Marcus Vinícius Pacheco Sobreira1 e Eduardo Borba Neves2
1. Especialista em Ergonomia e Saúde do Trabalhador
2. Mestre em Saúde Coletiva ( borbaneves@hotmail.com )
RESUMO
O presente experimento investigou a nível histológico a utilização da microcorrente na cicatrização muscular de ratos após lesão induzida. Foram selecionados 10 ratos adultos jovens, sendo estes separados em dois grupos de 5 ratos. Cada grupo, previamente anestesiado sofreu lesão induzida na musculatura dorsal com corte longitudinal de 3 cm. Posteriormente a isso, um grupo foi submetido a estimulação elétrica por microcorrente ao redor da lesão por 5 dias consecutivos, com uma aplicação diária e terapêutica analgésica. Já o outro grupo sofreu apenas intervenção terapêutica a base de analgésico. Foram retirados fragmentos de tecido muscular lesado de ambos os grupos, sendo preparados para análise histológica. Os resultados mostraram que o tecido muscular que sofreu intervenção terapêutica com microcorrente apresentou uma menor separação do endomísio, associado a uma intensa proliferação de fibroblastos e de leucócitos mononucleares. Diferentemente do tecido muscular que sofreu intervenção terapêutica apenas de analgésico, sendo possível observar um grande espaçamento do endomísio, associado de uma menor proliferação de fibroblastos e de leucócitos mononucleares. Estes dados comprovam a nível histológico a eficácia da microcorrente no tratamento das lesões musculares. O presente experimento foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário de Barra Mansa.
Palavras-Chave: Cicatrização; Tecido Muscular; Microcorrente.
ABSTRACT
The present experiment investigated the hystologic level after the use of the microcurrent in the muscular cicatrization of rats induced to injury. Ten young adult rats had been selected, being these separate ones in two groups of 5 rats. Each group, previously anesthesiated suffered induced injury in the dorsal muscles with longitudinal cut from 3 cm to this, a group was submitted the electric stimulation for microcurren around of the injury per 5 days consecutive, with a daily application and therapeutic analgesic. Already the other group suffered to only therapeutic intervention the base from analgesic. They had been removed fragments of muscular tissue injured of both the groups, being prepared for hystological analysis. The results had shown that the muscular tissue that therapeutical intervention with microchain suffered presented a lesser separation of the endomysium, associate to an intense proliferation of fibroblasts and mononuclear leukocytes. Differently of the muscular tissue that therapeutic intervention suffered only from analgesic, being possible to observe a great spacement of the endomysium, associate of a lesser proliferation of fibroblasts and mononuclear leukocytes. These data prove the hystological level the effectiveness of the microcurrent in the treatment of the muscular injuries. The present experiment was approved by the Committee of Ethics and Research of the University Center of Tame Bar.
key-words: Cicatrization, muscular tissue, Microcurrent
1. INTRODUÇÃO
A lesão ao sistema músculo esquelético é um fenômeno experimentado pela maioria das pessoas em algum momento de suas vidas. Independentemente de sua causa, é muito importante empregar métodos de tratamento que estimulem sua recuperação no nível mais próximo possível daquele de pré-lesão, desde que seja funcionalmente viável, protegendo a região de danos futuros (CANAVAM, 2001). Entre estes métodos, as correntes elétricas terapêuticas vêm se mostrando através da literatura, um excelente recurso terapêutico com a finalidade de recuperar diversos tecidos lesados, entre eles, o tecido muscular (LOW e REED, 2001).
Várias modalidades terapêuticas elétricas são utilizadas no tratamento das lesões musculares, sendo atuantes no processo de inflamação, cicatrização e reparo. E estes efeitos são evidenciados porque as células corporais embebidas de líquido se tornam um excelente receptor da carga elétrica produzida por uma corrente elétrica terapêutica, permitindo assim produzir alterações fisiológicas com fins terapêuticos.
E dentre estas correntes elétricas terapêuticas, a microcorrente vem sendo empregada de forma crescente no tratamento de diversas lesões. Sua corrente de baixa amperagem (0 a 600 µA) permite diversas respostas fisiológicas que geram adaptações benéficas aos tecidos, restaurando o estado fisiológico das células lesadas, induzindo e acelerando o processo curativo (ROBINSON & SNYDER-MACKLER, 2001).
As microcorrentes elétricas são também chamadas de MENS (Microcurrent Electrical Neuromuscular Stimulation), segundo GUIRRO & GUIRRO (ANO). AGNE ( 2004), acrescenta uma forma de denominar a microcorrente: LIS (Low Intensity Stimulators).
As chamadas MENS são a classes mais recentes a se tornar comercialmente disponível, e tais classes produzem correntes contínuas, alternadas ou pulsadas. Os resultados desse tipo de estimulação são animadores no controle da dor, na cicatrização de feridas e no controle de edemas (GUIRRO e GUIRRO).
A corrente contínua ou galvânica é aquela que tem sempre o mesmo sentido, de um pólo a outro. Uma corrente contínua pode variar sua intensidade no tempo. O conceito de corrente contínua não é exatamente igual em física que em eletroterapia, pois nesta se considera continua a que não muda de polaridade, mesmo que a voltagem seja variável (AGNE, 2004).
Os primeiros relatos científicos da terapia por microcorrente datam de 1968 com Assimacopoulus, que inicia o tratamento de feridas abertas com o resultado de formação de um denso tecido de colágeno (AGNE, 2004).
ROWLIN (1985) apud AGNE (2004) demonstrou que a aplicação de uma corrente direta de baixa intensidade em tecidos moles infectados aumenta a destruição de bactérias e a abertura dos leitos capilares. LEE et al. (2007) afirmaram que além de melhorar a cicatrização de feriadas crônicas, o MENS previne e elimina a infecção (devido a alterações locais de pH, liberação de íons, bactericidas pelo eletrodo e estimulação de fagócitos).
GUIRRO & GUIRRO (2002), afirmam que ainda hoje existe um ceticismo em relação aos verdadeiros efeitos da microcorrente e que os tratamentos com este recurso ainda não estão completamente estabelecidos, sugerindo a necessidade de se efetuar experimentos, pois sem estes será difícil quantificar a importância dos efeitos atribuídos a este recurso.
Neste sentido, o presente trabalho teve por objetivo avaliar em nível histológico os efeitos utilização da microcorrente em lesões musculares induzidas em ratos. Tal proposta se justifica por permitir investigar, em nível celular a resposta fisiológica do tecido lesionado à microcorrente elétrica de baixa intensidade, técnica utilizada em larga escala nas clínicas de fisioterapia do Brasil e do exterior.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
O presente experimento utilizou uma amostra de 10 ratos da espécie Rattus norvegicus, sendo os mesmos separados em 02 grupos de cinco animais. Um grupo tratado com aparelho de microcorrente galvânica e outro sem tratamento, constituindo o grupo controle.
Os animais foram submetidos ao protocolo anestésico com atropina 0,05 mg/kg por via subcutânea, em seringas de 1 ml; após 10 minutos por via peritoneal administra-se quetamina 25 mg/kg associada à xilazina 10 mg/kg na mesma seringa. Período de Latência (PL): 2 – 5 minutos; Período Hábil ( PH ): 30 minutos.
Após a confirmação anestésica os ratos foram submetidos a tricotomia na região lombar direita com lâminas de barbear da marca Gillete, sendo as mesmas partidas em quatro partes, sendo cada parte fixada com auxílio de um porta agulha. Em seguida cada grupo sofreu lesão induzida cirurgicamente com auxílio de bisturi cabo número 04, lâmina número 24, na musculatura da região lombar direita, com corte longitudinal de 03 centímetros (Figura 1).
Após o procedimento cirúrgico os ratos Wister Albino foram separados em dois grupos de cinco animais. Em um grupo foi adicionado gel condutor nas bordas da lesão e estimulados com microcorrente galvânica por 4 minutos, cronometrados em um relógio digital. O outro grupo não foi estimulado. Em seguida cada grupo ficou acondicionado em gaiolas devidamente identificadas por fichas, contendo cama de maravalha, sendo oferecido água e ração ad libtum. Os animais foram mantidos na sala de ensaios especiais do biotério da Universidade de Barra Mansa com trocas de ar e fotoperiodismo controlados. No recipiente de água com capacidade para um litro adicionou-se 50 gotas de paracetamol, sendo a água trocada todos os dias.
2.1 Utilização da Microcorrente
O aparelho utilizado foi o da marca Stetic Line, modelo Compact Face Plus, que possui intensidade para a corrente microcorrente galvânica de 0 a 1290 microampéres.
O tratamento com microcorrente, na intensidade de 200 µA, foi realizado uma vez ao dia, durante 05 dias consecutivos no grupo de estudo (05 ratos). Devido ao tamanho dos animais, foram utilizados 02 bastões condutores, um positivo e outro negativo, substituindo os elétrodos. Os bastões foram passados simultaneamente envolta da lesão, acoplados com gel condutor, cada um em um sentido, enquanto um é passado no sentido crânio-caudal o outro é passado no sentido caudo-cranial e vice-versa (Figura 2), mantendo os bastões sempre em movimento nesses sentidos.
2.2 Análise histológica do material
No último dia de tratamento os 10 animais foram novamente anestesiados com o mesmo protocolo anterior e realizada biópsia da borda da lesão, compreendendo o tecido epitelial e tecido muscular.
Após a coleta do material todos os ratos foram mortos por deslocamento cervical. Os materiais coletados foram armazenados individualmente em potes de urina contendo formol a 10%, rotulados e mantidos por 24 horas.
As lâminas histopatológicas foram montadas utilizando coloração e/ou hematoxilina – eosina, seguindo a técnica histológica com as seguintes etapas: primeira etapa, fixação em formol 10%; segunda etapa, desidratação com álcool à 70 %, 80 %, 90 %, 100 % (60 minutos cada); terceira etapa, clarificação com xilol I, II, III (45 minutos cada); quarta etapa, impregnação em parafina I, II, III a 60° C (10 minutos cada); quinta etapa, inclusão da peça em parafina à 60° c ( líquida ); sexta etapa, microtomia em micrótomo modelo EDGE SL-200, da Ciencor Scientific; e sétima etapa, coloração em hematoxilina–eosina.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Pode-se verificar pela comparação do tecido muscular em corte transversal (Figura 3) com os dois grupos avaliados que o uso da microcorrente auxilia de forma significativa a cicatrização do tecido muscular após sua lesão. Foi possível observar no tecido tratado com microcorrente (Figuras 4) uma intensa proliferação de fibroblastos associados a uma intensa proliferação de células de defesa chamadas de leucócitos. Diferentemente no tecido muscular que não sofreu nenhuma forma de tratamento (Figura 5), onde foi possível observar uma pequena quantidade de fibroblastos, assim como, uma pequena quantidade de leucócitos mononucleares.
Outro fato importante está relacionado a organização do endomísio. Por definição o endomísio é formado por tecido conjuntivo rico em colágeno e elastina com a função de agrupar as fibras musculares de forma individual. Já os fibroblastos são células grandes e achatadas, com muitas projeções e ramificações, estando presente em vários tecidos conjuntivos, secretando as fibras colágenas e elásticas (TORTORA & GRABOWSKI, 2005). Em um músculo normal o endomísio é pouco visualizado, conforme mostrado na lâmina do tecido muscular normal, porém, nos músculos lesados houve a separação das fibras musculares devido à lesão no endomísio. Esta separação é bem menor no tecido muscular que sofreu tratamento com microcorrente, isto porque, a intensa proliferação de fibroblastos permite o aumento do tecido conjuntivo com a função de reorganizar o endomísio. Já no tecido que não sofreu nenhum tipo de tratamento, a separação do endomísio é bem maior devido à escassez de fibroblastos, reduzindo assim a reorganização do tecido muscular lesado.
Este dado é descrito por AGNE (2004), onde este relata que usando estimulação por corrente direta foi possível observar o crescimento dos fibroblastos e o alinhamento das fibras colágenas, quando aplicadas sobre úlceras de decúbito. LOW & REED (1999) também relatam em seus estudos existir indícios de que a proliferação de tecido conjuntivo envolvidas durante a regeneração tecidual torna-se aumentadas com o uso da corrente elétrica.
KITCHEN & BAZIN (1998), sugerem que a estimulação elétrica pode afetar a cicatrização/reparo dos tecidos moles mediante a inibição dos fatores negativos da cicatrização pela aceleração dos processos de cicatrização normal ou, pela criação de novas e melhores vias de cicatrização, melhorando tanto a velocidade quanto o ponto terminal da formação da cicatriz da regeneração dos tecidos.
Como descrito no presente trabalho a migração de leucócitos para o tecido lesado durante a inflamação é essencial para ingestão de agentes nocivos assim como para a remoção de tecido necrótico. Além disso, os leucócitos são importantes por atuarem com suas diferentes formas de células na defesa do organismo após uma lesão. No presente experimento foi possível observar que a lesão tratada com microcorrente obteve uma resposta leucocitária bem mais intensa, em relação à lesão muscular que não sofreu nenhuma intervenção terapêutica.
Cabe ressaltar que o próprio organismo é capaz de produzir e enviar leucócitos para o local da lesão, o que foi observado ao redor de ambos os tecidos musculares lesados, no entanto, a microcorrente permitiu estimular o organismo a enviar um maior número de leucócitos para o local da lesão, como observado na Figura 4.
Os resultados globais do presente estudo vão ao encontro dos achados de SANTOS et al. (2004) que verificou uma melhora significativa das lesões de pele em ratos tratadas com microcorrente quando comparadas com um grupo controle, e com os achados de LEE et al. (2007) que empregou a mesma técnica para o tratamento de ulceras de pele em humanos.
4. CONCLUSÃO
O presente trabalho encontrou evidencias da eficácia da microcorrente no tratamento das lesões muscular induzida em ratos. Como o comportamento metabólico do tecido muscular de ratos e humanos são equivalentes por pertencerem a mesma classe biológica (mamíferos), resultados semelhantes são esperados nos tecidos musculares humanos.
REFERÊNCIAS
AGNE, J E. Eletrotermoterapia Teoría e Prática. 1 ed. Santa Maria – RS: Orium Editora & Comunicação, 2004.
CANAVAN, P K. Reabilitação em Medicina Esportiva (Um Guia Abrangente). 1 ed. São Paulo: Manole, 2001.
FOSS, L M; KETEYIAN, J S. Fox – Bases Fisiológicas do Exercício e do Esporte. 6 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.
GUIRRO, E; GUIRRO, R. Fisioterapia Dermato – Funcional. 3 ed. São Paulo: Manole, 2002.
LEE BY, WENDELL K, AL-WAILI N, BUTLER G. Ultra-low microcurrent therapy: a novel approach for treatment of chronic resistant wounds. Adv Ther. 24 (6): 2007, 1202–9.
LOW, J; REED, A. Eletroterapia Explicada, Princípios e Prática. 1 ed. São Paulo: Manole, 2001.
KITCHEN, S; BAZIN, S. Eletroterapia de Clayton. 10 ed. São Paulo: Manole, 1998.
ROBINSON, A J; SNYDER-MACKLER, L. Eletrofisiologia Clínica. 2 ed. Rio Grande do Sul: Artmed, 2001.
SANTOS, V.N.S; DUARTE, I.S.; FERREIRA, L.M.; HORIBE, E.K. Microcorrente elétrica na restauração da pele submetidos ao peeling de ácido tricloroacético em ratos. Acta Cir Bras;19(5): 2004, 466-470.
TORTORA, G J; GRABOWSKI, S R. Corpo Humano – Fundamentos de Anatomia e Fisiologia. 6 ed. São Paulo: Artmed, 2006.