RISCOS À SAÚDE DA MULHER ASSOCIADOS AO USO DE CONTRACEPTIVOS ORAIS COMBINADOS

RISKS TO WOMEN’S HEALTH ASSOCIATED WITH THE USE OF COMBINED ORAL CONTRACEPTIVES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10143071


Sandy Queiroz Campos1
Eduarda Silva de Arruda1
Clayton Pereira Silva de Lima1


RESUMO

A anticoncepção, pilar essencial da política de planejamento familiar do Ministério da Saúde do Brasil, visa garantir direitos sexuais e reprodutivos fundamentais. Os contraceptivos orais combinados (COCs) constituem o método mais utilizado no país, agindo sobre o eixo hormonal ovariano, inibindo a ovulação e impactando na função do endométrio. No entanto, preocupações surgem em relação a efeitos adversos, incluindo eventos trombóticos, alterações cardiovasculares e risco de câncer. Assim, o presente estudo teve como objetivo evidenciar quais os principais riscos para a saúde da mulher associados à utilização de contraceptivos orais combinados. Para isso, foi desenvolvido um estudo de revisão de literatura do tipo narrativa. Concluiu-se que os COCs estão associados a aumento no risco relativo para condições como tromboembolismo venoso, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e câncer de colo do útero. Outros efeitos que frequentemente preocupam as mulheres, como alterações do humor, redução da libido e ganho de peso, apresentam dados conflitantes na literatura, não sendo possível concluir a existência de associação entre tais eventos e o uso de COCs. Ademais, a avaliação cuidadosa dos benefícios e riscos associados ao uso de COCs se faz necessária para garantir a segurança e eficácia desses contraceptivos.

Palavras-Chave: Contraceptivos Orais Combinados. Eventos Adversos. Farmacologia.

ABSTRACT

Contraception, an essential pillar of the family planning policy of the Brazilian Ministry of Health, aims to ensure fundamental sexual and reproductive rights. Combined oral contraceptives (COCs) are the most widely used method in the country, acting on the ovarian hormonal axis, inhibiting ovulation, and impacting the function of the endometrium. However, concerns arise regarding adverse effects, including thrombotic events, cardiovascular alterations, and cancer risk. Thus, the present study aimed to highlight the main health risks for women associated with the use of combined oral contraceptives. To achieve this, a narrative literature review study was conducted. It was concluded that COCs are associated with an increased relative risk for conditions such as venous thromboembolism, acute myocardial infarction, stroke and cervical cancer. Other effects that often concern women, such as mood changes, decreased libido, and weight gain, have conflicting data in the literature, making it impossible to conclude the existence of an association between such events and the use of COCs. Furthermore, careful evaluation of the benefits and risks associated with the use of COCs is necessary to ensure the safety and effectiveness of these contraceptives.

Keywords: Combined Oral Contraceptives. Adverse Events. Pharmacology.

A anticoncepção, definida como a utilização de qualquer método ou técnica que tenha por finalidade impedir que uma relação sexual resulte em gravidez, representa um dos pilares principais, mas não o único, da política de planejamento familiar do Ministério da Saúde, que tem por principais objetivos a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, considerados direitos humanos fundamentais estabelecidos na Declaração

Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948.[1]

Nesse contexto, a criação do primeiro anticoncepcional oral (noretinodrel), aprovado nos Estados Unidos pelo Food and Drug Administration (FDA) em 1960, representou um marco importante para o avanço da saúde sexual e reprodutiva, permitindo grande crescimento na autonomia da mulher sobre seu próprio corpo e avanços na promoção da igualdade entre os sexos.[2,3]

No Brasil, o primeiro contraceptivo oral chegou em 1962, em um contexto histórico de instabilidade econômica e social. Por um lado, havia preocupações globais sobre o crescimento populacional no período de pós-guerra, bem como ascendia o movimento feminista, que buscava a liberdade sexual das mulheres. Por outro lado, alguns setores da sociedade, como os nacionalistas e os religiosos, eram contrários aos métodos de controle de natalidade.[3]

Mesmo nesse contexto, os contraceptivos orais foram rapidamente aceitos e se tornaram amplamente utilizados pelas mulheres, além disso, começaram a ser distribuídos gratuitamente pelo governo brasileiro em 1978.[4] A Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM), estudo brasileiro realizado entre 2013 e 2014, evidenciou os contraceptivos orais eram o método anticoncepcional utilizado por 28,2% das mulheres, dentre as quais 74,8% utilizavam contraceptivos orais combinados, sendo, portanto, o método anticoncepcional mais utilizado no país.[5]

Existem, atualmente, três tipos básicos de contraceptivos orais: os contraceptivos orais combinados, os de progesterona isolada e as pílulas de uso contínuo ou estendido.[6] Dentre os anticoncepcionais orais, os mais utilizados são os contraceptivos orais combinados (COCs), compostos por associações de progestágeno e estrógeno sintéticos que atuam interferindo no eixo de controle hormonal da função ovariana, levando primariamente à inibição da ovulação.[6]

Ainda, além da função primária enquanto anticoncepcional, os COCs são amplamente utilizados para tratar outros distúrbios que acometem os indivíduos do sexo feminino, como distúrbios menstruais, endometriose e hiperandrogenismo.[7] Por outro lado, com a difusão do uso dos COCs, vêm se tornando crescente a preocupação com os riscos associados a utilização dessas medicações, sobretudo relacionados a eventos trombóticos, alterações cardiovasculares e risco de câncer.[4,8]

Reconhecendo a existência de métodos anticoncepcionais com diferentes perfis de segurança e eficácia, e tendo em visto que o perfil de pacientes que os utilizam é composto principalmente por mulheres jovens e saudáveis que fazem uso desses métodos por períodos prolongados, a análise de custo-benefício para o uso de COCs é complexa, tendo em vista que mesmo pequenos aumentos no risco de eventos adversos tornam o método menos atrativo nesse público.[9]

Assim, o presente estudo teve como objetivo evidenciar quais os principais riscos para a saúde da mulher associados à utilização de contraceptivos orais combinados.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. Ciclo menstrual

Uma mulher nasce com cerca de 600 a 800 mil oócitos contidos em seus ovários, cada um cercado por células foliculares, constituindo unidades chamadas de folículos primordiais, que proporcionam o microambiente para o desenvolvimento do oócito. A partir da puberdade, de maneira cíclica, vários folículos ovarianos se desenvolvem, dando origem a 6 a 12 folículos antrais, dentre os quais um folículo chega à maturidade e libera um oócito. Este oócito é liberado na superfície do ovário e captado pelas fímbrias da tromba uterina, onde pode ser alcançado por um espermatozoide e ser fecundado ou, do contrário, reabsorvido.[10,11]

Esse processo cíclico de ovulação é chamado de ciclo menstrual ou ciclo sexual feminino e constitui um processo complexo e coordenado que têm por objetivo principal a reprodução humana. O ciclo menstrual normal tem seu início marcado clinicamente pelo primeiro dia de sangramento menstrual, que dura no máximo 8 dias em mulheres saudáveis. A cada 24 a 38 dias, na ausência de fecundação, um novo ciclo menstrual se inicia.[10]

Durante o ciclo menstrual, simultaneamente, o ovário matura um oócito enquanto o endométrio uterino se prepara para receber o produto da concepção. Esse ciclo é coordenado pelo eixo hipotálamo-hipófise-ovário e sua regulação se baseia em mecanismos de feedbackpositivo e negativo. Inicialmente, a secreção de hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) pelo hipotálamo e, consequentemente, de hormônio folículo-estimulante (FSH) e hormônio luteinizante (LH) pela adeno-hipófise, leva a estímulo da maturação dos folículos primordiais. Durante sua maturação, as células foliculares que recobrem o oócito se desenvolvem em células da granulosa e as células do estroma ovariano que circundam o folículo originam as chamadas células da teca.[10]

As células da granulosa e da teca são responsáveis pela produção dos hormônios sexuais femininos, tanto os progestágenos quanto dos estrógenos. No processo de concepção, o estrogênio e a progesterona são fundamentais para a regulação da ovulação e para o preparo do endométrio para receber o concepto. Durante o desenvolvimento do folículo ovarino, a concentração crescente de estrogênio e progesterona produzidos pelas células da teca e da granulosa leva a ativação do mecanismo de feedbacknegativo no eixo hipotálamo-hipófise, reduzindo a secreção de GnRH, LH e FSH. Essa redução do estímulo folicular leva a atresia dos folículos ovarianos, com exceção de um folículo, que, por apresentar mais receptores de FSH e por ser mais vascularizado, consegue continuar se desenvolvendo até atingir o estágio de folículo maduro.[10]

Após a maturação do folículo ovariano, ocorre um pico de secreção de LH e, logo após, a ovulação. Ocorrida a ovulação, o oócito é captado pelas fímbrias da tuba uterina para ser ou não fecundado por um espermatozoide. As células remanescentes do folículo maduro, chamadas de corpo lúteo, permanecem produzindo progesterona e estrogênio.[11]

Entretanto, quando não ocorre a fecundação, o corpo lúteo entra em involução e a secreção dos hormônios sexuais femininos cai de maneira importante. Esse processo leva a dois acontecimentos importantes: a descamação do endométrio (sangramento menstrual ou menstruação) e o desencadeamento de feedbackpositivo para o eixo hipotálamo-hipófise, levando a secreção crescente de GnRH e gonadotrofinas (FSH e LH), que recrutam novos folículos primordiais e iniciam um novo ciclo menstrual.[11]

Além de participar do processo de ovulação, o estrógeno e a progesterona endógenos apresentam outras importantes funções fisiológicas no organismo feminino. Por exemplo, o estrogênio participa da maturação dos órgãos sexuais femininos, promove a deposição de cálcio e inibe a degradação dos ossos, promove a deposição de gordura nos tecidos subcutâneos e estimula a proliferação do endométrio.[12]

A progesterona, por sua vez, promove o desenvolvimento das glândulas do endométrio, preparando-o para receber e nutrir o concepto, bem como inibe as contrações uterinas e estimula o desenvolvimento das mamas para a lactação. Além desses efeitos, os hormônios sexuais femininos apresentam diversas outras funções em múltiplos sistemas corporais, incluindo sistema nervoso, hematológico e cardiovascular.[12]

2.2. Mecanismo de ação e farmacocinética dos contraceptivos orais combinados

O uso de contraceptivos orais combinados se baseia no princípio de fornecer progesterona e estrogênio exógenos à mulher. A presença desses hormônios exógenos, por sua vez, leva a desencadeamento de feedbacknegativo para o hipotálamo, consequentemente reduzindo a secreção de GnRH, FSH e LH. Assim, não ocorre o desenvolvimento folicular, bem como, não ocorre o pico de LH necessário à ovulação. Além desse efeito sobre o controle endócrino do ciclo, os contraceptivos orais também tornam o muco do canal do colo do útero menos propício à passagem dos espermatozoides, bem como promovem a atrofia do endométrio.[6,7]

Em relação à farmacocinética, os COCs são medicações tomadas diariamente, sendo rapidamente absorvidas no trato gastrointestinal. Após a ingestão, alcançam pico de concentração plasmática em 1,5 a 2 horas após a ingestão e circulam principalmente ligados a proteínas plasmáticas, como a globulina ligadora de hormônio sexual (SHBG) e a albumina, sendo principalmente metabolizados no fígado e excretados na urina.[13]

Os COCs são classificados em monofásicos, bifásicos e trifásicos. Os monofásicos possuem apresentações com 21, 24 ou 28 comprimidos com a mesma composição e doses; os bifásicos apresentam a mesma composição hormonal, mas apresentam comprimidos com duas doses diferentes, enquanto os trifásicos apresentam 21 comprimidos divididos em três grupos com doses diferentes de hormônios.[14]

Os COCs monofásicos são os mais utilizados e apresentam em sua composição um estrógeno associado a um progestágeno. O estrógeno utilizado é quase sempre o etinilestradiol, com variações em sua dose que influenciam sua potência e perfil de efeitos colaterais. Já para o progestágeno, existe uma grande variedade de moléculas disponíveis, com diferenças nas suas características farmacocinéticas e farmacodinâmicas que conferem diferenças importantes nos seus efeitos.[7,14]

Os progestágenos são classificados segundo a sua temporalidade de introdução no mercado em progestágenos de primeira, segunda, terceira e quarta geração, conforme descrito no Quadro 1.[7,14]

Quadro 1. Classificação dos progestágenos sintéticos utilizados na composição dos contraceptivos orais combinados.

Primeira geraçãoNoretindrona Linestrenol Etinodiol Noretinodrel
Segunda geraçãoLevonorgestrel Norgestrel
Terceira geraçãoDesogestrel Gestodeno Norgestimato
Quarta geraçãoCiproterona Drospirenona

Fonte: Elaborado a partir de Finotti (2015) e Cooper (2022).[6, 14]

Em relação seus efeitos, os progestágenos variam de acordo com sua ação antigonadotrófica, estrogênica, androgênica, mineralocorticoide e glicocorticoide. O potencial antigonadotrófico caracteriza o poder contraceptivo, sendo o gestodeno o de maior potencial, seguido pelo desogestrel e levonorgestrel. Além disso, as diferenças entre os progestágenos também influenciam os efeitos colaterais associados a eles.[7,14]

3. METODOLOGIA

Foi realizado um estudo de revisão bibliográfica do tipo revisão narrativa, tipo de estudo no qual procura-se levantar as informações disponíveis a cerca de um determinado tema utilizando como base as produções científicas disponíveis, incluindo livros, artigos, manuais e guidelines.[15]

Para o presente trabalho, utilizou-se as bases de dados “Google Acadêmico”, “Scielo”, “PubMed” e “UpToDate” para o levantamento bibliográfico. Foram utilizados os seguintes descritores do DeCS/MeSH: Contraceptivos Orais Combinados, Farmacologia e Eventos Adversos.

Os materiais encontrados foram selecionados com base na leitura do título e resumo, para verificação da adequação com a proposta do trabalho. Foram, então, selecionados documentos científicos em português ou inglês, preferencialmente produzidos nos últimos 10 anos e que estivessem disponíveis na íntegra nas bases de dados utilizadas.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os COCs estão entre as principais formas de contracepção disponíveis, sendo o método mais comumente utilizado no Brasil. A ampla utilização dessas medicações em uma população que é composta sobretudo por mulheres jovens em idade reprodutiva, leva a preocupação acerca de possíveis riscos e danos associados.[9]

Apesar das preocupações com efeitos adversos associados ao uso de COCs, sabe-se que, de maneira geral, são medicações seguras. Dentre os efeitos colaterais reportados, os mais comuns são náuseas, sensibilidade mamária e cefaleia, que ocorrem em menos de 10% das mulheres, sendo mais comuns durante a iniciação da droga, usualmente com resolução nos primeiros meses de uso. Apesar de incomuns e geralmente transitórios, esses efeitos colaterais são causas frequentes de descontinuação dos contraceptivos no início do tratamento.[12]

4.1. Impacto sobre a menstruação e a fertilidade

A principal utilização dos COCs é voltada para o bloqueio da ovulação, com o objetivo de impedir a concepção. Ao fazer isso, tais medicamentos interferem não só no ciclo ovariano, mas também no ciclo uterino que ocorre concomitantemente, em condições fisiológicas. [12]

Dessa forma, as mulheres que utilizam COCs, no geral, apresentam redução do fluxo menstrual ou mesmo amenorreia, em decorrência da atrofia do miométrio induzida pelo uso do método. Esses efeitos costumam ser bem aceitos pelas mulheres, sobretudo naquelas que apresentam sangramento uterino anormal ou, ainda, dismenorreia primária ou dismenorreia associada a doenças como a endometriose. O potencial de causar redução do fluxo ou mesmo amenorreia é maior entre aqueles COCs de uso contínuo ou estendido, bem como utiliza-se doses maiores de etinilestradiol.[12]

Entretando, cerca de metade das mulheres em uso de COCs terão sangramentos de escape, sobretudo no primeiro ciclo menstrual após o início do uso, com melhora esperada nos meses subsequentes. A ocorrência de sangramento de escape é mais comum quando utilizadas doses < 30 mcg de etinilestradiol e doses mais altas de progesterona. Ademais, os escapes não representam diminuição da eficácia contraceptiva, porém, podem ser socialmente incômodos.[12]

Uma grande preocupação das mulheres que iniciam ou querem iniciar o uso de COCs é o efeito sobre a fertilidade. Sabe-se após descontinuar o uso de COCs, ocorre um atraso no tempo até a concepção, porém esse efeito é limitado a alguns meses e as menstruações espontâneas retornam na maioria das mulheres em até 90 dias após a descontinuação, com tempo médio de 32 dias.[12]

Os COCs aumentam a produção de globulina ligadora de hormônio sexual, reduzindo as concentrações de androgênio livre, levando a melhora de acne e hirsutismo. Dessa forma, uma utilização frequente dos COCs é no tratamento dos efeitos androgênicos associados à síndrome dos ovários policísticos, atuando também através da inibição da produção de androgênios ovarianos, levando a redução das concentrações de testosterona livre e controlando sintomas de hiperandrogenismo, como hirsutismo e acne.[2]

Por outro lado, a supressão da produção de androgênio decorrente do uso de COCs levanta preocupações acerca do impacto negativo dessas medicações sobre a libido, no entanto, os estudos demonstram que a maioria das mulheres que utilizam COCs não experimentam alterações do desejo sexual, enquanto 22% reportaram aumento e 15% redução. Já outro estudo com mulheres utilizando todos os tipos de contraceptivos demonstrou que 24% das mulheres tiveram redução do interesse em sexo, sem diferenças estatísticas quando comparados métodos hormonais de métodos não hormonais (ex. DIU de cobre), indicando que esse efeito pode não ser diretamente associado à ação dos hormônios exógenos.[12]

4.2. Efeitos sobre o sistema nervoso central

Os esteroides sexuais endógenos apresentam efeitos neuromodulatórios no sistema nervoso central. Assim, existe preocupação sobre o efeito que o uso de hormônios exógenos pode ter sobre as funções cognitivas e o humor. Nesse sentido, alguns estudos sugerem que o uso de COCs pode afetar funções auditórias, olfatórias e de processamento da percepção visual, bem como memória, todavia, mais estudos são necessários para confirmar essas questões.[13]

Além disso, outro efeito colateral neuropsicológico que frequentemente é atribuído ao uso de COC são as mudanças de humor. Sobre isso, os estudos apresentam dados conflitantes, porém, a maioria sugere que os COCs não afetam negativamente o humor da mulher de forma significante, sobretudo quando utilizadas doses de etinilestradiol de 35 mcg ou menos. Ademais, algumas mulheres referem melhora de distúrbios do humor e de sintomas característicos da síndrome pré-menstrual (depressão, irritabilidade, ansiedade e sintomas somáticos, como cefaleia) com o uso de COCs.[12,13]

Em mulheres com enxaqueca, sobretudo com aura, que já apresentam risco basal aumentado para eventos vasculares, o uso de estrogênio exógeno aumenta o risco de AVC. Todavia, esse risco adicional não foi demonstrado em mulheres com outros tipos de cefaleia crônica, como cefaleia tensional ou cefaleia em salvas.[12]

Em mulheres com distúrbios epiléticos, o uso de medicações anticonvulsivantes que induzem o sistema hepático do citocromo p450 pode levar a aumento do metabolismo do componente estrogênico do COCs, ocasionando aumento do risco de ovulação, sangramento vaginal de escape e falha contraceptiva.[12]

Ademais, a contracepção é um fator importante no tratamento de mulheres com condições epilépticas, tendo em vista que a gestação aumenta a atividade convulsiva e a exposição fetal a certos anticonvulsivantes aumenta o risco de malformações fetais. Dessa forma, os COCs não são contraindicados, entretanto, deve-se considerar outros métodos, sobretudo quando se utiliza anticonvulsivantes que interagem farmacologicamente com COCs.[12]

4.3. Efeitos metabólicos e ganho de peso

Dentre os efeitos metabólicos associados aos COCs, foi observado que o componente estrogênio leva a aumento da produção de lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL) e lipoproteína de alta densidade (HDL) e reduz os níveis de lipoproteína da baixa densidade (LDL), além disso, os COCs estão associados a alterações no metabolismo dos carboidratos, reduzindo a tolerância e glicose e aumentando a resistência à insulina. Esses efeitos são variáveis entre as diferentes doses e formulações de estrogênio e progesterona, sendo menores com o uso de moléculas mais recentes.[9]

Ademais, outra preocupação frequente entre as mulheres é referente à associação entre o uso de COCs e a ocorrência de ganho de peso. Quanto a isso, os dados na literatura são controversos, com alguns estudos demonstrando ganho de 20 a 30% de peso, enquanto outros não demonstraram associação significante entre o uso desse método contraceptivo e ganho ponderal.[16]

4.4. Efeitos cardiovasculares

Uma das grandes preocupações associadas ao uso de COCs é seu impacto sob o risco de desenvolvimento de Tromboembolismo Venoso (TEV). A ocorrência de TEV em mulheres de idade reprodutiva sem uso de COCs é de cerca de 1 a 2 casos para cada 10.000 mulheres por ano. Em comparação com essas mulheres, os estudos demonstram que naquelas que fazem uso de COCs, a incidência anual de TEV aumenta para 3-4:10.000 mulheres-ano. Assim, evidencia-se que, de fato, o uso desse método contraceptivo está associado a risco aumentado para eventos trombóticos venosos, entretanto, o risco absoluto é baixo (< 1%) e os COCs são considerados seguros na maioria das mulheres saudáveis em idade reprodutiva.[17]

Por outro lado, uma série de outros fatores também devem ser considerados na escolha de usar ou não COCs por preocupação com risco de tromboembolismo. Dentre estes, está a presença de outros fatores de risco para TEV, como trombofilia ou história prévia de evento trombótico. Nesses casos, o aumento do risco de TEV se torna consideravelmente maior e, de forma geral, o uso de COCs deve ser evitado.[17]

Ademais, deve-se considerar que a própria gestação e puerpério são períodos associados com maior risco de trombose, o qual deve ser contrabalanceado com o risco de trombose associado ao uso de COCs no momento da escolha no método contraceptivo.[12] Em relação à formulação dos COCs, sabe-se que o risco aumentado de TEV é decorrente do componente estrogênico, que tem efeito de aumento da produção de trombina, podendo, assim, induzir alterações na hemostasia.[2] Nesse sentido, o uso das menores doses possíveis de estrogênio está associado a um risco menor de TEV.[17]

O componente estrogênico dos COCs está associado a aumento da pressão arterial em alguns indivíduos, que geralmente é leve. Esse efeito deve- se, sobretudo, ao estímulo do estrogênio sobre a produção hepática de angiotensinogênio, que participa como substrato do sistema renina- angiotensina-aldosterona, bem como por ativação do sistema nervoso simpático, e em geral é pequeno, com aumento de cerca de 0,7 mmHg na pressão arterial sistólica de mulheres saudáveis, sendo maior progressivamente conforme a dose de etinilestradiol na composição.[18]

Em decorrência desses efeitos, o uso de COCs é considerado seguro em mulheres normotensas, no entanto, em mulheres previamente hipertensas, sobretudo quando a condição não está controlada, o risco de aumento da pressão arterial e aumento de eventos cardiovasculares torna o uso de COCs menos indicado.[18]

Para além do aumento da pressão arterial, estudos demonstram que os COCs levam ao aumento no risco relativo para infarto agudo do miocárdio (IAM) e acidente vascular cerebral (AVC). Da mesma forma que acontece no TEV, esse aumento do risco relativo não é considerado importante quando consideradas populações de mulheres jovens saudáveis, que apresentam risco basal baixo para essas condições, resultando em riscos absolutos baixos (< 1%). Entretando, na presença de outros fatores de risco e condições de base que elevam esse risco, o uso de COCs torna-se uma preocupação.[12]

4.5. Efeitos sobre o risco de câncer

Outra grande questão relacionada ao uso de COCs é decorrente de seu possível efeito negativo de aumento do risco de câncer, principalmente cânceres ginecológicos, cujos tecidos podem ser estimulados à proliferação por ação do estrogênio e/ou progesterona. Nesse sentido, os estudos apontam que o uso de COCs não aumentam o risco global para câncer.[12]

Todavia, em relação ao câncer de mama, há estudos reportando um pequeno aumento do risco para sua ocorrência, enquanto outros não demonstraram essa mesma associação. Em decorrência dessa inconsistência entre os estudos, os COCs não são recomendados em pacientes com história pessoal de câncer de mama, mas podem ser utilizados mesmo em mulheres com história familiar e/ou presença de genes associados ao câncer de mama, como BRCA1 e BRCA2, visto que os estudos não demonstram aumento significante dos riscos nessas mulheres.[12,18]

Ainda em relação ao risco de câncer, foi demonstrado que o uso de COCs está associado com um risco significativamente maior de ocorrência de câncer de colo do útero, sobretudo em mulheres com infecção persistente por papilomavírus humano (HPV). Por outro lado, estudos demonstram que o uso de COCs reduz o risco de câncer de ovário e endométrio.[12,18]

4.6. Critérios de eligibilidade da OMS

Tendo em vista as preocupações referentes ao uso de COCs em mulheres com condições médicas subjacentes, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou uma série de critérios de elegibilidade que resumem e sumarizam a relação risco e benefício em diferentes condições clínicas, ajudando os profissionais da saúde na tomada de decisões e na orientação ao paciente.[19] Os critérios são baseados na classificação do método contraceptivo em quatro categorias de risco, conforme descrito no quadro 2.

Quadro 2. Categorias de critérios médicos de elegibilidade para o uso de contraceptivos, Organização Mundial da Saúde.

CategoriaDescrição
1Condição em que não há restrição para o uso do método contraceptivo.
2Condição em que as vantagens de usar o método em geral superam os riscos teóricos ou provados.
3Condição em que os riscos teóricos ou provados em geral superam as vantagens de usar o método.
4Condição que representa risco inaceitável de saúde se o método contraceptivo for usado.

Fonte: Elaborado a partir de OMS (2015).[19]

De acordo com a condição clínica, o método contraceptivo é classificado em uma das categorias e a escolha entre iniciar ou não o método é feita pelo médico, idealmente em decisão compartilhada com a paciente após orientação sobre riscos e benefícios. De maneira geral, quando classificado nas categorias 1 a 2, o método pode ser utilizado, enquanto que para as categorias 3 e 4, a recomendação é que o método não seja utilizado, sendo aceitável a utilização daqueles métodos de categoria 3 apenas quando outros métodos mais adequados não estejam disponíveis ou não sejam aceitáveis.[19]

Considerando as recomendações da OMS, define-se as principais contraindicações para a utilização de COCs, que são as condições de categoria 3 ou 4 descritas no Quadro 3.[6,19]

Quadro 3. Contraindicações para contraceptivos orais combinados, segundo as recomendações da Organização Mundial da Saúde.

CondiçãoCategoria da OMS
Trombofilia (Fator V de Leiden, mutação gene protrombina, deficiência proteína C, S e antitrombina)4
Uso de medicações que interferem no metabolismo hepático via citocromo P450: rifampicina, anticonvulsivantes-fenitoína, carbamazepina, barbitúricos, primidona, topiramato, oxcarbazepina3
Amamentação (< 6 meses após o parto)4
Tabagismo
Idade ≥ 35 anos com uso de < 15 cigarros/dia3
Idade ≥ 35 anos com uso de ≥ 15 cigarros/dia4
Múltiplos fatores de risco para doença arterial (idade, tabagismo, diabetes, hipertensão)3-4
Hipertensão
Histórico de hipertensão sem possibilidade de controle rotineiro dos níveis pressóricos3
Níveis de pressão arterial sistólica de 140 a 159 mmHg ou pressão arterial diastólica de 90 a 99 mmHg3
Pressão arterial sistólica > 160 mmHg ou pressão arterial diastólica > 100 mmHg4
Doençavascular
História pessoal de tromboembolismo venoso ou pulmonar4
Cirurgia maior com imobilização prolongada4
Histórico pessoal de AVC, infarto do miocárdico, doença valvular complicada (com hipertensão pulmonar, risco de fibrilação atrial, história de endocardite subaguda)4
Enxaqueca com aura, em qualquer idade4
Enxaqueca sem aura após os 35 anos3-4
Câncer de mama4
Diabetes com nefropatia, retinopatia, neuropatia ou mais de 20 anos de duração3-4
Doença da vesícula biliar atual, em tratamento clínico3
Colestase relacionada ao AOC3
Hepatite viral ativa4
Cirrose3-4
Tumor hepático benigno ou maligno4

Fonte: Elaborado a partir de OMS (2015).[20]

Como na maioria das mulheres sexualmente ativas e em idade reproduzida a falta de contracepção eventualmente levará a uma gestação, quaisquer efeitos adversos negativos, preocupações ou riscos à saúde atribuídos aos COCs devem ser contrabalanceados em relação ao custo-benefício. Em mulheres com comorbidades médicas crônicas, a contracepção pode ser ainda mais importante, pelos riscos gestacionais substanciais à mãe e ao feto associados à condição clínica de base, entretanto, nessas condições, muitas vezes outros métodos são mais seguros em comparação com os COCs.[12]

4.7. Atenção farmacêutica no uso de COCs

Os COCs são medicamentos vendidos em território brasileiro sem a necessidade de apresentação de receita médica, o que alerta para seu uso irracional e, consequentemente, para a ocorrência de efeitos adversos. Logo, o profissional farmacêutico também apresenta papel fundamental na orientação desses indivíduos acerca dos riscos associados ao uso desses métodos de contracepção, tendo em vista que na presença de comorbidades, os riscos de ocorrência de eventos clínicos significativos aumentam de forma importante, como eventos trombóticos, infarto do miocárdico e acidente vascular cerebral.[4]

O profissional farmacêutico é essencial na atenção à saúde das mulheres em idade reprodutiva, especialmente naquelas que fazem uso de métodos contraceptivos hormonais, como os COCs. Nesse contexto, o farmacêutico tem por principais funções orientar sobre o uso correto dos fármacos, fornecer informações sobre posologia e modo de uso, bem como conscientizar a mulher sobre os riscos associados ao uso de tais métodos. Ainda, o farmacêutico deve se atentar para possíveis interações medicamentosas que possam tanto reduzir a eficácia dos COCs quanto aumentar seus efeitos colaterais indesejáveis.[20]

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os COCs são uma forma amplamente utilizada de contracepção hormonal. No entanto, é importante estar ciente dos riscos associados ao uso desses medicamentos. Alguns dos principais riscos dos contraceptivos orais combinados incluem tromboembolismo venoso, acidente vascular cerebral e doenças cardiovasculares.

É essencial considerar esses riscos ao orientar sobre o uso dos COCs, especialmente em mulheres com fatores de risco adicionais para eventos adversos, como tabagismo, obesidade, histórico pessoal ou familiar de trombose, bem como hipertensão arterial.

Assim, embora os COCs sejam uma forma eficaz e relativamente segura de contracepção hormonal, os profissionais de saúde, incluindo o profissional farmacêutico, devem avaliar cuidadosamente os fatores de risco individuais para acompanhar e orientar adequadamente sobre o uso desses medicamentos, bem como devem discutir os possíveis riscos e benefícios com suas pacientes. É fundamental que as mulheres estejam informadas sobre esses riscos e tomem uma decisão consciente sobre o uso de contraceptivos orais combinados.

REFERÊNCIAS

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  1. SOUSA, A. K. A. et al. Contexto histórico dos anticoncepcionais hormonais e seus efeitos colaterais no organismo feminino: uma revisão bibliográfica. Bom Despacho: Centro Universitário Una Bom Despacho, 2021. 29p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Farmácia) – Centro Universitário Una Bom Despacho, Bom Despacho.
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1Centro Universitário Tocantinense Presidente Antônio Carlos – UNITPAC, Araguaína/TO, Brasil. E-mail: sandyqc@icloud.com; eduardaarruda1104@gmail.com; claytonpslima@gmail.com.