SABERES EMANCIPATÓRIOS NEGROS COMO PROPOSTAS DE NOVAS TEORIAS EDUCACIONAIS: RUPTURAS, ENFRENTAMENTOS E ANTIRRACISMO.

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102501232108

 Marco Túlio de Sousa Nascimento


Resumo:

O presente texto parte de abordagens históricas referentes ao eurocentrismo presente no pensamento educacional ocidental, partindo dos desafios que correntes científicas e de saberes da modernidade impuseram como bases referenciais,  levando a não aceitação de ciências e teorias de conhecimentos da diversidade social, sobretudo analisando as questões referentes ao protagonismo do Movimento Negro como protagonista na produção e proposição de saberes  no Brasil, explorando o Movimento Negro Educador apresentado por Nilma Lino Gomes, como forma de explorar questões identitárias e raciais que devem aparecer nos processos de produção científicas e educacionais em propostas teóricas para a educação que vão além dos espaços acadêmicos, institucionais e educacionais, estabelecendo marcas de uma negritude comprometida a resistir e ocupar lugares em que seus saberes, de fato e de verdade, sejam incorporados às propostas de entendimentos sociais, em um Brasil racializado.

Palavras- chave: negritude, saberes, movimento negro, racismo.

 A educação das relações étnico-raciais não está de todo ausente das teorias educacionais do século XXI, mas aparece de forma simples, rasa e ainda com a desconfiança institucional nos currículos escolares e universitários. Aparece como algo de deve haver como busca por uma reparação histórica em relação ao povo negro, no Brasil, e por força de Lei¹, como conquistas de Movimentos Negros que, na história, alcançaram lugares na Universidade.

 A Universidade lugar e espaço de produção, partilha e socialização de ciências e conhecimentos (e também como espaço de poder) oferta mecanismos para a apropriação de saberes  com a finalidade de formar o cidadão, em processos de ensino e aprendizagem que empoderam o educando para as vivências sociais e profissionais e na verdade para além disso.

É do ambiente acadêmico que vem todas as inovações e possibilidade de progresso científico e social, sempre nos processos de aprofundamento das pesquisas e a Educação como área de estudos e ciências conectadas diretamente com o desenvolvimento sociocultural da humanidade deve ser pensada no Brasil de movo a ofertar soluções, reflexões e questões a serem pensadas sobre uma sociedade radicalizada. Uma sociedade em que a marca da raça é um traço social de, de todo, não pode estar ausente dos debates teóricos educacionais.

  As teorias educacionais que grassaram no século XX, nasceram de uma Idade Moderna que parece não ter acabado com a tomada da Bastilha em 14 de julho de 1789 marco clássico entre os historiadores para o início a Idade Contemporânea, em um mundo que estava em constantes transformações  (HOBSBAWM, 2013). O triunfo da sociedade Liberal Burguesa foi o triunfo de teorias racistas, embora nos pareça um tanto colonial, mas a vitória do pensamento Iluminista não significou a vitória da diversidade social, sobretudo no que diz respeito ao referencial teórico e autores que, em sua maioria, se consolidaram como “bases” da cultura escolar e acadêmica ocidental.

A modernidade não caiu com o fim dos Estados Absolutistas clássicos, pois todas as suas constituições teóricas se mantiveram de pé e presentes nas mais variadas teorias educacionais que chegaram até o século XXI, embora algumas vislumbradas como ultrapassadas, mas não superadas pelo tempo. As correntes teóricas nascidas em um mundo que (nas aparências) se encontra distantes de nós não desapareceram. O Positivismo, o Marxismo, de certa forma os traços de um Evolucionismo e ideias eurocêntricas de progresso e o Empirismo na Ciência, formam todas as gerações cientistas sociais. 

Mesmo Jean Piaget, um  “clássico”, expoente e consolidador de toda uma cultura educacional ocidental que se torna um referencial nos escritos e estudos acadêmicos do século XX. Não foi capaz de contemplar visões contrárias à exclusão da diversidade racial na educação.

 O pensamento piagetiano apresenta toda uma pedagogia que necessitaria se sustentar em conhecimentos científicos com precisão com toda a necessidade “de conhecer o aluno” em sua totalidade humana. A raça como matriz social não é comtemplada por pensamentos como esses. Mas, deveria, uma vez que a educação no Brasil deve se dar com a realidade social em conexão com seus princípios e processos de ensino e aprendizagem.

O termo “ raça” passou a dividir o globo nos tempos das grandes navegações, nos séculos XV e XVI (mesmo que utilizado anteriormente),  nos eventos da expansão marítima europeia cujo principal objetivo era estabelecer a dominação de um continente  dominar outros povos, pautando invasões na inferiorização de seres humanos, mas foi no século XVIII que foi firmado como critério de “divisões”:

No século XVIII, a cor da pele foi considerada como um critério fundamental e divisor d’água entre as chamadas raças. Por isso, que a espécie humana ficou dividida em três raças estancas que resistem até hoje no imaginário coletiva e na terminologia científica: raça branca, negra e amarela. Ora, a cor da pele é definida pela concentração da melanina. (MUNANGA, 2004).

O racismo¹ como sistema sempre é reinventado estava se (ainda)  reinventando à nível global e enraizando-se nas mais variadas culturas com as quais os colonizadores tiverem contado, efetivando a inferiorização dos não brancos e promovendo visões de mundo pejorativas que se constituíram como legado depreciativo para povos como os brasileiros, hoje herdeiros inegáveis de um passado colonial comprometido para com a rejeição das raízes africanas e indígenas.

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Racismo: estrutura de poder baseada na ideologia da existência de raças superiores e inferiores. Pode evidenciar-se na forma legal, institucional e também por meio de mecanismos e de práticas sociais. (ROCHA, p.28,  2012.).

A educação no Brasil ainda segue tais princípios configurado como Estado-nação imperial em 1822, e depois como República, reinventou de diversas formas o racismo que conectou formas de discriminação a todo um sistema educacional que não contemplou os historicamente excluídos como cidadãos na plenitude do sentido de cidadania.

Negros e indígenas, foram deliberadamente rejeitados com e após o fim da escravatura, de toda e qualquer forma de educação, sobretudo estando presente na própria escola, o que não quer dizer a efetiva inclusão social. Diversidade e inclusão se separam, mesmo que dialoguem em muitas vertentes sociais. A questão de um negro estar no ambiente escolar não significa sua aceitação e valorização com todas as identidades que o legado afro-brasileiro lhe confere.

Lembrando o final do século XIX, a República recém-nascida não agregou o negro como cidadão e humano à sociedade. Ainda lhe restaram os rótulos e tratamentos de “bárbaro” e “selvagem”, como nos conta MATTOS:

Para a elite brasileira, o negro, por conta de seu “caráter bárbaro” e  “estado de selvageria”, era um  empecilho à formação de uma nação, pretendida o mais próximo possível da civilização. Portanto o negro deveria ser excluído da sociedade brasileira, sendo proibida a sua entrada no país. O ideal da evolução étnica brasileira seria a pureza da raça branca  . (MATTOS, 2012, p. 186).

Contudo, vem das resistências negras novas possibilidades para que a educação abarque a diversidade e contraponha-se ao racismo. O Movimento Negro se propõem educador, enquanto movimento social que, segundo DOMINGUE, podemos definir como sendo :

    A oposição à sociedade global (dominante) que gera a auto-afirmação existencial de qualquer grupo específico . Destarte, a identidade da comunidade negra foi construída de maneira contrastante à sociedade branca. Mas insistimos: a unidade na ação dos negros não anulava a diversidade que marcava a dinâmica interna, tanto desse grupo étnico quanto de qualquer outro. (DOMINGUES, 2003, p.312)

O Movimento Negro como fonte de novas teorias educacionais que necessitam ser pensadas e debatidas em reflexões profundas nas academias assume assim o caráter de Educador. Nilma Lino Gomes, em sua obra O Movimento Negro Educador : saberes construídos na luta por emancipação, apresenta novas possibilidades de se extrair da resistência organizada dos negros saberes que sirvam à universidade e a outros ambientes e sobre tal organização social, ela afirma:

Partimos do pressuposto de que o Movimento Negro, enquanto forma de organização política e de pressão social- não sem conflitos e contradições – tem se constituído como um dos principais mediadores entre a comunidade negra, o Estado, a sociedade, a escola básica, e a universidade. Ele organiza e sistematiza saberes específicos construídos pela população negra ao longo da sua experiência social, cultural, histórica, política e coletiva.(GOMES, 2017, p. 42).

A ausências de trato aprofundado sobre a negritude e a representatividade negra nas teorias educacionais, ou mesmo sua presença rasa nos currículos, são lacunas que podem ser devidamente preenchidas com os saberes emancipatórios que de fato e de verdade contemplem o protagonismo social negro na formação do Brasil e de duas identidades (GOMES,2017).

A autora reconhece o protagonismo negro na ocupação de espaços como os da produção científica, fazendo todo um histórico do Movimento negro no século XX, até chegar na fundação da Associação Brasileira dos Pesquisadores Negros, nos anos 2000:

Os intelectuais negros se organizam, em 2000, e fundam a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (e Negras)-ABPN, a qual é a responsável pela realização bianual do Congresso Brasileiro de Pesquisadores e Pesquisadoras Negras -COPENE. Nas universidades e faculdades organizam-se Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (NEABs), responsáveis pela realização de pesquisas, projetos de extensão, formação de professores, pelos debates políticos e acadêmicos sobre o acesso e a permanência de estudantes cotistas nas instituições de Ensino Superior. (GOMES, 2017, p. 70).

 A intelectualidade negra que se organizou em 2000, chegou lá com toda uma produção científica que as tradições da modernidade rejeitaram como propostas socias e educacionais durante o século XX. Mas o debate sobre uma sociedade racializada começou a ocupar espaços com grandes resultados:

O debate sobre quem  é negro e quem é branco invade a vida dos brasilieiros e das brasilieiras de uma forma diferente, extrapolando os espaços da militância e da discussão política (…) Uma nova visibilidade da questão racial e da identidade negra, de forma afirmativa, faz-se presente na literatura , nas artes no campo do conhecimento. Os diferentes grupos do Movimento     Negro passaram a ganhar mais espaço na cena pública e política, afirmando a identidade negra e sua complexidade.(GOMES, 2017, p. 70)

  Espaços ocupados para além de uma militância de rua ou meramente vislumbrada como algo pitoresco e cultural, uma vez que os debates com toda a complexidade das identidades negras foram potencializado a nível , político, científico e social. E é indo por esses caminhos que GOMES vai apresentar saberes produzidos pelo próprio Movimento Negro, denominado educador, como emancipatórios e pontos de rupturas com o que existe de “clássico” e eurocêntrico  da modernidade tomando por base o que ela vai chamar de vivencia da raça:

Trata-se de uma forma de conhecer o mundo, da produção de uma racionalidade marcada pela vivência da raça numa sociedade racializada desde o início da sua conformação social. Significa a intervenção social, cultural e política de forma intencional e direcionada dos negros ao longo da história, na vida da sociedade, nos processos de produção e reprodução da existência . Ou seja, não se trata de ações intuitivas, mas de criação, recriação, produção e potência. A vivência da raça faz parte dos processos regulatórios de transgressão, libertação e emancipação vividos pelos africanos e seus descendentes (GOMES, 2017, p. 67).

O Movimento Negro Educador pode em muito contribuir com a apropriação de novos saberes. Saberes corpóreos, identitários e políticos. Saberes que podem ser exploradas em cursos de graduação e pós-graduação nos campos da Educação e outros.  Tal apropriação de saberes nascidos das vivências sociais do negro no Brasil pela Universidade, poderia amenizar a curto prazo e eliminar em gerações as ações e manifestações racistas que ocorrem desde a primeira infância no ambiente escolar.

A exclusão do negro é algo real, e por falta de formação e apropriação de saberes, a maioria dos docentes não são protagonistas de qualquer tipo de intervenção contrária, como observou a Professora Petronilha Beatriz  Gonçalves Silva, em trabalho realizado sobre produções acadêmicas que tratam das questões raciais:

O “silenciamento” é uma das ações, atitudes, estratégias adotadas pela escola brasileira para o enfrentamento do racismo. Dessa forma, de um lado professores não costumam intervir diante de conflitos que agridem crianças negras, em virtude de sua raça/cor, de outro, recomendam aos alunos negros, quando hostilizados por sua cor/raça, que ignorem, finjam que a agressão não é dirigida a eles. Os referidos artigos ressaltam que há pouca ou nenhuma intervenção das professoras em relação às situações de rejeição e discriminação vividas pelas crianças. (SILVA,p131, 2018).

 O “silenciamento” mencionado (SILVA,2018) , trata das  posturas e aunsencias de manifestações por parte de docentes  diante dos desafios impostos pelo racismo, sendo algo transcendente à esfera pessoal, se convertendo em um verdadeiro   “silêncio” na sua forma institucional da escola e , também, da Universidade em âmbito de enfrentamentos que tratem de uma sociedade hierarquizada pelas marcas da raça, embora muitos a ignorem assim no ambiente acadêmico.

Formada para não agregar indivíduos de grupos sociais excluídos, a Universidade Brasileira  é uma instituição erigida com suas matrizes nas raízes racistas de uma nação que vai minando a obrigatoriedade de produzir  uma educação e uma cultura  antirracista².

O silencia em questão fere. Fere identidades e impede a ocorrência de busca por realidades melhores, no que diz respeito ao incentivo à juventude negra, de reivindicar (via educação) seus lugares sociais.

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Antirracismo: Termo que designa um movimento de rejeição consciente ao racismo e suas manifestações. (ROCHA, p.26, 2012).

A questão das Teorias Edu acionais que contemplem as vivências do negro é uma questão acadêmica que é  social, histórica e cultural em relação ao racismo, como já mencionamos até aqui mas também é identitária, sobretudo no que diz respeito à necessidades de se incluir os tipos de conhecimentos que contemplem toda uma diversidade social, respeitando e promovendo incentivos para o fortalecimento das mais variadas  identidades, visões de mundo e lugares na sociedade. Dessa forma o negro e sua negritude³  não serão  ignorados, tendo o protagonismo diverso como ponte para novos caminhos de se pensar o mundo.

A formação do professor nos remete a outro campo similar à escola. A Universidade até os dias de hoje corresponde a um espaço elitizado, incluindo seus currículos nos mais variados cursos superiores. Tal realidade secular deprecia com facilidade as heranças e saberes negros formadores do Brasil enquanto país fundado por diversos povos retirados da África em séculos de tráfico de seres humanos. O mesmo racismo que fundamentou as ciências, desde o século XVIII, é o racismo que se ressignificou nas entranhas acadêmicas.

Os profissionais saídos da universidade acabam , assim, por ingressarem em um mercado de trabalho onde também vigora o racismo. A Universidade e a escola são ambientes laborais que imprimem as mais variadas forma da discriminação racial e nesses

termos, gerações de docentes não compreenderam o papel social das dinâmicas de trabalho que implicam “no ser” professor e pesquisador: um profissional cujo resultado, não é visto,      e se segue em

 Em suma, em todo um processo de formação que deve ser de caráter permanente, no que diz respeito ao quadro de profissionais, a escola e a Universidade, devem se preparar para serem berços da educação antirracista, havendo incentivos do próprio sistema educacional para que os docentes encontrem ofertas amplas de novos saberes, conhecimentos e ciências que contemplem as relações étnico-raciais.

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  • Negritude. Postura de reverência aos antigos valores e modos de pensar africanos, conferindo sentimentos de orgulho e dignidade aos seus herdeiros. É, portanto, uma conscientização e desenvolvimento de valores africanos. A exaltação da negritude tem sido uma das propostas escolhidas pelos movimentos negros brasileiros para a elevação da consciência da comunidade, a fim de fortalecer a luta contra o racismo e suas mais diversas manifestações. (ROCHA, p.28, 2012).

Referências:

MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. In: Programa de educação sobre o negro na sociedade brasileira, 2004. Disponível em: https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2014/04/Uma-abordagem-conceitual- dasnocoes-de-raca-racismo-dentidade-e-etnia.pdf. Acesso em: 03 mar ago. 2023.

ROCHA, Rosa Margarida de Carvalho. Almanaque pedagógico afro-brasiliero- 3ª Ed.- Belo Horizonte: Mazza Edições, 2012.

SILVA, Fabriany de Cássia Tavares. Cultura escolar: quadro conceitual e possibilidades de pesquisa. Educar em Revista, Curitiba, n. 28, p. 201-216, Dec. 2006.   Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/er/n28/a13n28.pdf . Acesso em 26 mar. 2021

SILVA, Petronilha Beatriz G. Educação das Relações Étnico-Raciais nas instituições escolares. Educação em Revista, Curitiba, v. 34, n. 69, p. 123-150, jun. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/er/v34n69/0104-4060-er-34-69-123.pdf . Acesso em Acesso em: 03 mar. 2023. DOMINGUES, Petrônio. Uma história não contada: negro, racismo e branqueamento em São Paulo no pós-abolição. São Paulo: SENAC, 2004.

GOMES, Nilma Lino. O Movimento Negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: RJ, Vozes, 2017. 

GUIMARÃES, Carlos Magno.  Mineração, quilombos e Palmares: Minas Gerais no século XVIII. In:  REIS , João José. GOMES, Flavio dos Santos (Org.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil.-1ª  ed.- São Paulo: Claro Enigma,2012.

HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções-1789-1848-32ª  ed-Rio de Janeiro : Paz e Terra, 2013

MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira. 2ª  ed.- São Paulo: Contexto, 2012.

SILVA, Dinair Andrade da. Roteiro de análise de fonte primária – América Invertida. In: Histórias das Américas. Disponível em: https://historiasdasamericas.com/america-invertida/. Publicado em: 21/09/2021. Acesso: [Acesso em 05/08/2023.


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