SAÚDE BUCAL E QUALIDADE DE VIDA EM CRIANÇAS: O IMPACTO DO ACESSO AO TRATAMENTO ORTODÔNTICO PREVENTIVO E/OU INTERCEPTATIVO

ORAL HEALTH AND QUALITY OF LIFE IN CHILDREN: THE IMPACT OF ACCESS TO PREVENTIVE AND/OR INTERCEPTIVE ORTHODONTIC TREATMENT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202506091837


Raphaella Barcellos Fernandes, Larissa Costa Freitas, Wbyster Júnio Paiva Lopes, Sarita Hauck Menezes Pinto, Camila Cristina Gregório de Assis1, Fernanda Campos Machado, Renata Tôledo Alves2


Resumo

A maloclusão é uma condição que acomete muitas crianças e possui diversas etiologias, o que dificulta, muitas vezes, o correto diagnóstico e tratamento. Uma oclusão inadequada influencia na fonação, mastigação, deglutição, autoestima e socialização da criança, interferindo na qualidade de vida. A estética dentofacial possui papel muito importante na vida e nas atividades do paciente infantil, sendo importante considerar a maneira como as crianças se percebem frente a maloclusão para o planejamento e tratamento. Instrumentos para medir a qualidade de vida relacionada à saúde bucal vem sendo muito utilizados nos últimos anos, visando identificar os fatores que levam a uma pior qualidade de vida na presença da maloclusão e não somente a condição clínica do paciente infantil. Muitas vezes os valores psicossociais são negligenciados. É necessário que o paciente infantil seja compreendido individualmente quanto à sua maloclusão com vistas a melhorar sua qualidade de vida.

Palavras-chave: Maloclusão. Odontopediatria. Qualidade de vida.

INTRODUÇÃO

A má oclusão é considerada como um “conjunto de desvios dentais” que acomete muitos pacientes infantis. Esta condição vem sendo relacionada há muito tempo a problemas de funções/ saúde bucal (DIMBERG; ARNRUP; BONDEMARK, 2014, MASOOD et al., 2013). É na infância que a criança constrói a autoimagem e autoestima, e a presença das más oclusões pode gerar um impacto não somente no crescimento e desenvolvimento e nas funções orais, assim como o comprometimento do bem-estar infantil (KUMAR et al., 2016). A insatisfação com a estética dentofacial influencia nas interações sociais e bem-estar, onde as maloclusões, muitas vezes, causam inibição do sorriso, além de ter um efeito negativo em todas as atividades da vida da criança (SILVOLA et al., 2014).

É notório que as condições bucais influenciam a maneira como as crianças percebem sua qualidade de vida relacionada à saúde bucal. A má oclusão está associada a níveis elevados de insatisfação com a aparência e tem a capacidade de impactar negativamente a qualidade de vida dos indivíduos acometidos (TUCHTENHAGEM et al., 2015). A concepção de uma boa saúde bucal deve incluir a ausência de doenças orais dos tecidos moles e duros, assim como os aspectos sociais, psicológicos e de bem-estar (CHOI et al., 2015). A associação entre má oclusão e qualidade de vida pode ser explicada considerando que as experiências na infância têm um papel fundamental nos anos posteriores, e uma aparência dentofacial negativa pode ser alvo de provocações por outras crianças (SCHUCH et al., 2015).

Normalmente, as avaliações ortodônticas consideram apenas os aspectos biológicos da doença, negligenciando os aspectos psicossociais. É de suma importância que haja uma compreensão de cada paciente individualmente em relação a sua má oclusão, uma vez que alguns podem não sofrer grande influência, e outros que vão ter um grande comprometimento na sua qualidade de vida. Por meio dessa avaliação é possível observar os efeitos e impactos da estética dentária na aceitação socioeconômica e social do paciente odontopediátrico (CHEN et al., 2015).

O desenvolvimento de instrumentos que relacionam a saúde bucal com a qualidade de vida tem sido comum, porém, destes, poucos são destinados a determinar a qualidade de vida relacionada à saúde bucal em crianças, entre os quais, destaca-se o Child Perceptions Questionnaire para a faixa etária de 6 a 14 anos, que tem sido utilizado em muitos países (KUMAR et al., 2016). A inclusão de indicadores que associam saúde bucal e qualidade de vida em crianças é fundamental, uma vez que estes se baseiam no impacto odontológico e na auto-percepção, viabilizando condições para o planejamento de ações e promoção de saúde, considerando os aspectos biológicos e psicossociais (FEU et al., 2012). 

Desta forma, este estudo teve como objetivo avaliar o impacto do acesso ao tratamento ortodôntico preventivo e/ou interceptativo na qualidade de vida de crianças entre 6 a 14 anos.

1. REVISÃO DA LITERATURA

Choi et al. (2016) realizaram um estudo de avaliação transversal com o objetivo de avaliar o efeito da má oclusão na qualidade de vida relacionada á saúde bucal e na capacidade de ingerir alimentos em pacientes adultos, controlando sexo, idade e o tipo de clinica odontológica visitada. Este estudo foi composto por 472 pacientes, onde 228 eram do hospital odontológico e 244 eram das práticas privadas. Os mesmos foram avaliados através de entrevistas, pelo questionário OHIP-14K; o questionário FIA; e pelo IOTN-DHC. Os resultados apontam que houve uma diferença entre os sexos nos pacientes em hospitais e nas clinicas privadas, onde o número de pacientes do sexo feminino foi maior nas clinicas privadas ortodônticas do que nos hospitais. Os resultados sugerem, ainda, que a gravidade da má oclusão foi significantemente maior no sexo masculino, do que em mulheres. Os autores concluíram que as maloclusões foram mais graves nos pacientes do hospital odontológico do que os pacientes que visitaram a clínica privada ortodôntica. Nos grupos mais idosos, na faixa dos 30 anos, a função mastigatória foi diminuída, resultando em uma qualidade de vida relacionada à saúde bucal (HRQoL) mais negativa. À medida que a gravidade da má oclusão aumentava, a OHRQoL piorava, e a eficiência mastigatória se deteriorava. Esse estudo fornece evidências de que a má oclusão severa estava associada a menor qualidade de vida e menor eficiência mastigatória em pacientes idosos.

Vedovello et al. (2016) desenvolveram um estudo epidemiológico observacional, transversal e analítico que tinha por objetivo examinar as associações entre a má oclusão e os fatores contextuais de qualidade de vida e status socioeconômico. Para tal, foram avaliadas 1.256 crianças entre 7 a 10 anos de idade que foram selecionadas em 11 escolas públicas de Piracicaba, São Paulo, Brasil. Os dados foram coletados com o questionário OHRQoL in children para determinar a influência da má oclusão na qualidade de vida, e também com exames odontológicos clínicos, onde foram avaliados: a relação ântero-posterior, overjet, overbite, mordida cruzada e apinhamento. As amostras foram divididas em 2 grupos: por faixa etária de 7 a 8 anos que representavam (51,5%) e 9 a 10 anos (48,5%); e por nível socioeconômico (alto e baixo), onde 45,06% apresentavam o menor status. De todas as crianças examinadas, 82,1% manifestaram algum tipo de má oclusão. Os resultados obtidos indicam que o aumento da idade associado a um menor nível socioeconômico é um explicativo para determinar a má oclusão. Quando observados individualmente, as variáveis sexo, aumento de overjet e nível socioeconômico demonstraram uma associação estatisticamente significativa (P < 0,05) com a qualidade de vida relacionada á saúde bucal (OHRQoL). As variáveis de mordida profunda e má oclusão de classe II, embora não tenham atingido um nível significante, estavam associadas à OHRQoL, merecendo assim serem consideradas. Para os autores, há uma associação da má oclusão com o status socioeconômico e a idade. Dentre as más oclusões que foram avaliadas, o aumento do overjet maxilar anterior foi o que teve uma influência mais negativa na qualidade de vida dos pacientes.

Uma revisão sistemática conduzida por Piasse, Antunes e Antunes (2016) teve por objetivo avaliar as evidências na literatura sobre o impacto do tratamento da má oclusão na qualidade de vida relacionada à saúde bucal (OHRQoL) de crianças e adolescentes. Um total de 426 artigos foram selecionados inicialmente, e destes, somente 3 foram elegíveis para a avaliação. Todos os resultados dos estudos mostram uma melhora na qualidade de vida relacionada à saúde bucal (OHRQoL) após o tratamento ortodôntico. Os autores sugerem estudos longitudinais adicionais em crianças e adolescentes para garantir uma excelência metodológica.

Kumar et al. (2016) realizaram um estudo de validação com o objetivo de avaliar a validade e confiabilidade do CPQ11-14 em crianças indianas falantes de língua télugo. O estudo apresentou uma amostra de 1342 crianças na faixa etária de 11 à 14 anos de idade. Todos os participantes preencheram o questionário CPQ11-14 traduzido para o tegulu, e foram submetidos a exame clínico realizado por um único examinador, que foram realizados sob a luz natural. Os resultados demonstram que tanto as pontuações da subescala quanto a pontuação final do CPQ11-14, aumentaram à medida que a avaliação da saúde bucal se deteriorou de “excelente para ruim”. Os autores ressaltam que estes resultados sugerem que os indivíduos com má oclusão severa relatam um maior impacto na saúde bucal e em suas atividades diárias. A tradução Telugu do CPQ11-14 demonstrou boa consistência interna e excelente confiabilidade e todas as suas subescalas foram relacionadas a avaliações globais de saúde bucal e bem estar geral.

Chen et al. (2015) realizaram um estudo que teve por objetivo avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde bucal (OHRQoL) em pacientes adultos jovens com má oclusão e medir a associação entre a necessidade de tratamento e a qualidade de vida relacionada à saúde bucal. A amostra compreendeu o total de 190 pacientes jovens adultos entre 18 e 25 anos de idade que fraquentavam clínicas ortodônticas da Escola Guanghua de Estomatologia do Hospital de Estomatologia da Universidade Sun Yat-sen, na China. Na primeira triagem ortodôntica os pacientes foram recrutados, antes de iniciarem qualquer tipo de tratamento ortodôntico. Todos os pacientes responderam o questionário OHIP-14 completamente, sem haver nenhuma resposta ausente; e foram avaliados quanto a necessidade de tratamento ortodôntico com o componente de saúde bucal (DHC). Os resultados demonstram que mais da metade da amostra (50,5%) apresentavam extrema necessidade ortodôntica, enquanto 21,6% dos pacientes não possuíam necessidade de tratamento ortodôntico. Diante dos achados, o maior impacto observado foi no domínio psicológico e no domínio de incapacidade psicológica, em pacientes que apresentavam alta necessidade de tratamento ortodôntico. Em comparação com os pacientes que precisavam de pouco ou nenhum tratamento, os escores OHIP-14 tiveram uma diferença significativa.  Esses resultados apontam que a qualidade de vida relacionada à saúde bucal sofre impacto da má oclusão, e que o tratamento ortodôntico melhora claramente a OHRQoL. Os autores ressaltam a importância da avaliação do estado de saúde bucal e das necessidades de saúde bucal com base em cada paciente.

Choi et al. (2015) apresentaram um estudo de avaliação transversal que tinha como objetivo avaliar a associação entre a má oclusão e a qualidade de vida relacionada à saúde bucal em jovens adultos sem tratamento ortodôntico, controlando fatores sociodemográficos e doenças orais. A amostra do estudo foi composta por 429 pacientes coreanos. Os mesmos preencheram o questionário OHIP-14, e foram submetidos a entrevistas face a face e exames clínicos. Os resultados demonstram que os pacientes que necessitavam de extenso tratamento ortodôntico apresentaram qualidade de vida relacionada à saúde bucal mais deficiente do que os pacientes sem uma má oclusão severa. Observou-se uma inter-relação entre a má oclusão e algumas variáveis, como limitação funcional, dor física e incapacidade social. Os autores concluíram que a má oclusão é um fator associado a má qualidade de vida relacionada à saúde bucal.

Andiappan et al. (2015) executaram uma metanálise com o objetivo de sintetizar evidências sobre o impacto da má oclusão e seu tratamento associado na qualidade de vida das pessoas através de estudos que utilizaram o questionário Oral Health Impact Profile (OHIP-14) na população adulta. A amostra final compreendeu 25 estudos, todos observacionais. Foram utilizados 3 modelos de estudo: 11 compararam o mesmo grupo antes e após do tratamento; 10 compararam grupos com e sem maloclusão; e 4 compararam o grupo tratado ortodonticamente com um independente grupo que requer tratamento. Os autores concluíram que os escores do OHIP-14 foram significativamente menores após o tratamento ortodôntico para má oclusão, indicando uma melhora na qualidade de vida. 

Tuchtenhagen et al. (2015) realizaram um estudo transversal com o objetivo de avaliar o impacto das condições de saúde bucal, qualidade de vida relacionada à saúde bucal e fatores socioeconômicos na felicidade subjetiva de adolescentes brasileiros. Foram recrutados um total de 1.134 escolares de 12 anos de idade em Santa Maria – RS, Brasil.Os dados foram coletados a partir de exames odontológicos que foram realizados nas escolas em sala com luz natural, utilizando sonda periodontal e espelhos dentais; e a partir de entrevistas estruturadas, onde os participantes responderam ao questionário CPQ11-14 e a Escala de Felicidade Subjetiva (SHS). As condições socioeconômicas também foram avaliadas por meio de um questionário, onde as informações eram fornecidas pelos pais. Os resultados expressam que menores níveis de felicidades foram atribuídos às crianças que possuíam cárie dentária e má oclusão. A felicidade estava associada a indicadores socioeconômicos, uso de serviços odontológicos, estado clínico e escores médio da qualidade de vida relacionada à saúde bucal. Avaliados a superlotação domiciliar, cárie dentária, má oclusão e gravidade a gravidade associada ao CPQ11-14 os valores do escore médio da SHS teve uma associação significativamente menor. De acordo com os autores, a felicidade é influenciada pelas condições bucais, condição socioeconômica e qualidade de vida relacionada à saúde bucal (OHRQoL). A identificação das condições que afetam a felicidade para planejar políticas que podem beneficiar um grande número de crianças.

Uma revisão crítica executada por Majid, Abidia (2015) teve como objetivo fornecer uma revisão crítica relacionada aos efeitos da má oclusão nos aspectos físicos, sociais e psicológicos da qualidade de vida (QV) dos pacientes. Foram incluídas revisões, meta-análises, estudos transversais, retrospectivos, estudos longitudinais prospectivos e ensaios controlados randomizados. Os estudos constatam que a má oclusão está associada a maiores níveis de insatisfação em relação a aparência e possui o potencial de impactar negativamente na qualidade de vida relacionada à saúde bucal (OHRQoL).Apesar de nos últimos anos, a atenção à avaliação centrada no paciente aumentou, é necessário avaliações mais abrangentes e rigorosas, explorando a intensidade ou a extensão dos efeitos associados às más oclusões percebidas. 

Peres et al. (2015) realizaram um estudo de coorte prospectivo, tendo como objetivo investigar se a má oclusão nos dentes decíduos prediz a necessidade de tratamento ortodôntico na dentição permanente. Um total de 339 adolescentes com 12 anos de idade, onde estes anteriormente foram investigados aos 6 anos de idade, foram examinados e entrevistados novamente. Os resultados destacaram que mais da metade dos adolescentes apresentaram algum tipo de má oclusão na dentição decídua. As crianças com mordida aberta e aquelas com mordida aberta concomitante e má oclusão canina eram mais predispostas a realizarem tratamento ortodôntico aos 12 anos. Os resultados ainda apontam que, a associação da mordida cruzada e mordida aberta na dentição decídua, está relacionada ao maior risco de necessidade de tratamento na dentição permanente. Os autores constataram que a má oclusão na dentição decídua é um fator de risco para a necessidade de tratamento ortodôntico na dentição permanente. Como a má oclusão é difícil de ser evitada, mais esforços devem ser conduzidos para o tratamento eficaz precoce.

Ramos et al. (2015) efetuaram um estudo transversal de base populacional com o propósito de avaliar a associação entre os diferentes tipos de maloclusão e o impacto na qualidade de vida de pré-escolares e seus familiares. O estudo foi composto por 451 crianças de 3 a 5 anos de idade que foram selecionadas em sete pré-escolas públicas e duas particulares em Diamantina, uma cidade no estado de Minas Gerais, Brasil. Para coleta dos dados foi utilizado o ECOHIS12 para avaliar o impacto da má oclusão na qualidade de vida, que foi respondido pelos pais / responsáveis, e os mesmos fizeram o preenchimento de um formulário abordando informações sociodemográficas. O exame clínico bucal foi realizado por um único cirurgião dentista nas pré-escolas. Para registro da má oclusão era necessária a presença de aumento do overjet, mordida aberta anterior, mordida cruzada posterior e mordida cruzada anterior. Os resultados demonstram que a prevalência de má oclusão foi de 28,4%, sendo mais frequentes a mordida cruzada posterior (20,4%), mordida aberta anterior (9,5%) e overjet acentuado (8,4%). A maioria dos pais/ responsáveis não relatou impacto na qualidade de vida (52,8%), porém 42,8% relataram impactos relacionados às crianças do que a família (29,3%). Foram encontradas associações significativas entre o impacto na qualidade de vida da criança e a mordida aberta anterior. Os resultados revelaram, ainda, que o impacto na qualidade de vida estava associado à idade da criança e à mãe que trabalha fora de casa, e também ao menor nível de escolaridade da mãe. Os autores concluíram que dentre os diferentes tipos de má oclusão, a mordida aberta anterior está associada a um impacto negativo na qualidade de vida entre pré-escolares e suas famílias.

Neste mesmo ano, Schuch et al. desenvolveram um estudo transversal de base escolar que consistia em investigar o impacto de variáveis clínicas e psicossociais na qualidade de vida relacionada à saúde bucal de escolares brasileiros. O estudo foi composto por uma amostra no total de 750 crianças entre 8 e 10 anos de escolas particulares e públicas de Pelotas – RS. Em uma primeira etapa foram selecionadas 15 escolas públicas e 5 escolas privadas aleatoriamente. Na segunda etapa, cinco turmas foram selecionadas de modo aleatório em cada escola. A coleta de dados consistiu em um questionário enviado aos pais/responsáveis; entrevistas utilizando o CPQ8-10, usado para avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde bucal; e exame clínico das crianças, realizado nas cadeiras da escola por seis estudantes de odontologia pós graduados, utilizando equipamentos de proteção, luz artificial, espelho odontológicos e sondas CPI. As maloclusões foram avaliadas pelo Índice de Estética Dental. Os resultados obtidos evidenciaram que os maiores escores no CPQ estão associados à renda familiar, presença de dentes cariados, traumas dentários autorreferidos, medo odontológico e dor dentária. Os autores consideram o estudo importante para o dentista pediátrico por fornecer informações que apóiam que a qualidade de vida relacionada à saúde bucal é influenciada pelas características comportamentais e psicossomáticas e não apenas pelas condições de saúde.

Silvola et al. (2014) realizaram uma análise secundária dos dados coletados para um estudo longitudinal com o objetivo de investigar a associação entre a satisfação com a estética dentária e qualidade de vida e satisfação em relação às avaliações estéticas de três grupos de painéis. O grupo de estudo foi composto por 52 pacientes (36 do sexo feminino e 16 do sexo masculino), que foram tratados no Departamento Oral e Maxilofacial do Hospital Universitário de Olu, em um período de quatro anos. O questionário OHIP-14 foi administrado para medir a qualidade de vida relacionada à saúde bucal, e fotografias dentárias em vista frontal com dentes em posição intercuspidal utilizando afastadores labiais foram tiradas dos pacientes antes de qualquer intervenção ortodôntica. Destes pacientes, 14 foram submetidos ao tratamento ortodôntico e 38 à cirurgia combinada com o tratamento ortodôntico. As avaliações das fotografias foram realizadas por leigos, estudantes de odontologia e ortodontistas antes e depois do tratamento, e estes foram instruídos a julgar apenas a estética dentária. Os resultados apontam que os ortodontistas classificaram a situação antes do tratamento como pior, e o resultado melhor do que os leigos. A classificação dos estudantes de odontologia caiu entre esses dois grupos. Segundo os autores, a qualidade de visa relacionada à saúde bucal (OHRQoL), bem como a satisfação estética dos pacientes melhoraram após o tratamento, independende do sexo e do tipo de tratamento realizado.

Dimberg, Arnrup e Bondemark (2014) apresentaram uma revisão sistemática de estudos quantitativos tendo como objetivo evidenciar sobre a influência das más oclusões na qualidade de vida relacionada à saúde bucal em crianças e adolescentes. A busca produziu 1.142 títulos e resumos, onde um filtro para crianças de 6 a 12 anos e adolescentes de 13 a 18 anos foi aplicado. De acordo com os critérios pré-estabelecidos, foram obtidas versões em texto integral de 70 artigos, 22 dos quais satisfaziam os critérios de inclusão. Seis publicações foram consideradas elegíveis para inclusão completa, sendo todas de desenho transversal. Os autores consideram a evidência científica forte, levando em consideração que quatro estudos com alto nível de qualidade relataram que há efeitos negativos das más oclusões na zona estética sobre a qualidade de vida relacionada à saúde bucal, principalmente nas dimensões de bem-estar emocional e social.

Masood et al. (2013) realizaram um estudo com o objetivo de avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde bucal (OHRQoL) em jovens entre 15 e 25 anos que procuraram tratamento ortodôntico e medir a associação entre necessidade de tratamento ortodôntico (usando o IOTN), sexo, idade, nível de escolaridade e qualidade de vida relacionada à saúde bucal. A amostra do estudo foi de 323 pacientes atendidos em clínicas ortodônticas da Faculdade de Odontologia da Universiti Teknologi MARA. Todos os pacientes foram entrevistados usando o OHIP-14 para determinar estimativas populacionais quanto à prevalência, extensão e gravidade do impacto sobre a qualidade de vida relacionada à saúde bucal. Em seguida, exames clínicos foram realizados para avaliar a necessidade de tratamento ortodôntico normativo utilizando o Dental Health Component (DHC) do Índice de Tratamento Ortodôntico (IOTN). Os resultados demonstram que, de acordo com o IOTN o DHC, a necessidade de tratamento normativo esteve presente em 252 pacientes (78,0%) e os 71 restantes (22%) não tiveram necessidade de tratamento normativo. Apesar do impacto relatado pelas mulheres fosse ligeiramente maior do que os homens, isso não foi significativo nas análises. O grupo de pacientes entre 15 e 18 anos apresentou o maior impacto na qualidade de vida devido à má oclusão. Os resultados apontam, ainda, que dentre os domínios, o desconforto psicológico foi o de maior impacto; e que os participantes que possuíam formação universitária reportam um impacto maior na qualidade de vida relacionada à saúde bucal, em comparação com os participantes que possuíam apenas o ensino secundário. Os autores concluíram que a má oclusão tem um impacto negativo na qualidade de vida relacionada à saúde bucal e seus domínios. 

Al – Bitar et al. (2013) desenvolveram um estudo transversal com o objetivo de investigar a experiência do bullying em escolares jordanianos em Ammam, para avaliar seu efeito na frequência escolar e percepção do desempenho acadêmico, e observar a contribuição das características físicas e dentofaciais em geral para este fenômeno. O estudo foi composto por uma amostra de 920 crianças do sexto ano, com idades de 11 a 12 anos, que foram recrutadas em doze escolas selecionadas aleatoriamente. Os participantes preencheram um questionário dividido em três seções principais: (1) experiência pessoal de bullying; (2) sentimentos em relação à frequência escolar e percepção do efeito no desempenho acadêmico; e (3) características físicas gerais e características dentofaciais direcionadas às vítimas de bullying. Os resultados apontam que 47% dos alunos tinham experiência de bullying, sendo os meninos mais propensos a relatarem bullying do que as meninas; 35% das crianças relataram que haviam intimidado outra pessoa no último mês, sendo também os meninos que significativamente intimidaram outras pessoas. Em relação à escola, 82,7% relatou gostar das aulas, enquanto uma pequena porcentagem (6,7%) não gostava das aulas; 15,7% dos alunos declaram que faltam às aulas por causa do bullying. Os resultados obtidos indicam, ainda, que características físicas gerais e dentofaciais foram alvos nas vítimas de bullying. Os dentes foram o recurso número um direcionado ao bullying, com 50% das vítimas reconhecendo sua importância como alvo. Isso foi seguido de força em 34% e peso em 31% dos alunos. Dentes espaçados ou ausentes foram comentados com mais frequência dos alunos vítimas de bullying, assim como a cor dos dentes, e dentes anteriores proeminentes. Para os autores, o estudo demonstrou uma alta prevalência do bullying em crianças jordanianas por causa de sua aparência dental ou facial.

Feu et al. (2012) efetuaram um estudo prospectivo com o objetivo de avaliar a mudança na autopercepção estética de adolescentes brasileiros que estavam recebendo tratamento ortodôntico fixo durante um período de 2 anos. A amostra foi composta por dois grupos: o de tratamento, que consistia em 92 pacientes com idades entre 12 e 15 anos, atendidos na clínica ortodôntica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; e de controle, que foi dividido em 124 adolescentes que aguardavam tratamento nessa clínica, e 102 indivíduos de uma escola pública, próxima a clínica universitária, que nunca haviam se submetido ou procurado tratamento. Os dados foram coletados por um ortodontista treinado, com o auxílio do Índice de necessidade de tratamento ortodôntico para avaliar a gravidade da má oclusão, o status estético e a autopercepção estética. O status socioeconômico foi medido com os Critérios de Classificação Econômica do Brasil. Todos os adolescentes foram entrevistados três vezes durante os dois anos de estudo: o grupo de tratamento, no início do estudo, um ano após a instalação do aparelho fixo e dois anos após a colocação do aparelho; enquanto o grupo de controle foi entrevistado no início do estudo, um ano e dois anos após a primeira entrevista. Os resultados demonstram que durante o período de dois anos, enquanto o comprometimento estético permaneceu estável no grupo escolar, os escores de auto percepção estética dos pacientes do grupo de tratamento diminuíram significativamente, ao mesmo tempo em que os escores no grupo de espera pioraram. A estética autopercebida e a gravidade da má oclusão foram piores em geral no grupo de tratamento e nos grupos de espera. Os autores concluíram que o tratamento ortodôntico fixo melhorou a autopercepção estética em adolescentes brasileiros de 12 a 15 anos.

Palomares et al. (2012) realizaram um estudo transversal que tinha como objetivo avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde bucal de jovens adultos brasileiros, com idade entre 18 e 30 anos, que completaram o tratamento ortodôntico em comparação com indivíduos não tratados que aguardavam tratamento. Para tal, o estudo compreendeu uma amostra no total de 200 adultos jovens que foram divididos em dois grupos: o grupo tratado e o grupo não tratado, cada um destes contendo 100 pessoas. Os dados foram coletados por meio de entrevistas, questionários e exames bucais realizados por um ortodontista treinado. Para isto, utilizou-se o perfil de impacto da saúde bucal, o índice de necessidade de tratamento ortodôntico, os critérios de classificação econômica brasileira e o índice de dentes cariados, perdidos e obturados. Os resultados apontam que a má oclusão severa e o comprometimento estético normativo foram correlacionados com o impacto negativo maior na qualidade de vida relacionada à saúde bucal. Os autores relataram que os achados deste estudo indicam que houve uma melhor qualidade de vida relacionada á saúde bucal dos indivíduos tratados, em relação aos indivíduos que estavam esperando por tratamento, independente da gravidade da má oclusão, sexo, estado de saúde bucal, condição socioeconômica e comprometimento estético. 

Um estudo longitudinal controlado conduzido por Agou et al. (2011) tinha por objetivo avaliar os resultados da qualidade de vida associada à saúde bucal em ortodontia enquanto controlava as características psicológicas individuais. A amostra foi composta por 118 crianças entre 11 e 14 anos de idade, divididas em dois grupos: um de tratamento (74 crianças); e outro em lista de espera (44 crianças). Os participantes preencheram, sem assistência dos pais ou investigadores, o questionário de percepção da criança (CPQ11-14) e a subescala do BEP do questionário de saúde da criança no início (T1) e durante (T2). O PWB, que leva em conta o efeito de todos os aspectos da saúde e da vida diária no bem estar, também foi analisado. Os resultados demonstram que as crianças com melhor PWB eram mais propensas a relatar uma melhor qualidade de vida associada à saúde bucal (OHRQoL), independente do seu estado de tratamento ortodôntico. Enquanto, por outro lado, as crianças que não estavam no grupo de tratamento apresentaram um pior OHRQoL. Os autores ressaltam que é necessário mais trabalhos com amostras maiores e acompanhamentos mais longos para melhor compreensão de como outros fatores psicológicos se relacionam com a OHRQoL dos pacientes.

Hassan e Amin (2010) realizaram um estudo transversal para avaliar o efeito de diferentes necessidades de tratamento ortodôntico na qualidade de vida relacionada à saúde bucal de jovens adultos. O estudo apresentou uma amostra de 366 pacientes ortodônticos na faixa etária de 21 á 25 anos. Os pacientes foram examinados quanto à necessidade de tratamento ortodôntico com o DCH do IOTN. Para a avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde bucal foi utilizado o questionário OHIP-14. Os resultados demonstram que os pacientes que necessitavam de real tratamento ortodôntico representaram 29,2% da amostra. A necessidade de tratamento ortodôntico estava associada com o constrangimento, a irritabilidade com outras pessoas e o sentimento geral de menor satisfação na vida, apesar dos participantes relatarem que a necessidade do tratamento ortodôntico não influenciava significativamente a capacidade de realizar seu trabalho ou funcionar efetivamente. Os autores ressaltam que esses resultados destacam o impacto da má oclusão na qualidade de vida relacionada à saúde bucal de pacientes jovens adultos.

Esperão et al. (2010) relataram sobre achados na pesquisa realizada na Clínica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (HUPE) com o objetivo de avaliar o impacto dos problemas bucais na qualidade de vida de três grupos de pacientes com necessidade de tratamento com cirurgia ortognática. Para isto, foram recrutados 117 pacientes desta clínica, onde 20 estavam na fase inicial, 70 na fase pré-cirúrgica e 27 na pós-cirúrgica. Os pacientes preencheram o questionário OHIP-14 para avaliação do impacto de problemas relacionados à saúde bucal na qualidade de vida em jovens adultos com deformidades dentofaciais. Os resultados apontam que em relação aos pacientes que estavam na fase pós-cirúrgica, o impacto negativo foi maior nos pacientes que estavam na fase pré-cirúrgica e aqueles que ainda não tinham iniciado o tratamento. O menor impacto foi observado nos pacientes pós-cirúrgicos. Os autores concluíram que a cirurgia ortognática afeta positivamente a qualidade de vida dos pacientes.

Feu et al. (2010) realizaram um estudo transversal com o objetivo de avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde bucal (OHRQoL) em adolescentes que procuraram tratamento ortodôntico. A amostra foi composta por 225 adolescentes entre 12 e 15 anos. Os indivíduos foram divididos em dois grupos: o grupo ortodôntico, composto por 101 adolescentes que procuraram tratamento ortodôntico em uma clínica universitária; e o grupo de comparação, com 124 adolescentes de uma escola pública próxima a clínica, que nunca haviam se submetido ou procurado por tratamento ortodôntico. Todos os participantes preencheram o questionário OHIP-14, foram entrevistados e submetidos á exames clínicos para avaliar a necessidade de tratamento ortodôntico e o estado de saúde bucal. Os alunos do grupo de comparação foram examinados no consultório da escola, pelo mesmo ortodontista. Os resultados demonstram que os adolescentes que procuraram o tratamento ortodôntico apresentaram pior qualidade de vida relacionada à saúde bucal, más oclusões mais severas e maior comprometimento estético do que os alunos da escola pública. Os resultados ressaltam também que, quando o grupo ortodôntico foi avaliado separadamente, as meninas relataram impactos significativamente piores do que os meninos. 

2. METODOLOGIA 

Para a revisão da literatura os estudos foram selecionados nas bases de dados PubMed (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/) e  Biblioteca Virtual da Saúde – BVS (http://bvsalud.org/). O objetivo foi a seleção de 20 referências bibliográficas, preferencialmente internacionais, publicadas nos últimos dez anos e disponíveis na íntegra nas bases de dados propostas. O presente capítulo apresenta as referências bibliográficas selecionadas, em ordem cronológica decrescente. 

3. DISCUSSÕES 

Há muito tempo se reconhece que as deformidades dentofaciais são extremamente prevalentes e podem influenciar nas atividades diárias dos pacientes infantis, onde os efeitos sociais, psicológicos e físicos podem ser prejudicados, sendo estes, de grande importância para sua interação e aceitação social. A insatisfação com a estética dentária é um dos principais motivos que estão relacionados à busca pelo tratamento ortodôntico. A presença de uma oclusão não adequada pode causar dificuldades em falar, comer e sorrir. (CHEN et al., 2015). De acordo com Tuchtenhagen et al. (2015) a saúde bucal auto-percebida é um importante indicador de felicidade subjetiva. Segundo os autores, a felicidade pode ser influenciada pelas condições bucais, onde crianças que se percebem com uma saúde bucal inferior, sentem-se menos felizes do que aquelas que consideram sua saúde bucal como boa.

A má oclusão é tida como uma incapacidade crônica que pode levar o paciente infantil a um estado satisfatório, ou não, de saúde bucal. É de grande relevância que as maloclusões sejam abordadas como um problema de saúde pública, por causa da sua alta prevalência, porém destacando que há meios de prevenção e tratamento (PIASSI; ANTUNES; ANTUNES, 2016). Na avaliação dos efeitos da gravidade de uma má oclusão, é importante considerar as características individuais e fatores sociopsicológicos de cada paciente. Levando em consideração que as crianças compõem a maioria dos pacientes ortodônticos, e suas percepções podem perdurar até a vida adulta, nos leva ao fato de que os ortodontistas não devem estar atentos somente a melhora das funções orais, negligenciando as opiniões dos pacientes, uma vez que estas complementam as medidas clínicas. (CHOI et al., 2016, CHEN et al., 2015). Essa conduta apoia os achados de Agou et al. (2011), que sugere a inclusão e avaliação das dimensões psicológicas para priorizar a correta necessidade de tratamento.

Para que se possa determinar estratégias de prevenção da má oclusão é necessário não somente um diagnóstico adequado, mas também a definição do prognóstico. É de fundamental importância avaliar a influência dos determinantes sociais na saúde sobre as alterações oclusais, partindo do pressuposto de que há causas multifatoriais para a ocorrência das maloclusões (VEDOVELLO et al., 2016). Uma melhor compreensão dos fatores que contribuem para que as crianças se sintam confortáveis, facilita a identificação dos pacientes que podem se beneficiar das intervenções ortodônticas. (TUCHTENHAGEN et al., 2015).

Segundo Choi et al. (2016), a dentição e morfologia facial levam os pacientes que apresentam má oclusão severa a serem menos confiantes em suas relações sociais. Embora seja reconhecido que há consequências psicológicas e físicas diante da má oclusão, as evidências ainda são conflitantes (HASSAN; AMIN, 2010). Em um estudo transversal realizado por Choi et al. (2015), a má oclusão foi o principal fator associado à má qualidade de vida, onde esta estava consideravelmente associada à dor física, incapacidade social e limitação funcional. Estes domínios estavam relacionados duas vezes mais aos pacientes que possuíam má oclusão severa, em relação aqueles que não apresentavam. Ao contrário, os achados por Feu et al. (2012), que demonstram que a autopercepção estética dos pacientes melhorou com o tratamento ortodôntico, porém a gravidade da má oclusão teve influência parcial nos resultados.

As condições bucais influenciam a maneira pela qual as crianças percebem sua qualidade de vida. Aquelas que possuem uma má oclusão são mais propensas a se chatear ou se sentirem preocupadas em relação a sua saúde bucal, o que prejudica ainda mais sua qualidade de vida (TUCHTENHAGEN et al., 2015). A qualidade de vida relacionada à saúde bucal faz parte do estado geral de saúde e bem-estar. Deve-se entender que a percepção da criança sobre o impacto da má oclusão na qualidade de vida possivelmente é diferente da dos adultos, e por essa razão, as respostas dadas na avaliação de saúde bucal relacionada à qualidade de vida devem ser das próprias crianças (KUMAR et al., 2016).

Quando se refere ao conceito de qualidade de vida relacionada à saúde bucal, busca-se compreender os fenômenos não somente de variáveis clínicas, mas também, impactos funcionais subjetivos e psicossociais, tanto da doença bucal como do bem-estar. Na presença dessa situação, pesquisas de instrumentos que relacionam a saúde bucal com a qualidade de vida têm sido constantes. Apesar de a maioria serem destinados a pacientes adultos, existem ainda poucos que podem ser designados a medir a avaliação em crianças (KUMAR et al., 2016). Em uma revisão sistemática realizada por Piassi, Antunes, Antunes (2016), os autores constataram que é recomendada a avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde bucal em ortodontia para que se possa entender as necessidades e resultados do tratamento. No mesmo estudo, ressaltam que é importante avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde bucal depois do tratamento ortodôntico, para que se possa detectar as alterações. Segundo os autores há uma grande importância de ser identificado nas evidências científicas algum risco de viés. As mensurações de propriedades técnicas devem existir em estudos de qualidade de vida, assim como os instrumentos devem ter suas versões e propriedades psicométricas testadas. Todos os artigos selecionados na revisão dos autores acima resultaram em uma melhora na qualidade de vida de crianças que estiveram sob tratamento ortodôntico.

Dentre os instrumentos utilizados para medir a qualidade de vida relacionada à saúde bucal, há o Perfil de impacto em saúde bucal, um questionário que inclui sete dimensões conceituais, sendo dois itens medindo cada dimensão. Entre as dimensões estão a incapacidade física, psicológica, social, limitação funcional, dor física e desvantagem social. Para maior facilidade, as respostas possuem as alternativas “nunca”,“ quase nunca”, “ocasionalmente”,“com bastante frequência”, “muito frequentemente”. O uso deste instrumento para medir a qualidade de vida relacionada à saúde bucal nos permite avaliar se os procedimentos clínicos têm ou não um benefício real na vida dos pacientes (SILVOLA et al.,2014, CHOI et al., 2016, HASSAN; AMIN, 2010, PALOMARES et al., 2012, ESPERÃO et al., 2010). Outro instrumento comumente utilizado é o Child Perceptions Questionnaire (CPQ), que foi testado primeiramente no Canadá e foi considerado válido para crianças. O CPQ é um questionário composto por 37 perguntas respondidas pela própria criança e há a parte de instrumentos de coleta de dados, que são respondidos pelos responsáveis para medir o nível socioeconômico. Este instrumento foi considerado de fácil entendimento e aceitação pelos pacientes infantis (KUMAR et al., 2016, VEDOVELLO et al., 2016, SCHUCH et al., 2015, AGOU et al., 2011).

Apesar de as crianças apresentarem uma visão diferente dos pais sobre como a saúde bucal afeta sua qualidade de vida, é de extrema importância que haja detecção das maloclusões em crianças mais novas, como uma ação prognóstica, que permite o planejamento do tratamento. Diante disso, Ramos et al. (2015), avaliaram através de um exame sobre a Escala de impacto da saúde na primeira infância para avaliação de qualidade de vida relacionada à saúde bucal. O questionário é aplicado aos pais/responsáveis, uma vez que, os mesmos, devem ter a sua percepção. Os resultados demonstram que as crianças possuíam danos causados por hábitos de sucção não nutritiva, levando em consideração que a amostra envolvia crianças de 3 a 5 anos, onde nessa faixa etária, os hábitos são facilmente encontrados. Os autores pontuaram que a mordida aberta anterior foi a que apresentou um maior impacto na qualidade de vida entre as crianças e seus familiares. Ressaltam ainda que, o overjet aumentado deve ser avaliado, e também pode interferir na qualidade de vida.

Este estudo confirma os achados de Vedovello et al. (2016), onde constataram que das relações oclusais avaliadas, o overjet aumentado foi o que mais teve interferência na qualidade de vida dos pacientes odontopediátricos. Os autores também destacam a mordida profunda, onde essas duas situações podem estar relacionadas a má oclusão de Classe II, que envolve a região anterior da cavidade bucal e afeta assim, diretamente a estética do sorriso. As más oclusões visíveis como o overjet aumentado podem fazer com que haja um aumento do estresse psicológico do paciente, e tem sido, ainda, associados a uma baixa autoestima e ao bullying (MAJID; ABIDIA, 2015, DIMBERG; ARNRUP; BONDEMARK, 2014, Al-Bitar et al., 2013).

Existem algumas variáveis que devem ser consideradas e que podem influenciar na qualidade de vida relacionada à saúde bucal. A condição socioeconômica pode afetar a qualidade de vida dos pacientes infantis uma vez que a desigualdade social tem um impacto no bem-estar psicológico das crianças, afetando a maneira como elas se sentem no meio social que, por sua vez, pode afetar a saúde (TUCHTENHAGEN et al., 2015). A qualidade de vida relacionada à saúde bucal pode estar relacionada também com o baixo nível de escolaridade dos pais/responsáveis, isto é, aqueles com menos de oito anos de escolaridade (SCHUCH et al., 2015). Essas afirmações, entretanto, não correspondem aos achados de Esperão et al. (2010) e Feu et al. (2010), onde a classe social não demonstrou relações significativas com a qualidade de vida relacionada à saúde bucal, sugerindo que a os impactos ortodônticos independem da condição socioeconômica.

O sexo é considerado uma variável, sendo que a necessidade de tratamento afeta os sentimentos de tensão e autoconsciência tanto no sexo feminino, como no sexo masculino (HASSAN; AMIN, 2010). Os fatores psicossociais podem ser responsáveis pela maior procura de tratamento ortodôntico por parte do sexo feminino, visto que as meninas são mais propensas a buscarem pelo tratamento. Assim, essa afirmativa corroba com os achados de Choi et al. (2016), onde a proporção do sexo feminino era maior, mesmo que a gravidade da má oclusão fosse pior no sexo masculino.

Estudos sobre a transição da dentição decídua para a dentição permanente são importantes de serem realizados, para definir o melhor tempo e tipo de intervenção ortodôntica necessitada pela criança. Deve haver o monitoramento dos pacientes infantis com frequência, à medida que os dentes permanentes forem surgindo. Quanto mais cedo realizada a intervenção ortodôntica, menos tempo gasto e menor custo, porém não há estudos que estabelecem bem a eficácia da intervenção ortodôntica precoce (PERES et al., 2015). É durante a adolescência que os tratamentos ortodônticos são frequentemente realizados, onde nesse momento, a dentição permanente está surgindo. Outra razão que pode ser abordada é que nesse período há transformações fisiológicas, anatômicas, sociais e psicológicas, e com isso, o paciente começa a ver sua aparência como algo de grande importância. Nesse contexto, as maloclusões não tratadas podem ter impactos negativos na qualidade de vida dos indivíduos (MAJID; ABIDIA, 2015, DIMBERG; ARNRUP; BONDEMARK, 2014). O estudo realizado por Masood et al. (2013), afirmou que houve uma associação entre idade e o impacto na qualidade de vida. Segundo os autores, com o aumento da idade houve a diminuição no impacto da qualidade de vida, uma vez que, quanto mais tempo o indivíduo vive com a má oclusão, mais ele se acostuma com ela. 

Assim observamos que o desfecho de qualidade de vida relacionada à saúde bucal é influenciado pelas condições orais do paciente, mas também por características individuais de cada um. Um melhor conhecimento é necessário, assim como outros instrumentos direcionados a medir a qualidade de vida relacionada à saúde em crianças, um pouco mais rigorosos, explorando a intensidade dos efeitos das maloclusões sobre a qualidade de vida

4. CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

As maloclusões são difíceis de serem evitadas, e por isso a identificação não somente clínica, mas também das condições que afetam o paciente são de extrema importância para o planejamento e tratamento ortodôntico. Uma vez diagnosticada a má oclusão, deve-se monitorar os pacientes odontopediátricos, para que o tratamento ortodôntico seja o melhor possível. 

A autopercepção das crianças em relação a saúde bucal podem fornecer informações úteis para o tratamento, uma vez que as más oclusões desempenham um papel importante na qualidade de vida dos pacientes infantis.

É necessário o desenvolvimento de outros instrumentos para medir a saúde bucal relacionada à qualidade de vida em crianças.

Crianças que têm acesso ao tratamento ortodôntico, seja ele, preventivo ou interceptativo, apresentaram na literatura consultada, uma melhora significante na qualidade de vida relacionada à saúde bucal.

REFERÊNCIAS

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1Discente do Curso Superior de Doutorado da Universidade Federal de Juiz de Fora MG e-mail: rapha4004@hotmail.com
2Docente do Curso Superior de Odontologia da Universidade Católica Portuguesa. Doutora em Saúde em (PPG SAÚDE/UFJF). E-mail: retoledoalves@hotmail.com