diversas situações. Essa lacuna na coleta e na organização de informações pertinentes compromete não apenas a compreensão real dos problemas enfrentados por esses profissionais, mas também inviabiliza a formulação de políticas públicas eficazes.
Assegurar a efetivação da Segurança Pública como um Direito Social demanda a consideração criteriosa dos elementos fundamentais para torná-la uma realidade palpável. Dessa forma, garantir que os policiais desempenhem suas atribuições de maneira a atender às expectativas da sociedade em relação à segurança pública requer um acompanhamento constante e diligente, que se inicia desde o ingresso na carreira, passando pela formação inicial, e se estendendo até o período pós-aposentadoria do servidor.
Este cuidado contínuo ao longo de toda a trajetória profissional do policial é essencial não apenas para assegurar um serviço eficaz e alinhado com as demandas sociais, mas também para zelar pelo bem-estar, saúde mental e integridade física desses profissionais. O investimento em uma formação inicial sólida e contínua, aliada a políticas de acompanhamento e suporte ao longo da carreira e após a aposentadoria, é fundamental para garantir não somente a qualidade do serviço prestado, mas também o respeito aos direitos e à dignidade dos agentes de segurança pública.
A formação e a presença do profissional de saúde coletiva no contexto da segurança pública têm o potencial de não apenas identificar, mas também mitigar fatores de risco que afetam a saúde mental dos agentes. Aprofundar os estudos sobre o perfil psicossocial desses profissionais é essencial para desenvolver estratégias mais eficazes de cuidado e prevenção.
A implementação de um sistema integrado de informações sobre os profissionais da segurança é um passo crucial para compreender melhor suas necessidades, permitindo a criação de políticas mais direcionadas e eficientes. Essa iniciativa pode contribuir significativamente para a promoção da saúde mental desses servidores, garantindo-lhes um ambiente de trabalho mais saudável e respeitoso.
Além disso, a aproximação entre instituições acadêmicas e órgãos de segurança pública possibilita a troca de conhecimentos, experiências e boas práticas. Essa colaboração pode resultar em programas de capacitação mais adequados, direcionados para as demandas específicas dos agentes de segurança, enquanto oferece aos estudantes e pesquisadores uma compreensão mais aprofundada dos desafios enfrentados por esses profissionais.
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1Sanitarista graduado pela Faculdade de Ceilândia da Universidade de Brasília.
2Professor adjunto de Saúde Coletiva da Faculdade de Ceilândia da Universidade de Brasília. e-mail: sergiors@unb.br