REVENGE PORN E A PANDEMIA DE COVID-19: UMA ANÁLISE DO AUMENTO DE CASOS NO BRASIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7984863


Allyson Ferreira Frazão1 
Emanuel Soares de Sousa1
John kennedy Teixeira Lisbino2


RESUMO 

O presente artigo traça Revenge Porn e a pandemia de covid-19: uma análise do aumento de casos no brasil, com ênfase na pornografia de vingança no Brasil. Primeiro, associam-se esses crimes como fruto de uma sociedade machista e patriarcal. Através de uma retomada sociológica, como apresentação de dados, notícias, estudos, conclui-se que a pornografia de vingança afeta um grande número de mulheres, e pode ser considerada uma forma de violência de gênero perpetrada contra as mulheres. O objetivo geral buscou verificar os aspectos relacionados a expansão do delito revenge porn no Brasil durante a pandemia da covid-19. Já os objetivos específicos: conceituar e contextualizar o revenge porn e a pandemia de Covid-19; analisar os dados científicos já divulgados sobre os casos de revenge porn durante a pandemia de covid-19; identificar os principais elementos motivadores que contribuem para a pratica de vingança pornográfica; apresentar sugestões de comportamento para a pessoa vítima de revenge porn. A metodologia utilizada do tipo de pesquisa dedutivo e bibliográfica, foi desenvolvido um estudo em conjunto com doutrinas, jurisprudências, legislação, e artigos científicos que versam acerca do presente assunto. Portanto, a Pornografia de Vingança é tida como a prática criminosa de cunho sexual que possui visibilidade com a propagação do uso e a facilidade da internet, possui como base a prática da divulgação de vídeos e fotos da intimidade sem a autorização da vítima motivado pelo o sentimento de vingança, onde este nasce muitas das vezes através do término do relacionamento não importando o lapso temporal.

Palavras-chave: Revenge porn, pandemia da covid-19, pornografia de vingança.

ABSTRACT 

This article traces Revenge Porn and the covid-19 pandemic: an analysis of the increase in cases in brazil, with an emphasis on revenge porn in Brazil. First, these crimes are associated with a male-dominated and patriarchal society. Through a sociological review, such as the presentation of data, news, studies, it is concluded that revenge pornography affects a large number of women, and can be considered a form of gender violence perpetrated against women. The general objective sought to verify aspects related to the expansion of revenge porn in Brazil during the covid-19 pandemic. As for the specific objectives: to conceptualize and contextualize revenge porn and the Covid-19 pandemic; analyze the scientific data already released on cases of revenge porn during the covid-19 pandemic; identify the main motivating elements that contribute to the practice of pornographic revenge; present behavioral suggestions to the victim of revenge porn. The methodology used of the deductive and bibliographic type of research, a study was developed together with doctrines, jurisprudence, legislation, and scientific articles that deal with the present subject. Revenge Pornography is considered a criminal practice of a sexual nature that has visibility with the spread of use and the ease of the internet, based on the practice of disclosing videos and photos of intimacy without the victim’s authorization motivated by the feeling of revenge, where this is often born through the end of the relationship, regardless of the time lapse.

Keywords: Revenge porn, covid-19 pandemic, revenge porn.

1 INTRODUÇÃO 

O presente trabalho aborda Revenge Porn e o aumento desse delito durante a pandemia da covid-19 no Brasil, como ele afeta a sociedade brasileira e em especial a mulher. A pornografia de vingança, também conhecida como “Revenge Porn”, ocorre, na maioria das vezes, o ato sendo praticado pelo ex-namorado/marido/companheiro em busca de vingança e humilhação após um relacionamento terminar, expondo cenas de nudez de sua ex-namorada/esposa/companheira. Em muitos casos, a gravação de cenas entre os dois é permitida no local, mas essa permissão não se estende à divulgação em redes sociais.

Revenge porn é uma modalidade de expressão surgida nos Estados Unidos, e que traduzida em português significa pornografia de vingança, e com o surgimento das redes sociais, vários casais tem se relacionado por aplicativos de conversas em troca de mensagens, materiais de imagens e vídeos de conteúdo sexual, ou seja, é uma questão que está sendo muito recorrente na atualidade e que tem crescido o número de ações judiciais e a propagação nas mídias sociais, fazendo com que seja rompido esse laço de confiança entre o casal, quando divulgado tais privacidades.

Assim sendo, este termo tem como finalidade difundir no espaço virtual através de redes sociais, fotos ou vídeos íntimos que são obtidos no momento em que está acontecendo no relacionamento de ambos os cônjuges como justificativa, que em determinado momento conturbado, um deles se vingue como forma maliciosa para denegrir a imagem do outro. A maior parte das vítimas são mulheres, geralmente os agressores são ex-maridos, ex-amantes, ex-namorados, ou indivíduos que tiveram um relacionamento em um curto período de tempo.

Com a evolução dos meios de comunicação, a pornografia de vingança acabou de se tornar um grande problema em relação a violência de gênero, fazendo com que a vítima perda seu emprego, se distancie das relações pessoais íntimas, e levando a mesma a sofrer problemas psicológicos, podendo até mesmo nos casos mais graves essa vítima cometer suicídio. Atualmente a Lei Maria da Penha condena às condutas de pornografia de vingança na medida em que a lei é aplicada buscando punir qualquer forma de violência contra a mulher.

Diante disso, define-se a Revenge porn e a pandemia de covid-19: uma análise do aumento de casos no Brasil. Com isso, para a concretização da pesquisa, buscou-se responder a seguinte problemática: quais os motivos que levaram ao aumento de crimes de vingança pornográfica durante a pandemia causada pela covid-19? Parte-se da hipótese de que maneira as ações judiciais e a propagação nas mídias sociais, fazendo com que seja rompido esse laço de confiança entre o casal, quando divulgado tais privacidades.

Deste modo o objetivo geral deste trabalho consiste em verificar os aspectos relacionados a expansão do delito revenge porn no Brasil durante a pandemia da covid-19. Para tanto, foram delimitados os seguintes objetivos específicos: Conceituar e contextualizar o revenge porn e a pandemia de Covid-19; Analisar os dados científicos já divulgados sobre os casos de revenge porn durante a pandemia de covid-19; Identificar os principais elementos motivadores que contribuem para a pratica de vingança pornográfica; Apresentar sugestões de comportamento para a pessoa vítima de revenge porn.

O presente tema se justifica-se pela relevância dos pesquisadores em conhecer melhor a temática, em virtude de conhecer os principais elementos motivadores que contribuem para a pratica de vingança pornográfica, surgindo assim uma necessidade de entender mais sobre o crime de pornografia de vingança, a fim de demonstrar que tal conduta tem como maioria vítimas as mulheres.

A metodologia utilizada para o desenvolvimento do estudo, utilizou-se a pesquisa de natureza básica, uma vez que, objetiva a geração de conhecimentos a fim de ajudar no avanço da ciência, de acordo com as necessidades e interesses locais e foi usada a abordagem qualitativa, a qual permite a interpretação dos dados coletados com o objetivo de gerar conhecimentos para resolver problemas específicos.

Quanto aos objetivos, optou-se pela pesquisa explicativa, tendo em vista a necessidade de explicar a razão da situação-problema e analisar o fenômeno estudado, buscando a identificação de suas causas. Quanto aos procedimentos, adotou-se o formato de pesquisa bibliográfica. Em relação a estes, utilizou-se pesquisa bibliográfica com base em material já elaborado.

2 DESENVOLVIMENTO 

2.1 Direito e tecnologia 

Numa sociedade cada vez mais difundida pela mídia, comumente verifica-se acontecimentos incontestáveis de violação à imagem de indivíduos, principalmente daqueles que detêm certa notoriedade. Englobado no rol dos Direito da Personalidade, o direito à imagem vem inscrito, no artigo 5º, inciso X, na Constituição Federal que lhe assegurou não só a inviolabilidade à honra e imagem como, também, prevê o direito de indenização face à sua violação, tendo nos últimos anos o direito à imagem através da sua atribuição econômica adquirindo grande relevância.

Há manifestações dos direitos da personalidade como o direito de imagem já na concepção, tendo em vista que a lei resguarda os direitos do nascituro, mas que se efetivam apenas no nascimento com vida pelo ordenamento jurídico. Essa constatação pode ser verificada nos ensinamentos de Venosa (2017), que ressalta o regime de proteção adquirido pelo nascituro no Direito Civil e no Direito Penal, mesmo que não possua todos os requisitos da personalidade, já que na legislação o nascituro não é considerado pessoa, mas tem a proteção legal de seus direitos desde a concepção, resultando numa colocação peculiar entre nós.

Como dito anteriormente, os direitos da personalidade como o direito de imagem se manifestam a partir do nascimento com vida que é condição para que o indivíduo seja considerado uma pessoa natural quando adquire a personalidade sobre a qual recairão deveres e se apoiarão direitos como a da imagem. Pode-se afirmar que a atual Carta Magna protege o direito à imagem expressa e efetivamente, diferenciando respectivamente a imagem da intimidade, da vida privada e também da honra através de três incisos do artigo 5º cujo texto assegura os direitos fundamentais.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas. (BRASIL, 1988).

Desse modo, o direito à imagem é uma categoria do grupo direitos da personalidade e, consequentemente, é inato ao indivíduo, sendo reconhecido pelo ordenamento jurídico e se colocando entre os direitos e garantias individuais.

Diniz (2012) ressalta a autonomia do direito de imagem em relação à intimidade, identidade, honra ou outros bens jurídicos ainda que em determinadas situações o direito de imagem esteja ligado a esses bens não como partes integrantes um do outro, haja vista que a imagem pode ser violada e ao mesmo tempo essa violação não atingir a intimidade ou a honra.

Schreiber (2013) enfatiza a autonomia do direito de imagem, afirmando que a tutela de tal direito não depende de comprovação de lesão à honra daquele que é retratado e também que não se limita às hipóteses de divulgação para fins comerciais, a proteção da imagem pode gerar responsabilidade se o uso não foi autorizado.

Como um dos direitos da personalidade, o direito à imagem apresenta, de início, as mesmas características destes, ressaltando que a característica da indisponibilidade não é absoluta, ou seja, havendo expressa vontade do seu titular, pode este dispor da própria imagem para que outro indivíduo possa explorá-la ou utilizá-la. A disponibilidade possibilita ao titular do direito de imagem conseguir vantagem econômica por meio de contratos de licenciamentos ou por concessão do uso de sua imagem, desde que não haja violação à sua honra, reputação e intimidade, não podendo ser celebrados por tempo indeterminado.

O peso das novas tecnologias não pode ser ignorado. Uma imagem captada no entardecer, à longa distância, pode ser ampliada, “corrigida”, de modo a se suprir a precária iluminação natural. Com isso, um afago à meia-luz pode acabar convertido em uma cena de alta definição e impactante clareza. Tais recursos devem ser levados em conta por juízes e desembargadores na análise dos conflitos derivados do uso não autorizado da imagem alheia. Além disso, os tribunais devem ter em mente a extraordinária repercussão que assume, na realidade contemporânea, a circulação de imagens e vídeos na Internet, podendo, no extremo, marcar para sempre a vida de uma pessoa. (SCHREIBER, 2013, p. 127).

Portanto, é evidente na atualidade a exposição da imagem pelo seu titular como por terceiros, uma vez que o ambiente em que as relações humanas ocorrem se transformou profundamente em razão do avanço tecnológico, principalmente através das redes sociais e dos vários aplicativos que possibilitam a interação em tempo real das pessoas que com diversos aparelhos tecnológicos estão conectadas pela internet, onde a imagem pode ser inserida de forma descontrolada.

Na mesma proporção em que há a evolução tecnológica, há também o surgimento de novas formas que visam prejudicar terceiros nas mais variadas situações ligadas ao uso indevido ou abusivo da imagem, sendo imprescindível que o direito acompanhe essa evolução para identificar onde há lesão de direitos, como a da imagem, e procure a criação de mecanismos que protejam esse direito no ambiente da tecnologia.

Segundo Schreiber (2013), a exposição pública e a transmissão de informações em tempo real, que marcam a sociedade atual, dificultam a proteção do direito da imagem, em que muitas vezes o titular da imagem só toma conhecimento da violação depois que já está sendo veiculada através dos diversos meios existentes, ressaltando que às vezes uma busca por reparação ao dano pode levar a uma exposição ainda maior da imagem que se busca preservar e que o direito à imagem estará sofrendo violações sistemáticas enquanto a ordem jurídica não for capaz de criar mecanismos eficientes para a proteção desse direito.

Dentro do contexto acima mencionado de situações que surgem para prejudicar a imagem de terceiros, o ordenamento jurídico brasileiro tem buscado a criação recente de leis que buscam resguardar o direito de imagem contra a sua violação dentro do ambiente tecnológico, como a Lei 12.737 de 2012 ou Lei Carolina Dieckman como ficou conhecida, em que ocorreu a tipificação dos delitos e crimes informáticos através da alteração promovida no Código Penal Brasileiro, a Lei 12.965 de 2014, conhecida como Marco Civil da Internet que tem como objetivo a regulação da utilização da internet no Brasil e a Lei 13.718 de 2018, que tem como objetivo a criminalização de situações como a pornografia da vingança que viola o direito de imagem.

Existem previsões concretas de proteção e precedentes na justiça por reparações para esse tipo de lesão, começando pela Constituição Federal de 1988, que consagra o direito da imagem como direito fundamental, em seu artigo 5º, inciso X, garantindo a reparação por dano material ou moral por sua violação, passando pelo Código Civil de 2002, em seu artigo 20, em que se evidencia que o direito de imagem não é absoluto, tutelado somente quando for divulgada imagem sem autorização que resulte na violação da honra, da boa fama ou da respeitabilidade da pessoa, sendo necessária a comprovação da lesão ou quando a divulgação for destinada para fins comercias do qual decorre a própria violação do direito de imagem, sendo desnecessária a comprovação da lesão, resultando na Súmula n. 403 do STJ, como proteção pela jurisprudência e mais recentemente a Lei 12.737 de 2012 ou Lei Carolina Dieckman, que tipificou delitos e crimes informáticos, a Lei 12.965 de 2014, conhecida como Marco Civil da Internet para tratar de certas questões em razão do crescimento da internet e a Lei 13.718 de 2018, que criminalizou situações que configurem a chamada pornografia da vingança, evidenciando a existência de mecanismos com tutelas para repressão, reintegração e ressarcimento para a reparação total do dano, para criminalização e para coibir a violação constante do direito de imagem frente ao avanço tecnológico.

2.2 Direito da personalidade

A proteção do homem deve-se à sua essência e não se restringindo apenas ao seu patrimônio, existindo, portanto, direitos tão valiosos e merecedores de proteção jurídica, inerentes ao homem que não possuem teor econômico de forma direta e imediata.

De acordo com Schreiber (2013), a noção de personalidade deve ser considerada sob dois aspectos, o aspecto subjetivo, em que qualquer pessoa, seja ela física ou jurídica, possui a capacidade para ter direitos e obrigações; e o aspecto objetivo, em que há um conjunto de características e atributos da pessoa humana que deve ser protegido pelo ordenamento jurídico e, portanto, é, nesse sentido, que se pode falar em direitos da personalidade. Bittar (2015) enfatiza que os direitos da personalidade constituem um tema de grande atualidade e de grande relevância social e, consequentemente, muito importante na formação do ser humano.

Conforme Gonçalves (2017), o reconhecimento dessas prerrogativas inerentes ao homem, tanto pela doutrina quanto pelo ordenamento jurídico, deu-se aos poucos assim como sua proteção pela jurisprudência, tendo em vista que mereciam uma proteção legal tratando-se de direitos inalienáveis localizados fora do comércio. Embora já existisse uma preocupação com a proteção da pessoa humana desde a antiguidade, foi com o Cristianismo que houve o desenvolvimento da ideia de dignidade da pessoa humana e, consequentemente, uma maior preocupação com os direitos humanos.

Para o desenvolvimento da dignidade da pessoa humana em seus aspectos físicos, psíquicos e morais, são necessários certos direitos conhecidos como direitos de personalidade que buscam resguardar a dignidade humana. Conceituam-se os direitos da personalidade “[…]como aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017 p. 198).

O reconhecimento dos direitos da personalidade é relativamente recente, ganhando destaque após a Segunda Guerra Mundial nos ordenamentos jurídicos de vários países, embora, desde a antiguidade, observa-se que vários componentes auxiliaram na formulação da teoria atual dos direitos da personalidade. 

No Brasil, sua positivação foi expressa na Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso X, dando grande passo para a proteção dos direitos da personalidade, visto que a Carta Magna tem consagrado, em seu artigo 1º, inciso III, o princípio da dignidade da pessoa humana como direito fundamental de um Estado Democrático de Direito, e na legislação infraconstitucional pelo Código Civil de 2002, que inseriu um capítulo destacado aos direitos da personalidade. “Os princípios dos direitos da personalidade estão expressos de forma genérica em dois níveis. Na constituição Federal, que aponta sua base, com complementação no Código Civil brasileiro, que os enuncia de forma mais específica” (VENOSA, 2014, p. 180).

Segundo Diniz (2012), o Código Civil de 2002, apesar de conter um capítulo inteiro sobre os direitos da personalidade não procurou enumerar de forma taxativa tais direitos, justamente para que a doutrina, a jurisprudência e as normais especiais cuidassem do desenvolvimento desses direitos protegidos constitucionalmente.

Schreiber (2013) ressalta o compromisso de todo o direito civil na tutela e promoção da personalidade humana através da inserção de um capítulo que se dedicou à proteção das pessoas e de seus aspectos no Código Civil de 2002. No mesmo sentido, a Constituição Federal de 1988 efetivou a proteção aos direitos da personalidade e pelo princípio fundamental nela consagrado da dignidade da pessoa humana, admitindo-se a importância de proteger os indivíduos, possibilitando a esses direitos um grande desenvolvimento já que não possuíam proteção legal antes.

Os direitos da personalidade são dotados de características peculiares que os colocam em um patamar único no âmbito do direito privado por serem inerentes às pessoas em todas as suas projeções, sendo, portanto, absolutos, ou seja, são oponíveis erga omnes, tendo a coletividade o dever de respeitá-los, podendo seu titular protegê-lo contra quem quer que seja.

As características da intransmissibilidade, em que o titular não pode ceder o seu direito a outro sujeito, e da irrenunciabilidade, em que o titular não pode afirmar que não quer mais se utilizar do seu direito, estão previstas no artigo 11, do Código Civil de 2002, e geram outra característica que é a indisponibilidade, em que o direito não pode mudar de titular nem mesmo pela vontade própria do sujeito, colocando os direitos da personalidade de forma diferenciada entre os direitos privados, sendo apenas essas três características previstas de forma expressa na legislação.

Gagliano e Pamplona Filho (2017), ao enumerarem as características dos direitos da personalidade, preferem utilizar a expressão genérica indisponibilidade por ela abordar tanto a intransmissibilidade quanto a irrenunciabilidade, concluindo que a indisponibilidade impossibilita que o direito mude de titular, nem mesmo por vontade própria deste.

Os direitos da personalidade são extrapatrimoniais porque não podem ser mensurados por valores para serem comercializados juridicamente, embora certos direitos da personalidade possam ter seu uso pelo titular para obter ganho econômico. “Uma das características mais evidentes dos direitos puros da personalidade é a ausência de um conteúdo patrimonial direto, aferível objetivamente, ainda que sua lesão gere efeitos econômicos” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 208).

A imprescritibilidade significa que os direitos da personalidade não possuem prazo determinado para seu exercício e, portanto, não se extinguem pelo não uso através dos efeitos do tempo, não devendo ser confundida com a prescritibilidade de se pretender reparar um eventual dano por violação a um direito da personalidade que tem prazo de três anos. A impenhorabilidade está relacionada ao fato de que os direitos da personalidade em regra não podem ser utilizados para o pagamento de obrigações, ressaltando que como alguns direitos podem se manifestar de forma patrimonial como o direito de imagem, podendo assim a parte patrimonial, que são os créditos da cessão de uso desse direito, ser penhorada, mantendo-se assim os direitos morais do autor impenhoráveis.

A vitaliciedade significa que esses direitos permanecem, como regra, até a morte de seu titular, mas há direitos da personalidade que se projetam além da morte do indivíduo como, por exemplo, o direito ao corpo morto (cadáver), o direito à honra, o direito à imagem. Os direitos da personalidade são gerais. Pelo simples fato de as pessoas existirem, esses direitos são concedidos a todas as pessoas, são também ilimitados, embora o Código Civil de 2002 tenha se referido expressamente apenas a alguns, tendo em vista que é impossível enumerá-los, não estão sujeitos a desapropriação já que se ligam diretamente a pessoa humana, de modo que dela não pode ser destacado.

Gagliano e Pamplona Filho (2017) classificam os direitos da personalidade baseados na tricotomia corpo/mente/espírito e, portanto, de acordo com a proteção à vida e integridade física, proteção à integridade psíquica e criações intelectuais e na proteção à integridade moral, ressaltando que o rol dos direitos da personalidade não se esgota em razão da constante evolução da proteção dos valores fundamentais da pessoa humana.

Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2017), os direitos da personalidade são o direito à vida, à integridade física que compreende o direito ao corpo humano vivo e suas partes e ao corpo morto (cadáver) e o direito à voz, à integridade psíquica, que compreende o direito à liberdade, à liberdade de pensamento, à privacidade, direito ao segredo pessoal, profissional e doméstico e à integridade moral, que engloba o direito à honra, à imagem e à identidade.

Portanto, a personalidade é um requisito jurídico para que se possa obter direitos e assumir obrigações e que todas as pessoas possuem personalidade. As pessoas naturais são aquelas consideradas sujeitos de obrigações e de direitos, bastando para isso apenas o seu nascimento com vida e, portanto, adquirindo a personalidade sobre a qual se apoiarão os direitos que se manifestam da proteção do ser humano, que passa a ser o centro do ordenamento jurídico, com o objetivo de resguardar a existência daquele que é o sujeito de todas as relações jurídicas.

A atual Carta Magna consagra alguns dos direitos fundamentais da pessoa natural em seu artigo 5º, tendo como base o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que deve encaminhar as relações jurídicas para a proteção da pessoa em desfavor de outros valores, ou seja, protegendo direitos inerentes à pessoa e à sua dignidade, como os direitos da personalidade, representados principalmente pela imagem, pela vida/integridade física, pela honra, pelo nome e pela intimidade. Os direitos da personalidade são importantes para que se confirme a personalidade das pessoas naturais, podendo ser considerada o primeiro bem do indivíduo, e como condição que antecede todos os direitos e deveres.

3 REVENGE PORN: COMPARTILHAMENTO NÃO AUTORIZADO DE CONTEÚDO INTIMO NA INTERNET 

Revenge Porn é uma expressão em inglês que significa pornografia de vingança, e, é o termo utilizado para denominar a divulgação de forma indevida de fotos, vídeos, ou qualquer outra forma de material audiovisual erótico ou sexualmente explícito de uma pessoa, ainda que obtidas de maneira consensual. 

As expressões ‘’pornografia de vingança’’, “revenge porn’’ ou, ainda de maneira mais genérica ‘’exposição pornográfica não consentida’’, são usadas para nomear a atitude daquele que divulga, especialmente por redes sociais, fotos, montagem e vídeos íntimos sem o consentimento e a autorização da pessoa, como forma de agredir sua imagem. 

Segundo Vitória de Macedo Buzzi: 

O termo “pornografia da vingança, tradução da expressão em inglês “reveng porn”, nomeia o ato de disseminar, sobretudo na Internet, fotos e/ou vídeos privados de uma pessoa, sem sua autorização, contendo cenas de nudez ou de sexo, com o objetivo de expô-la através da rápida viralização do conteúdo, e assim causar estragos sociais e emocionais na vida da vítima. Este gênero inclui desde fotos/vídeos registrados originalmente sem o consentimento da pessoa envolvida como gravações de agressões sexuais-, bem como fotos/vídeos registrados com o consentimento, geralmente no contexto de um relacionamento privado ou até mesmo secreto como gravações disponibilizadas consensualmente a um parceiro que, mais tarde, as venha divulgar sem consenso do outro envolvido. É este último caso que se convencionou chamar de pornografia da vingança (BUZZI, 2015, p. 29).

O instituto da “pornografia de vingança” pode ser visto como seguimento a um contexto histórico de dominação do homem em detrimento da mulher. Relaciona-se ao ato no qual o agressor, instigado pelo fim do relacionamento, divulga material de conteúdo íntimo sem autorização da companheira com o objetivo de macular a sua imagem perante a sociedade. 

Essa violência é praticada contra a mulher em razão de sua própria condição de mulher e está intimamente ligada ao comportamento humano, uma vez que ultrapassa gerações e renova-se com o passar dos anos. Acerca desse tema, aduz Gonçalves (2016, on-line): 

É preciso evidenciar os vários mecanismos sociais, culturais e históricos que proporcionam a negação da autonomia da mulher sobre o próprio corpo, em especial, a construção da inferioridade feminina e da pretensa neutralidade da dominação masculina. 

Esse compartilhamento não autorizado de conteúdo íntimo na internet, configura uma nova forma de violência contra a mulher, sendo uma forma de vingança fácil e propiciada pelo ambiente virtual, geralmente praticada por um ex-parceiro da vítima. Essa divulgação revela o nítido interesse do remetente das fotos em causar prejuízos à reputação e imagem da vítima, porque o autor da conduta a culpa por todas as circunstâncias de sofrimento experimentadas por ele naquele momento. 

Os impactos dessa exposição são imensuráveis, pois afeta a vítima de diversas formas, podendo acarretar na perda de emprego, afastamento familiar, dificuldade de se relacionar, manter laços sociais com pessoas próximas, muitas vezes levando algumas vítimas a cometer suicídio por não saber lidar com tamanha pressão e medo dos julgamentos. Percebe-se que esse tipo de violência deve ser criminalizado com urgência e o autor deve ser punido de forma severa para que a impunidade não seja um fato gerador desses crimes. 

3.1 Pornografia de vingança e o ordenamento jurídico brasileiro 

Apesar de ser um tema relativamente novo, a legislação brasileira já deu um avanço considerável na busca por justiça para as vítimas de violência nas redes sociais, em 2012, foi sancionada a Lei Federal 12.737/12 (BRASIL, 2012, on-line), popularmente conhecida como Lei Carolina Dieckmann, que torna crime a conduta de invadir aparelhos eletrônicos para fins de obtenção de dados particulares, sejam eles conversam ou imagens íntimas. Vejamos:

 Art. 2º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, fica acrescido dos seguintes arts. 154-A e 154-B: Invasão de dispositivo informático Art. 154-A Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa (BRASIL, 2012, on-line). 

Observa-se que a Lei possui a finalidade de incriminar a conduta do agente que invade, driblando os mecanismos de segurança, e obtém, adultera ou destrói a privacidade digital alheia, bem como a instalação de vulnerabilidades para obtenção de vantagem ilícita. 

Em 2018, foi publicada outra lei de extrema importância ao combate aos crimes digitais, a Lei 13.772/18 (BRASIL, 2018b, on-line), que alterou a Lei Maria da Penha para criminalizar o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual de caráter íntimo e privado. Vejamos: 

Art. 2º O inciso II do caput do art. 7° da Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 7º II- a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; 

O acrescimento da expressão “violação de sua intimidade” foi de extrema importância, uma vez que atualmente essa forma de violência nos meios virtuais, vem ganhando cada vez mais espaço, a punição correta aos infratores acaba com a sensação de impunidade, e consequentemente diminui o número de casos.

 É importante salientar que o Marco Civil da Internet, de 2014, assegura a proteção dos registros, dados pessoais e das comunicações privadas. Dessa forma, acelera o processo de remoção das imagens ou vídeos íntimos, divulgados na internet de forma indevida. 

No dia 13 de março de 2021, foi sancionada a Lei nº 14.132/2021, que acrescentou o art. 147-A ao Código Penal, para prever o crime de perseguição, também conhecido como stalking, esse dispositivo tipifica como crime a conduta de perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Vejamos: 

Perseguição 

Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa (BRASIL, 2021, on-line). 

A expressão por qualquer meio, indica que o crime é de ação livre, admitindo sua prática pelas mais variadas formas: ligações telefônicas, envio de mensagens. Dessa forma, condutas de perseguição praticadas no ambiente virtual também são tipificadas neste artigo. 

Muitas das vítimas não conseguem reagir mediante a humilhação dos fatos, mas como foi mostrado nesse presente estudo, já existem mecanismos jurídicos para punir os agressores, devendo a mulher vítima de um crime virtual registrar um boletim de ocorrência, reunindo o maior número de provas que conseguir, como prints de telas e mensagens. Se a vítima tiver algum tipo de relação com o agressor, é preciso buscar uma Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher. Também podem procurar delegacias comuns ou aquelas especializadas em crimes cibernéticos para fazer sua denúncia.

Com o advento da Lei nº 13.718, que entrou em vigor em 24 de setembro de 2018, e inseriu novos crimes no texto do Código Penal, foi criada a figura do crime de divulgação de cena de estupro ou de cena de sexo ou pornografia. Além disso, ainda no que tange à intimidade, alterou o Código Penal ao criminalizar o registro e compartilhamento não consentido da intimidade sexual, por meio da criação dos artigos 216-B e 218-A:

Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo. […]

Art. 218-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática – fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. Aumento de pena § 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação (BRASIL, 2018a, online). 

Para analisar os impactos advindos da criminalização das condutas constantes nos artigos 2016-B e 218-A, insta salientar a proporção da gravidade do meio pelo qual se praticam tais delitos. De acordo com Sydow (2018), o uso da internet é um fator que agrava consideravelmente os danos causados à vítima, por vezes de maneira irreversível. Não são raros os casos em que, após exposição íntima na internet, mulheres têm suas vidas sociais, empregos, educação e sonhos prejudicados pela velocidade de propagação das informações íntimas por via virtual. Por essa razão, o meio informático configura-se como agravante da conduta praticada pelo agente.

Além desse dispositivo, também foram criadas outras normas que regulamentam algumas destas condutas, e, em alguns casos onde não há uma norma específica, são aplicadas analogias a crimes já tipificados no Código Penal.

No Brasil, a sextorção foi denominada como estupro virtual, uma vez que, o código penal brasileiro não tem a exata tipificação deste delito, porém, com o advento da Lei 12.015/09, houve uma significativa alteração no art. 213 que trata do crime de estupro. Neste sentido, possibilitou uma intervenção mais extensiva do código penal no ambiente virtual, o que não era comum no Brasil, uma vez que, para se configurar o crime de estupro antes da referida Lei, era necessário a conjunção carnal, e hoje não mais.

Para que se possa aferir o que vem sendo exibido, se faz necessário prestar muita atenção no que diz o artigo citado do diploma penal. Vejamos: 

Estupro 

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (BRASIL, 2009). 

Neste sentido, o tipo penal fala em constranger alguém (que significa tolher a liberdade, implicando na obtenção forçada da conjunção carnal ou outro ato libidinoso), mediante violência ou grave ameaça (todo ato que extermina a capacidade de pensamento, escolha, vontade e/ou ação da vítima) a ter conjunção carnal ou a praticar ou, permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (coito anal, oral, toques, masturbação, beijos lascivos). 

Nota-se, portanto, que é inequívoca a aceitação do crime em sua forma virtual com a aplicação da lei de forma realista, pois esta modalidade de estupro em nada se diferencia daquela, contemplada e, costumeiramente, cometida. Com isso, o “estupro virtual” pode ocorrer, por exemplo, quando uma pessoa, por meio da internet, WhatsApp, Skype ou mídia social, venha a constranger ou ameaçar a outra a tirar a roupa na frente de uma webcam, para satisfazer suas lascívias. Vale ressaltar, que no delito de estupro, a paciente não tem poder sob seu pensamento, escolha, vontade e ação; há imputação de violência ou grave ameaça e intenção (por parte do sujeito ativo) de servir à lascívia (CUNHA, 2016, p. 466- 477). 

3.2 Lei Maria da Penha e a aplicabilidade nos casos de Pornografia de Vingança 

O conceito de violência contra a mulher está disposto na Convenção de Belém do Pará, Decreto nº 1.973/1996, da seguinte forma:     

Art.1º Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada. (BRASIL, 1996)   

Embora o entendimento sobre violência contra mulher esteja consolidado há muito tempo, na prática, a conquista por igualdade de gênero ainda é difícil e gradativa. A Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006), foi uma grande conquista não só para as mulheres como para toda a sociedade, a sua criação se deu se deu em 07 de agosto de 2006 após grande repercussão da história da cearense Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica por parte do seu ex-marido. Os ex-cônjuges eram casados há mais de 22 anos, quando o agressor disparou um tiro de espingarda sob a vítima enquanto dormia, deixando-a paraplégica. Não satisfeito com o resultado, algumas semanas após, ele ainda tentou eletrocutá-la e afogá-la. 

A entrada em vigor da Lei Maria da Penha determinou que a violência contra a mulher deixasse de ser tratada como crime de menor potencial ofensivo e estabeleceu a definição de violência doméstica e todas as suas formas, a saber: física, psicológica, sexual, patrimonial, moral, conforme os incisos do art. 7º. A Lei nº 11.340/2016 tem finalidade de punir quem pratica qualquer ato violento contra a mulher (VASCONCELOS, GOMES e VARGAS, 2019).

 Nesse sentido, nota-se nos casos de pornografia de vingança inúmeras ações por parte do agressor que resultam em impactos imensuráveis na vida da mulher, a exemplo da violência psicológica já mencionada anteriormente. Quando a mulher tem a sua vida íntima exposta, além do julgamento moral e desumano, também precisa suportar assédios de desconhecidos, ataques, ameaças do próprio ex-parceiro, ou seja, a vida da vítima passa a ser um enorme caos. “O estresse emocional gerado pela divulgação de conteúdo de cunho sexual provoca múltiplas consequências psíquicas, entre elas: depressão, síndrome do pânico, tentativa de suicídio, isolamento social, insônia, distúrbios alimentares, entre outros” (MAZON, 2021, p.9)

 Não obstante, pode-se mencionar também a violência patrimonial, ocorrendo quando a mulher se vê obrigada em mudar de emprego ou de endereço em razão da vergonha que precisa experimenta nos ambientes em que frequenta, como também dos gatos relacionados à compra de remédios e tratamentos psicológicos. Sendo importante mencionar a violência moral, que abarca os crimes de injúria e difamação.

 A Lei nº 13.772 de 19 de dezembro de 2018 fez alterações não só no Código Penal como também na Lei Maria da Penha onde passou a reconhecer o seguinte “[…] a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar ao mesmo tempo que criminaliza o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado” (BRASIL, 2018). Um de seus importantes feitos está relacionado com a alteração do art. 7º, II da Lei Maria da Penha, por meio do qual reconheceu a violação de intimidade como sendo uma forma de violência psicológica contra mulher.

 A vigência do referido inciso possibilitou a relação perfeita entre a Lei Maria da Penha e a Lei 13.718/2018 (que tipificou a pornografia de vingança), pois, como visto anteriormente, ele se concretiza pela violação do elo de confiança adquirido da relação, por meio da violação da intimidade e causando sérios danos psicológicos, tratando-se de notória violência contra a mulher no ambiente doméstico e familiar.  

Como mecanismo de proteção, em seu art. 23, a Lei Maria da Penha vale-se das chamadas medidas protetivas de urgência, de modo a assegurar uma maior tutela às mulheres em situação de violência. Desse modo, verifica-se que o texto da Lei nº 11.340/2006 é o principal mecanismo de proteção à mulher criado pelo Estado, uma vez que além de ser instrumento específico para elas, possuí também medidas para assegura-las. 

4 CASOS DE CRIMES ENQUADRADOS NA LEI

Independentemente da existência de uma legislação específica, o judiciário tem o poder de tratar dos casos concretos, analisá-los e julgá-los. Há também a necessidade de todo um aparato policial que investigue e identifique quem cometeu o referido delito, uma vez que, do mesmo jeito, um crime normal é praticado e as suas evidências podem ser apagadas, no ambiente virtual essas mesmas incidências podem acontecer, principalmente se forem cometidos por alguém que detenha um certo conhecimento técnico na área.

Assim, é possível perceber que o aparato policial vai muito além da criação de delegacias virtuais e, além disso, é preciso que haja investimentos tanto em tecnologia como em mão de obra especializada para que as leis específicas contra crimes virtuais possam ter eficácia.

Dentro do que estamos falando, temos, por exemplo, o caso do ator Stênio Garcia, que diferentemente do caso Carolina Dieckmann em que foi extorquida, ele teve, no ano de 2015, fotos íntimas com a sua esposa expostas nas redes sociais, vindo a saber somente quando fora avisado por amigos. 

Investigações preliminares apontaram que as fotos podem ter sido extraídas do celular do próprio ator e não da sua esposa. O fato é que o caso continua em aberto e sob investigação, esbarrando na dificuldade de saber de onde e a partir de quem essas fotos vieram a público. A exemplo desse caso, se observa a dificuldade que há em se julgar um caso onde não há meios de se identificar quem cometeu o crime, mesmo sabendo que ele existiu. 

Ainda que as autoridades cheguem ao autor do crime, poderá ocorrer, além das sanções penais, uma reparação indenizatória de danos na tentativa de amenizar o sentimento causado pela exposição indevida da sua privacidade. Uma indenização não eliminaria os danos psicológicos e vexatórios que essa exposição lhes trouxera, mas os ajudariam a se recuperarem da situação. É possível perceber que, apesar dos transtornos que eles tiveram, a maturidade do casal os ajudou a lidar com o fato ocorrido.

Há casos em que ocorrem desfechos trágicos, um exemplo claro disso está em um fato ocorrido na cidade de Veranópolis, na Serra do Rio grande do Sul, em 2013, onde uma adolescente de 16 anos cometeu suicídio depois de ter suas fotos íntimas expostas nas redes sociais pelo seu namorado que não aceitava o fim do relacionamento.

O episódio que ocorreu se trata de um suicídio ocorrido na cidade de Parnaíba (PI), no ano de 2013. Após ter vídeos íntimos divulgados em aplicativos e redes sociais, a jovem Julia Rebeca de 17 anos anunciou em seu microblog twitter que pretendia interromper a sua vida, e o fez em seu quarto momentos depois das postagens na rede. Nesse caso, ela deixou uma mensagem escrita na sua rede social se despedindo da mãe:

“- Eu te amo, desculpa eu n ser a filha perfeita, mas eu tentei… desculpa além dos sansões penais eu te amo muito”. Anteriormente, a adolescente havia postado outra mensagem- “É daqui a pouco que tudo acaba”. Por fim, deixou a seguinte mensagem: “- Tô com medo, mas acho que é tchau pra sempre”.

A outra adolescente que aparece no vídeo também tentou se envenenar cinco dias depois da morte de Julia, mas foi levada a um Hospital Estadual Dirceu Arcoverde (Heda) e sobreviveu à tentativa. Os casos expostos acima tratam de crimes de violação e divulgação de privacidade, porém com desfechos diferentes uns dos outros. De acordo com a Lei Carolina Dieckmann a pena para esses crimes é de 3 meses a um ano de reclusão.

Para sedimentar tais colocações, utilizaremos alguns trechos de uma entrevista de uma das primeiras vítimas de pornografia de vingança no Brasil, Rose Leonel, concedida à revista Época em 16/02/2016. Quando questionada pela jornalista Gabriela Varella, a respeito dos danos que ela sofreu quando da divulgação do conteúdo, ela respondeu:

“[…] meu filho acabou indo para outro país — ficou seis anos no exterior —, porque não suportou tudo isso. Chegou a pedir para mudar de nome, que eu o deixasse a algumas quadras da escola para que não soubessem que eu era sua mãe. A minha filha mais nova também sofreu demais. Tive de mudá-la de escola muitas vezes, porque ela chorava e dizia que não queria mais voltar. Perdi o emprego, sofri um processo de exclusão social, fui quase linchada na cidade. Não podia mais sair, fiquei num processo de reclusão, me resguardei na família. Em qualquer lugar que eu fosse, era vaiada, não podia nem parar na rua, no semáforo. Ouvia cantadas ridículas e sofri as piores abordagens. Com tudo isso, tive depressão e não tinha vontade de continuar a viver. Não conseguia sair de casa, passear, ir a lugar nenhum. Minha vontade era só de chorar. Foi uma fase muito difícil para mim. Não sabia como ia conseguir passar por isso. Procurei ajuda psicológica, tomei medicamento, mas o que me ajudou a ter forças para seguir em frente foi a fé”.

 Em uma matéria da “Gazeta”, de 18/10/2020, a jornalista Glacieri Carraretto traz a declaração da delegada Cláudia Dematé, titular da Divisão Especial de Atendimento à Mulher, que afirmou: 

“Como dito, as mulheres são as maiores vítimas e sofrem várias consequências, chegando ao ponto de mudarem de emprego, faculdade, necessidade de tratamento médico e psicológico e, algumas chegam a atitudes extremas de retirar a própria vida. São vítimas de verdadeiros apedrejamentos virtuais”. 

Por ser um crime informático, a pornografia de vingança possui características de permanência devido a sua rápida propagação, e a facilidade com que os arquivos podem ser armazenados nos mais diferentes dispositivos, tornando-se visível para milhares de pessoas. Uma vez compartilhado o conteúdo, é praticamente impossível ter o controle sobre ele, e principalmente, assegurar a sua exclusão dos meios eletrônicos. 

Portanto, podemos dizer que os danos causados à vítima são irreparáveis pois, ainda que o ofensor venha a sofrer uma sanção, o que de fato trouxe o dano para a vítima foi a exposição causada. E como é praticamente impossível assegurar uma efetiva extinção do conteúdo, a vítima nunca irá saber se tal veiculação poderá vir à tona novamente, inclusive em um momento que ela poderia ter se recuperado do dano e a sociedade ter “esquecido” o fato. 

Para reforçar, utilizaremos mais um trecho da mesma entrevista citada acima, concedida por Rose Leonel. Ao ser questionada sobre ainda sofrer com os danos 10 anos após a divulgação, ela afirma: 

“Sofro muito com o crime que ainda ocorre. É ilusão você falar que o que está na internet vai ser deletado um dia. O que está na internet nunca vai sair. O que difere a pornografia de vingança dos outros crimes é a continuidade. É como se alguém lhe desse uma facada e ficasse lá, remoendo, e a cicatriz nunca se fechasse. O crime que se viraliza traz consequências terríveis, o atentado contra a honra se perpetua ali na rede internacional de computadores. O dano é irreparável, as consequências são imensuráveis”.

Por fim, fica claro que a conduta criminosa não finda com a divulgação do conteúdo, pois a cada nova visualização, há um novo dano para a vítima. 

Ao analisar os danos, fica claro que as funções retributivas e preventivas da pena não estão sendo cumpridas de maneira ampla, em relação a pena mínima cominada. Quando o autor é condenado apenas à prestação de serviços à comunidade e à doação de gêneros, a imagem que será repassada a sociedade é de que a pena estabelecida para este crime é branda e que, portanto, vale a pena praticar esta empreitada criminosa, já que a punição é uma realidade. (ALVES, 2019, p. 74). 

Portanto, para que haja uma punição proporcional relacionada a todos esses tipos de danos, que podem ser causados às vítimas, é necessário que seja afastado qualquer tipo de benefício que possa ser concedido ao autor deste crime. Quando houver essa proporcionalidade, as finalidades da pena serão atingidas, e a punição finalmente terá um peso relevante sobre a vida do autor. 

O direito a uma vida livre e sem violência para as mulheres, deve ser algo a ser buscado todos os dias, e por isso, se fez necessário corrigir a carência de um resguardo social e jurídico. Embora ainda sejam necessárias pequenas transformações, que foram objetos deste estudo, a lei 13.718/2018 foi uma grande conquista para as vítimas da pornografia de vingança, e através disso pode se verificar o quanto é necessário ouvir os clamores dos movimentos sociais, que influenciam tanto o Direito Penal, que por sua vez é considerado um ramo da ciência social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Após o estudo acerca do tema, conclui-se que a pornografia de vingança é um tipo de violência de gênero, uma forma de domínio sobre as mulheres, limitando sua liberdade sexual que, dentre outras coisas, é requisito de moralidade social. Este tipo de agressão ultrapassa a violência física, causando avarias irremediáveis na perspectiva psicológica.

Percebe-se então, como o Direito Penal Brasileiro deve estar sempre acompanhando as mudanças e evoluções jurídicas percebidas ao redor do mundo, precisando se manter constantemente atualizado, a fim de garantir as efetivas respostas aos novos crimes e tipos penais que vem sendo criados com as novas tecnologias que vem sendo popularizadas, como é o caso da pornografia de vingança, buscando fornecer as vítimas e à sociedade uma resposta jurídica congruente com a ofensa praticada. 

Observou-se também os longos anos da evolução legislativa em busca de uma tipificação específica do crime, não obstante, após a criação do tipo penal, foi explicitada a necessidade da aplicabilidade da Lei Maria da Penha nos casos de pornografia de vingança, justamente pela sensibilidade do tema em se tratar de uma violência doméstica e de gênero, sendo necessário um acolhimento diferenciado das vítimas.

Faz-se necessário a imediata tipificação em nosso ordenamento jurídico, de condutas criminosas praticadas no ambiente virtual, uma vez que para combater os crimes em ambiente virtual é aplicada somente analogia a condutas já existentes no Código Penal, e por não haver uma legislação específica, quase sempre os agentes que cometem esse tipo de crime ficam impunes.

O direito de imagem se consagra dentro do ordenamento jurídico brasileiro como uma garantia individual, um direito fundamental autônomo reconhecido pelo Estado brasileiro, sendo muito importante a discussão acerca de sua proteção diante da facilidade de sua violação na sociedade atual tecnológica, visto que a imagem deve ser entendida como uma das mais importantes projeções da personalidade e que a utilização de forma indevida acarreta constrangimentos e prejuízos que podem ser incalculáveis para o titular desse direito. A tecnologia aliada à sociedade geralmente se coloca à frente da lei mais atual, cabendo à doutrina e à jurisprudência um papel importantíssimo na repressão à violação ao direito de imagem.

Embora seja um tema relativamente novo, o Brasil está atrasado no aspecto jurídico da criminalidade por meios virtuais, apesar de já existirem iniciativas de projetos de lei indispensáveis à regulamentação desses crimes virtuais, para que prática delitiva não continuem impunes, causando danos à sociedade. 

Vale lembrar que o Direito deve acompanhar as transformações e mudanças da sociedade, adaptando-se, dessa forma, à sociedade da informação e ao mundo virtual, trabalhando em prol da segurança e garantindo a tutela jurídica dos direitos fundamentais da pessoa humana.

A pornografia, e seus desdobramentos é uma temática pouco explorada, principalmente no cenário nacional, sendo assim, é indispensável o desenvolvimento de mais pesquisas nesse campo. A insipiência de pesquisas brasileiras mais aprofundadas sobre a pornografia e o seu consumo evidencia a necessidade de maior atenção à temática, visto que a ausência de pesquisas limita a construção de propostas políticas sociais no país.

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1Bacharelando em Direito – UNIFSA. Email: emanuelsoares407@gmail.com

1Bacharelando em Direito – UNIFSA. Email: allysonfrazao_16@hotmail.com

Professor e Orientador do Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA). Mestre em Criminologia pela Universidade Fernando Pessoa (Porto, Portugal). Especialista em Direito Constitucional. Professor Universitário. Diretor de Eventos e Relações Institucionais da Escola Superior de Advocacia do Piauí (ESAPI). Advogado.