REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202409141718
Bianca Botelho Brito das Chagas1; Leandro Levy Andrade Wan Burk2; Renato Luiz dos Santos3; Cristiano da Silva Vieira4; Fábio Herrera Fernandes5
Resumo:
O sedentarismo infantil, impulsionado pelo uso excessivo de tecnologia, tem se tornado uma preocupação crescente no campo da saúde infantil. Este estudo realiza uma revisão crítica das estratégias atuais de combate ao sedentarismo infantil, identificando as principais lacunas nas abordagens existentes. Embora a redução do tempo de tela seja uma recomendação comum, as intervenções geralmente falham em manter a eficácia a longo prazo, em parte devido à ausência de um foco comportamental e na integração de tecnologias como aliadas na promoção da atividade física. Com base na revisão da literatura, este artigo propõe um novo modelo teórico que utiliza a tecnologia de maneira proativa, integrando-a a programas de educação física gamificados, monitoramento em tempo real e envolvimento familiar. O modelo sugerido visa aumentar a adesão das crianças às atividades físicas e garantir a inclusão de populações de baixa renda por meio de parcerias estratégicas para ampliar o acesso a dispositivos tecnológicos. O estudo conclui que a integração entre tecnologia e saúde pode oferecer soluções mais sustentáveis e eficazes para reduzir o sedentarismo infantil.
Palavras-chave: sedentarismo infantil, tecnologia, revisão crítica, intervenções, atividade física.
Abstract:
Childhood sedentary behavior, driven by excessive technology use, has become a growing concern in the field of children’s health. This study conducts a critical review of current strategies to combat childhood sedentary behavior, identifying the main gaps in existing approaches. Although screen time reduction is a common recommendation, interventions often fail to maintain long-term effectiveness, partly due to a lack of behavioral focus and integration of technology as a tool in promoting physical activity. Based on the literature review, this article proposes a new theoretical model that uses technology proactively, integrating it into gamified physical education programs, real-time monitoring, and family involvement. The suggested model aims to increase children’s adherence to physical activities and ensure the inclusion of low-income populations through strategic partnerships to broaden access to technological devices. The study concludes that integrating technology and health can offer more sustainable and effective solutions to reduce childhood sedentary behavior.
Keywords: childhood sedentary behavior, technology, critical review, interventions, physical activity.
1. Introdução
Nos últimos anos, o aumento do sedentarismo infantil tem se tornado uma preocupação crescente para pesquisadores e profissionais de saúde em todo o mundo. Estudos indicam que a inatividade física, aliada ao uso excessivo de dispositivos tecnológicos, como smartphones, tablets e videogames, tem contribuído significativamente para o agravamento desse quadro entre crianças de 6 a 12 anos de idade (Silva & Leite Filho, 2022). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o sedentarismo infantil está fortemente associado ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, diabetes tipo 2 e problemas cardiovasculares, desde as fases iniciais da vida (World Health Organization, 2019).
O uso de tecnologias digitais, especialmente no contexto de entretenimento, tem se tornado um dos principais fatores para o aumento do sedentarismo nessa faixa etária. O tempo gasto em atividades sedentárias, como assistir televisão ou jogar videogame, tem superado o tempo dedicado a atividades físicas, o que contribui para a manutenção de estilos de vida pouco saudáveis entre as crianças (Ponti, 2023). Além disso, as recomendações tradicionais para mitigar o sedentarismo, como limitar o tempo de tela, têm se mostrado insuficientes, sugerindo que estratégias mais integradas, que combinem tecnologia e atividade física, são necessárias para reverter esse cenário (Carson et al., 2016).
Apesar da vasta literatura que discute os efeitos negativos do uso excessivo de tecnologia no desenvolvimento infantil, ainda existem lacunas importantes nas estratégias propostas para mitigar esse problema. Muitas abordagens atuais limitam-se a recomendar a redução do tempo de tela, sem considerar soluções que aproveitem a própria tecnologia como uma aliada na promoção de atividades físicas (Chassiakos et al., 2016). Nesse contexto, torna-se essencial investigar novas formas de intervenção que possam integrar a tecnologia de maneira proativa e positiva, ajudando a promover a saúde infantil de forma mais eficaz.
O presente estudo visa revisar criticamente a literatura existente sobre as estratégias de combate ao sedentarismo infantil, destacando as falhas nas abordagens atuais e propondo um novo modelo teórico que utiliza a tecnologia como ferramenta para incentivar a atividade física. Ao identificar as principais lacunas nos estudos existentes e avaliar as intervenções que ainda não foram amplamente implementadas, espera-se contribuir para o desenvolvimento de soluções inovadoras que possam ser aplicadas tanto em ambientes escolares quanto domiciliares.
2. Metodologia
Este estudo configura-se como uma revisão crítica de literatura, focada na análise de estratégias de combate ao sedentarismo infantil relacionadas ao uso excessivo de tecnologia. Diferentes abordagens metodológicas foram consideradas para estruturar o estudo, como a revisão sistemática, integrativa e narrativa, e adotou-se a revisão crítica por sua capacidade de avaliar profundamente as lacunas de pesquisa e propor um novo modelo teórico de intervenção.
1.1. Tipos de Revisão Bibliográfica
Este estudo configura-se como uma revisão crítica de literatura, focada na análise de estratégias de combate ao sedentarismo infantil relacionadas ao uso excessivo de tecnologia. Diferentes abordagens metodológicas foram consideradas para estruturar o estudo, como a revisão sistemática, integrativa e narrativa, optando-se pela revisão crítica por sua capacidade de avaliar profundamente as lacunas de pesquisa e propor um novo modelo teórico de intervenção.
De acordo com Mendes, Silveira e Galvão (2008), as revisões de literatura podem ser classificadas em diferentes categorias, cada uma com um propósito e método distinto. A revisão sistemática é um método rigoroso que busca identificar, avaliar e sintetizar todas as evidências empíricas disponíveis para responder a uma pergunta de pesquisa específica (Kitchenham, 2004). Já a revisão integrativa abrange uma síntese da literatura que permite a inclusão de estudos teóricos e empíricos com diferentes metodologias, fornecendo uma compreensão mais abrangente do tema estudado (Souza, Silva & Carvalho, 2010). Por fim, a revisão narrativa caracteriza-se por ser mais descritiva e menos rígida, proporcionando uma visão geral sobre um tema, mas sem um processo sistemático de busca e seleção de estudos (Rother, 2007).
Neste artigo, optou-se pela revisão crítica, que combina elementos de revisões integrativas e sistemáticas, permitindo uma avaliação profunda e detalhada das estratégias e intervenções existentes, além de identificar as lacunas na literatura atual, conforme proposto por Grant e Booth (2009).
1.2. Fontes de Dados
A revisão foi conduzida utilizando bases de dados confiáveis e amplamente reconhecidas na área da saúde e educação física, incluindo PubMed, Scielo, Google Scholar e Web of Science. Essas bases foram selecionadas por sua relevância e abrangência, garantindo a cobertura de estudos nacionais e internacionais sobre sedentarismo infantil e o impacto da tecnologia.
1.3. Estratégia de Busca
Para garantir uma revisão ampla e representativa, a busca foi realizada utilizando descritores controlados e livres, tais como: “sedentarismo infantil”, “uso de tecnologia”, “atividade física”, “screen time” e “intervenções para saúde infantil”. Os operadores booleanos “AND” e “OR” foram aplicados para combinar os termos e refinar a busca, conforme metodologia de busca avançada defendida por Cooper (2016).
1.4. Critérios de Inclusão e Exclusão
Foram estabelecidos critérios rigorosos para a inclusão e exclusão dos estudos, com o objetivo de assegurar a qualidade dos artigos revisados. A Tabela 1 a seguir apresenta detalhadamente os critérios de inclusão e exclusão adotados para esta revisão:
Tabela 1: Critérios de Inclusão e Exclusão
CRITÉRIO | DESCRIÇÃO |
Período | Estudos publicados entre 2013 e 2023. |
Bases de Dados | PubMed, Scielo, Google Scholar, Web of Science. |
Tipo de Publicação | Artigos revisados por pares, relatórios técnicos e revisões sistemáticas sobre sedentarismo infantil. |
Faixa Etária | Estudos focados em crianças de 6 a 12 anos. |
Critérios de Inclusão | Estudos que discutem o impacto do uso de tecnologia e intervenções q5ue promovam atividade física. |
Critérios de Exclusão | Publicações que não abordam a faixa etária delimitada ou com baixo rigor metodológico. |
Fonte: Elaborado pelo autor.
Procedimentos de Análise Crítica
A análise crítica dos estudos selecionados foi realizada em três fases principais, baseadas nos princípios de avaliação propostos por Gough, Oliver e Thomas (2012). Primeiramente, houve a avaliação da qualidade de cada estudo, verificando a robustez metodológica das intervenções propostas, a fim de garantir que elas possuíssem embasamento teórico consistente. Em seguida, procedeu-se à comparação temática, onde os estudos foram agrupados por categorias, permitindo a comparação entre diferentes estratégias de combate ao sedentarismo. Por fim, a identificação de lacunas foi realizada para identificar as principais falhas nas abordagens analisadas, como a falta de integração entre tecnologia e promoção da atividade física.
1.5. Síntese dos Resultados
A síntese dos resultados será apresentada por meio de quadros comparativos, que sumarizam as contribuições de cada estudo, suas limitações e os aspectos que podem ser aprimorados. Essa abordagem permitirá uma visão clara e objetiva dos pontos críticos das estratégias analisadas. A Tabela 2, apresentada a seguir, detalha as etapas do processo de revisão crítica.
Tabela 2: Etapas da Revisão Crítica
ETAPA | DESCRIÇÃO |
1. Planejamento da Revisão | Definição dos objetivos, questão de pesquisa e tipos de estudos a serem incluídos, conforme Cooper (2016). |
2. Busca nas Bases de Dados | Realização da busca sistemática utilizando descritores combinados com operadores booleanos (Mendes et al., 2008). |
3. Seleção dos Estudos | Aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, conforme Petticrew e Roberts (2006). |
4. Avaliação Crítica | Análise crítica dos estudos em relação à qualidade metodológica e relevância, seguindo Gough et al. (2012). |
5. Síntese dos Dados | Organização dos dados em quadros comparativos e identificação das lacunas, conforme Grant e Booth (2009). |
Fonte: Elaborado pelo autor.
3. Resultado
A revisão crítica dos estudos revelou um panorama amplo sobre as intervenções propostas para mitigar o sedentarismo infantil relacionado ao uso de tecnologia. A síntese crítica está organizada em três categorias principais: análise das abordagens de intervenção existentes, identificação das lacunas e proposição de um novo modelo teórico que integra a tecnologia de forma positiva na promoção da atividade física.
3.1. Síntese Crítica dos Estudos Analisados
Os estudos revisados indicam uma série de intervenções já propostas para mitigar o sedentarismo infantil, com diferentes níveis de sucesso. Um dos enfoques mais comuns envolve a redução do tempo de tela, que é amplamente recomendado como medida de saúde pública. Segundo Ponti (2023), limitar o tempo de tela a menos de duas horas por dia pode ajudar a reduzir os níveis de sedentarismo entre crianças. Outros estudos, como o de LeBlanc et al. (2015), também reforçam a importância de equilibrar o tempo de tela com atividades físicas regulares para prevenir a obesidade infantil.
Outra abordagem amplamente discutida na literatura é o uso de videogames ativos como ferramenta para incentivar a prática de atividades físicas em casa. Staiano e Calvert (2011) sugerem que videogames ativos, como os baseados em sensores de movimento, podem aumentar a motivação das crianças para se engajarem em atividades físicas de forma lúdica. No entanto, o impacto positivo dessas intervenções tem sido limitado pela falta de continuidade e pela dependência de contextos específicos, como a supervisão de adultos e a presença de equipamentos adequados, conforme apontado por Gao et al. (2020).
Por outro lado, intervenções escolares também têm sido objeto de estudo. Ridgers, et al. (2012) enfatizam que as escolas oferecem um ambiente ideal para promover a atividade física por meio de programas estruturados de educação física. No entanto, estudos como o de Guthold et al. (2020) apontam que a falta de infraestrutura, a sobrecarga curricular e a ausência de envolvimento da comunidade escolar limitam a eficácia dessas intervenções. Além disso, Brown et al. (2016), ressaltam que os programas escolares, por si só, muitas vezes não são suficientes para mudar os hábitos sedentários fora da escola, especialmente se não forem complementados com políticas de envolvimento familiar.
3.2. Identificação das Lacunas
A análise das intervenções existentes permite identificar algumas falhas significativas nas estratégias atuais de combate ao sedentarismo infantil. Uma das principais falhas está na pouca integração da tecnologia como uma ferramenta positiva para promover a atividade física. Embora muitas intervenções tecnológicas sejam sugeridas, como o uso de videogames ativos, há uma falta de coordenação entre o uso da tecnologia e outras estratégias de promoção de saúde. Segundo Cano et al. (2020), a maioria das intervenções ignora o potencial da tecnologia para ser utilizada como aliada, ao invés de tratá-la apenas como uma inimiga no combate ao sedentarismo.
Outra lacuna significativa está na ausência de um enfoque comportamental profundo, especialmente no que diz respeito à motivação intrínseca das crianças para se envolverem em atividades físicas. Ryan e Deci (2017), argumentam que as intervenções baseadas apenas em restrições, como a limitação do tempo de tela, podem ter efeitos limitados se não abordarem os fatores psicológicos que influenciam os hábitos sedentários. Da mesma forma, Lubans et al. (2008), destacam que programas de atividade física bem-sucedidos devem ser desenvolvidos de forma a incluir componentes motivacionais que incentivem o engajamento prolongado das crianças.
Além disso, a falta de soluções sustentáveis e aplicáveis a longo prazo é uma limitação crítica. Muitas intervenções, como apontado por Cavill, Biddle e Sallis (2015), concentram-se em medidas de curto prazo, sem considerar a viabilidade de manter esses programas ao longo do tempo. As escolas, em particular, enfrentam dificuldades para sustentar intervenções duradouras devido à falta de recursos financeiros e de treinamento adequado dos professores de educação física, conforme discutido por Ridgers et al. (2012).
Outro aspecto negligenciado nos estudos é a diversidade socioeconômica e cultural das populações infantis. Gautam et al. (2023), apontam que as famílias de baixa renda têm menos acesso a tecnologias que poderiam ser usadas para promover a atividade física, como aplicativos de monitoramento ou equipamentos de videogames ativos. Isso implica que as intervenções muitas vezes não são inclusivas o suficiente para atender às necessidades de todas as crianças, levando à desigualdade no combate ao sedentarismo.
3.3. Proposição do Novo Modelo Teórico
Com base na análise crítica das lacunas identificadas, propõe-se um novo modelo teórico que explora a tecnologia como uma ferramenta para promover a atividade física de forma interativa e sustentável. Esse modelo integra a tecnologia, a educação física e o envolvimento da família em um esforço coordenado para aumentar a prática de atividade física em crianças de 6 a 12 anos. O modelo proposto é fundamentado em quatro pilares:
Educação Física Gamificada: A criação de programas de educação física que utilizam a tecnologia, como aplicativos e videogames ativos, para motivar as crianças a participar de atividades físicas. Staiano e Calvert (2011) sugerem que o uso de gamificação pode aumentar a adesão das crianças a programas de exercícios ao transformar a atividade física em uma experiência lúdica.
Monitoramento em Tempo Real: A implementação de dispositivos de monitoramento de atividade física, como pedômetros e smartwatches, que permitam que as crianças acompanhem seu progresso e recebam feedback em tempo real. Almaqhawi e Albarqi (2022), demonstram que o uso de dispositivos tecnológicos para monitorar a atividade física pode aumentar o engajamento das crianças e melhorar seus níveis de atividade.
Envolvimento Familiar: O modelo propõe envolver os pais no processo, incentivando-os a usar a tecnologia para monitorar o progresso de seus filhos e participar de atividades conjuntas. Brown et al. (2016), argumentam que o apoio familiar é um fator crucial para a adoção de hábitos saudáveis, e que os pais podem influenciar diretamente o comportamento das crianças em relação à atividade física.
Acessibilidade e Inclusão: Para garantir que o modelo seja inclusivo e acessível para todas as crianças, especialmente aquelas de baixa renda, propõe-se a criação de parcerias entre escolas, governos e empresas de tecnologia para fornecer dispositivos a baixo custo. Gautam et al. (2023), destacam que a inclusão de famílias de baixa renda é essencial para que qualquer programa de intervenção tenha sucesso em larga escala.
4. Discussão
4.1. Relação com a Literatura
Os resultados desta revisão crítica confirmam muitos dos achados da literatura existente sobre o sedentarismo infantil e o impacto do uso excessivo de tecnologia, especialmente no que diz respeito às intervenções voltadas para a redução do tempo de tela e à promoção da atividade física. De maneira geral, há consenso de que o tempo de tela excessivo está associado a um aumento do comportamento sedentário e a uma redução nos níveis de atividade física em crianças (Ponti, 2023; LeBlanc et al., 2015). Esse ponto é amplamente aceito e converge com os achados desta revisão, que também identificou a limitação do tempo de tela como uma estratégia central em várias intervenções.
No entanto, as abordagens que envolvem o uso de tecnologias, como videogames ativos e aplicativos de monitoramento, mostraram-se controversas na literatura. Enquanto alguns autores, como Staiano e Calvert (2011), relatam benefícios moderados dessas intervenções, outros, como Gao et al. (2020), enfatizam que esses métodos, quando utilizados isoladamente, tendem a perder eficácia com o tempo, devido à falta de continuidade e apoio contextual. Essa divergência sugere que, embora as intervenções tecnológicas tenham potencial, sua implementação precisa ser acompanhada de abordagens mais estruturadas e de longo prazo, o que foi reforçado na presente revisão.
4.2. Exploração das Lacunas
A presente revisão identificou lacunas importantes nas estratégias atuais de combate ao sedentarismo infantil. Uma das falhas mais significativas é a falta de integração da tecnologia como aliada na promoção da atividade física. Embora diversas intervenções tentem reduzir o tempo de uso de dispositivos eletrônicos, poucas exploram o potencial desses dispositivos para incentivar o movimento. A pesquisa de Cano et al. (2020), destaca a necessidade de utilizar a tecnologia de forma proativa para motivar as crianças a se engajarem em atividades físicas, uma área que, como identificado nesta revisão, ainda está subexplorada.
Outra lacuna notável é o enfoque limitado nos fatores comportamentais e motivacionais. Como Ryan e Deci (2017), sugerem, as intervenções que ignoram os componentes motivacionais e psicológicos tendem a ter impactos de curto prazo. Isso foi evidente em vários estudos analisados, nos quais a adesão das crianças às atividades físicas diminuía após o término das intervenções, o que levanta questões sobre a sustentabilidade dessas estratégias a longo prazo. Programas que incorporam elementos de gamificação e competição, como sugerido por Staiano e Calvert (2011), têm o potencial de aumentar a motivação intrínseca, mas precisam ser implementados de forma mais coordenada.
A desigualdade no acesso às tecnologias de saúde e de monitoramento de atividades físicas também representa uma lacuna significativa, conforme relatado por Gautam et al. (2023). Famílias de baixa renda têm menor acesso a essas ferramentas, o que limita o impacto de muitas intervenções que dependem da tecnologia. Portanto, a falta de inclusão e acessibilidade em algumas intervenções representa um obstáculo para sua aplicabilidade em larga escala.
4.3. Proposição do Modelo Teórico
Para preencher essas lacunas, propomos um modelo teórico que explora a tecnologia de forma mais integrada na promoção da atividade física infantil, abordando não apenas a redução do tempo de tela, mas também a utilização da tecnologia como uma ferramenta de engajamento. Este modelo se baseia em quatro pilares: gamificação da educação física, monitoramento em tempo real, envolvimento familiar e acessibilidade e inclusão.
A gamificação é uma abordagem essencial no modelo proposto, conforme argumentado por Lubans et al. (2008), que destacam que a competição saudável e os desafios lúdicos podem aumentar significativamente a adesão das crianças a programas de atividade física. Além disso, o monitoramento em tempo real por meio de dispositivos tecnológicos, como sugerido por Almaqhawi e Albarqi (2022), permite que as crianças e suas famílias acompanhem o progresso, incentivando uma maior consistência nos níveis de atividade física.
O envolvimento familiar também é um componente crucial para o sucesso do modelo proposto. Como relatado por Brown et al. (2016), o apoio e a participação ativa dos pais são fundamentais para que as crianças adotem hábitos de vida mais saudáveis. Nesse sentido, aplicativos que forneçam relatórios diários aos pais sobre o progresso dos filhos podem ser ferramentas valiosas para promover uma mudança comportamental sustentável.
Finalmente, a questão da acessibilidade e inclusão foi amplamente discutida em nossa revisão, especialmente em relação às barreiras socioeconômicas enfrentadas por algumas famílias. O modelo proposto aborda essa questão sugerindo parcerias entre governos e empresas de tecnologia para garantir que dispositivos de monitoramento de atividade física e aplicativos estejam disponíveis a baixo custo para crianças de todas as classes sociais. Conforme sugerido por Gautam et al. (2023), a inclusão de populações vulneráveis é essencial para o sucesso de qualquer intervenção de saúde pública em larga escala.
4.4. Limitações da Revisão
Apesar das contribuições teóricas e práticas desta revisão crítica, algumas limitações devem ser reconhecidas. Primeiramente, a revisão se baseou exclusivamente em estudos publicados, o que pode ter excluído intervenções experimentais ou pilotos que ainda não foram documentados na literatura acadêmica. Além disso, a revisão não incluiu uma análise empírica direta, o que limita a capacidade de avaliar a eficácia dos modelos propostos em contextos práticos. Estudos futuros devem explorar essas intervenções em diferentes ambientes, como escolas e comunidades, para validar a aplicabilidade do modelo teórico proposto.
Outra limitação está na dependência de estudos de base tecnológica desenvolvidos em contextos de alta renda, o que pode não refletir a realidade de países ou regiões com menor acesso à tecnologia. Como apontado por Cavill, Biddle e Sallis (2015), as intervenções precisam ser adaptadas ao contexto sociocultural e econômico das populações-alvo, uma questão que deve ser abordada em pesquisas futuras.
5. Conclusão
A revisão crítica realizada sobre as estratégias de combate ao sedentarismo infantil relacionado ao uso excessivo de tecnologia trouxe à tona importantes achados e lacunas na literatura atual. Embora diversas intervenções se concentrem em reduzir o tempo de tela e promover a atividade física, muitas falham em manter a eficácia a longo prazo, especialmente devido à falta de continuidade e à ausência de foco em fatores comportamentais.
O modelo teórico proposto, que integra a tecnologia como uma aliada no incentivo à prática de atividades físicas, apresenta-se como uma abordagem inovadora para preencher essas lacunas. A utilização de ferramentas tecnológicas, como gamificação e dispositivos de monitoramento, combinadas com o envolvimento familiar e o acesso ampliado para populações de diferentes realidades socioeconômicas, oferece um caminho promissor para a redução do sedentarismo infantil.
As contribuições desse modelo vão além da promoção da atividade física, englobando também aspectos sociais e de saúde pública. Ao adotar uma abordagem inclusiva, que considera as diversas realidades socioeconômicas, o modelo pode impactar positivamente tanto a saúde física das crianças quanto o desenvolvimento de hábitos saudáveis que perdurem ao longo da vida.
Estudos futuros devem se concentrar na aplicação empírica do modelo teórico proposto, com o objetivo de validar sua eficácia em diferentes contextos, como ambientes escolares e comunitários. Além disso, a personalização das intervenções tecnológicas para atender às preferências individuais de cada criança poderá ser um fator-chave para aumentar a motivação e a adesão a programas de atividade física.
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