HEALTH AND QUALITY OF LIFE IN THE PERIPHERY: REFLECTIONS FROM ASPECTS OF COLLECTIVE HEALTH IN THE TERRA FIRME NEIGHBORHOOD IN BELÉM-PARÁ
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8346861
Antônio Soares Junior1
Ronilda Bordó de Freitas2
Edilene Silva Tenório3
Tawane Tayla Rocha Cavalcante4
Maria Caroline Cavalcante dos Santos5
Pedro Romão dos Santos Junior6
Uarley Iran Peixoto da Silva7
José Augusto Lopes da Silva8
Resumo
Este trabalho de pesquisa, realizado no bairro da Terra Firme, Belém do Pará, objetiva levantar e discutir dados referentes a aspectos como saneamento básico, moradia, transporte, lazer, trabalho, acessibilidade e serviços de saúde. Para tanto foi realizada uma pesquisa qualitativa por meio de um estudo de caso e aplicação de entrevistas com dois profissionais da área da saúde, que atuam diretamente na Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro. A partir deste levantamento foi possível analisar o conjunto de elementos que impactam diretamente a saúde e a qualidade de vida dos sujeitos que residem no local. Pode-se compreender que problemas como a falta de estrutura de saneamento básico, moradia de qualidade e condições de saúde, são questões históricas compartilhadas pelos moradores, que interferem diretamente na saúde, na educação e no bem-estar biopsicossocial dos mesmos.
Palavras-chave: Saúde Coletiva, Periferia, Saúde Pública.
Abstract
This research work, carried out in the neighborhood of Terra Firme, Belém do Pará, aims to collect and discuss data referring to aspects such as basic sanitation, housing, transportation, leisure, work, accessibility and health services. For that, a qualitative research was carried out through a case study and application of interviews with two health professionals, who work directly in the Basic Health Unit (UBS) of the neighborhood. From this survey it was possible to analyze the set of elements that directly impact the health and quality of life of the subjects residing in the place. It can be understood that problems such as lack of basic sanitation structure, quality housing and health conditions are historical issues shared by residents, which directly interfere with their health, education and biopsychosocial well-being.
Keywords: Collective Health, Periphery, Public Health.
1. Introdução
No passado, havia um entendimento que a saúde era um objeto de estudo inerente aos cuidados médicos, as dores do corpo e seu conceito baseava-se na falta de doença. No entanto, com o passar do tempo tal perspectiva vem assumindo um novo perfil, no qual o conceito de saúde passa a ser visto de uma maneira mais abrangente. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), “Saúde é o estado do mais completo bem estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidades”, apesar das críticas a esse conceito pelo fato de a saúde parece ser algo inatingível, é importante refletirmos de uma maneira ampla para compreendermos e possamos identificar determinantes sociais que possam contribuir para a saúde de determinada população.
Nesta perspectiva, o presente trabalho se propõe a fazer um estudo de caso do bairro da Terra Firme, na cidade de Belém do Pará, a fim de levantar e discutir dados referentes a diversos aspectos como saneamento básico, moradias, transporte, lazer, trabalho, acessibilidade e serviços de saúde. A partir deste levantamento, é possível analisarmos o conjunto de elementos que impactam diretamente a saúde e a qualidade de vida dos sujeitos que residem nesse local.
Posteriormente, e como parte fundamental da pesquisa de campo, foi realizada uma entrevista com profissionais de saúde que atuam diretamente na Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro há mais de dez anos, com o objetivo de compreender de forma mais efetiva os elementos que impactam diretamente as práticas voltadas para o cuidado e promoção de saúde.
Logo, a estrutura deste trabalho traz inicialmente elementos/registros da Caracterização do município de Belém-Pará e do Bairro da Terra Firme (lócus de pesquisa), bem como da entrevista com os profissionais da área da saúde e da leitura de artigos, documentos e notícias sobre o bairro. Em seguida são realizadas algumas inferências sobre os entrelaçamentos existentes entre esses elementos observados na pesquisa de campo e a área da saúde, com as possibilidades e desafios percebidos pelos pesquisadores.
O conhecimento dos determinantes sociais e econômicos coletados a partir do estudo de caso do bairro da Terra Firme, é de fundamental importância e relevância, na medida em que estas informações podem e devem ser consideradas na formulação de políticas públicas de saúde para esta população, a fim de reduzir danos físicos, psíquicos e sociais, além de contribuir para o planejamento de ações preventivas na área da saúde. Assim, o presente trabalho constitui-se em uma potente ferramenta para a discussão dos determinantes sociais de saúde do bairro da Terra Firme e por conseguinte, da saúde pública da cidade de Belém.
2. Caracterização do Município de Belém-Pará
Belém foi a primeira capital da região Norte do Brasil e está localizada na porção nordeste do estado do Pará, banhada pelos rios Guamá e Pará, com área territorial de cerca de 1.059,406 km² (IBGE, 2010), sendo 34,6% do território composto pela região continental e 65,4% por um conjunto de 39 ilhas, identificadas e habitadas. A geografia do município revela uma composição por furos, canais, igarapés, rios e bacias, que se espalham pelas porções continentais e insular, o que mostra ainda um cenário desafiador, que dificulta a mobilidade e o acesso da população aos serviços de saúde.
A população do município está distribuída entre os 71 bairros que compõem os 8 Distritos Administrativos, os quais funcionam como unidade de planejamento territorial, conforme o Plano Municipal de Saúde (PMS), Belém-Pará (2018-2021)[2].
Quadro 1: Quantitativo e descrição de Bairros por Distrito Administrativo, no Município de Belém – 2010.
Fonte: CODEM/ Adaptado do Plano Municipal de Saúde /SESMA/Belém 2018 –2021.
Segundo dados do IBGE (2010), estimativa 2016, Belém possui 1.446.042 habitantes, com densidade demográfica de 1.364,89 hab/km² distribuídos em uma área de 1.059,458 km², sendo que o município abriga cerca de 1/3 da população do estado do Pará. Com relação à população segundo o sexo, cerca de 728.615 (52,29%) da população urbana de Belém são compostas de mulheres e 652.860 (46,85%) de homens.
Os dados constantes no PMS (2018-2021), que consideram o Censo Demográfico IBGE/2010, apesar de necessitarem de atualização, mostram-se como uma importante fonte de informação referente a aspectos socioeconômicos, saneamento, habitação e saúde, por exemplo.
Ao tratar dos os Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)/2010, observa-se uma evolução significativa, de 0,562 em 1991 para 0,644 em 2000, e 0,746 em 2010. Também são observadas evoluções quando componentes do citado IDHM, como Educação, Longevidade e Renda, são comparados com anos anteriores (Educação: 0,37 em 1991, 0,50 em 2000 e 0,67 em 2010; Longevidade: 0,71 em 1991, 0,76 em 2000 e 0,75 em 2010; Renda: 0,67 em 1991, 0,70 em 2000 e 0,75 em 2010).
Para aspectos referentes ao saneamento e habitação, Belém apresenta um quantitativo de cerca de 368.877 domicílios com baixa condição de habitação que, conforme dados IBGE/2010, encontram-se assim distribuídos:
Quadro 2: Nº de Domicílio com baixa condição de habitação (%), segundo o município de Belém e Distritos Administrativos – 2000-2010.
Fonte: IBGE -Censo Demográfico 2000-2010/ Adaptado do Plano Municipal de Saúde /SESMA/Belém 2018 –2021.
Outros aspectos podem ser ressaltados com relação à Rede de Saúde do município, onde a mesma apresenta 83 Unidades Básicas de Saúde (UBS), sendo 54 Unidades de Saúde Família (USF) e 29 Unidades Municipais de Saúde (UMS), que atendem à população na Atenção Básica, inclusive nos atendimentos de urgência básica, conforme os dados do Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES/2016).
Com relação à Rede Especializada, segundo o SCNES/2016, Belém conta com 10 Centros de Atenção à Saúde (CASA’s) que atendem os segmentos específicos de saúde da população tais como idosos e mulheres, dentre outros.
3. Caracterização do Bairro Terra Firme em Belém-Pará
A Terra Firme é um bairro da cidade de Belém que, segundo o Anuário Estatístico do Município de Belém (Demografia, 2011), tem cerca de 61.439 habitantes, sendo aproximadamente de 29.518 do sexo masculino e 31.921 do sexo feminino. Está localizado na Zona Sul da cidade e apresenta o maior quantitativo populacional, se comparado aos demais bairros de Belém.
O nome oficial do bairro é Montese, mas continua sendo conhecido por seu nome centenário de Terra Firme, criado de forma irônica pelos moradores do bairro, justamente pelo mesmo possuir, na época da ocupação, poucas áreas de terra firme e também por sua aproximação com às áreas alagadas pelo rio Tucunduba, entre os limites dos bairros de Canudos e Rio Guamá. Abaixo pode-se verificar imagens do bairro da Terra Firme:
Imagem: a) Rua com vendas no bairro e b) Rua com moradias no bairro.
Fonte: a) Agência de Notícia das Favelas, 2014 e b) G1 Pará, 2019.
Alguns elementos mostram-se importantes para melhor realizar a caracterização do bairro, bem como lançar uma compreensão mais ampla sobre a posterior análise dessa pesquisa.
Quadro 3: Elementos de caracterização do bairro Terra Firme em Belém-Pará.
Elementos de caracterização do bairro | Descrição |
Saneamento Básico | 1) Possui boa cobertura de água encanada, atendendo parte das moradias e estabelecimentos comerciais; 2) Não apresenta coleta de esgoto adequada, com pouca infraestrutura para o destino correto do mesmo; 3) Coleta seletiva do lixo insuficiente para atender as demandas existentes, principalmente em localidades de difícil acesso. |
Moradias | 1) Bairro considerado periférico que tem nas moradias o reflexo das intensas ocupações realizadas já na década de 50; 2) Moradias de alvenaria e madeira, sendo essas últimas mais predominantes nas proximidades dos canais; 3) Grande presença de “aglomerados” de residências, com pouco planejamento na execução de novas obras. |
Transporte | 1) Presença de inúmeras linhas de ônibus, com destino aos principais locais da cidade, como comércio e pontos turísticos; 2) Intenso movimento de transporte alternativos como mototaxistas, por exemplo, que em sua maioria realizam o serviço de forma irregular; 3) Internamente, no bairro, é possível ver ainda a utilização de bicicletas e carroças, principalmente para percursos menores e nas proximidades do comércio. |
Lazer | 1) Principais locais de lazer estão ligados às atividades esportivas como campos de futebol de salão e de areia; 2) Pequenas praças com espaços pouco viáveis a circulação, tendo em vista a falta de manutenção por parte do poder público local; 3) Espaços alternativos caracterizam-se como locais usados pela comunidade para o lazer como as igrejas e os parques temporários, por exemplo. |
Trabalho | 1) Predominância do trabalho informal realizado pela população em locais como comércio e outros pontos de referência, que atraem maior quantitativo de pessoas diariamente; 2) Outras fontes de renda oriundas de programas sociais como o Bolsa Família do governo federal; 3) Perda significativa de funções informais durante o período de pandemia, atingindo em sua maioria negros e pardos. |
Acessibilidade | 1) Número pequeno de ruas com boa qualidade de asfalto ou sinalização adequada das vias; 2) Calçadas danificadas pelo tempo ou pela expansão inadequada das moradias, o que impede a circulação das pessoas em muitos pontos do bairro; 3) Principais locais como os de comércio e saúde, por exemplo, não apresentam vias que facilitem ou priorizem o acesso de pessoas com deficiência. |
Saúde | 1) O bairro conta com uma Unidade Básica de Saúde (UBS) da Terra Firme, que recebe suporte da UBS do Curió Utinga; 2) Com relação à vigilância em saúde, há uma sobrecarga na realização de atendimentos durante três períodos do dia, sendo que a UBS conta com 2 a 3 enfermeiras ativas; 3) Impacto direto do saneamento básico precário e das baixas condições de moradia e alimentação na vida dos moradores do bairro, bem como na qualidade de vida dos mesmos. |
4. Aspectos Metodológicos
Esta pesquisa é de abordagem qualitativa, pela amplitude que alcança e pelo olhar diferenciado que se propõe a desenvolver. Em Minayo (2014) é possível compreender que a pesquisa qualitativa busca aprofundar o conhecimento sobre os fenômenos, isso deverá adentrar o contexto das percepções dos participantes diante do meio natural e relacional, a partir da realidade que os rodeia. Yin (2016) reforça essas características ao mostrar seu potencial no estudo do significado das condições da realidade de vida das pessoas, o que abrange o contexto social, cultural, econômico e relacional, das mesmas.
Tal pesquisa foi realizada a partir de um estudo de caso, que teve por objetivo compreender de forma mais efetiva os elementos que impactam diretamente as práticas voltadas para o cuidado e promoção de saúde em tempos de pandemia causada pela Covid-19. Em Yin (2016), é possível verificar que o estudo de caso é caracterizado pela possibilidade de descrever, explicar ou explorar elementos atuais que podem levar a compreensão da temática estudada, com o estudo aprofundado de poucos objetivos ou de um único objetivo.
O estudo de caso foi desenvolvido a partir de um trabalho de campo com a aplicação de entrevistas. A pesquisa de campo teve como lócus o bairro Terra Firme em Belém-Pará, sendo realizada a partir de visitas in loco que aconteceram ao longo do mês de agosto de 2021, com o objetivo de investigar as diversas relações existentes no local e como as mesmas influenciam aspectos relacionados à saúde neste período de pandemia causada pela Covid-19. Tais visitas foram importantes para a elaboração de um diário de campo que, segundo Freitas e Pereira (2018), é um dispositivo metodológico que serve para fazer anotações das vivências daquela atuação em que está inserida. Para tanto, elementos de caracterização do espaço como saneamento básico, lazer e trabalho, por exemplo, ganharam destaque e direcionaram o sentido das observações.
Como parte fundamental para o desenvolvimento da pesquisa, foram realizadas entrevistas com dois profissionais da área da saúde que trabalhavam, até o momento da pesquisa, na UBS do bairro Terra Firme. Vale ressaltar que esse momento contou com a adoção de todas as medidas de segurança necessárias, tendo em vista o contexto de pandemia vivenciado, e foi realizado nos dias 11, 12 e 13 de agosto de 2021, pela parte da tarde.
Os profissionais entrevistados foram informados dos objetivos da pesquisa, bem como do sigilo das informações fornecidas, dando as devidas autorizações para o trabalho com os dados coletados, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Tal pesquisa seguiu as orientações da resolução n.º 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que traz como forma de orientação as diretrizes e normas regulamentadoras nos projetos de pesquisa envolvendo seres humanos, o que inclui a apresentação do TCLE.
A técnica adotada para a coleta de dados foi a entrevista, visto que pode revelar elementos da relação existente entre os atores sociais e o fenômeno que se investiga (CERVO; BERVIAN, 1996). Como forma de alcançar a amplitude das respostas, não foram utilizadas perguntas fechadas, tendo como objetivo o maior número de informações possíveis, segundo as orientações presentes em Chizzotti (1991) e Queiroz (1991). Os materiais coletados, a partir das observações no diário de campo e com as entrevistas, foram cuidadosamente analisados, sendo estas últimas transcritas em sua forma literal para posterior criação de categorias de análise.
5. Resultados e discussão
A análise dos dados obtidos, a partir da observação feita pelo trabalho de campo, bem como da entrevista com a profissional de saúde, pretende estabelecer uma relação entre o que foi observado pelo pesquisador e a percepção dos profissionais que atuam na UBS do bairro Terra Firme. Tal análise também leva em consideração as observações registradas no diário de campo, pois “[…] possibilita a documentação dos fatos vivenciados na prática, o que é um dos alicerces da constituição da identidade profissional” (FREITAS & PEREIRA, 2018, p.236).
Desta forma, pretende-se compreender como fatores sociais, econômicos e culturais, por exemplo, impactam diretamente na qualidade de vida e saúde das pessoas que residem no bairro. Para tanto, a análise da entrevista, somada às anotações realizadas no trabalho de campo, seguem as orientações de Laurence Bardin, no que diz respeito à Análise de Conteúdo como meio de tratamento de dados em pesquisas de abordagem qualitativa.
Para Bardin (2016), a Análise de Conteúdo requer fases fundamentais que podem ser identificadas como: 1) Pré-análise, compreendida como um momento de organização, com leitura flutuante, onde ocorre o primeiro contato com o material que foi coletado; 2) Exploração do material, nesta fase parte-se para a realização dos processos de codificação, classificação e categorização; e 3) Inferência e interpretação, há a ampliação do olhar analítico e interpretativo frente aos primeiros resultados obtidos e tratados até o momento, sempre visando torná-los significativos e válidos.
5.1 UBS do bairro Terra Firme
Como forma de caracterizar seu local de atuação, a profissional da saúde entrevistada forneceu inicialmente alguns dados sobre os serviços desenvolvidos na UBS do bairro Terra Firme, bem como estrutura física, equipe, acesso e fluxos. Segue Quadro 4:
Quadro 4: Dados fornecidos pela profissional de saúde entrevistada sobre a UBS do bairro Terra Firme.
Dados fornecidos sobre: | Descrição |
Estrutura física | Com relação à estrutura física, o um prédio dispõe de: 1 farmácia, 1 sala de acolhimento, 1 sala de vacina, 1 sala da Assistente Social, 1 sala da Psicóloga, 1 sala da Gerência, 1 copa, 2 banheiros de funcionários, 1 masculino e outro feminino, 1 sala do Proame,1 sala do PCCU e testes rápido, que serve como sala de consulta da Enfermeira, 1 sala de atendimento ao Programa do Idoso, 1 consultório Médico, 1 consultório Odontológico, 1 consultório da Nutricionista, 1 consultório de Pediatria, 1 sala de conveniência e computadores para os profissionais, 1 escovatório, 2 banheiros para os usuários da unidade, 1 masculino e 1 feminino, 1 salão para atividades físicas utilizados pelos Idosos. |
Equipe | As equipes que fazem parte da unidade são compostas por agentes administrativos, técnicos de enfermagem, enfermeiros, médicos, dentistas, ginecologistas, enfermeiros, nutricionistas, pediatras, farmacêutico, psicólogo, assistente sociais, gerente, técnicos de enfermagem e vigias. |
Acesso | Os pacientes se direcionam a UBS por meio de demandas espontâneas ou programadas. Além disso, os enfermeiros realizam a busca ativa dos pacientes através das visitas domiciliares, quando necessário. |
Fluxos | Conforme o quadro clínico de cada paciente, estes podem ser encaminhados para serviços de atenção secundária ou terciária. Em relação à atenção terciária, por meio do SISREG (Sistema de Regulação do SUS), são encaminhados para qualquer hospital com vaga disponível. Exemplos de realizações de promoção em saúde realizados pela USB citados pela profissional são: semana da hepatite B; setembro amarelo; semana do aleitamento materno; — Visitas nas áreas da cidade, barracões, igrejas — Cuidado da saúde do idoso, prevenção do câncer. |
Compreende-se que a atenção básica é a principal porta de entrada no SUS, sendo a UBS a principal instituição de promoção de serviços na Atenção Básica (PAIM, 2009). No que se refere a UBS do bairro Terra Firme, esta atende comunidades tanto do Terra Firme, quanto de bairros como o Canudos e também algumas ruas do Marco. É possível observar sua grande importância dentro da comunidade, uma vez que responde pela quase totalidade da promoção em saúde, inclusive quando ultrapassa os limites territoriais, ao agregar ainda moradores que residem em outros bairros.
Essa referência e contra referência de moradores de outros bairros é realizada a partir de demanda espontânea de pacientes atendidos nas ESF. Com o objetivo de oferecer um atendimento com maior qualidade e agilidade a UBS conta com acesso a prontuários eletrônicos E-SUS (acesso à história de vida do paciente; quantos partos e tipos realizados; solicitações de exames; antecedentes de doenças individuais e familiares; cirurgias; alergias; entre outras informações importantes). Os atendimentos de moradores de outras localidades/território são realizados também com o objetivo de promover suporte/acolhimento de demandas que não são supridas em todas as unidades. Observa-se dessa forma, a promoção de serviços direcionados para a AB, conforme é previsto na Política Nacional da Atenção Básica (PNAB) (BRASIL, 2017).
5.2 Questões sociais, políticas, econômicas e os impactos na saúde
O bairro da Terra Firme apresenta diversas problemáticas em relação ao saneamento básico, pois apesar de possuir uma boa cobertura de água encanada, não apresenta coleta de esgoto adequada, que atenda toda a demanda presente no bairro. Existem muitos rios que foram transformados em canais e que acabam servindo como verdadeiros depósitos de lixo, como o Canal do Lago Verde, que sofre com intensas cheias causadas pela chuva, alagando ruas e casas ao seu redor[3]. Esses problemas não são novidades, visto que todo final e início de ano, período de chuvas intensas na região, vários canais do bairro transbordam e alagam ruas e casas.
Imagem 3: Moradias mais suscetíveis a alagamento no bairro Terra Firme.
Fonte: Ponto de memória da terra firme, blog, 2019.
Tais problemas de saneamento, relatados pela entrevistada e observados no trabalho de campo trazem, além de prejuízos materiais aos moradores do bairro, o agravamento de demandas relacionadas à saúde como parasitose/verminose, diarreias, leptospirose e outras doenças que estão diretamente ligadas às precárias condições do saneamento. “a maioria tem casa de madeira uma parte delas nessa área que alagam, perto dos canais que a gente tem perto da Cipriano Santo, graças a Deus que agora não estão enchendo tanto como era antes” (Profissional, 02). Assim, a ausência de Saneamento Básico tem contribuído para o aumento das doenças que trazem grandes prejuízos, uma vez intensificadas as origens das infecções e propagações das mesmas (GARCIA; FERREIRA, 2017). É visando diminuir essa problemática, que os equipamentos de saúde do bairro se organizam através das ESFs e seus agentes de saúde, criando medidas de promoção à saúde por palestras, conversas com temáticas da educação em saúde e relacionadas às questões de saneamento. De acordo com a entrevistada relatou dizendo
“ aqui nós temos mais as partes pontuais, a semana do Hepatite B que foi em julho, e setembro amarelo, em agosto a semana do aleitamento materno, a gente faz aqui na unidade, aqui atrás que tem um salão coberto, já que não estamos podendo aglomerar e tem mais espaço, e quando não tinha pandemia, além de fazer nas UBS, a gente ia para as áreas, fazia nos barracões e nas escolas aqui pertinho, principalmente pra gente falar de prevenção do câncer, infecções sexualmente transmissíveis e cuidados da saúde do homem”. Ou seja, essas medidas de promoção de saúde tornam-se necessárias para a comunidade do bairro da Terra Firme, com o objetivo de levar informações, prevenção, cuidados e saúde a essa população”. (Profissional 01)
Essas intervenções tornam-se necessárias, visto que há grandes demandas relacionadas à higiene como problemas respiratórios, alergias e tuberculose, por exemplo. Segundo a entrevistada, isso tem origem, muitas das vezes, na própria estruturação e manutenção das moradias, com a falta de ventilação, acúmulos de poeira e mofo. Além disso, esses espaços acomodam famílias numerosas, o que diminui a qualidade de vida das mesmas. Nota-se nessa perspectiva, que os usuários atendidos pelas ESFs são os que mais apresentam diferenças socioeconômicas, sendo que os impactos acabam por influenciar no seu processo de saúde-doença (PAIM, 2009).
Com relação à higiene pessoal, os casos mais comuns indicados na entrevista foram os quadros de infecção urinária, gerados por diversos fatores, entre eles a própria higiene inadequada ou a baixa proteção durante as relações sexuais. A saúde íntima da mulher pode estar relacionada por diversos contextos, como: culturais, sociais, condições econômicas e educacionais, sendo que o meio em que elas vivem pode ser também um determinante que repercute sobre a saúde íntima dessas mulheres (SILVA et al., 2020). Diante disso, o papel da profissional durante os acolhimentos e realizações de exames ginecológicos é bastante necessário, sendo que há uma grande procura por exames e coleta de preventivo (grande proporção de 20 a 40 mulheres diárias), por exemplo, o que leva a profissional a realizar constantemente um trabalho de conscientização com as mulheres, como conversas formais e informais, priorizando a educação em saúde sexual durante os atendimentos. Conforme Collar, Neto e Ferla (2015, p. 56), “Ao mesmo tempo em que a formação profissional distribui identidades para o trabalho, precisamos produzir quebras nessas identidades para um cuidado integral, que busque responder às necessidades de saúde de pessoas e coletividades”.
Diante disso, as demandas de câncer de útero, consideradas mais graves e que requerem atendimento e atenção especializada, são encaminhadas à Casa da Mulher e demais hospitais especializados.
Outro ponto destacado pela entrevista diz respeito à questão da violência e violação dos direitos humanos, principalmente direcionados à mulher. A identificação desses casos de violências no bairro contra as mulheres é mais rara, sendo que o grande desafio é fazer com que as mesmas denunciem o agressor. Para a entrevistada, essa dificuldade está muito ligada aos fatores sociais e de construção da relação, uma vez constatada a baixa escolaridade, dependência financeira ou emocional, por exemplo. Quando identificados, os casos são notificados e encaminhados a Secretaria de Saúde do Município (SESMA), para realização dos mapas de violência.
Segundo Silva (2020) as problemáticas sobre as violências contra as mulheres têm se desenvolvido na sociedade ao longo dos séculos e suas origens estão atreladas pelos contextos socioculturais. Como forma de trabalhar essas demandas relacionadas a violência, a equipe de psicólogos da UBS procura realizar o acolhimento e conscientização dessas demandas. Para isso, são ressaltados direitos e deveres, bem como o entendimento dos fatores causadores das problemáticas. Segundo a entrevistada, esse posicionamento é tomado em todas as situações de violência, principalmente quando se trata de questões mais relacionadas a mulheres. Para um entendimento mais amplo e significativo sobre os direitos dos usuários, há o direcionamento para os assistentes sociais, em casos de aposentadoria, benefícios, Bolsa Família[4] e etc.
Dentro desse aspecto social, que permeia as relações e os atendimentos na UBS, a profissional relata perceber a discriminação gerada pelo preconceito referente à criminalidade e a orientação sexual, por exemplo, que atingem principalmente pessoas negras e LGBTQIA+. Essa percepção está ligada diretamente às demandas de atendimento que realiza diariamente, onde são relatadas diversas situações de violência física e psicológica causadas pela discriminação.
5.3 A População negra no bairro Terra Firme em Belém-Pará
Pensar as relações de identidade e racismo em Belém Pará envolve o seu impacto em fatores como trabalho, economia, educação, saúde e desigualdade social. “Tal como foi caracterizada no processo de reordenamento institucional da saúde, a equidade é o registro de que todos devem ter reconhecido um direito igual de acesso e de atendimento de acordo com suas necessidades” (FERLA, 2012, p. 69).
Assim sendo, a problemática racial refletida na exclusão social e a segregação de pessoas em comunidades de baixa renda e a crescente ausência de responsabilidade ética e social em direção a esta população, caracteriza a trajetória nacional constituída por indiferenças e negação de direitos para a população negra que enfrenta o preconceito, o racismo fazendo diante disso, que recebam tratamentos diferenciados em lugares que deveriam ser igualitários e como regra em lugares comuns e públicos. A população negra é a maioria da população brasileira, no entanto, existem dificuldades de identificação em grande parte da população negra, em detrimento da identidade nacional, realidade ligada ao interesse de branqueamento. Segundo Munanga (2004):
Assim, a questão da identidade do negro é um processo doloroso. Os conceitos de negro e de branco têm um fundamento etno-semântico, político e ideológico, mas não um conteúdo biológico. Politicamente, os que atuam nos movimentos negros organizados qualificam como negra qualquer pessoa que tenha essa aparência. É uma qualificação política que se aproxima da definição norte-americana. Nos EUA não existe pardo, mulato ou mestiço e qualquer descendente de negro pode simplesmente se apresentar como negro. Portanto, por mais que tenha uma aparência de branco, a pessoa pode se declarar como negro (MUNANGA, 2004, p. 52).
No entanto, existem manifestações culturais e de resistência ao longo do território nacional, um exemplo é “A Rua dos Pretos”, denominada assim pela comunidade, localizada no bairro da Terra firme, é composta por uma comunidade que possui em torno de 200 metros de extensão, possui casas em sua maioria, construídas em madeira e outras em um misto de madeira com alvenaria, além de pequenos comércios e vendas desenvolvidas pelos moradores nas suas próprias residências.
Escolhemos falar brevemente sobre esta comunidade por ser conhecida localmente como “Rua dos Pretos”, por possuir várias famílias de negras e negros, com laços familiares e práticas culturais que reforçam em seus cotidianos uma identidade negra com origem de migrantes, os quais, estão na terceira geração de descendentes do Estado do maranhão morando na localidade, vale ressaltar que os maranhenses representam quase 5% da população do Pará. Destes, 92% se identificam como negros ou mestiços, sinalizam dados do IBGE (2010).
Existe uma série de manifestações culturais no bairro da Terra Firme, mas também nos bairros vizinhos como Condor, São Brás, Guamá e Cremação. Manifestações estas como as irmandades religiosas, o boi bumbá, as quadrilhas juninas, os terreiros de umbanda e candomblé, o carimbó, e as escolas de samba Arco-íris (1982) e a Bole-Bole (1984) o que também se estende para outros municípios que rodeiam a capital.
O que vem à tona com o nome a “Rua dos Pretos” é um distanciamento feito pela comunidade externa em relação aos demais, no sentido de identificá-los como “os outros,” esse posicionamento é evidenciado, por exemplo, em situações de violência nesta localidade como consequências do racismo e da discriminação, que envolvem, na maioria das vezes, crianças e jovens. Vale ressaltar, que entre o ano de 2014 e 2017, 37 jovens foram executados em sua maioria negros, mas uma vez indicando a população negra como alvo de práticas racistas.
5.4 Pandemia e os impactos na saúde
Tendo em vista o período atual de pandemia, causada pela Covid-19, houve uma intensificação nas demandas relativas à saúde mental como: ansiedade, perda de emprego, alimentação precária, aumento do comportamento depressivo, dependência financeira e emocional, luto pela perda de alguém próximo, entre outras.
A profissional entrevistada relatou que durante os primeiros meses da pandemia, o trabalho foi bastante desafiador e estressante, sentindo a necessidade de procurar ajuda psicológica disponibilizada pelo ministério da saúde TELEPSI. Outro ponto importante, no relato dessa trabalhadora, foi o fato da mesma ter raspado o cabelo, por conta das diversas vezes que o lavava durante o dia, no início da pandemia, pelo medo de contaminação e de ser um agente transmissor do vírus.
De acordo com a sua percepção, um dos grupos mais atingidos pela pandemia, e pelas medidas de isolamento adotadas, foram os idosos que moram sozinhos. Esse entendimento está ligado a relatos da perda de idosos que frequentavam as atividades da UBS e da resistência com relação aos protocolos de saúde e principalmente da angústia causada pelo medo da morte.
Diante das restrições, com relação às atividades em grupo com idosos como hidroginástica, dança, rodas de conversas, foram pensados meios de suprir as carências mais imediatas, como a necessidade de alimentação, por exemplo.
6. Considerações Finais
Compreende-se que o diário de campo contribui para o conhecimento acerca das problemáticas e necessidades sociopolíticas, ambientais e estruturais enfrentadas no bairro da Terra firme, bem como a rede de saúde pública apresentada e estruturada no mesmo. Nota-se que problemas como a falta de estrutura de saneamento básico, moradia de qualidade e condições de saúde, são questões históricas compartilhadas pelos moradores, que impactam diretamente a saúde, a educação e o bem-estar biopsicossocial da população que reside no bairro.
Compreende-se, dessa forma, a violação da garantia de direitos desses cidadãos, onde, direitos básicos que deveriam ser proporcionados à população em geral estão sendo negligenciados. A falta de políticas públicas, voltadas principalmente para questões de saúde, como a promoção, prevenção e manutenção da saúde da população, é negligenciada e impacta diretamente no bem viver da comunidade que sofre há décadas com as problemáticas enfrentadas no bairro da Terra Firme.
Nesse sentido, torna-se importante a criação de projetos educativos em saúde, que possam amenizar a falta de determinados serviços e complementar os já existentes. Observa-se ainda a necessidade de maiores investimentos governamentais para intervenções em saúde, educação, moradia e saneamento básico para os bairros mais periféricos, como o que foi investigado nesta pesquisa, com a pretensão de proporcionar maior qualidade de vida à população e a garantia de seus direitos enquanto cidadãos.
Referências
Bardin, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.
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[2] Plano Municipal de Saúde (PMS), Belém-Pará (2018-2021). Disponível em: <https://www2.mppa.mp.br/sistemas/gcsubsites/upload/37/Plano%20Municipal%20de%20Saude_2018-2021-%20SESMA%20BELEM-PA.pdf> Acessado em: 20 de agosto de 2021.
[3] Diversas notícias são veiculadas constantemente, retratando tais dificuldades, como mostra o que foi noticiado no portal Roma News em 11 de agosto de 2021. Disponível em: <https://www.romanews.com.br/cidade/lixo-e-falta-de-saneamento-comunidade-no-bairro-da-terra-firme-vive-a/130428/>
[4] Trata-se de um programa de transferência direta de renda, direcionado às famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País, de modo que consigam superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. Mais informações disponíveis em: <https://www.caixa.gov.br/programas-sociais/bolsa-familia/paginas/default.aspx>
1 Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal do Pará.
2 Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal do Pará.
3 Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal do Pará.
4 Psicóloga residente em Nefrologia pela Universidade do Estado do Pará.
5. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Pará.
6 Psicólogo residente em Nefrologia pela Universidade do Estado do Pará.
7. Mestrando em Linguagens e Saberes da Amazônia da Universidade Federal do Pará.
8 Doutorando em Difusão do Conhecimento, Linha de Construção do Conhecimento, Cognição, Linguagens e Informação, da Universidade Federal da Bahia