MENTAL HEALTH OF ADOLESCENTS AND SOCIAL MEDIA: SUBJECTIVE VULNERABILITIES AND CLINICAL IMPLICATIONS IN THE ERA OF DIGITAL HYPERVISIBILITY
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202505310035
Rose Heidy Costa Silva Novais1
Tiago Assis de Castro Alves2
RESUMO
Introdução: A adolescência é um período de intensas transformações subjetivas, sociais e neurobiológicas, marcado por uma busca ativa por pertencimento e validação. Nesse cenário, as redes sociais digitais emergem como espaços ambíguos de construção identitária e exposição psíquica. Estudos recentes têm apontado associações entre o uso dessas plataformas e o aumento de sintomas de sofrimento mental em adolescentes, exigindo análises mais aprofundadas sobre esse fenômeno contemporâneo. Objetivo: Analisar criticamente os efeitos do uso cotidiano das redes sociais digitais na saúde mental de adolescentes, com base em publicações científicas entre 2020 e 2025. Método: Revisão integrativa da literatura, com seleção de 26 estudos empíricos nacionais e internacionais. Os dados foram organizados em oito eixos temáticos: autoestima e imagem corporal; ansiedade e exposição digital; sintomas depressivos e isolamento social; uso problemático e dependência digital; diferenças de gênero e idade; suporte familiar e fatores protetores; vulnerabilidades socioculturais; e influência algorítmica e comparação social. Resultados: Houve predomínio de evidências que relacionam o uso passivo e comparativo das redes ao agravamento de sintomas internalizantes, como ansiedade, depressão e baixa autoestima. Adolescentes com menor suporte emocional demonstraram maior vulnerabilidade. Em contrapartida, o uso ativo e mediado por vínculos afetivos revelou-se fator potencialmente protetivo em alguns contextos. Conclusão: Os efeitos das redes sociais sobre a saúde mental de adolescentes são multifatoriais, mediados por elementos subjetivos e contextuais. Intervenções e políticas públicas precisam considerar tais complexidades, promovendo práticas digitais mais saudáveis, afetivamente sustentadas e socialmente conscientes.
Palavras-chave: redes sociais; adolescência; saúde mental; revisão integrativa; sofrimento psíquico.
Abstract
Introduction: Adolescence is a period marked by intense subjective, social, and neurobiological transformations, characterized by a strong need for belonging and validation. In this context, digital social networks have emerged as ambiguous spaces of identity construction and psychic vulnerability. Recent studies suggest associations between social media use and increased symptoms of psychological distress among adolescents, requiring more in-depth analyses of this contemporary phenomenon. Objective: To critically analyze the effects of daily social media use on adolescent mental health, based on scientific literature published between 2020 and 2025. Method: An integrative literature review was conducted, selecting 26 empirical studies, both national and international. The findings were organized into eight thematic axes: self-esteem and body image; anxiety and digital exposure; depressive symptoms and social withdrawal; problematic use and digital dependence; gender and age differences; family support and protective factors; sociocultural vulnerabilities; and algorithmic influence and social comparison. Results: Most studies revealed a strong association between passive and comparative use of social media and increased internalizing symptoms, such as anxiety, depression, and low self-esteem. Adolescents with limited emotional support showed greater vulnerability. Conversely, active and affectively mediated use of digital platforms was identified as a potential protective factor in some contexts. Conclusion: The impact of social media on adolescent mental health is multifactorial and mediated by subjective and contextual elements. Effective interventions and public policies must address these complexities, fostering healthier, emotionally supported, and socially conscious digital practices.
Keywords: social media; adolescence; mental health; integrative review; psychological distress.
1. Introdução
A adolescência não deve ser compreendida apenas como um intervalo cronológico do desenvolvimento humano, mas como uma etapa liminar, atravessada por intensas transformações subjetivas, sociais e neurobiológicas. Trata-se de um período em que o sujeito se vê desafiado a reconstruir os vínculos entre corpo, linguagem e pertencimento, em meio à emergência de uma nova organização psíquica (Teixeira et al., 2021). Nesse contexto de reorganização identitária, as redes sociais digitais têm se consolidado como um espaço privilegiado — e ambíguo — para expressão de desejos, construção de laços e também exposição à vulnerabilidade.
O uso cotidiano dessas plataformas modifica não apenas a forma como os adolescentes se relacionam com os outros, mas também com o próprio corpo e consigo mesmos. Pesquisas recentes têm demonstrado que padrões problemáticos de uso, caracterizados por excessiva exposição, passividade e busca por validação digital, estão associados ao aumento de sintomas internalizantes, como ansiedade, depressão e baixa autoestima (Leo et al., 2023; Azem et al., 2023). A lógica algorítmica, que transforma afetos em métricas visíveis de aceitação — curtidas, comentários, seguidores — intensifica a comparação social e impacta diretamente a construção do valor subjetivo (Valkenburg et al., 2021).
Diversas revisões sistemáticas e estudos longitudinais reforçam essa correlação entre uso intensivo das redes sociais e sofrimento psíquico em adolescentes, embora os efeitos não sejam uniformes nem lineares (Gabrielle; Sonne; Indolo, 2024; Shannon et al., 2022; Nagata et al., 2025). Os impactos variam conforme fatores como o tipo de uso, a estrutura emocional prévia e o nível de suporte familiar e comunitário (Agyapong Opoku; Greenshaw, 2025; Mogharbel et al., 2023). Tais nuances exigem uma abordagem que vá além da mera patologização do comportamento digital e leve em conta os atravessamentos socioculturais, os determinantes sociais da saúde e os recursos simbólicos disponíveis a cada sujeito.
É nesse cenário que se insere o presente estudo, cujo objetivo é analisar criticamente a literatura científica publicada entre 2020 e 2025 acerca dos efeitos do uso diário das redes sociais na saúde mental de adolescentes, com foco nas dimensões de autoestima, ansiedade e depressão. A pesquisa adota uma abordagem qualitativa e exploratória, fundamentada na revisão sistemática de 26 estudos, com o intuito de compreender como a centralidade das mídias sociais no cotidiano juvenil tem influenciado os modos de subjetivação e os processos de adoecimento psíquico dessa geração.
2. Metodologia
2.1 Tipo de estudo
Este trabalho configura-se como uma pesquisa qualitativa, exploratória e bibliográfica, com abordagem interpretativa e crítica. Tal escolha metodológica justifica-se pela necessidade de compreender, de forma aprofundada, os efeitos do uso cotidiano das redes sociais sobre a saúde mental de adolescentes, articulando os dados empíricos recentes da literatura científica a uma análise que reconheça a complexidade do fenômeno. A natureza qualitativa permite integrar aspectos objetivos — como achados e variáveis investigadas — a dimensões subjetivas e simbólicas do sofrimento psíquico juvenil.
2.2 Estratégia de busca e critérios de inclusão
A busca sistemática foi realizada entre fevereiro e maio de 2025, nas bases de dados PubMed, Scopus, Web of Science, SciELO, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Google Scholar. Utilizaram-se descritores em português, inglês e espanhol, combinando termos como: “adolescents”, “mental health”, “social media”, “self-esteem”, “depression”, “anxiety”, “screen time”, “digital behavior”, “social comparison”, “adolescentes”, “saúde mental”, “redes sociais”, “uso problemático”, “sintomas internalizantes”, “autoestima”, “ansiedade” e “depressão”.
Os critérios de inclusão foram:
- Publicações entre 2020 e 2025;
- Estudos empíricos, revisões sistemáticas ou meta-análises com recorte na população adolescente (10 a 19 anos);
- Trabalhos que abordassem de maneira direta os efeitos das redes sociais sobre autoestima, ansiedade e/ou depressão;
- Acesso ao texto completo, com disponibilidade livre;
- Artigos em inglês, português ou espanhol.
Foram excluídos os seguintes tipos de estudos: aqueles com foco exclusivo em adultos ou crianças; pesquisas voltadas unicamente à dependência digital sem interface com saúde mental; relatos de experiência; estudos com falhas metodológicas evidentes; e artigos que abordassem apenas o cyberbullying sem relação direta com os demais construtos investigados.
2.3 Seleção e análise dos dados
A triagem inicial identificou 86 artigos potencialmente relevantes. Após leitura dos títulos e resumos, 49 foram selecionados para leitura integral, sendo 26 incluídos na análise final por atenderem integralmente aos critérios estabelecidos.
A análise dos dados foi conduzida em duas etapas complementares. Na primeira, procedeu-se à leitura flutuante e exploratória dos textos, com atenção especial aos objetivos, métodos e principais achados de cada estudo. Na segunda, os conteúdos foram organizados por meio de análise temática, com base na técnica de categorização proposta por Bardin (2016), buscando identificar regularidades nos discursos científicos sobre os impactos das redes sociais na saúde psíquica de adolescentes.
As quatro categorias analíticas emergentes foram: (1) efeitos sobre a autoestima e a comparação social; (2) associação entre tempo de tela e sintomas ansiosos e/ou depressivos; (3) fatores moderadores e mediadores do sofrimento psíquico; e (4) implicações clínicas e psicossociais para o campo da saúde mental infantojuvenil.
2.4 Limitações e implicações éticas
Por se tratar de uma revisão bibliográfica, sem coleta de dados primários ou contato direto com seres humanos, a pesquisa está dispensada de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa. No entanto, todos os estudos analisados foram avaliados quanto ao rigor metodológico e à observância dos princípios éticos nos delineamentos originais.
3. RESULTADOS
A análise dos 26 estudos selecionados permitiu a sistematização dos achados em quatro eixos temáticos centrais, alinhados aos objetivos da presente revisão: (1) autoestima e comparação social; (2) ansiedade e hipervigilância digital; (3) sintomas depressivos e retraimento subjetivo; e (4) fatores moderadores da relação entre uso de redes sociais e sofrimento psíquico. Os resultados foram organizados de forma analítica e estão apresentados a seguir, com o intuito de destacar os padrões mais recorrentes identificados na literatura.
Quadro 1 – Eixos temáticos, principais autores e conclusões dos estudos analisados (2020–2025)
Fonte: Elaboração própria com base nos 26 estudos incluídos na revisão.
Eixo Temático | Nº de Estudos | Principais Autores | Conclusões dos Estudos |
Autoestima e imagem corporal | 9 | Leo et al. (2023); Azem et al. (2023); Valkenburg et al. (2021); Freitas et al. (2021); Fassi et al. (2025); Ajos et al. (2024); Dias e Montalvão Neto (2025); Pereira et al. (2024); Shannon et al. (2022) | O uso passivo das redes sociais reforça comparações negativas e insatisfação corporal. Uso ativo com suporte social pode ser protetivo. |
Ansiedade e exposição digital | 9 | Haidt (2024); Agyapong Opoku et al. (2025); Santana et al. (2023); Blackwell et al. (2024); Plackett et al. (2023); Craig et al. (2021); Saleem e Jan (2024); Shannon et al. (2022); Fassi et al. (2025) | Engajamento intenso nas redes induz hipervigilância e ansiedade. A dependência de validação externa agrava os sintomas. |
Depressão e isolamento social | 10 | Nagata et al. (2025); Azem et al. (2023); Khalaf et al. (2023); Fassi et al. (2025); Gabrielle et al. (2024); Tumada et al. (2024); Santana et al. (2023); Freitas et al. (2021); Dias e Montalvão Neto (2025); Leo et al. (2023) | Uso precoce e prolongado das redes relaciona-se a retraimento e tristeza persistente, sobretudo em contextos sem suporte afetivo. |
Uso problemático e dependência digital | 5 | Shannon et al. (2022); Leo et al. (2023); Saleem e Jan (2024); Craig et al. (2021); Khalaf et al. (2023) | O uso compulsivo é associado a prejuízos funcionais e emocionais. A dependência se relaciona à baixa regulação emocional. |
Diferenças de gênero e idade | 4 | Marques, Coutinho e Figueira (2021); Mogharbel et al. (2023); Fassi et al. (2025); Gabrielle et al. (2024) | Meninas tendem a maior vulnerabilidade a questões de imagem e comparação; meninos apresentam mais impulsividade e externalização. |
Suporte familiar e fatores protetores | 6 | Valkenburg et al. (2021); Gabrielle et al. (2024); Fassi et al. (2025); Mogharbel et al. (2023); Agyapong-Opoku et al. (2025); Marques, Coutinho e Figueira (2021) | Presença de apoio afetivo consistente e mediação parental protege contra efeitos deletérios das redes sociais. |
Vulnerabilidades socioculturais | 3 | Santana et al. (2023); Freitas et al. (2021); Dias e Montalvão Neto (2025) | Adolescentes em contextos de pobreza, racismo ou exclusão social apresentam maior risco de sofrer impactos psíquicos negativos. |
Influência algorítmica e comparação social | 5 | Valkenburg et al. (2021); Gabrielle et al. (2024); Shannon et al. (2022); Azem et al. (2023); Nagata et al. (2025) | Algoritmos reforçam padrões de comparação e exposição a conteúdos idealizados, contribuindo para baixa autoestima e sofrimento. |
3.1 Autoestima e imagem corporal
Dos 9 estudos incluídos neste eixo, observou-se uma associação consistente entre o uso passivo das redes sociais e a diminuição da autoestima entre adolescentes. A exposição constante a conteúdos idealizados — especialmente imagens corporais e estilos de vida irreais — reforçou sentimentos de inadequação, comparação social negativa e insatisfação com a própria aparência. Trabalhos como os de Leo et al. (2023), Azem et al. (2023), Valkenburg et al. (2021) e Freitas et al. (2021) ilustram esse fenômeno. Em contrapartida, os estudos de Gabrielle, Sonne e Indolo (2024) e Dias e Montalvão Neto (2025) indicam que o uso ativo, especialmente quando mediado por suporte social, pode exercer função protetora sobre o autoconceito.
3.2 Ansiedade e exposição digital
Neste eixo, 9 estudos apontaram que a lógica de engajamento das redes sociais, baseada em ciclos de recompensa e notificações constantes, contribui para a intensificação da ansiedade psíquica. A necessidade de validação social, expressa por curtidas e comentários, gera um estado de hipervigilância e tensão contínua. Autores como Haidt (2024), Agyapong-Opoku et al. (2025), Santana et al. (2023) e Blackwell et al. (2024) descrevem quadros de insônia, irritabilidade e dificuldade de concentração associados ao uso intensivo. Já Plackett, Sharington e Dyckhoff (2023) e Craig et al. (2021) reforçam que adolescentes mais sensíveis à opinião externa são os mais afetados.
3.3 Depressão e isolamento social
Foram 10 estudos que relacionaram o uso excessivo das redes sociais com sintomas depressivos em adolescentes. Os achados indicam que a comparação constante com pares idealizados e a ausência de conexões afetivas autênticas favorecem sentimentos de vazio, desesperança e retraimento. Autores como Nagata et al. (2025), Khalaf et al. (2023), Tumada et al. (2024) e Fassi et al. (2025) identificam um padrão comum de desinteresse progressivo por atividades sociais e acadêmicas. Freitas et al. (2021) e Dias e Montalvão Neto (2025) alertam que o início precoce da exposição digital pode amplificar esses riscos.
3.4 Uso problemático e dependência digital
Cinco estudos focaram especificamente nos impactos do uso compulsivo das redes sociais. Essa categoria se distingue por padrões de comportamento que envolvem perda de controle, interferência nas atividades cotidianas e sintomas de abstinência digital. Estudos como os de Shannon et al. (2022), Leo et al. (2023) e Saleem e Jan (2024) caracterizam esse uso como semelhante a quadros de dependência comportamental. Já Craig et al. (2021) e Khalaf et al. (2023) reforçam que a desregulação emocional e a baixa resiliência são fatores associados ao agravamento desse padrão de uso.
3.5 Diferenças de gênero e idade
Quatro estudos identificaram diferenças significativas no modo como adolescentes de diferentes gêneros e faixas etárias vivenciam os efeitos das redes sociais. Marques, Coutinho e Figueira (2021) e Mogharbel et al. (2023) apontam que meninas são mais suscetíveis a alterações na autoimagem corporal e sintomas internalizantes. Por outro lado, Gabrielle, Sonne e Indolo (2024) indicam que meninos tendem a manifestar sofrimento por meio de comportamentos impulsivos. Já Fassi et al. (2025) relacionam maior vulnerabilidade à idade precoce de início do uso das plataformas.
3.6 Suporte familiar e fatores protetores
Seis estudos abordaram a influência do suporte familiar e de vínculos afetivos consistentes como fatores de proteção. Valkenburg et al. (2021) e Gabrielle, Sonne e Indolo (2024) demonstram que a presença de mediação parental, escuta ativa e redes de apoio contribuem para um uso mais saudável das plataformas. Fassi et al. (2025), Mogharbel et al. (2023) e Agyapong-Opoku et al. (2025) reforçam que adolescentes com maior autorregulação emocional tendem a ser menos afetados pelos riscos da hipermediação.
3.7 Vulnerabilidades socioculturais
Três estudos enfatizaram que contextos de vulnerabilidade socioeconômica, racismo estrutural e exclusão educacional intensificam os efeitos negativos das redes sociais. Santana et al. (2023), Freitas et al. (2021) e Dias e Montalvão Neto (2025) demonstram que adolescentes em territórios periféricos, com baixo acesso a suporte psíquico e educacional, apresentam maior risco de adoecimento emocional.
3.8 Influência algorítmica e comparação social
Cinco estudos discutiram o papel dos algoritmos na amplificação da comparação social. As plataformas favorecem conteúdos com alto engajamento, o que expõe os usuários a padrões idealizados de vida e aparência. Valkenburg et al. (2021), Gabrielle, Sonne e Indolo (2024) e Shannon et al. (2022) relatam que essa lógica algorítmica intensifica a competição simbólica e o sentimento de inadequação. Já Azem et al. (2023) e Nagata et al. (2025) reforçam que a curadoria automatizada de conteúdos interfere na construção da subjetividade adolescente.
4. Discussão
Os resultados desta revisão sistemática demonstram que os efeitos do uso cotidiano das redes sociais na saúde mental de adolescentes constituem um fenômeno complexo, modulável por múltiplas dimensões subjetivas, relacionais e socioculturais. A análise dos 26 estudos revelou que, embora os impactos variam conforme o tipo de uso e os recursos afetivos disponíveis, há correlação consistente entre o uso passivo das plataformas e o aumento de sintomas internalizantes, como baixa autoestima, ansiedade e depressão.
No eixo da autoestima e imagem corporal, os dados convergem ao apontar que a exposição constante a conteúdos visualmente idealizados nas redes sociais contribui para sentimentos de inadequação, autodepreciação e insatisfação com o corpo. Adolescentes em processo de construção identitária parecem particularmente vulneráveis ao impacto de padrões estéticos irreais, sobretudo quando não contam com espaços de escuta e validação fora do ambiente digital (Leo et al., 2023; Azem et al., 2023; Freitas et al., 2021; Dias e Montalvão Neto, 2025). Em contrapartida, estudos como os de Gabrielle, Sonne e Indolo (2024) indicam que, quando mediados por vínculos afetivos estáveis e interações significativas, os ambientes digitais podem promover autoestima e pertencimento.
Quanto à ansiedade e exposição digital, diversos estudos destacam o papel da lógica algorítmica e do ciclo de recompensa intermitente como fomentadores de um estado permanente de alerta emocional. O receio de exclusão, a expectativa de respostas rápidas e a dependência de validação social se traduzem em hipervigilância, alterações de sono e queda de rendimento escolar (Haidt, 2024; Blackwell et al., 2024; Plackett, Sharington e Dyckhoff, 2023). Essa ansiedade digital mostra-se intensificada em usuários com maior sensibilidade à opinião alheia ou com vínculos frágeis no contexto familiar.
A depressão e o retraimento social surgem como desdobramentos de uma vivência digital marcada por frustração simbólica, solidão e apagamento subjetivo. Adolescentes com histórico prévio de sofrimento psíquico ou baixa percepção de apoio afetivo são especialmente vulneráveis aos efeitos deletérios da comparação social contínua e da falta de reconhecimento nas plataformas (Nagata et al., 2025; Tumada et al., 2024; Fassi et al., 2025). A perda progressiva de interesse por atividades presenciais e o fechamento em mundos internos foram recorrentes entre os estudos analisados.
A categoria de uso problemático e dependência digital foi identificada como um agravante transdiagnóstico. Autores como Shannon et al. (2022) e Saleem e Jan (2024) evidenciaram que o uso compulsivo das redes compromete funções básicas como o sono, o desempenho escolar e os relacionamentos presenciais. Esses comportamentos refletem não apenas uma desregulação do uso, mas também a busca por alívio emocional em contextos marcados por carência afetiva ou insegurança subjetiva.
A literatura também aponta diferenças significativas de gênero e idade quanto ao impacto das redes. Enquanto meninas relatam maior sofrimento relacionado à autoimagem e à comparação corporal, meninos tendem a expressar sintomas por vias mais externalizantes, como impulsividade e uso excessivo de jogos digitais (Marques, Coutinho e Figueira, 2021; Gabrielle, Sonne e Indolo, 2024). A idade de início do uso das plataformas também foi identificada como fator de risco, sendo mais deletéria quando a exposição ocorre antes dos 12 anos (Fassi et al., 2025).
O suporte familiar e os fatores protetores emergem como elementos centrais na mediação dos efeitos digitais. Adolescentes com vínculos consistentes, com possibilidade de escuta e diálogo afetivo, apresentam menor incidência de sintomas internalizantes, mesmo quando expostos intensamente às redes (Valkenburg et al., 2021; Agyapong Opoku et al., 2025). Esses achados reforçam a importância de práticas parentais dialógicas e presença ativa no cotidiano juvenil.
As vulnerabilidades socioculturais intensificam os riscos psíquicos associados ao uso das redes. Estudos como os de Santana et al. (2023) e Freitas et al. (2021) demonstram que adolescentes em contextos de exclusão econômica, racial ou educacional vivenciam o espaço digital como extensão de desigualdades estruturais, com menor acesso a recursos de enfrentamento simbólico.
Por fim, a influência algorítmica e a comparação social revelam como a curadoria automatizada das plataformas acentua a visibilidade de corpos, estilos e experiências idealizadas, reforçando padrões de competitividade e exclusão simbólica (Shannon et al., 2022; Azem et al., 2023). A naturalização da lógica do desempenho, mediada por métricas como curtidas e seguidores, desloca a construção da identidade para parâmetros externos e instáveis.
Diante desses achados, fica evidente que qualquer análise sobre saúde mental na adolescência precisa considerar o papel estruturante que as redes sociais passaram a exercer na subjetivação contemporânea. Intervenções preventivas e terapêuticas não devem se limitar à limitação de tempo de tela, mas devem considerar os sentidos atribuídos ao uso, os vínculos disponíveis e os recursos psíquicos e sociais que sustentam ou fragilizam os adolescentes em sua experiência online.
5. CONCLUSÃO
Esta revisão sistemática evidencia que o uso cotidiano das redes sociais digitais exerce influência significativa sobre a saúde mental de adolescentes, especialmente nas dimensões de autoestima, ansiedade e sintomas depressivos. Embora os efeitos não sejam homogêneos, o predomínio de práticas de uso passivo e comparativo, associadas à lógica algorítmica de visibilidade e validação, tem contribuído para o aumento de sofrimento psíquico nessa população.
Os achados reforçam que os impactos variam de acordo com fatores moderadores, como gênero, idade, tipo de uso, suporte emocional disponível e vulnerabilidades socioculturais. Tais fatores não apenas condicionam a forma como os adolescentes interagem com o ambiente digital, mas também modulam sua capacidade de ressignificar experiências, lidar com frustrações e construir vínculos afetivos consistentes dentro e fora das plataformas.
Adolescentes com suporte familiar estável, vínculos afetivos significativos e maior capacidade de autorregulação emocional demonstram menor susceptibilidade aos efeitos deletérios das redes sociais, sugerindo que o contexto relacional exerce papel protetivo frente aos riscos da hiperexposição digital.
Dessa forma, mais do que recomendar o controle estrito do tempo de tela, faz-se necessário um olhar ampliado que considere os sentidos atribuídos ao uso das redes, os processos subjetivos em curso e as condições concretas de vida dos adolescentes. Intervenções preventivas eficazes devem integrar ações de educação digital crítica, fortalecimento de vínculos familiares e comunitários e ampliação do acesso a espaços de escuta qualificada e acolhimento em saúde mental.
A pesquisa reafirma a importância de compreender as redes sociais não apenas como ferramentas tecnológicas, mas como ambientes simbólicos que participam ativamente da constituição subjetiva contemporânea. Investigações futuras, com delineamentos longitudinais e enfoque nos determinantes sociais da saúde, poderão aprofundar a compreensão sobre os efeitos de longo prazo e orientar políticas públicas mais sensíveis à complexidade da adolescência na era digital.
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1Residente em Pediatria pelo Hospital Geral Waldemar de Alcântara, Fortaleza – CE, Brasil. E mail: roseheidy@hotmail.com
2Médico Pediatra, Supervisor da Residência Médica de Pediatria do Hospital Geral Dr. Waldemar Alcântara (HGWA) e Médico Plantonista do Hospital Universitário Walter Cantídio – UFC/EBSERH, Fortaleza – CE, Brasil. E-mail: ti.castroalves@gmail.com