REVISÃO NARRATIVA DA LEGISLAÇÃO E DOCUMENTOS TÉCNICOS SOBRE A AUDITORIA NO ÂMBITO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202411131438


SILVEIRA, Márcia Borges1
SLOB, Edna Marcia Grahl Brandalize2


RESUMO

O objetivo desse artigo é consolidar as principais legislações e documentos técnicos produzidos pelo Ministério da Saúde sobre a auditoria em saúde. Para tanto, utilizou-se como método a revisão narrativa da literatura, que permite realizar uma busca ampla na literatura e apresentar uma visão geral sobre o objeto de estudado. O resultado dessa metodologia possibilitou a formação de três temas de discussão: 1) Desenvolvimento da auditoria dos serviços públicos de saúde a partir da legislação estruturante do SUS, onde se apresenta a evolução da auditoria analítica, operativa e de gestão, além do surgimento da auditoria clínica no âmbito do SUS; 2) Aspectos relacionados à criação e ao desenvolvimento legal do Sistema Nacional de Auditoria, compreendendo a sua importância no âmbito das três esferas de gestão pública da saúde no Brasil; e 3) Os indicativos de avanço da auditoria do SUS pelos relatórios das Conferências Nacionais de Saúde, evidenciando uma agenda inconclusa de demandas e o avanço de responsabilidades do Sistema Nacional de Auditoria. Dessa forma, o artigo possibilitou apresentar uma evolução história da auditoria na área da saúde pública, sendo notório que a auditoria dos serviços públicos de saúde brasileiros tem se desenvolvido em qualidade e estrutura compartilhada entre os gestores do SUS, recebendo simultaneamente maior reconhecimento e novas responsabilidades.

Palavras-Chave: Auditoria Clínica. Sistema Único de Saude. Legislação.

1 INTRODUÇÃO

A auditoria enquanto prática tem sua origem com os sumérios e egípcios. Entretanto, sua grande expansão se deu com o crescimento do capitalismo, estando atrelada ao desenvolvimento da contabilidade. Enquanto prática formal e institucionalizada, a auditoria tem seu início no Brasil em 1808, com o alvará que previa a obrigatoriedade do uso dos serviços de auditoria independente na Real Fazenda Portuguesa (SOUZA, DYNIEWICZ, KALINOWSK,   2010)

O início da auditoria no campo da saúde é impreciso sendo associado a diversas personalidades ao longo do século XX. Alguns autores atribuem esse início a George Gray Ward (1918) pela avaliação da assistência em saúde por meio de prontuários; outros Vergil N. Slee (1943) pela prática de avaliação do trabalho médico; outros ainda associam a Lambeck (1956) pela avaliação da qualidade do cuidado por meio da história clínica do paciente.

Dessa mesma forma, o marco inicial da auditoria em saúde pública no Brasil também é impreciso sendo associado a diversos atos legislativos e normativos a partir dos anos de 1970 (MELO, VAITSMAN, 2008; SANTOS, BARCELOS, 2009). Destaque é dado a Resolução nº 45 do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), de 12 de julho de 1984, a qual define a auditoria em saúde como “um conjunto de ações administrativas, técnicas e observacionais, que buscam a caracterização definida do desempenho assistencial” (SOUZA, DYNIEWICZ, KALINOWSK, 2010, p. 73). Essa resolução teve como objetivo central o controle e avalição dos serviços contratados pelo INAMPS.

No âmbito nacional, as auditorias em saúde permaneceram no âmbito do INAMPS até a sua extinção em 1993. Contudo, impulsionado pela implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) configurou-se no país um Sistema Nacional de Auditoria com participação de todos os entes federativos (BRASIL, 1993, 1995). Os processos de auditoria no SUS procuram resguardar a qualidade dos serviços prestados profissionais e instituições, além de garantir a adequada utilização do dinheiro público (MELO, VAITSMAN, 2008).

Em decorrência do próprio modelo de desenvolvimento da saúde no século XX, fortemente embasada no modelo hospitalocêntrico, as áreas clássicas da auditoria em saúde são ligadas às práticas hospitalares: auditoria de contas hospitalares, auditoria assistencial e auditoria de liberação, sendo esta última relacionada também aos planos de saúde. Contudo, é importante compreender que a auditoria no SUS abrange: 1) a auditoria analítica dos relatórios, processos e documentos; 2) auditoria operativa, para verificar o cumprimento das normas e legislações do SUS; 3) auditoria de gestão, que abrange o controle, a avaliação e a fiscalização orçamentária, financeira e contábil; e 4) auditoria clínica, para verificar a qualidade da assistência ao paciente (SOUZA, DYNIEWICZ, KALINOWSK, 2010; BRASIL, 2006a).

Este artigo busca respondera questão: “Como se deu o desenvolvimento legal e normativo da auditoria no âmbito do SUS?” Responder a essa questão permitirá consolidar os documentos relacionados a auditoria, tornando-se uma fonte de conhecimento ampla e atualizada de conhecimento sobre esse objeto de estudo (ROTHER, 2007). A pesquisa realizada para a construção desse artigo alinha-se a proposta de Souza, Dyniewicz e Kalinowsk (2010) sobre a necessidade de promoção de trabalhos científicos para incrementar a atividade de auditoria nos diversos campos em que ela se insere.

Dessa forma, o presente artigo objetiva consolidar as principais legislações e documentos técnicos produzidos pelo Ministério da Saúde sobre a auditoria em saúde. Ao coletar esses documentos, busca-se traçar um histórico da auditoria no âmbito do SUS compreendendo progressivamente a origem e desenvolvimento da estrutura dos mecanismos de auditoria no cenário nacional para o estabelecimento do atual modo de organização da auditoria em saúde pública. Para isso são incorporados aspectos relacionado tanto à auditoria analítica, auditoria operativa e auditoria de gestão, tradicionalmente relacionados compreendidos com auditoria, como também à auditoria clínica, incorporado em uma etapa mais recente da auditoria no âmbito do SUS.

2 PROCESSO METODOLÓGICO

Este artigo é resultado de um estudo descritivo, retrospectivo e de análise documental, que utiliza como método de pesquisa a revisão narrativa da literatura. Esse método busca de revisão da literatura é considerado amplo e voltado a análise de artigos, livros e documentos que permitem reconhecer, tanto de forma teórica como contextual, o “estado da arte” de um determinado assunto (ROTHER, 2007).

Ao contrário de revisões menos amplas, cujo objeto de pesquisa deve estar bem delimitado sob a forma de uma questão específica, a revisão narrativa direciona-se a abrangem um grande volume de assuntos dentro de uma temática específica. Isso possibilita a aquisição e atualização do conhecimento sobre uma determinada temática em curto espaço de tempo (ROTHER, 2007).

Foram incorporados ao estudo os documentos legais e técnicas do Ministério da Saúde publicadas entre os anos de 1990 e 2016, sendo, portanto, apenas documentos de origem nacional. O limite inferior dessa pesquisa foi delimitado por ser o ano da publicação da Lei Orgânica da Saúde, principal diretriz para a estruturação do SUS.

Dessa forma, o desenvolvimento desse artigo foi considerado inicialmente o documento do Conselho Nacional de Secretários de Saúde: Legislação Estruturante do SUS (BRASIL, 2011). Por meio dessa publicação foram levantados os documentos legais no âmbito do SUS, por meio da pesquisa em páginas da internet vinculadas ao Ministério da Saúde. Por sua vez, esses documentos conduziram a outras publicações técnicas, iniciando um processo dinâmico de investigação sobre a auditoria no SUS, ora em documentos legais, ora de publicações do Ministério da Saúde. Ao se perceber a saturação das informações nos documentos legais e técnicos, foram pesquisados e incluídos os artigos indexados pela Biblioteca Virtual em Saúde (BVS/Bireme) que subsidiaram a discussão e análise crítica do material coletado. Para a pesquisa na BVS utilizou-se as palavras chave “Auditoria” e “Sistema Único de Saúde”.  Apesar da palavra-chave “Auditoria” não ser prevista pelo Descritores em Ciências da Saúde, optou-se por utiliza-la por ser raiz das palavras-chave já previstas: “Auditoria Clínica” e “Auditoria Financeira”. A análise dos documentos encontrados foi realizada considerando o marco temporal da publicação e os três temas elencados: 1) Desenvolvimento da auditoria dos serviços públicos de saúde a partir da legislação estruturante do SUS; 2) Aspectos relacionados à criação e ao desenvolvimento legal do Sistema Nacional de Auditoria e 3) Os indicativos de avanço da auditoria do SUS pelos relatórios das Conferências Nacionais de Saúde.

3 DESENVOLVIMENTO DA AUDITORIA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE A PARTIR DA LEGISLAÇÃO ESTRUTURANTE DO SUS

A auditoria no âmbito do SUS tem sua base no artigo 197 da Constituição Federal de 1988. Neste artigo, as ações e serviços de saúde são doutrinados como de relevância pública e, como consequência, o poder público fica responsável por dispor sobre sua regulamentação, fiscalização e controle.

Tendo a Constituição de 1988 estabelecido que os procedimentos relacionados à auditoria deveriam compor as ações do poder público, no ano de 1990, por meio da Lei Orgânica de Saúde, é atribuída a direção nacional do SUS o estabelecimento do Sistema Nacional de Auditoria (SNA), cuja função é coordenar a avaliação técnica e financeira do SUS (BRASIL, 1990).

É importante notar que, apesar da Lei Orgânica atribuir a direção nacional a responsabilidade sobre a organização do SNA, a mesma lei estabelece que os Estados, Municípios e o Distrito Federal deverão prestar cooperação técnica para o desenvolvimento da auditoria no SUS (BRASIL, 1990). Assim, a auditoria na saúde pública brasileira é um mecanismo de controle técnica desenvolvido de forma compartilha por todas as esferas de gestão do SUS (MELO, VAITSMAN, 2008).

Na década de 1990, pautado pela Constituição Federal de 1989 e pela Lei Orgânica da Saúde, inicia-se o processo de implantação do SUS. Destacaram-se nesse processo as Normas Operacionais Básica (NOB-SUS), que estabeleciam os parâmetros para a organização e desenvolvimento do SUS em todo o território brasileiro (BRASIL, 2011).

A primeira NOB-SUS, foi editada no âmbito do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS) por meio da Resolução nº 258, de 07 de janeiro de 1991. Essa norma é muito incipiente ao versar sobre a auditoria no âmbito do SUS, fazendo referência apenas às prestações de contas dos Fundos de Saúde, as quais passaram a ser apresentadas semestralmente ao órgão de Auditoria Regional das Coordenadorias de Cooperação Técnica e Controle do INAMPS (BRASIL, 1991).

A auditoria aparece como um capítulo específico da NOB-SUS 92, onde é afirmada a sua competência de controlar e fiscalizar a aplicação dos recursos orçamentários e financeiros, bem como acompanhar a execução dos programas de trabalho, visando o exame da regularidade, eficiência, eficácia e economicidade da gestão administrativa (BRASIL, 1992). Contudo, a auditoria em saúde pública é mantida como responsabilidade do INAMPS até a sua extinção em 1993 (BRASIL, 1993).

A NOB-SUS de 1996 (Portaria nº 2.203, de 6 de novembro de 1996) é marcada por um intenso processo de municipalização da gestão da saúde. Assim, a auditoria no âmbito municipal, seja dos serviços públicos ou privados prestadores de serviços, passaram a ser de responsabilidade do gestor municipal do SUS (BRASIL, 1996a).

Essa norma operacional também é conhecida pelo estabelecimento de habilitação para os municípios e Estados para a gestão do SUS. Esse processo de habilitação garantia ao mesmo tempo um volume maior de prerrogativas de gestão e de recursos financeiros. No nível inferior de habilitação, os municípios responsabilizavam-se apenas pela auditoria dos serviços de Atenção Básica. No nível superior de habilitação, caberia ao gestor municipal também a auditoria dos serviços ambulatoriais e hospitalares. Para habilitação em qualquer dos níveis era necessário comprovar a estruturação do componente municipal do SNA. De forma muito semelhante ao processo de habilitação municipal, foram estabelecidas duas formas de habilitação estadual, cujo diferencial estava na inclusão da gestão dos serviços ambulatoriais e especializados, novamente sendo necessário comprovar a estruturação do SNA no âmbito estadual (BRASIL, 1996a).

Seguindo o processo de estruturação do SUS por meio de normas operacionais, no ano de 2002 foi editada a Norma Operacional de Atenção à Saúde (NOAS-SUS). Esse documento não trouxe grandes avanços em relação a auditoria no SUS, pois manteve a auditoria apenas nos campos analítico e operacional, vinculada ao pagamento dos recursos financeiros do Ministério da Saúde (BRASIL, 2002).

Apenas através do Pacto pela Saúde (Portaria 399 de 22 de fevereiro de 2006) que ocorre um incremento da auditoria no âmbito do SUS, com a inclusão da auditoria assistencial ou clínica. Essa auditoria é compreendida como um processo de aferição e indução da qualidade dos atendimentos realizados pelos serviços públicos de atenção à saúde. A auditoria assistencial se desenvolve amparada em procedimentos, protocolos e instruções de trabalho normatizados e pactuados, de forma a acompanhar e analisar criticamente os históricos clínicos, realçando ou não conformidades na execução dos procedimentos clínico-assistenciais (BRASIL, 2006a).

Essa portaria teve fundamental importância na reorganização da forma de financiamento e articulação interfederativa. Apesar de não impactar sobre estrutura de auditoria em saúde realizado na época, a Portaria nº 399 de 2006 introduziu novos instrumentos de gestão, os quais merecem a atenção de um auditor em saúde pública.

A auditoria clínica é reforçada pela Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. O objetivo central dessa portaria foi estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde. Nesse sentido, a auditoria clínica aparece como uma ferramenta de gestão da clínica, junto a gestão da condição de saúde, gestão de casos e as listas de espera. Segundo essa portaria:

há três enfoques principais de auditoria clínica: auditoria implícita, que utiliza opinião de experts para avaliar a prática de atenção à saúde; a auditoria explícita, que avalia a atenção prestada contrastando-a com critérios pré-definidos, especialmente nas diretrizes clínicas; e a auditoria por meio de eventos-sentinela. A auditoria clínica consiste na análise crítica e sistemática da qualidade da atenção à saúde, incluindo os procedimentos usados no diagnóstico e tratamento, o uso dos recursos e os resultados para os pacientes em todos os pontos de atenção, observada a utilização dos protocolos clínicos estabelecidos. Essa auditoria não deve ser confundida com a auditoria realizada pelo SNA (BRASIL, 2010, p.10)

Para cumprir uma agenda legal de regulamentação da Lei Orgânica da Saúde, mesmo que com um atraso significativo, foi publicado no ano de 2011 o Decreto 7508 (de 28 de junho de 2011). As regulamentações apontadas por esse instrumento referem-se ao planejamento da saúde, à assistência à saúde e à articulação interfederativa. Além disso, o decreto apresenta um série de conceitos relacionados à organização da rede de saúde e dentre eles está o Contrato Organizativo de Ação Pública da Saúde. Esse contrato substituiu as Programações Pactuadas Integradas, dando maior formalidade aos acordos firmados entre os entes federativos na integração das ações e serviços de saúde dentro de umaa região de saúde (BRASIL, 2011).

Em se tratando de um contrato entre entes federativos, foi destinado ao SNA o controle e a fiscalização dos Contratos Organizativo de Ação Pública da Saúde, o qual deve ser realizado por meio de serviço especializado (BRASIL, 2011).

No ano de 2012, com a publicação da Lei Complementar 141 (de 13 de janeiro de 2012) são sistematizadas as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde (BRASIL, 2012). Para viabilizar a transparência e o acompanhamento das contas de cada esfera de governo, essa lei soma ao ciclo de planejamento e gestão o Relatório Detalhado Quadrimestral, instrumento de gestão que deve ser apresentado ao poder legislativo e aos conselhos de saúde a cada quatro meses e conter, junto aos recursos aplicados e serviços ofertados, as auditorias realizadas e em curso no período. A Lei Complementar configurou-se como um instrumento importante de avaliação e controle do SUS, aglutinando diversos sistemas de informação em saúde e aumento o controle e fiscalização sobre a gestão pública da saúde (BRASIL, 2015).

Em resumo, observa-se que a legislação do SUS manteve-se inicialmente o modelo de auditoria herdado do INAMPS, focado no controle e fiscalização dos serviços hospitalares e especializados ofertados pelo SUS. Esse cenário é alterado progressivamente junto a municipalização do SUS, quando a auditoria é realizada também sobre os serviços de Atenção Básica, independente no nível de habilitação dos municípios. Dessa forma, num primeiro momento consolidaram-se a auditoria analítica, a auditoria operativa e auditoria de gestão no âmbito do SUS. No segundo momento, ocorre a introdução da auditora clínica, que incorpora as diretrizes para a avaliação controle e fiscalização dos serviços públicos de saúde, com foco na qualidade dos serviços.

4 ASPECTOS RELACIONADOS À CRIAÇÃO E AO DESENVOLVIMENTO LEGAL DO SISTEMA NACIONAL DE AUDITORIA

Nos primeiros anos após a publicação da Lei Orgânica da Saúde não houveram avanços quanto a auditoria no âmbito do SUS, uma vez que, por meio da NOB-SUS 91 a auditoria foi mantida no INAMPS (BRASIL, 1991). Dessa forma, a estruturação do SNA prevista pela Lei Orgânica da Saúde ocorreu apenas com a extinção do INAMPS, por meio da Lei 8.689, de 27 de julho de 1993. Por meio dessa legislação, foi atribuído ao SNA a avaliação técnico-científica, contábil, financeira e patrimonial do SUS. Funções estas que deveriam ser realizadas de forma compartilhada e solidária entre todas as esferas de governo.

Cabe destacar que inicialmente o SNA foi composto pelos cargos e funções de confiança do então extinto INAMPS. A organização legal desse sistema ocorre apenas no ano de 1995 através do Decreto nº 1.651 de 28 de setembro de 1995. No seu processo de estruturação, o SNA ficou composto, no nível federal, pelo Departamento de Controle, Avaliação e Auditoria (DCAA) e nos níveis estadual e municipal pelos respectivos órgãos criados sobre a supervisão da direção do SUS Ainda por meio desse decreto, o DCAA passou a integrar a Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde. Esse decreto também cria no âmbito do SNA a Comissão Corregedora Tripartite, com representações do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde, do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde e da direção nacional do SUS (BRASIL, 1995).

São atividades do SNA determinadas pelo Decreto nº 1.651 de 28 de setembro de 1995:

I – controle da execução, para verificar a sua conformidade com os padrões estabelecidos ou detectar situações que exijam maior aprofundamento; II – avaliação da estrutura, dos processos aplicados e dos resultados alcançados, para aferir sua adequação aos critérios e parâmetros exigidos de eficiência, eficácia e efetividade; III – auditoria da regularidade dos procedimentos praticados por pessoas naturais e jurídicas, mediante exame analítico e pericial (BRASIL, 2011, p. 123)

É importante lembrar que o SNA, com suas ramificações em todas as esferas de gestão, tem por função o controle, avaliação e auditoria de todas as entidades privadas, com ou sem fins lucrativos, que por ventura celebrarem contrato ou convênio para realização de serviços de assistência à saúde (BRASIL, 2011).

No ano de 1996, o Ministério da Saúde elaborou a primeira edição de um Manual de Normas de Auditoria e, em agosto de 1998, foi lançada a segunda edição. Esses documentos regulamentaram o cumprimento das normas e disposições relativas ao SUS (MELO, VAITSMAN, 2008).

A estrutura regimental e os cargos e funções gratificadas vinculados ao DCAA foram aprovados apenas no ano de 1998, por meio do Decreto nº 2.477, de 28 de janeiro de 1998 (BRASIL, 1998a). Esse decreto é revogado pelo Decreto n. 3.496 de 2000, promovendo uma reestruturação regimental ligada a auditoria em saúde. Por meio dessa reestruturação o DCAA, para a se chamar Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS), órgão de assistência direta do Ministério da Saúde responsável pela auditoria, controle e avaliação, bem como a correção de irregularidades praticadas no SUS no âmbito federal (BRASIL, 2000).

Até o ano de 2003, anualmente foram promovidas alterações na estrutura regimental do Ministério da Saúde, sem novas transformações no âmbito do SNA. As reestruturações regimentais são retomadas no ano de 2006, com destaque ao Decreto nº 5.841, de 13 de julho de 2006, que transfere o DENASUS dos órgãos de assistência direta do Ministério da Saúde para a Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (BRASIL, 2006b).

Cabe destacar que esta secretaria desenvolveu-se de forma marcante diante do crescente grau de complexidade e institucionalização do SUS que, somado à progressiva descentralização da gestão do SUS, exigiu medidas estratégias e participativas. Dessa forma, reuniram-se diversas estruturas responsáveis pelas funções de apoio à gestão estratégica e participativa no SUS na Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, que têm áreas de atuação complementares, com vistas a ganhar racionalidade e maior efetividade ao atuarem em conjunto.

5 OS INDICATIVOS DE AVANÇO DA AUDITORIA DO SUS PELOS RELATÓRIOS DAS CONFERÊNCIAS NACIONAIS DE SAÚDE

As Conferências Nacionais de Saúde (CNS) são instrumentos de avaliação da situação de saúde e proposição de diretrizes para a formulação da política de saúde no nível federal. Essas conferências acontecem a cada quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais. Dessa forma, a análise do tema auditoria nos relatórios finais dessas conferências permite compreender a importância e necessidade de aperfeiçoamento da auditoria no âmbito do SUS.

A primeira CNS realizada após a criação do SUS, foi 9ª CNS, realiza novembro de 1992. Ocorrida em meio a uma intensa crise política e ética e frente a manutenção do sistema de saúde no âmbito do INAMPS, a 9ª CNS tem como foco central a reafirmação do SUS então política de Estado, sendo cobrados financiamento adequado e cumprimento à Lei Orgânica da Saúde (BRASIL, 1992). A auditoria do SUS ainda não aprece no texto da conferência, especialmente em função do pouco desenvolvimento do SUS.

A 10ª CNS, ocorrida de 2 a 6 de setembro do ano de 1996, indicou a necessidade de implementar efetivamente o SNA do âmbito do SUS, com a descentralização da avaliação, da fiscalização e do controle técnico-científico, contábil, operacional, administrativo, financeiro e patrimonial de todos os serviços e ações realizadas no SUS (BRASIL, 1998b).

É interessante observar que a 10ª CNS ocorreu no ano seguinte a estruturação do SNA pelo Decreto nº 1.651 de 28 de setembro de 1995. Dessa forma, o relatório da conferência apontou para a necessidade de urgente estruturação do SNA por todos os entes federativos A resposta ao relatório da conferência aparece nos meses seguintes através do processo de habilitação promovido pela NOB-SUS 96, que exige dos municípios e Estados a estruturação dos componentes do SNA nas suas respectivas esferas de gestão.

Com o tema “O Brasil falando como quer ser tratado”, a 11ª CNS ocorreu de 15 a 19 de dezembro do ano 2000 e, em relação ao tema auditoria, a conferência indicou a necessidade capacitação de pessoal, a regulamentação do cargo de auditor do SUS; o desenvolvimento de tecnologia de controle, avaliação e auditoria que garantam o controle de qualidade e a necessidade do sistema de auditoria contribuir, efetivamente, para o diagnóstico e a reorganização do SUS (BRASIL, 2002).

Percebe-se uma evolução nas demandas da 11ª CNS quando comparada a anterior, uma vez que, na avaliação da plenária, o sistema de auditoria precisava não mais avançar na sua implementação, mas na sua qualificação. Dessa forma, a conferência concentra seus indicativos de avanço nos recursos humanos e nas ferramentas da auditoria em saúde no Brasil.

Convocada antecipadamente pelo, então, recém-eleito Presidente Lula, a 12ª CNS aconteceu no ano de 2003 como forma de garantir maior participação popular na elaboração do Plano Nacional de Saúde (2004-2007). Nessa conferência, a carreira do auditor do SUS aparece novamente, revelando uma agenda inconclusa da conferência do ano 2000. Contudo, a cobrança central é uma regularidade na auditoria das contas públicas, especialmente em relação aos municípios e às Programações Pactuadas Integradas. Como sugestão de periodicidade, a conferência indica a necessidade de auditorias anuais de toda e qualquer verba do SUS (BRASIL, 2004).

As exigências e responsabilidades progressivamente maiores do SNA culminaram na necessidade de incremento do financiamento da auditoria no SUS. Assim, a 13ª CNS, ocorrida em novembro de 2007, buscou garantir um financiamento tripartite para a estruturação do Sistema Nacional de Auditoria e execução de suas ações. O texto final aprovado também reforçava reinvindicações anteriores não alcançadas: a implementação da política de auditoria no SUS nas três esferas de governo; a integração das ações desenvolvidas por todas as instâncias de controle auditoria e fiscalização; e a definição da carreira de auditor do SUS, de caráter multiprofissional (BRASIL, 2008).

Outra marca da 13ª CNS é a proposta de instalação de uma auditoria federal para investigar o processo de terceirização das ações de saúde, a aplicação dos recursos financeiros destinados aos municípios para controle de endemias e a descentralização desses serviços, bem como a revisão de todos os contratos de terceirização (BRASIL, 2009).

Nesse momento percebe-se que os conferencistas se preocupavam com o crescente avanço do serviço terceirizado no SUS, materializadas especialmente sob a forma de fundações públicas de direito privado. Dessa forma, esperava-se que por meio da auditoria pudesse elencar os contratos de prestação de serviços que não respeitavam princípios e diretrizes do SUS, para propor a extinção desses ou de novos contratos dessa natureza.

A incorporação do DENASUS pela Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, já era um início da resposta a demanda da 13ª CNS de integração da auditoria a outros segmentos de acompanhamento, avaliação e controle do SUS. Contudo, a 14ª CNS, ocorrida nos meses de novembro e dezembro de 2011, indicava a necessidade de avanço dessa integração por meio de uma Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa que, dentre outros componentes, inclui a auditoria (BRASIL, 2012).

A 14ª CNS, realizada após um crescente movimento de participação popular na definição das políticas públicas e de fortalecimento dos conselhos de saúde, retoma uma demanda que aparecia de forma tímida nas conferências anteriores: a importância de auditorias que respondam as necessidades dos conselhos de saúde, órgãos fiscalizadores e deliberativos do SUS, potencializando o controle social.

Também retomaram ao texto do relatório da 14ª CNS a estruturação do Sistema Nacional de Auditoria do SUS nas três esferas de gestão e o incentivo à ações sistemáticas de controle, avaliação, ouvidoria e auditoria sobre os contratos e gastos do sistema de saúde.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio da análise da legislação estruturante do SUS é possível perceber que a composição de um sistema de auditoria, nacionalmente estruturado de forma solidária entre os entes federativos, esteve presente desde a Constituição Federal de 1988 e da Lei Orgânica da Saúde. Contudo, o modelo de auditoria herdado do INAMPS foi mantido inicialmente, o que começou a ser alterado apenas no ano de 1996 junto a municipalização do SUS. Após solidificarem-se as auditorias analítica, operativa e de gestão no âmbito do SUS é incrementada no âmbito da saúde pública brasileira a auditora clínica. Isso evidencia uma evolução da auditoria no sentido da qualidade dos serviços prestados, e não mais centrada apenas na economicidade do sistema de saúde.

As CNS são um reflexo claro do desenvolvimento da auditoria nos serviços públicos de saúde. Por meio delas é possível verificar o surgimento de um sistema de auditoria progressivamente mais robusto e com maiores responsabilidades sobre a qualidade das ações e serviços ofertados pelo SUS.

Por se tratar de uma pesquisa bibliográfica narrativa, o presente trabalho ocupou-se um buscar o desenvolvimento da auditoria nos documentos legais e normativas que abarcavam o tema, não cumprindo o rigor metodológico de outros tipos de revisão de literatura. Isso não impediu que o alcance dos objetivos do trabalho ou da metodologia proposta, possibilitando ao leitor uma compreensão rápida sobre a evolução da auditoria no âmbito do SUS. Assim, este artigo subsidia o desenvolvimento de novas pesquisas sobre a auditoria em saúde pública, em especial sobre a auditoria clínica e a auditoria em serviços básicos de saúde.

REFERÊNCIAS

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1 Técnica de Enfermagem e Advogada formada pela Faculdade Politécnica de Uberlândia
2 Enfermeira formada pela Universidade Federal do Paraná