REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202411152105
Alice Almeida Entringer
Eduarda Pimenta Layber
Paulo Emilio Gouvêa Provedel
Orientadora: Profa. Mariana Poltronieri Pacheco
RESUMO
Introdução: A colangite esclerosante primária (CEP) é uma colestase intra ou extra-hepática crônica progressiva, idiopática, imunomediada de evolução lentamente progressiva, caracterizada por inflamação e fibrose dos ductos biliares, que pode evoluir para cirrose hepática ou colangiocarcinoma (CCA) na grande maioria dos pacientes. Objetivo: Analisar o que a literatura atual discorre sobre o manejo do paciente na CEP. Método: Foi realizada uma revisão sistemática utilizando o banco de dados PubMed e SciELO, aplicando os descritores “Colangite Esclerosante Primária” AND “Colangite” AND “Gerenciamento clínico” AND “Colangiocarcinoma” Discussão: E mais comum em homens, com média de diagnóstico aos 35 anos. A CEP tem ampla gama de sintomas e estágios da doença. No Início da doença os sintomas são raros e os pacientes podem ser assintomáticos. Os sintomas mais comumente encontrados são prurido, fadiga, dor abdominal no quadrante superior direito, icterícia, febre e perda de peso. Em cerca de 75% dos pacientes com CEP os testes de função hepática se encontram cronicamente anormais e flutuantes com padrão mais comumente encontrado de quadro colestático com elevação da fosfatase alcalina (FA) e gama GT (GGT). Embora CPRE seja considerada convencionalmente o exame padrão ouro para o diagnóstico de CEP, a principal modalidade de escolha atualmente para o diagnóstico por Imagem em pacientes com suspeita de CEP é a colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM). Devido à ausência de terapia medicamentosa efetiva, o transplante hepático (TH) continua sendo a única opção curativa. Existem poucas evidências para o uso de medicamentos como forma de Inibir a progressão da doença. Ainda assim, vários novos medicamentos estão sob Investigação, representando potencial para melhorar a sobrevivência e os desfechos clínicos na CEP. Considerações finais: Concluímos ser de extrema Importância abordar o manejo da CEP. O seu diagnóstico configura um grande desafio uma vez que seus aspectos clínicos, laboratoriais e de imagem se sobrepõem, como foi retratado durante esta exposição. Apesar disso, devido aos diversos diagnósticos diferenciais de icterícia com padrão colestático, a busca etiológica é crucial e a ausência de terapia medicamentosa efetiva, com diversos novos medicamentos em análise, deve orientar novos estudos para melhorar a sobrevivência e os desfechos clínicos desses pacientes. Outro ponto a ser considerado é que existe uma escassez de dados na literatura que abordem sobre a CEP na população brasileira.
Palavras-chave: 1. Colangite Esclerosante Primária. 2. Colangite. 3. Gerenciamento clínico. 4.Colangiocarcinoma.
ABSTRACT
Introduction: The primary sclerosing cholangitis (PSC) is a progressive, idiopathic, immune mediated disease, characterized by intra or extrahepatic cholestasis, Inflammation and fibrosis of the bile ducts, which may progress to liver cirrhosis or cholangiocarcinoma (CCA) in the vast majority of patients. Objective: Analyze what the current literature discusses about the management of PSC. Method: A systematic review was carried out using the PubMed and SciELO database, applying the descriptors “Primary Sclerosing Cholangitis” AND “Cholangite” AND “Clinical management” AND Cholangiocarcmoma. Discussion: It is more common in men, with an average diagnosis at 35 years old. The PSC has a wide range of symptoms and stages of the disease. In the beginning, symptoms are rare and patients may be asymptomatic. The most commonly found symptoms are pruritus, fatigue, right upper quadrant abdominal pain, jaundice, fever, and weight loss. In about 75% of patients with PSC, liver function tests are chronically abnormal and fluctuating with a most commonly found pattern of cholestatic condition with elevation of alkaline phosphatase (AF) and yglutamyl transferase (GGT). Although endoscopic retrograde cholangiopancreatography (ERCP) is conventionally considered the gold standard test for the diagnosis of PSC, the main modality of choice currently for Imaging diagnosis in patients with suspected PSC is magnetic resonance cholangiopancreatography (CPRM). Due to the absence of effective medical therapy for PSC, liver transplantation (LT) remains the only curative option. There is little evidence for the use of medications as a way to inhibit the progression of the disease. Still several new drugs are under investigation, representing the potential to improve survival and clinical outcomes in PSC. Final considerations: We conclude that it is extremely important to approach the management of PSC. The diagnosis is a great challenge since its clinical, laboratory and imaging aspects overlap, as it was portrayed during this exposure. Nevertheless, due to the various differential diagnoses ofjaundice with cholestatic pattern, the etiological search is crucial and the absence of effective medical therapy, with several new drugs under analysis, should guide further studies to improve the survival and clinical outcomes of these patients. Another point to be considered is that there is a scarcity of data in the literature that address the PSC in the Brazilian population.
Keywords: Primary sclerosing cholangitis and Cholangitis and Disease Management and Cholangiocarcinoma
1 INTRODUÇÃO
A colangite esclerosante primária (CEP) é uma doença hepática crônica rara, de causa ainda desconhecida. Evolui de forma lentamente progressiva, imunomediada, caracterizada por inflamação e fibrose dos ductos biliares intra e extra-hepáticos, causando colestase, estenose das vias biliares e fibrose hepática, que por sua vez pode evoluir para cirrose, hipertensão portal e descompensação hepática.
A associação com Doenças Inflamatórias Intestinais (DII) é uma marca registrada da condição, sendo as DII presentes na maior parte dos pacientes. A CEP pode ser diagnosticada antes da DII, mas geralmente a DII é diagnosticada alguns anos antes da identificação da CEP. Além disso, a CEP pode raramente estar associada a outras doenças imunomediadas, Incluindo doença celíaca, doença da tireoide, síndrome de Sjögren, diabetes mellitus tipo 1, esclerose sistêmica, fibrose retroperitoneal, anemia hemolítica autoimune, sarcoidose, e artrite reumatoide. Estudos mostram que os pacientes diagnosticados com CEP têm um risco significativamente aumentado de desenvolver várias malignidades abdominais, que de fato são responsáveis por 40% a 50% da mortalidade nestes pacientes, sendo os principais. colangiocarcinoma (CCA), carcinoma de vesícula biliar, carcinoma hepatocelular e câncer colorretal (CCR).5
Os preditores de câncer em CEP ainda são pouco claros, as medidas preventivas são em grande parte não comprovadas, e muito ainda é desconhecido em relação à prevenção e vigilância da neoplasia (colangiocarcinoma) em CEP.5 A progressão e o estágio terminal da doença hepática são inevitáveis na maioria dos pacientes. Inexiste terapia medicamentosa que altere significativamente o curso da doença e no ano de 1983, o transplante hepático (TH) foi estabelecido como a única opção de tratamento curativo. Contudo, a recorrência da CEP após o transplante de fígado em alguns pacientes foi notada alguns anos depois, assim como a possibilidade da ocorrência do CCR.4,6
2 MÉTODO
Foi realizada uma revisão literária em agosto de 2022, utilizando o banco de dados PubMed e SciELO, aplicando os descritores “Primary sclerosing cholangitis”; “Cholangitis”; “Disease Management”; “Cholangiocarcinoma”, definidos pelos Descritores em Ciências da Saúde (DECs). Foram determinados como critérios de Inclusão artigos com texto completo gratuito, publicados nos últimos cinco anos, nos idiomas inglês, português ou espanhol, realizados em humanos. Dos 35 artigos encontrados, após leitura dos títulos e resumos foram selecionados 8 artigos para elaboração da revisão, priorizando artigos que abrangeram acerca do manejo da CEP. Por fim foram Incluídos 5 outros artigos de importância para a revisão que contribuíram com o tema do estudo. O objetivo foi analisar o que a literatura atual discorre sobre o manejo da CEP.
3 DISCUSSÃO
3.1 EPIDEMIOLOGIA
A CEP é considerada uma doença rara que, no entanto, vem ganhando cada vez mais Importância na comunidade científica. Nos últimos anos a prevalência de CEP cresceu gradativamente nos grandes centros, principalmente Europa e América do Norte. Este fenômeno pode ser explicado devido ao avanço da tecnologia, sobretudo pela Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica (CPRE) e a Colangiopancreatografia por Ressonância Magnética (CPRM).
Atualmente a prevalência de CEP encontra-se em 3,85 e 16,2 em 100.000 habitantes sendo estes números respectivamente da Europa e América do Norte.1 No que tange a prevalência no Brasil, os dados encontrados foram escassos. Em editorial publicado pela Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH) sobre CEP, é pontuado que trata-se de doença rara no Brasil, com prevalência de I a 5% das doenças crônicas parenquimatosas do figado que necessitam do transplante hepático. Além disso, a CEP é mais característica em homens, com média de diagnóstico aos 35 anos de idade e é frequente a associação com doenças inflamatórias Intestinais como a retocolite ulcerativa (RCU) e Doença de Crohn (DC), sendo a RCU a principal causa de complicações precoces e aparecendo em cerca de 70% dos portadores de CEP.4 Divergindo da literatura realizada nos Estados Unidos, Reino Unido e Escandinávia, um estudo brasileiro multicêntrico com pacientes diagnosticados com CEP entre 1991 e 2021 envolvendo 177 pacientes, observou prevalência apenas discreta no sexo masculino (54,8%), e menos de 60% dos pacientes apresentando DII concomitante. Neste estudo foi observado que a maioria dos pacientes tinha idade entre 20 e 39 anos.8
Vale salientar ainda que pacientes com CEP possuem risco acumulado de colangiocarcinoma (CCA) aproximando-se de 20% em 30 anos, dessa forma, essas pessoas possuem uma chance de 400 a 1500 vezes maior de desenvolver o CCA.3,5
3.2 FISIOPATOLOGIA
A CEP é uma doença hepática crônica, progressiva e idiopática, caracterizada por um processo de inflamação, esclerose e obliteração das vias biliares intra elou extra-hepáticas. Diante desse contexto, um quadro de colestase é instalado resultando em um mau prognóstico, já que pode evoluir para cirrose biliar e hipertensão portal culminando assim para uma Insuficiência hepática.
E sabido que a CEP está fortemente relacionada à doença inflamatória intestinal, principalmente a retocolite ulcerativa. Há indícios que as condições genéticas associando CEP e DII estão ligadas ao complexo antígeno leucocitário, onde os antígenos específicos da doença conduzem as respostas imunes patogênicas. Essas respostas são devido a mobilização de células T ativadas, causando uma destruição contínua do ducto biliar através da ação de receptores MadCAM I e CCL25 expressados em células endoteliais hepáticas.2,1
A fisiopatologia da CEP ainda não está clara para os cientistas, contudo, admite-se que causas ambientais e genéticas desempenhem um papel importante na patogênese da doença. Um desafio na abordagem terapêutica eficaz é que ainda há escassez conceitual sobre a CEP assim, a compreensão sobre a doença parece ser complexa e multifacetada, deixando lacunas em respeito aos potenciais alvos terapêuticos.3
Como demonstrado na figura I podemos dividir a fisiopatologia da CEP em quatro momentos: (l) a inflamação da mucosa, que leva ao aumento da permeabilidade intestinal. (2) Ocorre a migração de linfócitos Intestinais da veia porta para o fígado, ativando respostas Imunes. (3) Conforme ativação da resposta Imune ocorre perpetuação da resposta inflamatória através dos componentes metabólicos e microbianos. (4) Através da via Hedgehog (sinalização) os miofibroblastos levam à fibrose da via biliar, perpetuando a estenose. Abreviaturas da figura: BEC, célula epitelial biliar; MHC II, complexo principal de histocompatibilidade classe II; TLR, receptor tipo toll; Treg, célula T reguladora.9
Figura 1 – Fisiopatologia da CEP
3.3 HISTÓRIA NATURAL E DESFECHO
A história natural da CEP é variável e muitas vezes imprevisível.2 Pacientes assintomáticos se mostraram com melhor prognóstico quando comparados a pacientes com sintomas no momento do diagnóstico. Atualmente, não existem ferramentas prognósticas estabelecidas que estimem de maneira confiável o prognóstico individual.4 CCA pode ocorrer a qualquer momento durante o curso da doença com risco mais alto relatado no primeiro ano após o diagnóstico e em comparação com a população geral apresenta um risco 160 a 400 vezes maior.9
Em estudo realizado no Japão, observou-se taxas de sobrevida em 5 e IO anos de 81,3 e 69,9%, respectivamente, e as taxas de sobrevida em 5 e 10 anos nos casos que não foram submetidos ao TH foram de 77,4 e 54,9%, respectivamente. I Mais da metade dos pacientes enfrentará doença hepática em estágio terminal e necessitará de transplante de fígado. O alto risco cumulativo ao longo da vida de desenvolver CCA é de 10% a 15% em pacientes com CEP. A CEP é responsável por aproximadamente 5% de todos os transplantes hepáticos por ano nos Estados Unidos. Na Europa, as taxas são mais altas, de 8% a 16% ao ano. A sobrevida de pacientes com CEP após TH aumentou acentuadamente nas últimas décadas e é de aproximadamente 80% em 5 anos.6
Foram relatados uma variedade de fatores preditivos de prognóstico, sendo os principais: idade no momento do diagnóstico, bilirrubina, albumina, fibrose hepática e hepatoesplenomegalia. Os resultados de uma pesquisa realizada no Japão Indicaram que fatores de idade jovem ao diagnóstico, baixos níveis de bilirrubina e altos níveis de albumina estavam relacionados a um bom prognóstico. Portanto, casos que não apresentam icterícia e casos jovens têm prognóstico relativamente bom.¹
Foram elaborados alguns modelos prognósticos para avaliação de risco utilizando exames laboratoriais e imagens, que podem ser utilizados para discutir a frequência de acompanhamento e avaliar os riscos e beneficios de futuras opções de tratamento.
O Escore de Risco de Mayo revisado prevê mortalidade em curto prazo e tem sido tradicionalmente o mais usado. Contudo, devido a algumas limitações quatro modelos mais recentes superaram seu uso, abrangendo todos os níveis séricos de bilirrubina, albumina e contagem de plaquetas. Os modelos classificam com precisão os pacientes com menor e maior risco de desfechos clínicos, como descompensação hepática ou sobrevida livre de transplante, embora nenhum dos modelos prognósticos usados em adultos possa avaliar o risco ou prever CCA.
Os modelos de prognósticos na CEP variam de acordo com algumas características dos pacientes. Como mostrado na figura 2, aqueles menores de 18 anos, possuem um prognóstico avaliado pelo escore de Resultados da Colangite em Pediatria (SCOPE). Aos pacientes adultos .com mais de 18 anos), os escores variam de acordo com o calibre do ducto acometido, ou com Hepatite Autoimune sobreposta, podendo ser utilizado o escore de Amsterdam-Oxford neste último caso. Nos pacientes com acometimento de pequenos ductos, o escore UK-CEP é o escolhido. Já nos pacientes com CEP onde os grandes ductos são acometidos, o escore de preferência é chamado de Ferramenta de Estimativa de Risco da CEP (PREsTO). Em caso de pacientes apresentando cirrose descompensada, os pacientes são classificados pelo modelo para doença hepática em estágio final (MELD) ou escore para doença hepática em estágio final na pediatria (PELD).9
Figura 2 – Fluxograma para escolha dos modelos prognósticos na CEP
Quadro I – Modelos de ro ósticos clínicos ara CEP
AmsterdamOxford 2017 | UK-CEP 2019 | PREsTO 2020 | SCOPE 2020 | |
Variáveis | Idade Bilirrubina Albumina AST FA Plaquetas Subtipo da CEP (grandes ductos ou pequenos) | Idade Bilirrubina Albumina FA Plaquetas Presença de doença biliar extra-hepática História de sangramento de varizes esofágicas | Idade Bilirrubina Albumina AST ALP Plaquetas Hemoglobina Sódio Anos desde o diagnóstico de CEP | Bilirrubina Albumina Plaquetas GGT Colangiografia (grandes ductos ou pequenos) |
Vários estudos pontuaram que o tabagismo e o consumo de álcool estão associados a um risco aumentado de CCA. No entanto, não há estudos publicados avaliando se a cessação do tabagismo ou do consumo de álcool pode reduzir o risco de malignidades hepatobiliares ou a sobrevida em pacientes com CEP.5
3.4 CLÍNICA: SINAIS E SINTOMAS
A CEP tem ampla gama de sintomas e estágios da doença. No Início da doença os sintomas são raros e os pacientes podem ser assintomáticos por muito tempo, mas em séries de pacientes publicadas recentemente 50% dos pacientes com CEP apresentam sintomas. Em casos mais estabelecidos, uma grande proporção de pacientes pode desenvolver sintomas de prurido, fadiga, dor abdominal no quadrante superior direito, icterícia, febre e perda de peso são observados em 47 a 56% dos pacientes. Estes são os sintomas mais comuns e podem Indicar um sinal de colangite bacteriana.
A CEP é frequentemente complicada com DII concomitante, sendo necessário a realização de colonoscopia de I a 3 anos mesmo que na ausência de sintomas, também é frequente manifestações de doenças autoimunes. A osteoporose está associada à CEP avançada, mas também à duração da DII. Na colestase grave prolongada, pode ocorrer má absorção de gorduras e vitaminas lipossolúveis devido à diminuição da concentração de ácidos biliares, que se manifesta com esteatorreia, perda de peso não intencional e coagulopatia.
A colangite aguda é uma complicação comum da CEP, estudos relatam que cerca de 6% dos pacientes com CEP apresentam colangite bacteriana ao diagnóstico e 40% apresentam essa complicação durante o curso da doença. Existem relatos de bacterobilia ocorrendo em 55% dos pacientes com doença avançada. Os fatores de risco para colangite incluem estenoses biliares, CPRE prévia e colite ativa. Contudo, ainda não há consenso sobre os critérios necessários para o diagnóstico de colangite bacteriana no paciente com CEP.9,10
Em alguns casos, a doença é diagnosticada como resultado de sinais clínicos e sintomas de CCA. As características de apresentação do CCA são inespecíficas, com CCA extra-hepática apresentando sintomas de obstrução biliar, como por exemplo, dor abdominal, icterícia, colúria, prurido, mal-estar, perda de peso, acolia fecal, aumento da fosfatase alcalina sérica e bilirrubina acima da linha de base da CEP. Por sua vez, o CCA intra-hepático apresenta fadiga, perda de peso, diminuição do apetite e sudorese noturna; a fosfatase alcalina é tipicamente elevada 1,5x acima do limite superior da normalidade (Valor de referência: 50120 U/L), mas a bilirrubina pode permanecer Inalterada.
Os pacientes geralmente se apresentam de várias maneiras, podemos pontuar como formas de um paciente com CEP se apresentar a um médico generalista as descritas no quadro abaixo.
Quadro 2 – Formas de a resentação dos acientes com CEP
I – Sem sintomas ou sinais, mas com achados incidentais de bioquímica hepática anormal |
II – Triagem com bioquímica hepática anormal persistente em pacientes com DII recémdiagnosticada ou pré-existente |
III – Icterícia e prurido secundários à colestase |
IV — Colangite bacteriana |
V – Icterícia secundária a insuficiência hepática |
VI — Complicações da hipertensão portal com sangramento por varizes elou ascite |
VII – CCA ou carcinoma da vesícula biliar |
3.5 DIAGNÓSTICO
3.5.1 Laboratorial
Em cerca de 75% dos pacientes com CEP os testes de função hepática se encontram cronicamente anormais e flutuantes com padrão mais comumente encontrado de quadro colestático com elevação da fosfatase alcalina (FA) e gama GT (GGT). 2, 11 Elevação da FA constitui um marcador sensível para o diagnóstico, mas não é específico. O diagnóstico é Indicado quando os níveis séricos de FA são mantidos em duas a três vezes os níveis normais por pelo menos seis meses contínuos. Embora o nível de FA significativamente elevado seja o principal índice usado para indicar colestase e esteja incluída nos critérios diagnósticos para CEP, pode, em alguns casos, estar dentro da faixa normal no momento do diagnóstico, pois os níveis de FA variam durante o curso da doença. 11 Bilirrubina sérica elevada está presente em 28-40% e é um marcador de mau prognóstico, mas é provável que seja uma superestimativa com casos mais avançados relatados por séries publicadas. Em geral, os níveis de transaminases (aspartato aminotransferase (AST) e a alanina aminotransferase (ALT)) estão levemente elevados (de duas a três vezes o limite superior do normal), mas, assim como os níveis de FA, alguns casos também apresentam níveis normais, essa elevação não sugere necessariamente características adicionais de hepatite autoimune.
Tal como acontece com outras causas de doença hepática, um predomínio de AST sobre ALT elevada pode ser um indicador de cirrose e mau prognóstico. Outros indicadores de cirrose ou hipertensão portal incluem um tempo de protrombina ou INR elevado, albumina baixa e plaquetas baixas.
Em 70% dos casos de CEP, os níveis de bilirrubina são normais no momento do diagnóstico, mas à medida que os sintomas progridem, o paciente acaba apresentando níveis anormais. Em 60% dos casos de CEP, os níveis de IgG mostram elevações graduais de 1,5 vezes o limite superior do normal.
Nenhum autoanticorpo confiável foi identificado para o diagnóstico de CEP10. O anticorpo anticitoplasma de neutrófilos (ANCA) mostrando padrão perinuclear (p-ANCA) é positivo em 33 a 88% das pessoas com CEP, mas não é específico e não está relacionado à atividade ou prognóstico da doença. Medição de outros testes bioquímicos, Incluindo anticorpos antinucleares, anticorpos antimitocondriais, anticorpos anti-músculo liso, anticorpos HIV, Imunoglobulinas totais e subconjuntos de imunoglobulinas (incluindo IgG4), devem ser realizados e resultados positivos devem levantar a suspeita de diagnósticos alternativos ou síndromes de sobreposição/variantes.2
A sobreposição de CEP e hepatite autoimune (AIH) ocorre em aproximadamente 10% dos casos, e é comum em pacientes adultos jovens e pediátricos com CEP. Achados como elevações do nível de transaminase de cinco vezes ou mais o limite superior do normal e auto anticorpo positivo (anticorpo antinuclear, anticorpo do músculo liso.) sugerem HAI.¹
3.5.2 Exames de imagem
A realização de exames de imagem é importante no diagnóstico de paciente quando a análise sérica indica colestase para diferenciar de outras causas, como icterícia obstrutiva.
A ultrassonografia abdominal, em geral, é o primeiro exame de Imagem realizado em um paciente com colestase, contudo geralmente é inconclusiva e raramente útil no diagnóstico de CEP. Seu uso no diagnóstico de colangite esclerosante pode ser importante para excluir algumas causas conhecidas de colangite esclerosante secundária e outras causas de doença da vesícula biliar com obstrução biliar, como cálculos, pólipos, aumento ou espessamento da parede, ou visualização de ductos biliares dilatados em alguns pacientes com CEP, também pode ser útil na identificação do desenvolvimento de hipertensão portal.2, 11 No que diz respeito ao uso da tomografia abdominal com contraste, embora possa demonstrar características de colangiopatia, seu uso é principalmente para o diagnóstico e estadiamento de suspeita de colangiocarc1noma.2
Embora CPRE seja considerada convencionalmente como o exame padrão ouro para o diagnóstico de CEP2 a principal modalidade de escolha atualmente para o diagnóstico por Imagem em pacientes com suspeita de CEP é a CPRM, com sensibilidade e especificidade de 0,86 e 0,94, respectivamente, e maior custo-efetividade para triagem Inicial.4, 11 No entanto, a CPRM pode ser menos sensível que a CPRE na detecção de alterações precoces da CEP e tem menos especificidade em pacientes com cirrose.2 Pesquisas que compararam as capacidades de CPRE e CPRM para diagnosticar CEP indicaram que CPRE foi superior na imagem dos ramos do ducto biliar, mas que CPRM foi superior na imagem de obstruções a montante do ducto biliar. Pesquisa que comparou a precisão diagnóstica de CPRE e CPRM para CEP Indicou que ambos os exames eram iguais, com a sensibilidade diagnóstica para CEP de CPRM em 80% ou superior e a especificidade em 87% ou superior.¹
Figura 3 – Achados de CEP na CPRM
Figura 4 – Achados da CEP na CPRE
Podemos pontuar os achados característicos do ducto biliar indicativos de CEP na CPRE• estenose em faixa, aparência de colar de contas, aparência de árvore podada e bolsa em forma de divertículo. l Presença de uma aparência típica de pérola causada por estenoses multifocais curtas dos ductos biliares é considerada a melhor evidência de suporte para o diagnóstico de CEP.²
A CPRE pode implicar em risco de acidentes pelo procedimento, como pancreatite pós-CPRE e exacerbação de colangite. Devido a isso, nos últimos anos a CPRM vêm sendo recomendada como o exame prioritário para avaliação do perfil do ducto biliar e diagnóstico de CEP ficando o uso da CPRE reservado apenas em casos com maior suspeita clínica de CEP onde os exames menos Invasivos, não revelaram achados característicos da CEP e para diagnóstico diferencial em casos que doenças malignas devem ser excluídas, como em casos suspeitos de CCA, bem como em casos que requerem procedimentos relacionados a CPRE 1,2 1 1 Concluímos assim que a CPRM deve ser realizada primeiro já que a precisão desta melhorou, é menos Invasiva que a CPRE e pode ser realizada com baixo custo. A Ressonância Magnética (RM) com contraste também pode fornecer informações adicionais sobre parênquima hepático, CCA e linfadenopatia.2
Como a CEP é frequentemente complicada com DII, a colonoscopia deve ser realizada mesmo na ausência de quaisquer sintomas. A complicação da DII é particularmente comum nos casos de CEP de início precoce.
3.5.3 Biópsia hepática
Devido a modernização das técnicas de imagem e por se tratar de um exame muito invasivo, com risco associado de eventos adversos, apesar de baixa mortalidade relacionada ao procedimento, o diagnóstico histológico com biópsia hepática deixou de ser rotineiramente utilizado. A biópsia hepática raramente adiciona informações diagnósticas na CEP clássica, devendo ser considerada quando a histopatologia ajudar a esclarecer o diagnóstico ou alterar o manejo, como quando há suspeita clínica de IgG4- SC, síndromes de sobreposição/variante de CEP e para diagnóstico de CEP de pequenos ductos. A biópsia hepática também pode ajudar na colestase inexplicável.
Na prática, a avaliação histológica é muitas vezes Inespecífica, demonstrando características gerais de colestase. Mas a marca registrada da CEP na avaliação histológica é a fibrose periductal concêntrica em “casca de cebola” (figura 5), contudo esse achado em geral não está presente em pequenas amostras de biópsia hepática. Outras características incluem proliferação do ducto biliar, alteração inflamatória periportal crônica, colangiectasia, ductopenia e graus variados de fibrose e cirrose.2 Nos últimos anos, tem havido muito Interesse no desenvolvimento de testes não invasivos de fibrose hepática para estratificação e prognóstico na CEP.
Figura 5 – Achado histológico característico da CEP
3.6 DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
Antes de realizar o diagnóstico de CEP é importante aventar diferentes hipóteses diagnósticas para melhor raciocínio clínico e abordagem terapêutica. Muitas doenças como colangite associada à IgG4, doença de Caroli, colangite esclerosante secundária e Colangite Biliar Primária (CBP) possuem características semelhantes a CEP, a última em especial é muito parecida, onde a dosagem do anticorpo anti mitocôndria (AMA) pode ser um divisor de águas para o diagnóstico correto. O AMA positivo é indicativo de CBP, assim como o anticorpo antinuclear, em contrapartida, resultados negativos desses anticorpos fortalecem ainda mais o diagnóstico de CEP.
Recentemente, a doença relacionada a IgG4 foi relatada como lesões que se assemelham a CEP do tipo ducto grande, assim tornou-se patente fazer a distinção das duas doenças. Uma das maneiras para diferenciar a CEP da Colangite associada à IgG4 é a ultrassonografia Intraductal, onde nos casos de CEP o epitélio aparece lesado e de forma irregular, no entanto, em casos de IgG4 0 epitélio aparece liso e Intacto através de 3 camadas, com a camada hipoecoica medial apresentando um espessamento característico.1
Como causas de colangite esclerosante secundária que devem ser excluídas, podemos citar colangiopatia Infecciosa relacionada ao HIV, colangite piogênica recorrente, colangite lenta ou subaguda não supurativa, colangiopatia parasitária, colangiocarcinoma, metástase intrahepática difusa, coledocolitíase, litíase intra-hepática, doença hepática fibrose cística, trauma cirúrgico de vias biliares, entre outros.9
Figura 6 – Imagem de ultrassonografia da CEP
3.7 MANEJO DA CEP
3.7.1 Transplante hepático
O transplante hepático (TH) é o único tratamento definitivo para CEP. O escore MELD e a classificação Child-Pugh-Turcotte (CPT) são utilizados como critérios de Indicação para o TH Independente da etiologia. As principais indicações para o TH em pacientes com CEP são doença hepática terminal, cirrose, complicações biliares graves, suspeita de neoplasia do ducto biliar e CCA.12
Além disso, pacientes com CEP e com CCA diagnosticado pela presença de uma estenose maligna e citologia/biópsia, antígeno sérico de carboidrato do marcador tumoral 19-9 (CA 199) > 100 U/mL na ausência de colangite, aneuploidia, ou uma massa hilar < 3cm de diâmetro podem qualificar pontos de exceção no escore MELD.9
Outras indicações para o transplante na CEP incluem alguns critérios especiais, como a colangite de repetição e o prurido incontrolável. Nos casos em que estes provocam diminuição acentuada da qualidade de vida (QV) do paciente, o TH é indicado mesmo que a função hepática esteja mantida. 16 O TH prolonga a sobrevivência de um receptor em mais de 10 anos em 70-80% dos casos.11
Os principais fatores que prejudicam os resultados do TH na CEP Incluem: estenose biliar, rejeição e recorrência da CEP. A recorrência foi considerada um fator de risco significativo para mortalidade, especialmente durante o seguimento a longo prazo. Em comparação com aqueles sem recorrência, a mortalidade em IO anos diminuiu.12
Os fatores de risco para recorrência da CEP são idade mais jovem e presença de RCU. Duas técnicas, Y-de-Roux ou coledocojejunostomia com anastomose ducto-ducto, são usadas na reconstrução biliar no TH em pacientes com CEP. São equivalentes em termos de sobrevivência, incidência de restrições biliares, CEP recorrente e CCA, mas a anastomose ducto-ducto têm mostrado menor incidência de colangite ascendente e, portanto, deve ser considerada como o método de escolha.¹¹
3.7.2 Medicamentos
Devido à ausência de terapia medicamentosa efetiva para a CEP, o TH continua sendo a única opção curativa com risco de recorrência plausível, com base em vários fatores que afetam aproximadamente um quinto dos receptores do TH. 12 Existem poucas evidências para o uso de medicamentos como forma de inibir a progressão da doença. Ainda assim, vários novos medicamentos estão sob Investigação, representando potencial para melhorar a sobrevivência e os desfechos clínicos na CEP. ¹¹
3.7.2.1 Ácido ursodesoxicólico
O Acido Ursodesoxicólico (UDCA) é o agente farmacêutico mais estudado e mais prescrito no tratamento da CEP. Trata-se de um ácido biliar hidrofilico que, em doses moderadas, exerce seus mecanismos de ação por meio de efeitos protetores nos colangiócitos, reduzindo a hidrofobicidade e a toxicidade da bile por meio da estimulação da secreção hepatobiliar. Além disso, desempenha um efeito direto na Imunidade adaptativa, por exemplo, Inibindo células dendríticas. Entretanto, os mecanismos exatos pelos quais o UDCA exerce seus efeitos ainda não foram definidos?
Em geral, o UDCA em dose baixa ou intermediária parece ter algum beneficio quimiopreventivo, enquanto em altas doses (28-30 mg/kg/dia) foi associado a um risco aumentado de efeitos adversos, incluindo um risco aumentado de CCR, portanto, deve ser evitado.5
As diretrizes anteriores da Associação Americana para o Estudo de Doenças Hepáticas (AASLD) de 2010 sobre CEP, se mostraram contra o uso do UDCA como terapia medicamentosa. No entanto, dados recentes em adultos mostraram que reduções significativas na FA têm sido associadas a melhores resultados, incluindo a redução da FA para menos de 1,5x o limite superior de normalidade, redução ou normalização de 40% da FA e normalização da FA.9
Os dados recentes demonstram benefícios de uma potencial redução ou normalização dos níveis de FA e GGT, uma abordagem, particularmente para pacientes Inelegíveis ou desinteressados em ensaios clínicos, é considerar o tratamento com o UDCA. Por conta da possível normalização espontânea da FA e GGT, os pacientes devem ser observados por 6 meses antes de iniciar o uso de UDCA para confirmar se as elevações são persistentes. Portanto, os pacientes com FA e GGT persistentemente elevados podem ser considerados para o tratamento com UDCA em 13-23 mg/kg/dia, e o tratamento pode ser continuado se o UDCA for tolerado e houver redução significativa ou normalização de FA (GGT em crianças) ou melhora dos sintomas com 12 meses de tratamento.9
Os mecanismos que explicam os efeitos prejudiciais de altas doses de UDCA não foram totalmente elucidados, mas podem estar parcialmente ligados ao aumento da quantidade de UDCA não absorvido entregue ao cólon e alterações no metabolismo dos ácidos biliares.3 Imunossupressores e imunomoduladores
Um estudo prospectivo não controlado mostrou que o imunossupressor metotrexato melhorou as enzimas canaliculares, o perfil do tecido hepático e o perfil do ducto biliar. No entanto, outro estudo prospectivo não controlado não evidenciou melhora nas enzimas canaliculares ou nos sintomas. Um estudo controlado randomizado relatou que, embora tenha havido melhora nas enzimas do trato hepatobiliar, não houve melhora no perfil do tecido hepático ou no perfil do ducto biliar.1 Recomenda-se que não sejam indicados corticosteróides e imunossupressores para o tratamento da CEP clássica. Naqueles pacientes com características adicionais de Hepatite Autoimune (AIH) ou colangite esclerosante relacionada a IgG4 (IgG4-SC), corticosteróides podem ser Indicados.
3.7.2.3 Bezafibrato
A eficácia do Bezafibrato foi relatada por pesquisas realizadas no Japão, sendo a primeira, um relato de caso publicado em 2002. Subsequentemente, duas séries de casos relataram melhora nas enzimas do trato hepatobiliar. Além disso, um estudo prospectivo não controlado relatou melhora das enzimas canaliculares em 64% dos casos estudados.1 Em outros estudos de coorte, o bezafibrato melhorou significativamente os níveis de FA sérica e agora é investigado em um ensaio de fase III. O prurido moderado a grave, também foi melhorado pelo bezafibrato em pacientes com CEP. 11
3.7.2.4 Antibióticos
Os antibióticos metronidazol e vancomicina demonstraram melhorar as enzimas canaliculares em estudos controlados randomizados. Um estudo prospectivo não controlado de minociclina relatou que a droga também melhorou as enzimas do trato hepatobiliar.¹ A vancomicina tem sido usada para tratar a CEP e resultou em melhora significativa dos sintomas clínicos e bioquímica hepática em alguns pacientes com Colangite Esclerosante Primária associada a Doença Inflamatória Intestinal (CEP-DII). No entanto, dados sobre o impacto da vancomicina na prevenção do câncer (ou prevenção de CEP recorrente pós-TH) ainda não estão disponíveis. O uso de vancomicina oral na CEP continua sendo uma área de pesquisa ativa.5
3.7.2.5 Ácido não-ursodesoxicólico (norUDCA)
Um ensaio clínico multicêntrico de fase II, Incluindo 161 pacientes com CEP sem terapia concomitante com UDCA, demonstrou redução da FA sérica dose-dependente (12,3%, 17,3% ou 26,0% vs placebo, respectivamente) durante um tratamento de 12 semanas com norUDCA 500 mg/dia, 1000 mg/dia, 1500 mg/dia ou placebo. Além disso, o norUDCA induziu uma redução dose-dependente semelhante nas transaminases. E importante ressaltar que o norUDCA mostrou um excelente perfil de segurança semelhante ao placebo e as taxas de prurido não foram diferentes do placebo. Com base nessas descobertas promissoras, um estudo de Fase III está em andamento.3
3.7.3 Tratamento endoscópico para estenoses dominantes
A estenose dominante é caracterizada por uma estase biliar na CPRE com diâmetro ≤ 1,5 mm no ducto biliar comum ou ≤ I mm no ducto hepático, apesar que na prática clínica o termo tem sido usado sem consenso claro. 9 E importante ressaltar que o termo estenose dominante possui seu uso restrito a CPRE, termo semelhante para a CPRM deve ser utilizado como estenose de alto grau e é definido como redução no lúmen > 75%.
Vale salientar que, a estenose dominante na CPRE ou uma progressão rápida de uma estenose na RM/ CPRM aumenta o risco de CCA, além disso, a presença de uma estenose dominante, mesmo na ausência de malignidade do ducto biliar, reduz significativamente a sobrevida.9
O tratamento endoscópico da estenose dominante poderá ser realizado através da dilatação por balão ou colocação de um stent. E de suma importância que esta decisão seja tomada com base em uma equipe multidisciplinar, incluindo o endoscopista avaliando, portanto, as particularidades de cada paciente.9
Figura 7 – CPRE evidenciando estenose dominante do ducto biliar dentro de 2cm do ramo entre os ductos he áticos direito e esquerdo
3.7.4 Tratamento do prurido
As diretrwes da Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL) para doenças colestáticas recomendam colestiramina, rifampicina, naltrexona e sertralina como opções terapêuticas para o prurido. I Sugere-se que a colestiramina seja o tratamento de primeira linha para o prurido, enquanto a sertralina, rifampicina e a naltrexona são tratamentos de segunda linha.2
Na abordagem do paciente com CEP e prurido de início recente, deve ser descartada estenose biliar relevante com RM/CPRM e a estenose, caso detectada, deve ser tratada com CPRE. Na ausência de uma estenose relevante, a abordagem começa com a orientação de evitar o calor, uso de emolientes elou anti-histamínicos, seguidos, se necessário, pela colestiramina, em seguida com utilização de medicações de segunda linha e terapia de terceira linha (fenobarbital, plasmaférese e/ou fototerapia), com TH considerada para sintomas refratários contínuos.9
Figura 8 – Abordagem do prurido na CEP
3.7.5 Rastreio de Colangiocarcinoma e outras malignidades
O CCA é a malignidade hepatobiliar mais comum na CEP, resultando em piora drástica do prognóstico. Ocorre em aproximadamente 10-15% dos pacientes ao longo da Vida, com metade dos casos sendo diagnosticados no primeiro ano após o diagnóstico da CEP provavelmente devido ao desenvolvimento de sintomas relacionados ao CCA. O CCA pode permanecer assintomático por um longo período, mas quando os sintomas aparecem, um tumor de estágio avançado normalmente está presente.
A detecção precoce e o diagnóstico tecidual da CCA têm sido historicamente desafiadores, as opçöes de tratamento limitadas estão disponíveis se o CCA for detectada e, consequentemente, o beneficio de sobrevivência da vigilância era amplamente desconhecido. Devido a essas limitações, atualmente não há consenso para a vigilância de CCA na CEP. É sugerido o uso de exames regulares de imagem e medição do CA 19-9 para vigilância do CCA. A maioria dos centros realiza RM anual ou bienal e CPRM para pacientes com CEP com sensibilidade e especificidade de 89% e 75%, respectivamente.5
A Ressonância Nuclear Magnética (RNM) anual do figado, combinada com a CPRM, poderia proporcionar maior sensibilidade para a detecção de lesões potencialmente malignas.11 O agravamento da bioquímica hepática e/ou presença de novas estenoses ou estenoses em evolução devem levar a uma investigação mais aprofundada para o CCA.
A ultrassonografia transabdominal é frequentemente escolhida devido ao seu menor custo, maior disponibilidade e maior aceitação do paciente em comparação com a RNM/CPRM No entanto, a sensibilidade é aparentemente menor em 57%, enquanto a especificidade é maior, de 94%. A Tomografia Computadorizada (TC) tem sensibilidade e especificidade semelhantes à RNM/CPRM em 75% e 80%, respectivamente, mas não é recomendada devido a longo prazo apresentar risco de radiação, contraste iodado e desempenho diagnóstico um pouco Inferior em alguns estudos.5
Embora o CA 19-9 seja o marcador amplamente utilizado e estudado, não há concordância no ponto de corte para o diagnóstico, e a sensibilidade e especificidade são relativamente baixas quando usadas isoladamente sem outras modalidades diagnósticas. O uso do CA 19-9 também aumenta a sensibilidade do ultrassom para 91%, com especificidade de 67%. Assim, propõese o uso de exames de imagens abdominais anuais combinadas com CA 19-9 para vigilância de CCA.5
A CPRE com amostragem biliar por biópsia pode ser outra estratégia de vigilância. Este exame deve ser utilizado apenas quando os exames de Imagem elou CA 19-9 sérico são positivos ou indeterminados/insuficientes, pois oferecem a oportunidade de obter amostras citológicas e histológicas necessárias para o diagnóstico definitivo de displasia ou CCA na CEP4,5
O TH ou a cirurgia com ressecção completa representam o único tratamento com capacidade de cura para o CCA. A quimioterapia sistêmica permanece como modalidade de tratamento paliativo principal para pacientes não elegíveis para cirurgia.4
Diretrizes atuais recomendam a consideração de colecistectomia em todos os pacientes com CEP que apresentam pólipos na vesícula biliar maiores que 8 mm, bem como massas na vesícula biliar de qualquer tamanho devido ao alto risco de malignidade atual ou em desenvolvimento.5
Apesar de não estar claro se a vigilância do Carcinoma Hepatocelular (CHC) é Indicada para todos os pacientes com CEP, na prática esta vigilância é feita com exames de Imagem a cada 6 meses para todos os pacientes com cirrose relacionada à CEP, assim como é feito para pacientes com cirrose devido a outras etiologias. O risco de CHC nos pacientes cirróticos com CEP e em pacientes apenas com CEP parece ser baixo, levantando a questão dos intervalos de vigilância na cirrose com CEP. Para pacientes sem cirrose, a vigilância do CHC é efetivamente um subproduto da vigilância de rotina do CCA.4,5
Nos países ocidentais, 60-80% dos casos de CEP são complicados com DII. O risco de aparecimento de neoplasia colorretal (displasia, carcinoma) associada à RCU é significativamente maior nos casos de RCU em associação com CEP quando comparado com a RCU isolada.
E recomendado que os pacientes com CEP-DII façam vigilância colonoscópica anual a partir do momento do diagnóstico da colite, de acordo com as diretrizes da Sociedade Britânica de Gastroenterologia (BSG). Sugere-se que aqueles sem DII podem se beneficiar com colonoscopia menos frequente, a cada 3-5 anos ou mais cedo, no advento de novos sintomas.2
Atualmente, não existem agentes farmacológicos que sejam rotineiramente recomendados para a prevenção da neoplasia em pacientes com CEP. Vários potenciais agentes modificadores de doenças e farmacoterapêuticos foram estudados, incluindo atorvastatina, azatioprina, colchicina, budesonida, ácido docosahexaenóico, D penicilamina, malotilato, metotrexato, metronidazol, minociclina, micofenolato de mofetil, nicotina, pentoxifilina, pirfenidona, prednisolona, tacrolimus, talidomida e silimarina, todos sem beneficio clínico claro.5
3.8 COMPLICAÇÕES
Colangite aguda com estenose de ducto biliar, colangiocarcinoma e doenças ósseas metabólicas (osteoporose, osteopenia) devido à cirrose hepática são algumas das complicações identificadas.¹
A colangite bacteriana deve ser manejada com uso de antibióticos, em alguns casos os pacientes precisam realizar rotação de antibióticos para evitar episódios recorrentes. Após episódio inicial de colangite bacteriana recomenda-se realizar CPRM para avaliação de estenose relevante. Em caso de resposta inadequada ao tratamento, os pacientes devem ser encaminhados para CPRE terapêutica.9
A triagem endoscópica para varizes esofágicas deve ser feita de acordo com as diretrizes Internacionais quando houver evidência de cirrose elou hipertensão portal2 Pacientes com CEP devem ser vacinados contra hepatite A e B caso não sejam imunes, e aqueles com cirrose devem ser orientados a abstenção alcóolica.9
Recomenda-se que todos os pacientes com CEP tenham uma avaliação de risco para osteoporose. Uma vez que a osteoporose é detectada, o tratamento e o acompanhamento devem estar de acordo com as diretrwes nacionais.2
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o cenário exposto, concluímos ser de extrema importância abordar o manejo da CEP visto que as colangiopatias são doenças crônicas que afetam as vias biliares, constituindo um grupo heterogêneo de doenças progressivas e potencialmente fatais. O seu diagnóstico configura um grande desafio uma vez que seus aspectos clínicos, laboratoriais e de imagem se sobrepõem, como foi retratado durante esta exposição. Apesar disso, devido aos diversos diagnósticos diferenciais de icterícia com padrão colestático, a busca etiológica é crucial e a ausência de terapia medicamentosa efetiva, com diversos novos medicamentos em análise, deve orientar novos estudos para melhorar a sobrevivência e os desfechos clínicos desses pacientes. Outro ponto a ser considerado é que existe uma escassez de dados na literatura que abordem sobre a CEP na população brasileira.
Além disso, a oportunidade de estudar e analisar o manejo da CEP, doença rara, contribuiu para a obtenção de enriquecimento teórico, formação de raciocínio clínico e capacidade para abordar corretamente essa patologia.
REFERÊNCIAS
- ISAYAMA, H.; TAZUMA, S.; KOKUDO, N.; TANAKA, A.; TSUYUGUCHI, T.; NAKAZAWA, T.; NOTOHARA, K.; MIZUNO, S.; AKAMATSU, N.; SERIKAWA, M.; NAITOH, I.; HIROOKA, Y.; WAKAI, T.; ITOI, T.; EBATA, T.; OKANIWA, S.; KAMISAWA, T.; KAWASHIMA, H.; KANNO, A.; KUBOTA, K.; TABATA, M.; UNNO, M.; TAKIKAWA, H.; PSC guideline committee Members: Ministry of Health, Labour and Welfare (Japan) Research Project, The Intractable Hepatobiliary Disease Study Group. Clinical guidelines for primary sclerosing cholangitis 2017. J Gastroenterol., 2018 Sep;53(9): 1006-1034. doi: 10.1007/s00535-018-1484-9. Epub 2018 Jun 27. Erratum in: J Gastroenterol., 2022. PMID: 29951926; PMCID: PMC8930933.
- CHAPMAN, M. H.; THORBURN, D.; HIRSCHFIELD, G. M.; WEBSTER, G. G. J.; RUSHBROOK, S. M.; ALEXANDER, G.; COLLIER, J.; DYSON, J. K.; JONES, D. E.; PATANWALA, I.; THAIN, C.; WALMSLEY, M.; PEREIRA, S. P. British Society of Gastroenterology and UK-PSC guidelines for the diagnosis and management of primary sclerosing cholangitis. Gut, 2019 Aug;68(8):1356-1378. doi: 10.1136/gutjnl-2018-317993. Epub 2019 Jun 1. PMID: 31154395; PMCID PMC6691863.
- VESTERHUS, M.; KARLSEN, T. H. Emerging therapies in primary sclerosing cholangitis: pathophysiological basis and clinical opportunities. J Gastroenterol., 2020 Jun;55(6):588-614. doi: 10.1007/s00535-020-01681-z. Epub 2020 Mar 28. PMID: 32222826; PMCID PMC7242240.
- KARLSEN, T. H.; FOLSERAAS, T.; THORBURN, D.; VESTERHUS, M. Primary sclerosing cholangitis – a comprehensive review. J Hepatol., 2017. doi: 10.1016/j.jhep.2017.07.022. Epub 2017 Aug 10. PMID: 28802875.
- FUNG, B. M.; LINDOR, K. L.; TABIBIAN, J. H. Cancer risk in primary sclerosing cholangitis: Epidemiology, prevention, and surveillance strategies. World J Gastroenterol., 2019 Feb. doi: 10.3748/wjg.v25.i6.659. PMID: 30783370; PMCID: PMC6378537.
- ASTARCIOGLU, I.; EGELI, T.; UNEK, T.; AKARSU, M.; SAGOL, O.; OBUZ, F.; OZBILGIN, M.; AYSAL AGALAR, A.; AGALAR, C. Liver Transplant in Patients with Primary Sclerosing Cholangitis: Long-Term Experience of a Single Center. Exp Clin Transplant., 2018 Aug;16(4):434-438. PMID: 30060730.
- BITTENCOURT, P. L. Colangite esclerosante primária. Programa de Educação Médica Continuada da Sociedade Brasileira de Hepatologia. Disponível em: https://sbhepatologia.org.br/fasciculos/17.pdf. Acesso em: 31 de novembro de 2022.
- NARDELLI, W.; BITTENCOURT, P. L.; CANÇADO, G. G. L.; FARIA, L. C.; VILLELA-NOGUEIRA, C. A.; ROTMAN, V.; SILVA DE ABREU, E.; MARIA FARAGE OSÓRIO, F.; EVANGELISTA, A. S.; SAMPAIO COSTA MENDES, L.; FERRAZ DE CAMPOS MAZO, D.; HYPPOLITO, E. B.; DE SOUZA MARTINS, A.; CODES, L.; SIGNORELLI, I. V.; PEREZ MEDINA GOMIDE, G.; AGOGLIA, L.; ALEXANDRA PONTES IVANTES, C.; FERREIRA DE ALMEIDA, E.; BORGES, V.; CORAL, G. P.; EULIRA FONTES REZENDE, R.; LUCIA GOMES FERRAZ, M.; RAQUEL BENEDITA TERRABUIO, D.; LUIZ RACHID CANÇADO, E.; COUTO, C. A. Clinical Features and Outcomes of Primary Sclerosing Cholangitis in the Highly Admixed Brazilian Population. Can J Gastroenterol Hepatol., 2021 Nov. doi: 10.1155/2021/7746401. PMID: 34805028; PMCID PMC8604588.
- BOWLUS, C. L.; ARRIVÉ, L.; BERGQUIST, A.; DENEAU, M.; FORMAN, L.; ILYAS, S. I.; et al. American Association for the Study of Liver Diseases practice guidance on primary sclerosing cholangitis and cholangiocarcinoma. Hepatology., 2022;00:1–44.
- APPANNA, G.; KALLIS, Y. An update on the management of cholestatic liver diseases. Clin Med (Lond)., 2020. doi: 10.7861/clinmed.2020-0697. PMID: 32934048; PMCID PMC7539742.
- PROKOPIE, M.; BEUERS, U. Management of primary sclerosing cholangitis and its complications: an algorithmic approach. Hepatol Int., 2021 Feb; 15(1):6-20. doi: 10.1007/s12072-020-10118-x. Epub 2020 Dec 30. PMID: 33377990; PMCID: PMC7886831.
- EATON, J. E.; WELLE, C. L.; BAKHSHI, Z.; SHEEDY, S. P.; IDILMAN, I. S.; GORES, G. J.; ROSEN, C. B.; HEIMBACH, J. R.; TANER, T.; HARNOIS, D. M.; LINDOR, R. D.; LARUSSO, N. F.; GOSSARD, A. A.; LAZARIDIS, R. N.; VENKATESH, S. K. Early Cholangiocarcinoma Detection With Magnetic Resonance Imaging Versus Ultrasound in Primary Sclerosing Cholangitis. Hepatology., 2021 May;73(5):1868-1881. doi: 10.1002/hep.31575. Epub 2021 Apr 19. PMID: 32974892; PMCID: PMC8177077.
- EMEK, E.; SERIN, A.; SAHIN, T.; YAZICI, P.; YUZER, Y.; TOKAT, Y.; BOZKURT, B. Experience in Liver Transplantation Due to Primary Sclerosing Cholangitis: A Single Center Experience. Transplant Proc., 2019. doi: 10.1016/j.transproceed.2019.01.156. Epub 2019 Aug 9. PMID: 31405746.