RONDA MARIA DA PENHA DE MANAUS-PMAM: UMA POLÍTICA PÚBLICA NO COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10248310801


Karla Maia Barros1
Margareth Soares Abtibol2
Rebeca Dantas Dib3
Winder Jane Moreira Silva4
Sonia Darque do Nascimento Brandão5



RESUMO

Este artigo teve como objetivo investigar a efetividade da implementação da Lei Maria da Penha no combate à violência doméstica e familiar, buscando responder o seguinte problema: a Ronda Maria da Penha de Manaus PMAM tem se mostrado efetiva na prevenção da violência doméstica e familiar no contexto das medidas propostas para solucionar esse problema? Buscou-se analisar como o Ronda Maria da Penha de Manaus tem contribuído para a diminuição e a prevenção da violência contra a mulher. Objetivou-se especificamente destacar a importância da Lei Maria da Penha para o enfrentamento da violência de gênero; descrever o processo de operacionalização da Ronda Maria da Penha de Manaus PMAM; verificar a evolução da violência doméstica e familiar durante o período de atuação da Ronda Maria da Penha em Manaus. O método utilizado foi o método de abordagem dialético e das seguintes categorias de análise: Contradição (Barata, 2010; Konder, 1985) e Totalidade (Barata, 2010, Gamboa 1998). Quanto ao método de procedimento, a pesquisa utilizou-se da pesquisa bibliográfica e documental, procedendo-se à coleta e análise de dados acerca da implementação e dos procedimentos que a Ronda Maria da Penha de Manaus PMAM. Os principais teóricos que fundamentaram a pesquisa foram Mendonça (2022), Dias (2022), Sanches 92020). Os principais resultados alcançados dizem que a violência contra a mulher está longe de terminar, que a busca das vítimas por proteção do estado apresenta uma tendencia a aumentar, as políticas públicas ainda não conseguem dar conta da exigência da realidade que se apresenta, as políticas de acompanhamento às vítimas devem ser apoiadas de outras políticas públicas que incidam sobre a educação que tenham a capacidade de mudar a mentalidade em relação a igualdade entre homens e mulheres.

Palavras-chaves: Lei Maria da Penha, Violência doméstica, Ronda Maria da Penha

1. INTRODUÇÃO

Culturalmente, a mulher foi – e, infelizmente, ainda é – vista e tratada como ser inferior, tendo que ocupar uma posição de submissão. Dessa forma, a violência contra ela é considerada como natural, inevitável e às vezes necessária, tratando-se de uma ocorrência em que não se deve interferir por se tratar de um assunto privado.

Sendo assim, a sociedade em geral e os órgãos públicos nada tinham a dizer, nem a fazer, sendo tais problemas “resolvidos” por trás de portas fechadas. Até o século XX, havia leis na Europa que desculpavam a violência de homens contra mulheres e crianças no círculo doméstico. Ao longo do tempo, a crescente incorporação das mulheres às diversas esferas da vida social, laboral, cultural e política foi ganhando corpo, o que se intensificou com os ares da democracia em terras brasileiras.

Especialmente, a partir da segunda metade do século XX, a denúncia da violência contra a mulher no âmbito familiar tornou-se a principal luta dos movimentos feministas. No Brasil, porém, as mudanças para proteger as mulheres contra a violência ocorreram de forma muito lenta. Somente em 2006, com a Lei Maria da Penha (LMP), foram criadas políticas públicas para lidar com esse problema.

A grande modificação introduzida pela referida norma no tratamento jurídico-institucional reside na integração de uma perspectiva preventiva, e não simplesmente repressiva, sobre esse fenômeno. Entre outras inovações na lei, destacamos: uma definição ampliada de violência, que inclui violência psicológica, econômica e moral, além de violência física e sexual; a criação de serviços públicos multidisciplinares de acolhimento, incluindo assistência social e saúde, como albergues e abrigos, serviços de saúde especializados e centros especializados para mulheres; a determinação de medidas de emergência para a prevenção dos crimes mais graves e a proteção das vítimas; o aumento do custo da punição para o agressor; o fortalecimento das condições de empoderamento e segurança que permitam à vítima denunciar a violência a que foi submetida, graças à integração das intervenções da polícia, do Ministério Público, dos Defensores Públicos e dos Tribunais especiais de repressão e prevenção, entre outras.

A Lei Maria da Penha tornou-se referência no mundo todo, pois reflete o reconhecimento da violência doméstica e familiar como um problema de ordem pública. Ela garante que toda mulher, inclusive as mulheres trans, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, desfrutem de direitos fundamentais inerentes às pessoas humanas, garantindo oportunidades e instalações para viver sem violência, preservando sua saúde física e mental. Assegurando, assim, às mulheres condições basilares a uma existência digna e ao exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à educação, à cultura, a casa, ao acesso à justiça e etc.

Dessa forma, o Brasil tem sido pioneiro em oferecer novas respostas de policiamento à violência de gênero. Em 1985, foi instalada, no centro de São Paulo, a primeira delegacia da mulher do mundo. Administrada pela polícia civil, elas se multiplicaram em todo o país e foram imitadas em outros lugares, prometendo às mulheres um ambiente mais eficaz para denunciar abuso doméstico ou sexual do que as delegacias comuns. No entanto, seu papel na prevenção potencial da revitimização tem sido limitado por seu número relativamente baixo em relação ao tamanho do país e à concentração espacial nas áreas costeiras e metropolitanas.

A implementação da Lei Maria da Penha passa por vários projetos e Programas, tais como os projetos-piloto das Rondas Maria da Penha ocorreram em Porto Alegre. Iniciadas em quatro bairros de alta violência onde já operava um programa de policiamento comunitário. Minas Gerais e Rio Grande do Sul começaram a desenvolver projetos de policiamento de iniciativa própria, estimulados por estudos sobre a vitimização repetida para identificar a violência doméstica como uma prioridade de policiamento, onde foram propostas intervenções imediatas para que o agressor não se sentisse encorajado e as vítimas não ficassem mais vulneráveis. Também se inspirou nos protocolos de primeira e segunda resposta desenvolvidos pelas forças policiais britânicas na década de 1990 (MEDEIROS, 2022).

Em 2014, foi instituída a Ronda Maria da Penha da Polícia Militar do Amazonas, Manaus, inspirada no projeto da Patrulha Maria da Penha de Porto Alegre, diferenciando-se deste pelo fato de os/as policiais iniciarem o acompanhamento das mulheres quando ocorre a solicitação da medida na delegacia e não após a notificação ao agressor.

Nesse sentido, a presente pesquisa se debruça sobre o Programa Ronda Maria da Penha e tem sua relevância por buscar entender de que maneira o programa citado pode contribuir para a segurança da mulher amazonense, analisando-se a sua eficiência na diminuição dos ataques sofridos pelas mulheres, constituindo-se também uma oportunidade para a compreensão do processo que permeia essa atividade de policiamento. Devido à forma descentralizada da aplicação da lei no Brasil e no intuito de afunilar o campo de pesquisa, reduzimos nossa pesquisa à Ronda Maria da Penha da Polícia Militar do Amazonas (RMP-PMAM).  Apesar do pouco material publicado a respeito desse tema, seu estudo faz-se necessário pelo valor desta força policial no seu papel preventivo de policiamento comunitário. Buscamos assim responder ao seguinte questionamento: a Ronda Maria da Penha de Manaus PMAM tem se mostrado efetiva na prevenção da violência doméstica e familiar no contexto das medidas propostas para solucionar esse problema?

O objetivo geral desta pesquisa foi analisar como o Ronda Maria da Penha do Amazonas tem contribuído para a diminuição e a prevenção da violência contra a mulher. Quanto aos objetivos específicos da pesquisa buscou-se destacar a importância da Lei Maria da Penha para o enfrentamento da violência de gênero; descrever o processo de operacionalização da Ronda Maria da Penha de Manaus PMAM; verificar a evolução da violência doméstica e familiar durante o período de atuação da Ronda Maria da Penha em Manaus entre os anos de 2018 e 2022 e destacar os aspectos positivos e/ou negativos da implementação e continuidade da Ronda Maria da Penha em Manaus.

Para responder o problema e atingir os objetivos propostos, a investigação utilizar-se-á do método de abordagem dialético e das seguintes categorias de análise: Contradição (Barata, 2010; Konder, 1985) e Totalidade (Barata, 2010, Gamboa 1998). Quanto ao método de procedimento, a pesquisa será bibliográfica e documental, procedendo-se à coleta e análise de dados acerca dos procedimentos que a Ronda Maria da Penha de Manaus PMAM adota no desenvolvimento das ações, no intuito de verificarmos a evolução da violência doméstica durante o período de atuação da RMP-PMAM, bem como entender os aspectos positivos e/ou negativos da implementação e continuidade da referida política pública. Assim, quanto ao corpus de análise, foram coletados dados nos veículos de comunicação digital, em sites oficiais: Conselho Nacional de Justiça, Secretaria de Segurança Pública – SSP/AM, Fórum Brasileiro de Segurança Pública no período compreendido entre 2018 e 2022.

O texto está organizado em três partes, a introdução onde são apresentados os elementos essenciais da pesquisa, em seguida, o desenvolvimento com três subtópicos, que trata sobre a violência contra a mulher e as políticas públicas para o enfrentamento da violência contra a mulher, em especial, o Ronda Maria da Penha Manaus PMAM, a metodologia da pesquisa e a análise dos dados e resultados. Por fim, são expostas as considerações finais.

2 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E AS POLÍTICAS PÚBLICAS

Pode-se afirmar que ser mulher no Brasil pode se constituir ainda um sério fator de risco, conforme o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres/PNPM (2013). Segundo dados apresentados no referido documento, o Brasil está entre os 10 países com maior número de homicídios femininos e que, em sua predominância, os homicidas são pessoas próximas e com quem a mulher mantém um relacionamento afetivo.

Um panorama da violência contra a mulher é apresentado nos Anuários Brasileiro de Segurança Pública, os quais evidenciam um aumento gradativamente ascendente dos mais diversos tipos de violência descritas no Artigo 7º, incisos I a V, da Lei Maria da Penha.

Segundo o Anuário supracitado, o Poder Judiciário trabalha com o intuito de controlar o crescimento da violência contra a mulher, o que é demonstrado pelo aumento da concessão de medidas protetivas de urgência.

A partir das informações acima apresentadas, depreende-se que a concessão judicial de MPU não garante à mulher o direito de viver sem sofrer violência doméstica e familiar, sujeitando-se a eficácia dessa medida legal a outras providências como a fiscalização e controle por parte do Estado. Dessa forma, inúmeros projetos, programas e serviços foram sendo implementados no Brasil desde a promulgação da Lei Maria da Penha.

Passa-se a discorrer e discutir sobre essas políticas públicas destinadas às mulheres e como estas políticas se materializam na Ronda Maria da Penha Manaus – PMAM.

2.1 Revisitando o conceito de Políticas Públicas

Falar de Políticas Públicas implica focar naquele trabalho primordial realizado pelo governo para alcançar alguma transformação social. Segundo diversos autores, esse termo é de extrema relevância, uma vez que aponta um acúmulo de ações que são postas em prática com a finalidade de atender e/ou solucionar as demandas exigidas por um setor da cidadania. Nesse sentido, as políticas públicas são ações realizadas pelo poder público nas diversas áreas de sua atuação e diante de determinado problema ou reivindicação da sociedade (DIAS e MATOS, 2012). No entanto, além dessas considerações gerais, é preciso estabelecer precisamente o que são e para que servem as políticas públicas.

Para entender o que são políticas públicas, é preciso, inicialmente, diferenciar duas palavras: política e políticas. A primeira é entendida como relações de poder, processos eleitorais, confrontos entre organizações sociais e governo. A segunda tem mais a ver com as ações, decisões e omissões dos diferentes atores envolvidos nos assuntos públicos. Podemos levar em conta a seguinte definição de políticas públicas: “projetos e atividades que um Estado desenha e administra por meio de um governo e uma administração pública para objetivo de atender as necessidades de uma sociedade” (GONÇALVES et al., 2018). As políticas são o desenho da ação coletiva intencional; o resultado das decisões e interações que ela acarreta. Nesse sentido, as “Decisões governamentais que incorporam a opinião, a participação, a corresponsabilidade e o dinheiro de particulares, na qualidade de cidadãos votantes e contribuintes” (op. cit).

Dias e Matos (2012), por sua vez, referem-se ao conceito de políticas públicas em termos de políticas de Estado e, desta forma, sustentam ser um conjunto de ações ou omissões que manifestam uma determinada modalidade de intervenção do Estado em relação a um tema que atraia a atenção, o interesse ou a mobilização de outros atores da sociedade civil.

Por meio delas, as autoridades responsáveis pela administração do Estado utilizam os recursos disponíveis para solucionar um problema ou responder a uma demanda da população. São uma alternativa real para melhorar a qualidade de vida de um grupo específico de cidadãos, pois é a forma mais adequada, e até agora, a mais utilizada para transformar a realidade. As políticas públicas, portanto, são desenhadas e executadas pelos governantes. É importante ter em mente que, para sua implementação, é necessário primeiro definir os problemas a serem resolvidos. Nessa determinação, entram em jogo as visões dos governantes e as demandas dos cidadãos. A partir desse diagnóstico, analisa-se a viabilidade das soluções e, em seguida, as políticas públicas são refletidas nas ações governamentais. Estas práticas podem ser concretamente convertidas em formas de intervenção, regulação, revisão de prestações, representação etc.

Assim, elas objetivam beneficiar a comunidade como um todo e ser direcionadas, sobretudo, aos setores mais vulneráveis. É apenas um dos diversos instrumentos que existem para que o Governo se encarregue de promover uma vida plena para seu povo, com oportunidades de progresso e mudanças que garantam a proteção de seus direitos fundamentais. Uma de suas características mais evidentes é o trabalho conjunto que é realizado entre o Governo e outros atores para a execução de uma política pública, tanto na etapa de planejamento quanto na de implementação.

Embora seja verdade que cabe ao Estado a grande responsabilidade de conduzir o processo de resposta aos problemas públicos, ao convocar outros atores sociais, como a iniciativa privada e os próprios cidadãos, estes se posicionam como representantes do bem comum e agente do serviço à sociedade. Obviamente, esse processo implica que sucessivas posições sejam apresentadas pelo próprio Estado, diante de questões ou situações socialmente problemáticas.

Apesar desse grande protagonismo que o Estado detém, também há um imenso desafio e uma grande responsabilidade: convidar, comprometer, organizar e coordenar os demais atores da iniciativa privada e os cidadãos, não apenas para alcançar maior eficácia, mas para poder elaborar políticas públicas. Em uma verdadeira e intrincada rede de decisões, tomadas por diversos atores, inúmeras instituições, indivíduos distintos, partidos políticos, organizações sem fins lucrativos e grupos comunitários, entre muitos outros. Vista dessa forma, toda política pública se constitui em um processo de construção e mediação social entre o Estado e os diversos, distintos e diferentes grupos da sociedade.

Embora as políticas públicas sejam ações para melhorar a condição humana, solucionar iniquidades e corrigir ambientes, transformando o meio ambiente e melhorando a distribuição de recursos e riquezas, nem sempre elas incorporam esse louvável propósito, pois também podem ser utilizadas como máscara ou disfarce para esconder outras intenções diferentes e sombrias. Podem ser usadas como cortina de fumaça para esconder outras questões ou para disfarçar intenções escusas, sendo importante saber mais sobre essa ação que está sendo tomada, lembrando que “decisões e análises sobre política pública implicam, em linhas gerais, responder as questões: quem ganha o quê, por que e que diferença faz.” (LASWELL, apud. SOUZA, 2022). Sabe-se que toda decisão de política pública produz vencedores e perdedores, pois pensar que é possível adotar medidas sem afetar interesses e valores, sem gerar resistências, é uma falácia. Obviamente, esta evidência deve servir como advertência e não como um argumento para a paralisia da tomada de decisão.

2.2 Políticas públicas para o enfrentamento da violência contra a mulher

Há algum tempo, o debate sobre a violência contra a mulher descreveu um caminho para diversas propostas e ações de atenção, de punição e de erradicação da mesma. Embora ainda ocorra e a violência seja permanente no contexto social, vale dizer que muito recentemente começaram a tornar-se visíveis ações de enfrentamento. Na perspectiva de gênero, reconhece-se esse tipo de agressão como uma construção social e, nesse sentido, diversos setores da sociedade participam na modificação de tais condições, se organizando e formulando políticas públicas para sanar esses problemas.

O sistema geral de proteção tem por endereçado toda e qualquer pessoa, concebida em sua abstração e generalidade. Por sua vez, o sistema especial de proteção realça o processo de especificação do sujeito de direito, que passa a ser visto de forma concreta e específica, pois determinados sujeitos de direitos, ou certas violações de direitos exigem uma resposta diferenciada. Importa o respeito à diversidade e a diferença, assegurando-se um tratamento especial (SANCHES, 2020, p. 115).

No Brasil, a década marcante do enfrentamento da violência contra a mulher é a de 70. Dentre os fatores que culminaram para isso, um dos mais marcantes foi o assassinato de Ângela Diniz pelo companheiro em Búzios (RJ). No seu julgamento, foi absolvido ao alegar autodefesa da sua honra. Evidentemente, esse não foi o primeiro crime com essa alegação. Porém, foi um dos primeiros a causar uma grande comoção social e uma mobilização do movimento feminista exigindo o fim da impunidade costumeira de espancadores e assassinos de esposas. O movimento se espalhou para outras grandes cidades do país, dando visibilidade à prática secular da violência contra a mulher. Utilizavam como slogan “Quem ama não mata”, pois o assassino de Ângela Diniz, Doca Strett, justificou-se dizendo amá-la demais e por isso não aguentou a traição dela.

Observa-se que na década de 70, era muito comum a prática de homicídios passionais por parte dos maridos contra as suas esposas, principalmente quando desconfiassem ou presenciassem um ato de adultério, sendo eles normalmente absolvidos ao serem julgados pelo Tribunal do Júri, uma vez que os jurados facilmente se compadeciam do esposo que fora vítima da infidelidade da esposa, sendo considerada a atitude da mulher uma verdadeira afronta aos direitos do marido, pois ela era considerada uma propriedade de seu cônjuge e não poderia faltar-lhe com respeito. Para a sociedade patriarcal, a mulher que cometesse o adultério deveria morrer, como forma do marido traído lavar a sua honra, por isso por muito tempo sustentou-se nos julgamentos de homicídios passionais no plenário do Tribunal do Júri a tese defensiva da legítima defesa da honra, como forma de culpar a mulher pelo ato de seu marido ceifar-lhe a vida, simplesmente pela desconfiança, ciúmes, ou até mesmo por não aceitação do término de um relacionamento (RUBIM et al 2016, p. 5, apud MENDONÇA, 2022).

O feminismo político da década de 1970 foi progressivamente mudando seu foco, primeiramente, ligando-se à luta de classe aos poucos, sendo assim substituída a temática da violência contra a mulher, dando origem ao SOS – Mulher, grupo que apoiava mulheres vítimas de violência doméstica. Tornou-se uma força política exigindo a introdução de medidas para parar com a impunidade dos “crimes de honra”.

O governo traduziu as demandas em mudanças legais, judiciais e institucionais destinadas a responder à violência. No decorrer dos debates, alguns resultados foram sendo apresentados como a criação das Delegacias de Defesa da Mulher ou Delegacias Especiais de Atenção à Mulher (DEAMs), criada em São Paulo, em 1985, e em outras cidades do país. Porém, mesmo que o Brasil tenha ratificado, em 1984, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a Declarationon the Elimination of Violence Against Women – Cedaw, é forçoso reconhecer que o país demorou a implementar mudanças reais. Somente na Constituição de 1988, a igualdade de gênero tornou-se uma garantia.

Importante destacarmos também a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, ocorrida no Brasil, em Belém do Pará, no ano de 1994. Nascia ali o primeiro texto convencional internacional voltado especificamente para tratar dessa violação de direitos humanos e o primeiro tratado em que se estabeleceu a responsabilidade do Estado por falta de devida diligência. Em 2002, a sociedade civil organizada, incluindo algumas das feministas de base, apresentou múltiplas estratégias e campanhas, com apoio da ONU, para promover a efetiva adoção do direito internacional pelo governo brasileiro (AQUINO, 2000).

Podemos afirmar que até a publicação da Lei Maria da Penha, que será abordada no tópico seguinte, a violência doméstica contra a mulher não tinha a devida importância por parte da sociedade, do legislador e nem mesmo do judiciário brasileiro. As situações de agressão sofridas pelas mulheres, por pouco mais de dez anos e até 22 de setembro de 2006, quando entrou em vigor a Lei Maria da Penha, estavam sob a jurisdição dos Juizados Especiais Criminais, Lei n. 9.099/95, classificando tais casos de violência como crimes de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima era de até dois anos de reclusão, com possibilidade de comutação da pena para lei restritiva, como pagamento em dinheiro, em cestas familiares, não era prevista a prisão preventiva por crimes de violência doméstica e nem a prisão em flagrante. (MENDONÇA, 2022)

A criminalização da violência contra a mulher no Brasil é bastante recente. Foi somente com a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), com status ministerial, em 2003, que uma política nacional de enfrentamento começou a ser elaborada e implementada. Mas, sem dúvida nenhuma é a Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, que criminaliza de fato as agressões contra a mulher. Até os anos 2000, as políticas brasileiras de enfrentamento eram centradas nas DEAMs e Abrigos Femininos. Em suma, era uma política fragmentada e assistencialista, sem um órgão federal com recursos e autoridade necessários para executá-la, sendo que “Uma política social voltada para a eliminação da violência de gênero necessita superar o caráter descontínuo que tem caracterizado as políticas públicas no Brasil”. (ALMEIDA, 2007, 36)

Há também a Lei do Feminicídio, de 2015, que qualifica os crimes de homicídio a partir de uma variável de gênero, levando a mudanças no Código Penal Brasileiro. A lei inclui o feminicídio entre os “crimes hediondos”, expressão usada no direito brasileiro para designar os crimes com penas mais agravadas.

Os processos sociais e políticos que possibilitaram a existência dessas leis certamente perduram até os dias de hoje, pois sua aplicação implica mudanças comportamentais nos operadores do direito, bem como em um conjunto de ações que envolvem o Estado e diferentes atores sociais. Do ponto de vista da sua eficácia, os debates públicos sobre a aplicação dos instrumentos jurídicos conduziram, sobretudo, no caso da “Lei Maria da Penha”, a uma diminuição, ainda que tímida, dos casos de violência contra a mulher.

2.2.1 Lei Maria da Penha

A Lei 11.340/2006, conhecida em todo mundo como Lei Maria da Penha, foi inspirada na luta da biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes. Em 1983, na cidade de Fortaleza, Ceará, ela foi alvo de dois ataques contra sua vida. No primeiro ataque, seu marido atirou nela enquanto ela dormia em seu quarto. O tiro atingiu a terceira e a quarta vértebras torácicas, causou laceração na dura-máter, destruiu um terço da medula, deixando-a paraplégica. O marido contou aos policiais que o casal fora vítima de um assaltante, tendo aquele apresentado também ferimentos. Depois de quatro meses do primeiro atentado e de volta para casa, é mantida em cárcere privado. Na nova investida do cônjuge para assassiná-la, ele tentou eletrocutá-la no banheiro, falhando novamente. Este fato confirma o desejo do marido de se livrar dela. Fez a denúncia, mas, ele permaneceu foragido até 1998, apesar de duas condenações, uma em 1991 e outra em 1996, pelo Tribunal do Júri do Estado do Ceará. E, como muitas vezes acontecia naquela época, a atenção dedicada ao caso pela polícia, pelo sistema penal, não foi a adequada e levou à impunidade. O marido de Maria permanecia livre. E o governo brasileiro permaneceu em silêncio durante todo o processo e não apresentou resposta.

Maria da Penha Maia Fernandes denunciou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) a inoperância da(s) autoridade(s) pública(s) no seu caso, por não terem adotado medidas efetivas para processar e punir o agressor. Este fato representou uma espécie de evidência de um padrão sistemático de omissão e negligência em relação à violência doméstica e familiar contra a mulher brasileira. Em 2001, dezoito anos após o cometimento dos crimes contra Maria da Penha, em decisão inédita, a Comissão Internacional dos Direitos Humanos responsabilizou o Brasil por sua omissão, negligência e tolerância em relação à violência doméstica contra a mulher brasileira. Em resposta a isso, o governo brasileiro, em 2006, promulgou uma lei sob o nome simbólico Lei Maria da Penha sobre Violência Doméstica e Familiar, sendo esse o motivo pelo qual o referido instituto legal restou assim conhecido.

A Lei n. 11.340/2006 tem como objetivo amparar e proteger a mulher vítima de violência doméstica e buscar mecanismos para coibir esse tipo de violência. Seu artigo 2º afirma que toda mulher, independentemente, de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social

Nesse diapasão, Spanemberg (2018) assevera que a referida lei precisa ser analisada quanto a alguns aspectos, inclusive, em relação à identidade de gênero, já que ao trazer a expressão mulher, o termo em questão abrange também travestis e transexuais. Avançando no tema, o autor supracitado esclarece que ainda ocorre no ordenamento jurídico brasileiro dificuldade na aplicação da referida norma em se tratando de transexuais e travestis, pois existe uma confusão operada entre os conceitos de sexo e orientação sexual, o que acaba criando uma situação de insegurança jurídica muito prejudicial para as mulheres trans, o que, de certa forma, afigura-se como reflexo da falta de preparo de profissionais do poder judiciário e legislativo.

A Lei em seu artigo 4º especifica que, na interpretação, foram considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

No campo penal, segundo Machado e Guaranha (2020), a lei transformou a violência doméstica em uma circunstância agravante (art. 61, II, f, do Código Penal), e criou uma causa de aumento de pena para as lesões corporais praticadas em ambiente doméstico, alterando a pena de seis meses a um ano de detenção para três meses a três anos de detenção (art. 129, § 9º, do CP).

Para Machado e Guaranha (2020), essa Lei representa uma inovação no ordenamento jurídico brasileiro:

Por conjugar ações de proteção, punição e prevenção, caracterizando uma política pública de caráter integral de enfrentamento à violência contra a mulher. Multifacetada, a lei introduz mudanças de várias ordens – no conceito de violência e de família, no tratamento penal dos casos, na estrutura do aparato institucional (a criação dos juizados especiais de violência doméstica, a rede de atendimento às mulheres), no tratamento dado às vítimas e nos instrumentos disponíveis para sua proteção. (GUARANHA, 2020, p. 4)

É, portanto, esta lei um pacote legislativo inovador e abrangente inspirado em convenções internacionais e em perspectivas feministas sobre a violência contra a mulher e os meios para enfrentá-la e preveni-la, ampliando o conceito de violência ao reconhecer suas diferentes formas, como violência física, sexual, psicológica, moral e patrimonial. E o conceito de família, reconhecendo as uniões do mesmo sexo.

E embora a Lei n. 11.340/2006 tenha avançado quanto à proteção da mulher, é imprescindível que se tenha em mente que não cabe apenas ao Estado a responsabilidade de desenvolver e implementar políticas públicas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas, mas a familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, conforme disposto no artigo 3º, § 1º, da Lei n. 11.340/2006.

Claro que o texto legal não é suficiente e nem funciona como único inibidor de crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, mas no intuito de tornar as políticas implementadas pelo Estado eficientes e eficazes para os fins aos quais se destinam, sanções pelos descumprimentos das medidas protetivas de urgência foram implementadas em 2018.

A lei n. 13.641/2018 incluiu na Lei 11.340/2006 o artigo 24-A, que trata do descumprimento das medidas protetivas de urgência, cuja pena prevista é de detenção de 3 (três) meses a 2 (dois) anos:

§ 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.

§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.

§ 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis. (Lei 11.340, art. 24-A, 2006).

As medidas protetivas de urgência são mecanismos legais que visam proteger a vida e a integridade das mulheres. Dessa forma, o legislador não errou ao prever as sanções descritas acima.

O artigo 22 da Lei 11.340/2006 prevê quatro tipos de medidas protetivas de urgência, se caso for constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, podendo o juiz aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, a suspensão da posse de armas de fogo, afastar o homem do lar ou local de domicílio da ofendida, proibir a aproximação da ofendida, familiares e testemunhas, frequentar lugares que a vítima habitualmente frequenta e prestação de alimentos para a vítima e dependentes. Observa-se que o legislador ainda determina o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação, bem como o acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual ou grupo de apoio.

Importante observar que as medidas protetivas de urgência previstas no art. 22, § 1º não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público. 

Nesse contexto de proteção da mulher no âmbito da violência doméstica e familiar, não se definem apenas medidas punitivas contra os agressores, mas também medidas protetivas e assistenciais no atendimento às vítimas, além de importantes medidas preventivas em geral, entre elas, o monitoramento da implementação da legislação. Além de tais medidas, as redes de apoio às vítimas de abuso que prestam assistência a elas e seus filhos, inclusive por meio da reabilitação de agressores, como o caso das Rondas Maria da Penha, forças policiais que dão suporte em todo o processo, configuram-se como políticas públicas, sendo a seguir abordadas.

2.2.2 Redes de apoios para o atendimento às Mulheres Vítimas de Violência Doméstica: Patrulhas, Rondas ou Guardiãs Maria da Penha

Dias (2022) aponta que a preocupação com a segurança da mulher em situação de violência doméstica e familiar deve ser máxima por parte dos órgãos públicos, em especial aos componentes da rede de assistência e de apoio a mulher haja vista que esta violência tem perverso efeito multiplicador, pois suas sequelas não se restringem à pessoa da ofendida. Comprometem todos os membros da entidade familiar, principalmente os filhos, que terão a tendência de reproduzir o comportamento que vivenciam dentro de casa.

A atuação do Poder Público na busca de amenizar a violência contra a mulher deve incluir uma série de políticas públicas, serviços e projetos simultâneos que envolvam os mais diversos órgãos. Chama-se esse conjunto de Rede Especializada de Atendimento à Mulher ou Rede de apoio que incluem, no Brasil, segundo o site do Senado (2022): Centros de Atendimento Especializado de Atendimento à Mulher, Casas-Abrigo, Casa de Acolhimento Provisório, Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher – unidades da PC, Núcleos ou Postos de Atendimento à mulher nas delegacias comuns, Defensorias Públicas e Defensorias da Mulher (especializada), Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Promotorias e Promotorias Especializadas, Casa da Mulher Brasileira, Serviços de Saúde Geral e Serviços de Saúde voltados para o atendimento dos casos de violência sexual e doméstica. Esses serviços são realizados por diversos órgãos, tais como Entidades jurídicas, policiais, de saúde, entre outros.

O conceito de redes de apoio ou apoio social tem sido utilizado e trabalhado de diversas formas, e envolve a interação de um ou mais grupos dos quais o sujeito faz parte. Essas redes são entendidas como a união, apoio e interação entre pares ou grupos que exercem influência positiva, melhorando a adaptabilidade para lidar com situações, momentos ou conflitos que geram desconforto no curto prazo (MENDONÇA, 2022)

É o caso das Rondas Maria da Penha, força policial que passou, então, a acompanhar as vítimas como estratégia de proteção. Há que salientar que esse modelo ainda é novo e não possui vasta literatura sobre o tema, apesar de as patrulhas policiais ou rondas comunitárias já existirem há muito tempo. Mas, diretamente ligadas à violência doméstica e à proteção da mulher, é uma novidade. No ano 2000, em New Haven, Connecticut, Estados Unidos da América, teve-se o primeiro projeto de visitas domiciliares para o combate à violência doméstica. O atendimento de uma equipe, composta por policiais, médicos, psicólogos e um assistente social especializado em traumas, era realizado até 72 horas após a denúncia à polícia.

Em 2012, a polícia de Chula Vista, Califórnia, Estados Unidos da América, implementou um “protocolo de resposta gradual” para incidentes domésticos, com objetivo de evitar intervenções diretas da justiça criminal e, em vez disso, mudar as normas e o comportamento do casal com mensagens educacionais, advertências escritas, visitas de acompanhamento pessoal a suspeitos e vítimas e solução personalizada de problemas. O método californiano surtiu efeito diminuindo em 24% as agressões. O que sinaliza que é a natureza e os procedimentos detalhados do acompanhamento policial com vítimas e agressores que realmente importam, um ponto amplamente demonstrado pelas patrulhas do Maria da Penha.

Esse mecanismo de defesa surge da necessidade de proteger maior número de vítimas e também prevenir os abusos. É esse seu principal objetivo, além de juntar forças com as delegacias dedicadas exclusivamente ao atendimento de crimes contra a mulher, aos centros de referência e abrigos temporários para mulheres e as linhas diretas de violência doméstica. Essas redes desempenham um papel fundamental no processo de enfrentamento ou saída da situação de violência. Seja com redes de apoio formais tomando medidas legais, ou com redes de apoio informais onde possam explanar suas dores. Também fornecem suporte emocional e tendem a se envolver na denúncia do fato.

No estado do Amazonas, a Secretaria Executiva de Políticas para a Mulher, criada pela lei nº 3.873, de março de 2013, transferida para a estrutura da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania, pela lei Nº 4.163, de 09 de março de 2015, é o órgão estatal que tem a finalidade de planejar, coordenar e articular a execução de políticas públicas para as mulheres.

Em seu regimento, compete à Secretaria de Políticas para as Mulheres, dentre outros: coordenar as atividades do Serviço de Apoio Emergencial à Mulher – SAPEM, do Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher – CREAM e da Casa Abrigo Antônia Nascimento Priante e:

(…) articular em rede com as instituições públicas e privadas envolvidas com os direitos das mulheres, estratégias de adiantamento e busca de informações para qualificar as políticas públicas a serem implantadas no Estado; executar as ações do Plano Estadual de Políticas para as Mulheres; prestar assistência aos programas de capacitação, formação e de conscientização da comunidade, no que se refere às questões de gênero, Lei Maria da Penha e os serviços de atenção à mulher; dar suporte aos Municípios para a efetivação de políticas para as mulheres; realizar oficinas populares em associações, escolas, universidades, instituições de saúde e outros, sobre a Lei Maria da Penha e serviços de atenção à mulher; executar convênios firmados junto à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – SPM/Presidência da República. (AMAZONAS, SEJUSC).

Dentre as ações públicas que fazem parte da rede de proteção à mulher em Manaus, destaca-se nesta pesquisa a Ronda Maria da Penha da Polícia Militar do Amazonas (RMP-PMAM) que visa à proteção de mulheres em situação de violência doméstica através da fiscalização do cumprimento de medidas protetivas decretadas pela justiça.

Esse projeto nasceu inspirado no programa “Patrulha Maria da Penha”, em vigor no Estado do Rio Grande do Sul desde o ano de 2012, operacionalizado pela Brigada Militar que tem como finalidade a fiscalização das medidas protetivas de urgência solicitadas ao Poder Judiciário e a proteção das mulheres em situação de vulnerabilidade, com viaturas identificadas e policiais capacitados – com treinamento, identificação e sensibilização para as questões de gênero e violência doméstica –  e destacados exclusivamente para tal mister.

O projeto RMP-PMAM foi implementado em 2014, mediante a Portaria da Secretaria de Segurança Pública n. 0192/2014-GS/SSP. Inicialmente, estava sediado na 27ª Companhia Interativa Comunitária (CICOM), na Zona Norte de Manaus, passando a abranger, a partir de maio de 2015, a 13ª CICOM, o que compreende, respectivamente, os bairros Novo Aleixo e Cidade de Deus, que segundo Nascimento (2013), apresentam um dos maiores índices de violência contra a mulher.  Desde 2018, passou a atender toda a cidade de Manaus, em face de o governo do Amazonas ter ampliado essa iniciativa, o que conferiu a ela status de programa. A Polícia Militar e a Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher (DECCM) da Polícia Civil vêm atuando desde então de forma conjunta.

Quando uma mulher realiza um registro de violência doméstica, os/as policiais da Ronda Maria da Penha são acionados/as pela própria delegacia e passam a patrulhar as áreas próximas à residência da mulher, zelando por sua integridade física e garantindo o afastamento do autor da violência. Também são realizadas visitas periódicas às casas das mulheres, o que acaba proporcionando um laço de confiança e aproximação entre a polícia e a comunidade.

3. ANÁLISE DOS RESULTADOS

Nesse item serão tratados e analisados os dados coletados para esse artigo. Cabe, porém, antes de apresentá-los, discorrer sobre as dificuldades de seguir o projeto original quanto a coleta desses dados. Inicialmente, foi programado que o corpus de análise seriam os relatórios anuais do Programa Maria da Penha da Polícia Militar do Amazonas. Foram realizados contatos verbal e informal com o órgão responsável, no entanto, à época que se oficializou a solicitação dos relatórios, soube-se que a direção do Programa de policiamento foi mudada, o que ocasionou uma nova dinâmica e o corpus outrora definidos para a presente pesquisa não seriam mais cedidos diretamente pelo Programa, mas somente com autorização do alto comando da Polícia Militar do Amazonas. Feitas as solicitações a esse comando, percebeu-se que a burocracia agora exigida não possibilitaria o acesso aos dados em tempo hábil para concluir a pesquisa no prazo.

Apesar do impasse, foi possível manter a metodologia proposta inicialmente de realizar pesquisa documental, posto que a coleta dos dados foi redefinida e foi realizada em outras fontes documentais disponíveis nos meios digitais como: Painel de monitoramento das Medidas Protetivas de urgência da Lei Maria da Penha (CNJ/DataJud); site da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas – SSP-AM; Fórum Brasileiro de Segurança Pública e matérias jornalísticas sobre o Ronda Maria da Penha – PMAM.

Os dados encontrados reafirmaram a realidade de uma sociedade patriarcal onde a mulher ocupa uma posição subalterna e de exploração, dados os números de violência a que estão submetidas. No Painel de monitoramento das Medidas Protetivas de Urgência da Lei Maria da Penha, encontra-se informações enviadas pelas 27 unidades federativas do Brasil com a possibilidade de aplicar às buscar vários filtros: Tribunal, grau, ano de ajuizamento, ano decisão, classe assunto e movimento. No quadro abaixo apresenta-se as decisões de MPUs registradas no Painel ao longo dos anos de 2020 até abril de 2023 no Brasil.

Quadro 1 Total de Decisões de Medidas Protetivas no Brasil – 2020 a 2022

Fonte: https://medida-protetiva.cnj.jus.br/

Em 3 anos e 4 meses foram um milhão quatrocentas e cinquenta mil trezentas e vinte seis decisões de medidas protetivas registradas no CNJ/DataJud, segundo dados enviados pelos tribunais das 27 unidades federativas do Brasil. Apesar dos números impressionantes, sabe-se que eles não representam a realidade, posto que muitas mulheres ainda não se sentem acolhidas para denunciar seus agressores.

Uma constatação sobre esta primeira fonte são os poucos resultados alcançados para diminuir a violência doméstica ocasionados pela Lei Maria da Penha. Passados quase 17 anos de sua promulgação, a criação deste banco de dados sobre a violência doméstica deu-se somente 14 anos após a publicação da Lei. Pode-se dizer que é um avanço, embora tardio, considerando-se que para melhor criar políticas públicas eficazes, faz-se necessário conhecer a real situação da violência doméstica no Brasil.

Por outro lado, é possível deduzir que a cada ano há um avanço social no sentido de que as mulheres vítimas de violência têm buscado os órgãos responsáveis para denunciar seus agressores, o que se confirma no gráfico 1.

O gráfico 1, elaborado com dados extraídos no Painel de Monitoramento de Medidas Protetivas da Lei Maria da Penha, referem-se aos números do estado do Amazonas no período compreendido entre 2020 e fevereiro de 2023. Na busca pelos dados do estado do Amazonas, foram utilizados 3 filtros: tribunal, ano e movimento. Nesse último filtro, há subfiltros: Concessão, concessão em parte, homologação determinada por autoridade policial, não concessão, revogação e revogação determinada por autoridade policial. Optou-se pelos subfiltros Concessão e concessão em parte

Gráfico 1 Decisões de medidas protetivas no Amazonas 2020 a 2023

Fonte: https://medida-protetiva.cnj.jus.br

No total do período de 2020 a 2023 foram 33.877 decisões de medida protetiva no Amazonas, sendo 28.392 concessões, 543 concessões em parte e 4.942 de outras espécies de decisões. Dados de anos anteriores sobre o quantitativo das decisões de medidas protetivas no Amazonas não foram encontrados já que 2020 é o ano inicial do Painel de Monitoramento de Medidas Protetivas.

          Buscou-se informações sobre o quantitativo de Medidas Protegidas concedidas nos anos anteriores de 2018 e 2019 nos 1º, 2º e 3º Juizados Especializados no Combate à Violência Doméstica Contra a Mulher do TJAM mas não se obteve nenhuma resposta à solicitação nos 1º e 2º Juizados e o 3º Juizado respondeu que o meio para obter tais dados “é no link já mencionado no e-mail anterior (Plataforma do CNJ), uma vez que os dados internos são protegidos por segredo de justiça”.

          Importante retomar aqui a relação das Medidas Protetivas de Urgência concedidas pela Justiça e a Ronda Maria da Penha da Polícia Militar do Amazonas para poder analisar essa política pública. Segundo o Portal da Polícia Militar do Amazonas, a Ronda Maria da Penha garante o cumprimento das Medidas Protetivas de Urgência fazendo acompanhamento às vítimas garantindo a sua proteção e de sua família, dissuadindo e reprimindo o descumprimento de Ordem Judicial e procedendo aos encaminhamentos das vítimas à Rede de Atendimento à Mulher Vítima de Violência Doméstica.

Como já mencionado no início desse tópico, os dados sobre o acompanhamento às vítimas com medida protetiva de urgência realizado pelo policiamento Ronda Maria da Penha foram obtido por meio das informações disponibilizadas em matérias jornalísticas e no Painel de indicadores criminais – mulheres vítimas de violência doméstica da Secretaria de Segurança Pública do estado do Amazonas – SSP-AM, dada a dificuldade de acesso direto aos arquivos/relatórios anuais do Policiamento Ronda Maria da Penha.

Sendo assim, na sequência serão expostos os dados obtidos em matéria publicada em 23 de agosto de 2021 pela SSP foi obtido o quantitativo de mulheres acompanhadas pelo Ronda Maria da Penha de janeiro a julho do mesmo ano:

De janeiro a julho deste ano, 842 mulheres receberam acompanhamento do Ronda Maria da Penha, da Polícia Militar do Amazonas (PMAM), em Manaus. Atuando em toda a capital amazonense, o policiamento especializado é voltado à defesa da mulher vítima de violência doméstica e familiar. (https://www.ssp.am.gov.br, 23 de agosto de 2021).

            Na mesma matéria obteve-se a quantidade de mulheres que estavam sendo acompanhadas a ocasião da publicação da matéria, que afirmava “Atualmente, nós temos 179 acompanhadas, que são aquelas mulheres que já têm a medida protetiva deferida e que a gente realiza a fiscalização, no sentido de persuadir o agressor para que ele não volte a se aproximar dela”, totalizando 1.021 mulheres que foram acompanhadas de janeiro a agosto de 2021.

             A partir dessa matéria infere-se que a mulher tem um período no Programa de policiamento. Não é possível, com os dados coletados discorrer sobre os critérios para a mulher deixar de receber o policiamento, pode-se afirmar tão somente que ela fica por um período, veja-se que das 1.021 mulheres com medida protetiva acompanhadas em 2021, no mês de agosto estavam sendo assistidas 179 delas. Quanto aos dados de setembro a dezembro de 2021 sobre o quantitativo de mulheres acompanhadas pelo Ronda, não disponibilizados na página da SSP-AM e não foram encontradas em nenhum outro meio.

Ao comparar os dados da SSP-AM e os dados do CNJ relativos ao ano de 2021, fica evidente que as políticas públicas estaduais para garantir os direitos adquiridos pela mulher ao ter concedida uma Medida Protetiva de Urgência não estão de fato resguardados. Foram concedidas 8.956 medidas protetivas e entre janeiro e agosto de 2021 apenas 1.021 mulheres tiveram acompanhamento. A diferença seria diminuída se tivéssemos obtido os acompanhamentos realizados nos últimos 4 meses de 2021, ainda assim, pode-se concluir que a demanda é muito maior do que o patrulhamento Ronda Maria da Penha pode acompanhar.

Em outra matéria publicada em 28 de setembro de 2021 no site da SSP, por ocasião do aniversário de 7 anos do policiamento Ronda Maria da Penha, lê-se que

Em sete anos, o Ronda Maria da Penha contabiliza o suporte a 3.436 mulheres que sofriam algum tipo de abuso de seus companheiros ou familiares. No ano passado, houve o recorde de mulheres assistidas, com 1.086 ao longo dos doze meses. (http.www.ssp.am.org.br, 2021)

Em 30 de setembro de 2022, em matéria também do site da SSP, por ocasião do aniversário de oito anos do policiamento, a atuação do Ronda Maria da Penha dá um salto do número 3.436 de mulheres acompanhadas em sete anos para 15.000 atendimentos em oito anos: “atuando como mecanismo de defesa no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher na capital amazonense, o programa contabiliza mais de 15 mil atendimentos durante este período”.

Infere-se desses últimos números que não se trata de acompanhamento direto às mulheres com medida protetiva de urgência e que a forma de registrar as estatísticas tenha sido diferente da realizada nos sete anos anteriores. É o que se confirma neste trecho da matéria:

Somente nos últimos 30 dias, as equipes do RMP realizaram 5.431 ações dos mais diversos tipos, dentre elas 88 prisões. Já o número de registros de Boletins de Ocorrência (Bos) ultrapassa 1.330. Com relação ao trabalho de conscientização, somam-se 50 palestras ministradas pelas equipes da RMP, dentre outros números. (http.www.ssp.am.org.br, 2022).

Outro dado controverso encontrado na matéria de 30 de setembro de 2022 diz respeito a não ocorrência de feminicídios ao longo dos oitos anos de implantação do patrulhamento em casos de mulheres que receberam acompanhamento da Ronda Maria da Penha: “Temos satisfação em dizer que, entre as nossas mulheres acompanhadas pelo programa, nenhuma foi vítima de feminicídio. Isso porque a mulher que tem orientação e suporte do Estado, ela consegue romper o ciclo da violência e dizer não à violência, conseguindo assim levar uma vida tranquila e segura”, disse.

Diz-se controverso por três motivos: primeiro porque nas estatísticas da violência do site da SSP-AM apresenta um entre os doze casos de feminicídio ocorrido em 2022 como sendo um caso de descumprimento de medida protetiva de urgência. 

Os dois outros motivos de controvérsia da declaração sobre o feminicídio feito na matéria jornalística em análise está relacionado com o gráfico a seguir elaborado com dados coletados nos Anuários Brasileiro de 2019 e 2021 (referentes aos anos 2018 a 2021) e no site da SSP-AM (dados de 2022, ainda não consolidados no Anuário de 2022 que será publicado em setembro de 2023). Veja-se os números:

Gráfico 2 Feminicídios no Amazonas de 2018 a 2022

Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública – 2019 e 2021 e SSP-AM 2022

Pode-se concluir que um número significativo de mulheres ainda não recorre a solicitação de Medida Protetiva de Urgência, ou se recorreu, não recebeu o acompanhamento devido do policiamento Ronda Maria da Penha, posto que ao longo dos anos de 2018 a 2022 ocorreram 67 feminicídios e somente uma mulher estava recebendo acompanhamento do Ronda, segundo site da SSP-AM. Isto leva a outra conclusão possível: um número muito maior de mulheres estão sofrendo violência doméstica e chegando a um fim trágico sem ter sequer acesso a Medida Protetiva de Urgência ou acompanhamento do Ronda Maria da Penha.

O terceiro ponto controverso é que os casos de feminicídios, mantém-se em crescimento ano após ano, como se pode visualizar no gráfico 2. Uma possível explicação que se pode considerar é que a Lei complementar 13.104/2015, conhecida como lei do feminicídio, por ser recente, ainda pode trazer dificuldades quanto a diferenciação do homicídio de pessoas do sexo feminino e o feminicídio e, gradativamente esteja sendo feita a adequada tipificação.

Por outro lado, não é somente o feminicídio que tem apresentado uma tendência a aumentar no Amazonas. O número de homicídios, a lesão corporal, ameaça e o estupro e estupro de vulneráveis de vítimas do sexo feminino e ameaças por número de vítimas do sexo feminino apresentam-se em números preocupantes. Além dos outros tipos de violência que apresentam uma baixa notificação como violência psicológica e patrimonial.

Segundo os Anuários Brasileiros de Segurança pública de 2018 a 2021 ocorreram no Amazonas 347 homicídios de pessoas do sexo feminino, sendo que em 2018 foram 89 e em 2022, 110 casos; em relação a ocorrências de lesão corporal dolosa contra mulheres, nesse mesmo período, foram 13.814 registros; os casos oficializados de ameaça contabilizam 40.289 registros.

Vê-se por esses dados que o número de mulheres com Medida Protetiva que conseguem ser acompanhadas devidamente pelos aparelhos do estado, em especifico pelo Ronda Maria da Penha para garantir direitos fundamentais que são a segurança e a vida é ainda baixo.

 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei 11.340 de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, protege as relações familiares (art. 226, parágrafo 8º, CRFB), tendo aplicação no âmbito de proteção a mulher contra as formas de violência doméstica, familiar, física, psicológica, patrimonial, sexual e moral, sendo que esse rol é exemplificativo. O agressor pode ser homem ou mulher, a vítima deve ser mulher, e abarca também a violência de gênero. Essa Lei possui apenas um delito tipificado no artigo 24-A, que trata do descumprimento de medidas protetivas de urgência, e também abrange as pessoas transgêneras. A Lei atua no âmbito da unidade doméstica, em situações de relações familiares e vínculo de afeto, ainda que o agente não tenha coabitação com a vítima (Súmula 600, STJ).

Não se aplica o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas(Súmula 589, STJ) e relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher, a ação penal será sempre pública incondicionada (Súmula 542, STJ). De acordo com as súmulas 588 do STJ, não se aplicam as disposições do artigo 88 da lei 9.099 de 1995 e não se permite a concessão de benefícios, no caso de lesão corporal leve e lesão corporal culposa, a ação será pública condicionada. A Súmula 536 do STF nos diz que a suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam nas hipóteses de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha. A ausência de representação não impede a imposição das medidas protetivas de urgência, pois uma vez instaurado o inquérito policial a denúncia seguirá, independente da vítima querer ou não. A representação tem o prazo de seis meses, mas não cabe retratação em qualquer crime, sendo vedado na  Lei Maria da Penha.  Poderá ocorrer a retratação na fase judicial e desde que o crime seja  de ação penal condicionada e privada. Na ação penal incondicionada não cabe retratação nesta Lei.

Podemos observar que a Lei Maria da Penha trouxe melhor assistência aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, porém ainda há a necessidade de políticas públicas para nortear de forma eficaz tal fato .

 Em 2006 com advento dessa Lei foram criadas políticas públicas para lidar com esse problema com uma perspectiva preventiva e não simplesmente repressiva fazendo uma definição ampliada do conceito de violência, serviços públicos de multiacolhimento com assistência social e saúde, determinação de medidas de emergência e proteção de vítima, aumento do custo da punição para o agressor e as integrações das intervenções da polícia, do Ministério Público, defensores públicos e tribunais especiais de repressão e prevenção. Antes de 2006 nos crimes de violência contra a mulher utilizava-se a Lei n. 9.099 de 1995(Lei dos Juizados Especiais), e como citamos acima, hoje não é admitido essa lei para tais casos.

Nesse contexto, observa-se a criação de várias políticas públicas voltadas para melhor eficácia e efetividade da LMP. As políticas públicas são ações realizadas pelo poder público nas diversas áreas de sua atuação e diante de determinados problemas ou reivindicação da sociedade, ou seja, o termo políticas tem mais a ver com ações, decisões e omissões dos diferentes atores envolvidos nos assuntos públicos configurando essas políticas públicas como um desenho da ação coletiva intencional; resultado das decisões e interações que ela acarreta.

A Ronda Maria da Penha de Manaus faz parte de uma das ações criadas pelo governo do Estado, que surgiu a partir de 2014 integrando as políticas públicas desenvolvidas pelo Estado. Essa Ronda faz o patrulhamento, dando apoio às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, visando à proteção de mulheres em situação de violência doméstica através da fiscalização do cumprimento de medidas protetivas decretadas pela justiça.

A Ronda Maria da Penha de Manaus trabalha em parceria com as delegacias de polícia civil, dessa forma, quando é realizado o registro de violência doméstica e familiar a contra a mulher, a Ronda Maria da Penha é acionada realizando o patrulhamento nas áreas próximas da residência da vítima no intuito de zelar pela integridade física e afastar a atuação do autor da violência. O trabalho da polícia militar prossegue com a realização de visitas periódicas à casa das mulheres. Por esse motivo, foi observada a relação das medidas protetivas de urgência concedidas pela justiça e a atuação da Ronda Maria da Penha de Manaus para verificar se são realmente políticas públicas eficazes no combate à violência contra à mulher.

De acordo com os dados analisados, infere-se que a mulher tem um período dentro do Programa de policiamento. Não é possível, com os dados coletados discorrer sobre os critérios para a mulher deixar de receber o policiamento, pode-se afirmar tão somente que ela fica por um período, veja-se que das 1.021 mulheres com medida protetiva acompanhadas em 2021, no mês de agosto estavam sendo assistidas apenas 179 delas.

Os dados demonstram a alta demanda de medidas protetivas de urgência, essas medidas são quase 90% maiores do que a Ronda Maria da Penha consegue acompanhar. Como os números de medidas protetivas de urgência são maiores que a capacidade de atendimento da Ronda Maria da Penha reflete um aspecto negativo e que merece melhor atuação do poder público, uma sugestão seria a ampliação do programa. Todavia, mesmo com esse entrave, o programa busca garantir o cumprimento das Medidas Protetivas de Urgência fazendo acompanhamento às vítimas garantindo a sua proteção e de sua família, dissuadindo e reprimindo o descumprimento de Ordem Judicial e procedendo aos encaminhamentos das vítimas à Rede de Atendimento à Mulher Vítima de Violência Doméstica. Os encaminhamentos das vítimas a um programa multidisciplinar de assistência integral é um aspecto positivo no que diz respeito à dignidade humana.

É sabido que a concessão das medidas protetivas de urgência não garante à mulher o direito de viver sem violência doméstica e familiar. Para a eficácia dessa medida legal deve-se ter a fiscalização e controle do Estado com o desenvolvimento de outros projetos, programas e serviços.

Diante do exposto, se faz necessário repensar de outras políticas públicas para frear a violência contra a mulher. É assunto que não se esgota tão cedo, posto que passa por questões culturais cristalizadas na sociedade patriarcal, mas que o poder público precisa empregar muita vontade política e econômica para mudar a realidade de tanta violência.

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SPANEMBERG, Patric. A Lei Maria da Penha e suas eficácias no âmbito do controle/coibição da violência doméstica contra mulheres travestis e transexuais. Rio Grande do Sul, 2018.


1 Professora Msc. do Curso de Direito da Faculdade La Salle Manaus
Karla.Barros@lasalle.org.br

2 Professora Msc. do Curso de Direito da Faculdade La Salle Manaus.
Email:margareth.abtibol@lasalle.org.br

3 Professora Msc. do Curso de Direito da Faculdade La Salle Manaus.
Rebeca.dib@lasalle.org.br

4 Faculdade La Salle Manaus.
Email: 20891979@faculdadelasalle.edu.br

5 Faculdade La Salle Manaus.
Email: 20892108@faculdadelasalle.edu.br