REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.12105405
Denisson Santos Ferreira 1
Orientador: Prof. Dr. Saulo José Figueiredo Mendes 2
Coorientadora: Profa. Dra. Izabel Cristina Portela Bogéa Serra3
RESUMO
INTRODUÇÃO: A tuberculose (TB) é uma doença infectocontagiosa, considerada como um problema de saúde pública no país e no mundo. O seu tratamento é prolongado, tornando-se imprescindível a adesão à terapia medicamentosa para sua cura.
OBJETIVOS: Compreender sobre o impacto da COVID-19 no tratamento da tuberculose no Brasil, bem como as estratégias adotadas pelos profissionais de saúde para a adesão dos pacientes à terapia medicamentosa durante o período pandêmico.
MÉTODOS: O levantamento dos artigos científicos foi realizado nas bases de dados: Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) e National Library of Medicine (PubMed). Como critérios de inclusão foram usados estudos ecológicos, transversais, coorte retrospectivos, prospectivos descritivos, qualitativos e transversais, publicados na íntegra no período de 2020 a 2024. Os critérios de exclusão compreenderam os estudos repetidos, que não estavam na íntegra, revisões de literatura, relatos de casos, relatos de experiência e que não estavam relacionados ao objetivo proposto, constando de 10 artigos científicos utilizados na presente revisão integrativa de literatura.
RESULTADOS: A pandemia representou uma barreira na busca de atendimento de serviços de saúde devido medo e insegurança das pessoas em adquirirem a COVID-19, o que refletiu em uma diminuição na prescrição do tratamento preventivo da tuberculose e agravamento da doença e na TB multirresistente.
CONCLUSÃO: A pandemia da COVID-19 impactou negativamente no tratamento da tuberculose no território brasileiro, tornando-se um dos principais obstáculos à eficácia das medidas de controle da doença. Estratégias foram criadas em alguns serviços de saúde com o intuito de diminuir o reflexo negativo da pandemia na adesão terapêutica da TB, porém, mostraram-se insuficientes diante da crise sanitária que foi vivenciada.
Palavra-chave: Tuberculose, tratamento farmacológico, COVID-19.
ABSTRACT
INTRODUCTION: Tuberculosis (TB) is an infectious disease, considered a public health problem in the country and around the world. Its treatment is prolonged, making adherence to drug therapy essential for its cure.
PURPOSE: Understand the impact of COVID-19 on tuberculosis treatment in Brazil, as well as the strategies adopted by health professionals for patient adherence to drug therapy during the pandemic period.
METHODS: The survey of scientific articles was carried out in the following databases: Latin American and Caribbean Literature in Health Sciences (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) and National Library of Medicine (PubMed). As inclusion criteria, ecological, cross-sectional, retrospective cohort, descriptive prospective, qualitative and cross-sectional studies were used, published in full in the period from 2020 to 2024. The exclusion criteria comprised repeated studies, which were not in full, literature reviews, case reports, experience reports that were not related to the proposed objective, consisting of 10 scientific articles used in this integrative literature review.
RESULTS: The pandemic represented a barrier in the search for health services due to people’s fear and insecurity in acquiring COVID-19, which resulted in a decrease in the prescription of preventive treatment for tuberculosis and worsening of the disease and multidrug-resistant TB.
CONCLUSION: The COVID-19 pandemic had a negative impact on tuberculosis treatment in Brazil, becoming one of the main obstacles to the effectiveness of disease control measures. Strategies were created in some health services with the aim of reducing the negative impact of the pandemic on TB therapeutic adherence, however, they proved to be insufficient given the health crisis that was experienced.
Keywords: Tuberculosis, drug therapy, COVID-19.
1 INTRODUÇÃO
A COVID-19, que significa doença de coronavírus 2019, é causada pelo coronavírus ou SARS-CoV-2, que possui elevada capacidade de transmissão e propagação, afetando, na atualidade a população mundial, que não possui defesas naturais contra esta doença, o que pode ocasionar, a mortalidade considerável, atingindo principalmente pessoas idosas e/ou com doenças associadas (Santos et al., 2021; Berra et al., 2022; Souza et al., 2022).
A elevada capacidade de transmissão e propagação tornou a COVID-19, uma pandemia em nível mundial. O surgimento da doença foi na China no final de dezembro de 2019. No Brasil, começou a se propagar no ano seguinte, em fevereiro, com o registro de 22.287.521 casos no período de 2020 a 2021, o que levou o país a ocupar no mundo o terceiro lugar e o segundo em mortalidade, com aproximadamente 660 mil mortes (Berra et al., 2022; Souza et al., 2022).
Diante do alto poder de contaminação e mortalidade associadas ao coronavírus, foram criadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) medidas restritivas para coibir a disseminação de casos da COVID-19, preconizando-se sobre a importância do distanciamento social para evitar a propagação do coronavírus, restrição da mobilidade e as alterações no funcionamento dos serviços de saúde, embora necessárias, têm um efeito colateral no combate a outras doenças, entre as quais a tuberculose (Berra et al., 2022; Souza et al., 2022).
A tuberculose (TB), compreende uma doença infectocontagiosa ocasionada pelo bacilo Mycobacterium tuberculosis. Assim como a COVID, sua transmissão ocorre mediante a inalação de pequenas gotículas da tosse ou espirro de uma pessoa infectada, com sua progressão incidindo em possível óbito (Souza et al., 2021; Addo et al., 2022; Souza et al., 2022; Sales et al., 2023).
A doença se manifesta por meio de uma síndrome infecciosa, geralmente crônica, com a sua forma pulmonar apresentando a tosse como seu principal sintoma, que pode ser inicialmente seca e depois se apresentar com expectoração, com raias de sangue, dor torácica, dispneia, além de febre, assim como possui grande potencial de causar sequelas pulmonares estruturais (Addo et al., 2022; Tavares et al., 2024).
A TB é considerada um grave problema de saúde pública. Nos últimos cinco anos ocupou o primeiro lugar na lista de doenças infecciosas mais mortais, tornando-se uma das 10 principais causas de morte em nível mundial. Em 2019 afetou 10 milhões de pessoas mundialmente, causando aproximadamente 1,4 milhões de mortes. O Brasil encontra-se entre os 20 países com maior carga de tuberculose, responsável por 0,9% dos casos estimados mundialmente (Santos et al., 2021; Souza et al., 2021, Addo et al., 2022; Souza et al., 2022; Sales et al., 2023; Antunes et al., 2024).
O diagnóstico e tratamento precoce são essenciais para o controle e cura da TB, que ocorre em aproximadamente 85% dos casos após seis meses de terapia, assim como os pacientes podem se tornar não infecciosos após duas semanas do início do tratamento, o que diminui a transmissão da doença (Souza et al., 2021; Addo et al., 2022; Berra et al., 2022; Sales et al., 2023).
A terapia farmacológica pode variar de seis a doze meses dependendo da quantidade de bacilos detectáveis, compreendendo a fase intensiva durante dois meses com a administração de quatro medicamentos (rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol) e, posteriormente ocorre a fase continuada durante quatro meses com a utilização de isoniazida e rifampicina (Souza et al., 2021; Addo et al., 2022; Berra et al., 2022; Sales et al., 2023).
A adesão do paciente ao tratamento é essencial, para isso deve seguir a associação medicamentosa adequada, doses corretas e uso por tempo suficiente. Para garantir a adesão ao tratamento é recomendada a terapia diretamente observada (TDO) que monitora que o paciente adote a terapia farmacológica, assim como possibilita ao profissional de saúde identificar reações adversas aos medicamentos e minimizar o desconforto dos pacientes (Souza et al., 2021; Addo et al., 2022; Orfão et al., 2023).
A não adesão à terapia farmacológica advém de tratamentos inadequados, incompletos, com medicamentos ou dosagens inadequadas, que ocorre em aproximadamente 15% dos pacientes. Entre suas principais causas cita-se o elevado potencial neurotóxico e hepatotóxico dos medicamentos, que ocasiona reações adversas como prurido, náusea e fraqueza (Santos et al., 2021; Souza et al., 2021; Orfão et al., 2023; Sales et al., 2023; Tavares et al., 2024).
Como consequências do abandono ao tratamento, pode-se citar possíveis recidivas, agravo dos parâmetros clínicos, além da continuidade da cadeia de transmissão e desenvolvimento da TB multirresistente, que consiste em uma forma mais grave da doença, com sua resistência a pelo menos dois medicamentos utilizados no tratamento, como a isoniazida e a rifampicina (Santos et al., 2021; Souza et al., 2021; Orfão et al., 2023; Sales et al., 2023; Tavares et al., 2024).
No contexto apresentado, observa-se que a TB se constitui em relevante problema de saúde pública, que necessita de diagnóstico precoce é imprescindível a adesão do paciente ao tratamento, para que ocorra a cura desta doença. Por outro lado, a pandemia afetou profundamente os sistemas de saúde, que modificaram o seu funcionamento para conter o seu avanço, o que pode ter comprometido o tratamento de diversas doenças na atenção primária (Orfão et al., 2023). Nesse sentido, o objetivo do presente estudo foi compreender sobre o impacto da COVID-19 no tratamento da tuberculose no Brasil, bem como as estratégias adotadas pelos profissionais de saúde para a adesão dos pacientes à terapia medicamentosa durante o período pandêmico.
2 MÉTODOS
2.1 Critérios para Levantamento de Artigos
O levantamento dos artigos científicos foi realizado nas bases de dados: Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) e National Library of Medicine (PubMed).
Na busca dos artigos científicos foram usados como descritores da área da saúde (DECS) nas línguas portuguesa e inglesa: Tuberculose (Tuberculosis), Tratamento Farmacológico (Drug Therapy) e COVID-19, associados ao operador “AND”.
Para a seleção dos artigos científicos, foram utilizados como critérios de inclusão os estudos ecológicos, transversais, coorte retrospectivos, prospectivos descritivos, qualitativos e transversais, publicados na íntegra no período de 2020 a 2024. Enquanto os critérios de exclusão compreenderam os estudos repetidos, que não estavam na íntegra, revisões de literatura, relatos de casos, relatos de experiência e que não estavam relacionados ao objetivo proposto.
A partir da aplicação da metodologia proposta, foram utilizados 10 artigos científicos na presente revisão integrativa de literatura.
3 RESULTADOS
Para compreender sobre o impacto da COVID-19 no tratamento da tuberculose no Brasil, foram analisados 738 estudos, (MEDLINE = 218; LILACS = 2, PUBMED = 518). Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 10 artigos científicos (MEDLINE = 5; PUBMED = 5), entre estudo qualitativo (3), ecológico (4), coorte retrospectivo (1), prospectivo descritivo (1) e transversal (1), abrangendo o período de 2021 a 2024, conforme apresentados no Quadro 1
Quadro 1: Artigos utilizados nesta revisão integrativa.
Procedência | Título do Trabalho | Autores | Periódico | Considerações relevantes do trabalho |
MEDLINE | Patients’ perceptions regarding multidrug-resistant tuberculosis and barriers to seeking care in a priority city in Brazil during COVID-19 pandemic: a qualitative study. | Santos et al. | PLoS One, v. 16, n. 4, p. 1-19, apr. 2021. | Estudo qualitativo exploratório, que demonstrou nas percepções dos pacientes com TB, que a pandemia representou uma barreira na busca de atendimento de serviços de saúde devido medo e insegurança em adquirirem a COVID-19, refletindo no agravamento da tuberculose. |
PUBMED | Causes of multidrug-resistant tuberculosis from the perspectives of health providers: challenges and strategies for adherence to treatment during the COVID-19 pandemic in Brazil | Souza et al. | BMC Health Serv Res., v. 21, n. 1, p. 1-10, oct. 2021. | Estudo qualitativo, que constatou o agravamento da TB multirresistente durante a pandemia, o que decorreu da insegurança e medo dos pacientes em adquirirem a COVID-19. |
PUBMED | Living with tuberculosis: a qualitative study of patients’ experiences with disease and treatment. | Addo et al. | BMC Public Health, v. 22, n. 1, p. 1-16, sep. 2022. | Estudo qualitativo de pesquisa de mercado, que ao compreender as perspectivas comuns dos pacientes com TB, verificou que a COVID-19 dificultou o acesso dos pacientes aos serviços de saúde, o que prejudicou o monitoramento da tuberculose e adesão ao seu tratamento. |
MEDLINE | Impact of COVID-19 on tuberculosis indicators in Brazil: a time series and spatial analysis study. | Berra et al. | Trop Med Infect Dis., v. 7, n. 9, p. 1-19 , sept. 2022. | Estudo ecológico de série temporal, que demonstrou que a COVID-19 influenciou na adesão ao tratamento da TB. |
PUBMED | Influence of COVID-19 on the notification of drug-resistant pulmonary tuberculosis cases | Orfão et al. | BMC Infect Dis., v. 23, n. 1, p. 1-7, jul. 2023. | No estudo ecológico com abordagem quantitativa, foi observado o impacto da COVID-19 no diagnóstico e tratamento da TB, principalmente na sua forma pulmonar resistente a medicamentos, com a diminuição em mais de metade da oferta de testes de diagnóstico e de tratamento diretamente observado no ano 2020, quando comparado com 2019, o que comprometeu o avanço anteriormente proposto pela OMS na erradicação da TB até 2035. |
MEDLINE | Impact of the COVID-19 Pandemic on the Diagnosis of Tuberculosis in Brazil: Is the WHO End TB Strategy at Risk? | Souza et al. | Front Pharmacol., v. 13, p. 1-10, jun. 2022. | Estudo ecológico e de base populacional, que verificou a influência das medidas de distanciamento social, fechamento temporário de ambulatórios e medo da exposição ao SARS-CoV-2, como fatores que podem comprometer o diagnóstico de TB, além do acesso e adesão ao tratamento. |
MEDLINE | The impact of the COVID-19 pandemic in tuberculosis preventive treatment in Brazil: a retrospective cohort study using secondary data. | Coutinho et al. | Lancet Reg Health Am., v. 19, p. 1-9, mar. 2023. | Estudo de coorte retrospectivo, que ao verificarem que durante a pandemia o tratamento de TB continuou constante, porém houve uma diminuição na prescrição no tratamento preventivo da tuberculose. |
PUBMED | Clinical Features, Biochemical Parameters, and Treatment Adherence of Individuals Who Started the Treatment for Active Pulmonary Tuberculosis during the Pandemic Period. | Sales et al. | J Clin Med., v. 12, n. 14, p. 1-15, jul. 2023. | Estudo prospectivo descritivo, que ao investigarem a adesão ao tratamento de pacientes que iniciaram o tratamento para TB durante a pandemia, observaram que a taxa de não adesão ao tratamento foi análoga a outros estudos realizados antes do período pandêmico. |
MEDLINE | Tuberculosis treatment during the COVID-19 pandemic: actions offered and case profile. | Antunes et al. | Rev Gaúcha Enferm., v. 45, p. 1-13, 2024. | Estudo transversal que verificou a redução de ações ofertadas no tratamento de TB durante a pandemia, que constaram de radiografia de tórax no sexto mês, cultura de escarro, com a diminuição no número de consultas médicas e de enfermagem, que não atingiram seis. |
PUBMED | Unsuccessful tuberculosis treatment outcomes across Brazil’s geographical landscape before and during the COVID-19 pandemic: are we truly advancing toward the sustainable development/end TB goal? | Tavares et al. | Infect Dis Poverty., v. 13, n. 1, p. 1-13, feb. 2024 | Estudo ecológico com análise espacial realizado em todos os 5.569 municípios brasileiros. Observaram que houve134.394 casos de abandono de tratamento (perda de seguimento), 10.270 casos de resistência aos medicamentos e 37.863 mortes relacionadas à TB |
4 REVISÃO INTEGRATIVA
A pandemia influenciou nas notificações de TB, com uma redução de novos casos. Conforme dados da OMS, houve aproximadamente 1,4 milhão de diagnósticos a menos da doença não identificada e não tratada em 2020, com uma redução de 21% quando comparado a 2019. No território brasileiro, aconteceu também uma diminuição do quantitativo médio de notificações no ano de 2020, com estimativa de 6,5 casos de tuberculose em comparação ao período de 2017 a 2019 (Berra et al., 2022; Tavares et al., 2024).
Corroborando com o entendimento acima, Tavares et al. (2024) esclarecem que a redução de casos de TB durante o período pandêmico decorreu principalmente das subnotificações, pois em 2021, o quantitativo de casos voltou a aumentar e atingiu o maior número registrado desde 2015.
Orfão et al. (2023) discorrem que a pandemia sobrecarregou o sistema de saúde, o que limitou a oferta e a realização de testes diagnósticos de TB, assim como muitas pessoas evitaram utilizar os serviços de saúde com medo de contrair COVID-19, incidindo na redução de notificações de casos ativos e latentes de TB.
Nos artigos analisados, constatou-se que a pandemia impactou negativamente na adesão dos pacientes à terapia medicamentosa da TB. Souza et al. (2021) e Berra et al., (2022) destacam que no ano de 2020 o Brasil, em 2020, a aceitação ao tratamento foi de 71%, o que foi inferior às metas preconizadas pela OMS, que deveria ser superior a 85%, assim como em casos de TB multirresistente que teve tratamento bem-sucedido variando de 40 a 60%.
Contudo, Souza et al. (2021) mencionam que antes da pandemia a adesão ao tratamento da TB já compreendia um desafio no Brasil, pois apresentava baixos índices, principalmente no que se refere à TB multirresistente, o que se agravou com o período pandêmico que influenciou na redução das taxas de adesão.
Sales et al. (2023) acrescentam que com a pandemia houve uma piora no controle da TB, com o aumento no abandono do tratamento, o que decorreu principalmente da interrupção dos serviços de saúde e outras complicações relacionadas ao combate da COVID-19. No estudo de Tavares et al. (2024) foi constatado que houve 134.394 casos de abandono de tratamento de TB (perda de seguimento) e 10.270 casos de resistência aos medicamentos.
No mesmo entendimento acima, Berra et al. (2022), Orfão et al. (2023) e Tavares et al. (2024) esclarecem que durante o período pandêmico houve a reorganização dos serviços de saúde diante do número crescente de casos e morte associados à COVID-19. Foram realocados recursos humanos para atender casos, materiais e financeiros. Todas essas medidas foram emergenciais, com o intuito conter esta doença que afetou a população global, mas que refletiu negativamente no atendimento de outras doenças consideradas como relevantes problemas de saúde pública, com ênfase na tuberculose.
Berra et al. (2022) acrescentam que o tratamento de TB sofreu grandes impactos, pois em muitos hospitais houve a conversão de enfermarias de tuberculose em unidades de COVID-19, dificultando o cuidado dos pacientes com esta infecção contagiosa crônica, com a transferência do profissionais de saúde que realizavam o atendimento da TB para outras localidades, a fim de gerir a emergência da COVID-19. A ausência ou diminuição desses trabalhadores impactou ainda no atraso de diagnóstico, refletindo em apresentações clínicas mais graves da tuberculose, o que prejudicou a operacionalização do tratamento diretamente observado (TDO).
Corroborando com o disposto acima, no estudo de Addo et al. (2022), foi verificado conforme percepção dos pacientes em tratamento de TB, que durante o período pandêmico, houve a redução na monitorização terapêutica por parte das unidades de saúde, principalmente no que se refere ao acompanhamento de TDO, com os pacientes somente comparecendo aos serviços de saúde para buscarem seus medicamentos, mas sem um intensivo acompanhamento na administração desses fármacos.
Tavares et al. (2024) reiteram que além das mudanças nos serviços de saúde, houve também o impacto das medidas restritivas impostas pela OMS e o medo entre as pessoas em contrair a COVID-19, que criou barreiras ao acesso ao diagnóstico da TB e dificultou ainda a busca ativa de casos de sintomas respiratórios e rastreamento de contatos, além do monitoramento e adesão ao tratamento.
No contexto acima, Souza et al. (2021), Souza et al. (2022), Sales et al. (2023) e Antunes et al. (2024) esclarecem que a pandemia restringiu o contato interpessoal, o que interferiu no acompanhamento do tratamento da TB na atenção primária, principalmente referente ao TDO, pois os profissionais de saúde tiveram que diminuir visitas domiciliares, prejudicando o acompanhamento do tratamento dos pacientes, além de não realizarem o manejo dos efeitos colaterais, o que levou esses usuários a abandonarem a terapia medicamentosa.
Antunes et al. (2024) mencionam que a não adesão ao tratamento de TB foi ainda influenciada pelo distanciamento social imposto no período pandêmico, que dificultou a manutenção do vínculo entre a equipe de saúde e usuários, o que possivelmente pode ter contribuído para que as pessoas em tratamento de tuberculose não se sentissem acolhidos pelo sistema de saúde, e não continuassem com um tratamento farmacológico longo.
No entanto, no estudo de Coutinho et al. (2023) foi verificado que a proporção de tratamentos concluídos se manteve estável, assinalando que apesar da assistência a novos pacientes tenha sido interrompida com a pandemia, as pessoas que já estavam incluídos no sistema de saúde conseguiram adquirir medicamentos e terminar o curso da terapia.
Antunes et al. (2024) acrescentam que a pandemia, como uma situação de emergência, necessitou de remanejamento de recursos financeiros para conter a COVID-19, o que incidiu em cortes nos investimentos em ações primárias, consequente houve a diminuição do número de ações de acompanhamento do tratamento de diversas doenças, como a TB.
Apesar do período pandêmico refletir negativamente na redução da adesão ao tratamento da TB, foi observado o comprometimento na atenção primária em implementar estratégias, a fim de enfrentar esse cenário. Coutinho et al. (2023) Antunes et al. (2024) enfatizam sobre a necessidade de fortalecimento da saúde pública, mesmo diante de uma crise sanitária inusitada como pandemia. Para isso, cabe aos serviços de saúde fortalecerem o seu planejamento, a fim de efetivar o acesso dos indivíduos com TB a todas as ações terapêuticas previstas, com o intuito de garantir a manutenção do tratamento, além de conseguir a cura da doença e avançar significativamente nas metas propostas para a eliminação da tuberculose.
Santos et al. (2021), Souza et al. (2022), Orfão et al. (2023) e Tavares et al. (2024) discorrem sobre a importância dos profissionais de saúde em melhorar a eficiência do controle da doença e diminuir o abandono do tratamento, mesmo diante da pandemia. Para motivar a adesão ao tratamento de TB, os profissionais de saúde adotaram estratégias como consultas médicas por telefone e virtuais para monitorar a adesão ao tratamento, entrega de medicamentos nas residências dos pacientes e visitas de profissionais de saúde uma vez por semana. Destacam sobre a importância de evitar o abandono do tratamento, para que a TB não se torne multirresistente.
5 CONCLUSÃO
Na literatura analisada verificou-se que a pandemia da COVID-19 impactou negativamente o tratamento da tuberculose no território brasileiro, tornando-se um dos principais obstáculos à eficácia das medidas de controle da doença. As medidas restritivas do período pandêmico, como o distanciamento social, restringiram ou dificultaram o atendimento aos pacientes e seu acompanhamento durante a terapia medicamentosa. Estratégias foram criadas em alguns serviços de saúde com o intuito de diminuir o reflexo negativo da pandemia na adesão terapêutica da tuberculose, porém, mostraram-se insuficientes diante da crise sanitária que foi vivenciada.
REFERÊNCIAS
ADDO, J. et al.. Living with tuberculosis: a qualitative study of patients’ experiences with disease and treatment. BMC Public Health, v. 22, n. 1, p. 1-16, sep. 2022.
ANTUNES, L. B. et al. Tuberculosis treatment during the COVID-19 pandemic: actions offered and case profile. Rev Gaúcha Enferm., v. 45, p. 1-13, 2024
BERRA, T. Z. et al. Impact of COVID-19 on tuberculosis indicators in Brazil: a time series and spatial analysis study. Trop Med Infect Dis., v. 7, n. 9, p. 1-19 , sept. 2022.
COUTINHO, I. et al. The impact of the COVID-19 pandemic in tuberculosis preventive treatment in Brazil: a retrospective cohort study using secondary data. Lancet Reg Health Am., v. 19, p. 1-9, mar. 2023.
ORFÃO, N. H. et al. Influence of COVID-19 on the notification of drug-resistant pulmonary tuberculosis cases. BMC Infect Dis., v. 23, n. 1, p. 1-7, jul. 2023.
SALES, A. C. S. et al. Clinical Features, Biochemical Parameters, and Treatment Adherence of Individuals Who Started the Treatment for Active Pulmonary Tuberculosis during the Pandemic Period. J Clin Med., v. 12, n. 14, p. 1-15, jul. 2023.
SANTOS, F. L. D. et al. Patients’ perceptions regarding multidrug-resistant tuberculosis and barriers to seeking care in a priority city in Brazil during COVID-19 pandemic: a qualitative study. PLoS One, v. 16, n. 4, p. 1-19, apr. 2021.
SOUZA, L. L. L. et al. Causes of multidrug-resistant tuberculosis from the perspectives of health providers: challenges and strategies for adherence to treatment during the COVID-19 pandemic in Brazil. BMC Health Serv Res., v. 21, n. 1, p. 1-10, oct. 2021.
SOUZA, M. D. R. et al. Impact of the COVID-19 Pandemic on the Diagnosis of Tuberculosis in Brazil: Is the WHO End TB Strategy at Risk? Front Pharmacol., v. 13, p. 1-10, jun. 2022.
TAVARES, R. B. V. et al. Unsuccessful tuberculosis treatment outcomes across Brazil’s geographical landscape before and during the COVID-19 pandemic: are we truly advancing toward the sustainable development/end TB goal? Infect Dis Poverty., v. 13, n. 1, p. 1-13, feb. 2024.
1 Acadêmico do Curso de Farmácia, Universidade CEUMA.
2,3 Docente do Curso de Farmácia, Universidade CEUMA.