RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DE PROVEDORES DE INTERNET A LUZ DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

CIVIL LIABILITY OF INTERNET PROVIDERS IN LIGHT OF BRAZILIAN LEGISLATION

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411111152


Roger de Oliveira Rodrigues1
Maria Beatriz Sousa de Carvalho2


RESUMO

O tema da responsabilidade civil de provedores de internet é uma pauta que requer maiores esclarecimentos em caso de dano ao consumidor ou ao usuário das plataformas digitais que se encontra lesado perante atos de terceiros. Partindo dessa importância pode-se problematizar a seguinte questão de pesquisa: como a lei brasileira adequa o instituto da responsabilidade civil aos provedores de internet nos casos de discurso de ódio, pornografia ilegal e relações de consumo? Objetiva-se apresentar quais os fundamentos legais e jurisprudenciais para haver responsabilização civil de provedores de internet por atos cometidos por terceiros que gerem algum tipo de dano ou prejuízo a pessoa ofendida. Procede-se com os seguintes métodos de pesquisa qualitativa: pesquisa de natureza básica, objetivo exploratório e descritivo, com revisão bibliográfica e apresentação da jurisprudência contendo o fundamento para a concessão de reparação por dano ao usuário de internet que tenha sofrido algum tipo de dano ocasionado por terceiro sob a omissão do provedor de internet. A partir dos resultados encontrados na lei, na doutrina e na jurisprudência observa-se que só haverá responsabilização dos provedores de internet quando deixarem de cumprir ordem judicial para retirada de conteúdo no caso concreto. Permite-se concluir que a responsabilização civil dos provedores de internet é possível, que doutrinariamente e legalmente há uma aplicação simultânea das principais leis que regem o tema, mas que ainda assim o Marco Civil da Internet não consegue abranger todas as situações jurídicas que lhe são colocadas a análise.

Palavras-chave: responsabilidade civil, provedores de internet, Marco Civil da Internet.

ABSTRACT

The topic of civil liability of internet providers is an issue that requires further clarification in the event of damage to the consumer or user of digital platforms who is injured by the acts of third parties. Based on this importance, the following research question can be problematized: how does Brazilian law adapt the institute of civil liability to internet providers in cases of hate speech, illegal pornography and consumer relations? The objective is to present the legal and jurisprudential grounds for holding internet providers civilly liable for acts committed by third parties that cause some type of damage or loss to the offended person. The following qualitative research methods are used: research of a basic nature, exploratory and descriptive objective, with bibliographical review and presentation of jurisprudence containing the basis for granting compensation for damage to an internet user who has suffered some type of damage caused by a third party under the omission of the internet provider. Based on the results found in the law, doctrine and jurisprudence, it can be seen that internet providers will only be held responsible when they fail to comply with a court order to remove content in a specific case. It is possible to conclude that the civil liability of internet providers is possible, that doctrinally and legally there is a simultaneous application of the main laws that govern the subject, but that even so the Marco Civil da Internet cannot cover all the legal situations that apply to it. submitted for analysis.

Keywords: civil liability, internet providers, Marco Civil da Internet.

1 INTRODUÇÃO

À medida que a tecnologia avança e a dependência da internet se intensifica, os provedores de conexão à internet assumem um papel de destaque na sociedade. Contudo, esse papel traz consigo uma série de complexidades jurídicas, especialmente no que diz respeito à responsabilidade civil desses provedores nos casos de falhas na prestação do serviço.

A partir desse contexto pode-se questionar o seguinte: como a lei brasileira adequa o instituto da responsabilidade civil aos provedores de internet nos casos de discurso de ódio, pornografia ilegal e relações de consumo? A partir desse questionamento poderá se encontrar outras respostas referentes a proporção das medidas em caso de dano, como essas medidas são tomadas e se há alguma teoria que integre simultaneamente o Código Civil, o Marco Civil da Internet, o Código de Defesa do Consumidor e a Constituição Federal de 1988.

No Brasil, a legislação atual, representada principalmente pelo Marco Civil da Internet, estabelece as regras para entender o instituto da responsabilização dos provedores de internet. No entanto, a adequação e eficácia dessa legislação têm sido objeto de debate.

A análise da possibilidade de responsabilização civil dos provedores de conexão à rede mundial de computadores é crucial para entender melhor a dinâmica entre os direitos dos usuários, as obrigações dos provedores e a eficácia da legislação existente, além disso, essa análise pode fornecer percepções valiosas para aprimorar a legislação existente e desenvolver práticas mais eficazes para proteger os direitos dos usuários e promover um ambiente de acesso à rede mais seguro e justo.

Portanto, a realização de um estudo aprofundado sobre este tema é justificada pela sua relevância atual e potencial impacto na melhoria da proteção legal aos usuários e aos próprios provedores de acesso a internet no Brasil, podendo ainda contribuir significativamente para a literatura existente sobre a responsabilidade civil dos provedores de serviços de internet.

Com a análise da jurisprudência sobre o tema da responsabilização de provedores de serviços de internet espera-se identificar no valioso entendimento majoritário quais os principais requisitos levados em consideração pelos magistrados, para incidência de multa, por exemplo, ao provedor/fornecedor, assim como de alguma reparação por dano material que tenha decorrido da má prestação do serviço ao consumidor/usuário.

Esses resultados podem ajudar a formar políticas futuras, melhorar a legislação existente e garantir que os direitos dos usuários sejam protegidos enquanto os provedores de serviços de Internet operam de maneira eficaz e justa.

A pesquisa tem como objetivo geral apresentar quais os fundamentos legais e jurisprudenciais no contexto da responsabilização civil de provedores de internet por atos cometidos por terceiros que gerem algum tipo de dano ou prejuízo à pessoa ofendida. A pesquisa tem como objetivos específicos: identificar como o instituto da responsabilização civil consegue direcionar a reparação de dano pelos provedores de internet nos casos de discurso de ódio, pornografia ilegal e nas relações de consumo; relacionar a aplicação da teoria do diálogo das fontes na aplicação simultânea do Marco Civil da Internet, no Código Civil, no Código de Defesa do Consumidor e com a Constituição Federal de 1988.

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO 

A responsabilidade civil nas relações de consumo refere-se ao dever legal de reparar danos causados a consumidores por atos ilícitos, defeitos em produtos ou serviços, negligência ou descumprimento de deveres. Conforme explica Tartuce (2019, p. 499) é necessário distinguir dois cenários no âmbito da responsabilidade civil: responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual. 

Gonçalves (2012) complementa essa informação exemplificando que a responsabilidade contratual é aquela derivada do descumprimento dos deveres do contrato, como é o caso do comodatário que não lhe devolve a coisa, por culpa ou inadimplência do serviço contratado. Com relação à responsabilidade extracontratual, Gonçalves (2012) explica que é aquela não nasce do contrato, mas sim de infrações do dever de conduta.

A partir do pressuposto do dever de indenizar pode-se destacar que não há unanimidade na doutrina com relação aos elementos estruturais da responsabilidade civil, mas ainda assim, a culpa genérica ou latu sensu é majoritariamente um pressuposto mencionado como pressuposto do dever de indenizar (Tartuce, 2019). Neste âmbito destaca-se que diante de uma ilicitude surge a obrigação de ressarcir, seja por dever de conduta

Dessa forma, tendo consigo o pressuposto do dever de indenizar, destacamos não haver unanimidade na doutrina, em relação aos elementos estruturais da responsabilidade civil, contudo, é solidificado na doutrina a culpa genérica ou lato sensu como pressuposto do dever de indenizar (TARTUCE, 2017, p. 519). Com base nisso Gonçalves (2012) ressalta que a ilicitude é um elemento que gera a obrigação de ressarcir, seja por infração com deveres de conduta (omissa ou culposa), seja por intermédio de condutas dolosas que gerem dano a outrem.

De acordo com o art. 12, §3º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando comprovar que não colocou o produto no mercado; que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste, ou ainda, quando houver culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. Incumbe-lhes o ônus da prova destas excludentes da responsabilidade civil (Brasil, 1990). A partir dessa referência percebe-se que o CDC estende a responsabilidade civil ao comerciante, de forma subsidiária, quando o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador, ou ainda, quando os produtos perecíveis não forem adequadamente conservados.

No tocante a responsabilidade do fornecedor de serviços é necessário apresentar o disposto no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC):

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos (Brasil, 1990).

Nota-se que o CDC/1990 estabelece como princípio a responsabilidade objetiva para os prestadores de serviço, observando-se a existência de três elementos, os quais; defeito do serviço; danos ao consumidor/ relação de causalidade entre o dano e o defeito.

São excludentes da responsabilidade civil, por impedirem que se concretize o nexo causal, a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior e, no campo contratual, a cláusula de não indenizar (Venosa, 2019). 

No caso de culpa exclusiva da vítima, pode-se dizer que o causador do dano age como mero instrumento do dano causado, deixando de existir relação de causa e efeito entre o seu ato e o prejuízo experimentado pela vítima. Nesse caso, o comportamento da vítima é fato decisivo do evento danoso (Cavalieri Filho, 2022).

Conforme lista o art. 20 do CDC/1990 as opções que o consumidor tem de exigir do fornecedor de serviços, sendo assim, a partir das regras expostas, vê-se que é necessário a análise do caso concreto para que se possa adequar a solução do vício que chegou a prejudicar o consumidor, como por exemplo, a oferta e mensagem publicitária que foi apresentada e o real serviço prestado, o que deixa para o cliente a opção passível de ser exigida, como medida de solução.

No caso do art. 25 do CDC/1990: É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores, também é necessário vista ao seu inteiro teor. Neste âmbito, resta claro que é vedado a inclusão de cláusulas contratuais que isentem o fornecedor de qualquer das responsabilidades geradas em caso de danos causados ao consumidor, restando a garantia da responsabilidade solidária pelos danos decorrentes da má prestação do serviço.

3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DE INTERNET E AS IMPLICAÇÕES DO MARCO CIVIL DA INTERNET

A responsabilidade civil dos provedores de conexão à internet continua sendo um tema de grande relevância na atualidade, especialmente à luz do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). Essa legislação, considerada inovadora no Brasil e internacionalmente, estabelece princípios fundamentais, como a neutralidade da rede, a privacidade e a liberdade de expressão, e trouxe diversas implicações para a proteção da privacidade, da liberdade de expressão e responsabilidade dos provedores de internet no Brasil.

A garantia da neutralidade da rede e acesso igualitário a todos é um dos pontos destacados por Medeiros (2017) sobre a Lei Federal n. 12.965/2014, além da mesma estabelecer a proteção de privacidade dos usuários sob a obrigação dos provedores adotarem medidas de segurança que visem evitar que as informações sejam vazadas. Aparentemente vê-se que o Marco Civil da Internet estabelece diretrizes para que ocorra o uso da internet no país com a proteção da privacidade de acesso dos seus usuários, sob a premissa da responsabilidade gerada pela falta dessa efetividade, diante dos danos ocorridos e gerados pelo vazamento desse conteúdo.

Haja vista a amplitude do debate acerca da responsabilidade dos provedores de serviços, o legislador optou, após um extenso debate jurídico junto dos autores sociais interessados, pelo modelo no qual o Poder Judiciário analise cada fato a partir da ilicitude do ato cometido dentro de determinada conduta (Medeiros, 2022).

A jurista Anna Carolina Finageix Peixoto, por exemplo, defende a tese de que o Judiciário brasileiro estabeleceu o forro de discussão na pauta da responsabilização civil dos provedores de internet, de modo a afastar o provedor dos serviços da análise da legalidade, da veracidade ou da ofensividade de determinados conteúdos (Peixoto, 2019).

Essa conclusão decorre a partir da análise do art. 19 da Lei do Marco Civil da Internet, no ponto onde se trata sobre a responsabilização civil do provedor de aplicações de internet, onde o mesmo somente poderá será responsabilizado se por acaso ocorrer danos ao usuário por conteúdo produzido por terceiros, após ordem judicial específica e respeitando os limites legais e técnicos (Brasil, 2019). O que in verbis o dispositivo legal informa o seguinte:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário (Brasil, 2014),

Essa determinação tem o condão de assegurar que os princípios constitucionais, como é o caso da liberdade de expressão ou de impedimento da censura, sejam feridos. A partir disso fica cristalino o entendimento brasileiro de que para haver responsabilização civil do provedor do serviço por conteúdo ofensivo decorrente da conduta de terceiros, é mais do que necessário que haja uma ordem judicial específica para que o conteúdo seja excluído ou tenha acesso bloqueado pelo servidor prestador do serviço.

Existe nesse âmbito uma corrente minoritária da doutrina, segundo Medeiros (2022) que condiciona a responsabilidade do provedor a prévia provocação do Poder Judiciário, por meio de ação judicial específica, o que implica no esvaziamento do sistema protetivo relacionado ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), levando-se em consideração que se trata de um arcabouço legal já existente e não faria sentido que houvesse uma norma específica para cada caso se a lei já é clara, nesse sentido.

Douro modo, quando se obriga a vítima ir em busca do Poder Judiciário para buscar a proteção do bem tutelado, seria medida totalmente desproporcional, considerando que o próprio provedor tem o dever se prestar o serviço de maneira eficiente e célere, lembrando que o mesmo estaria diante de fatos concretos em curso, devendo agir de mediato em meio a qualquer dano comprovado, sem a necessidade de ir em busca direta de judicialização da causa.

No judiciário pode-se mencionar a título exemplificativo o caso do Recurso Ordinário n. 1.037.396/SP, onde o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou a respeito e entendeu, por maioria, ser constitucional a determinação legal de que o judiciário é a instância competente para a solução desse tipo de litígio (Brasil, 2018).

Do mesmo modo que a Lei do Marco Civil da internet oferece garantia dos direitos do consumidor, também proporciona essa garantia ao fornecedor, no caso dos provedores de internet, os quais serão isentos de responsabilidade por danos ocasionados por terceiros (Brasil, 2014). O Marco Civil da Internet busca equilibrar a proteção dos direitos fundamentais com regras claras e garantidoras desses mesmos direitos.

Mesmo com os provedores de internet isentos de responsabilidade nas relações em decorrência de danos ocasionados por terceiros, ainda assim, essa imunidade não é absoluta e pode ser afastada em algumas situações.

Diante de atos ilícitos praticados por terceiros a responsabilidade civil dos provedores de internet será estabelecida quando for verificado que o provedor deixou de obedecer a seus deveres, sejam eles derivados de conduta omissivas ou ainda naqueles onde há empecilhos na colaboração de localizar o autor do dano (Rocha, 2023). O provedor fica sujeito a responder por responsabilidade civil diante de ação ou omissão de dano causado à vítima, ainda que haja inércia na entrega de informações ou no cumprimento do dever legal.

Neste contexto da imunidade é necessário entender como a responsabilidade civil se comporta diante dos provedores: backbone, de acesso e de conteúdo.

3.2.1 Provedor backdone

O provedor bacdone é um tipo de empresa que não pode ser responsabilizada, pois a mesma apenas fornece a estrutura técnica para os provedores de acesso à internet, é tido como um elemento facilitador do envio das informações para o ciberespaço (Rocha, 2023). No tocante ao ponto da responsabilidade civil por atos praticados por terceiros este tipo de provedor não se vislumbra possibilidades práticas, tendo em vista a natureza dos serviços.

Apesar dos provedores backdone não responderem pelos atos ilícitos de usuários finais, ainda assim, poderá responder pelos danos causados no âmbito da natureza das suas obrigações, uma vez que não existe relação consumerista entre o provedor backdone e o provedor de acesso, o que decorre também de não haver vínculo direto com os usuários finais do serviço de conectividade (Rocha, 2023). Esta premissa está resguardada no art. 931 do Código Civil (CC) (2002) que informa: Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação (Brasil, 2002).

3.2.2 Provedor de acesso

No caso dessa modalidade de provedor de acesso, os mesmos são responsáveis por conectar os periféricos eletrônicos à rede de computadores, o que decorre com isso da relação contratual entre provedor e usuário final (Rocha, 2023). 

Pode-se classificar o provedor de acesso como um prestador de serviços, informação que se deduz a partir do art. 3º do CDC (1990). Também podem ser considerados como consumidores finais conforme deduz o art. 2º do CDC (1990). No Marco Civil a Internet, art. 18 prevê que em nenhum momento os provedores de acesso serão responsabilizados nos casos de conteúdos postados ou gerados por terceiros.

Pode-se responsabilizar o provedor de acesso quando o mesmo deixa de realizar sua atividade, a qual tem objetivo de garantir uma conexão estável, segura e contínua ao cliente, havendo falhas na conexão, queda de velocidade na transmissão dos dados ou interrupções, pode-se responsabilizá-los (Tartuce, 2019). Portanto, esses provedores só serão responsabilizados quando houver a má prestação dos serviços comercializados, independentemente da existência de culpa, conforme estabelece o art. 14 do CDC (1990). 

3.2.3 Provedor de conteúdo

Os provedores de conteúdo são os responsáveis por todas as informações produzidas por terceiros que exercem o controle editorial sobre o conteúdo disponibilizado no web site, os quais não serão responsabilizados, em regra, nos casos em que haja falha na disponibilidade de conteúdos por outros usuários, mas nos casos em que houver ordem judicial, o mesmo deve realizar o bloqueio da informação (Rocha, 2023). Nesses casos de descumprimento da ordem judicial de bloqueio da informação o provedor de acesso poderá ser responsabilizado.

O Marco Civil da internet aborda a responsabilidade civil do provedor de acesso no art. 19, deixando claro que o mesmo responderá por omissão de informações, quando for solicitado judicialmente no caso específico (Brasil, 2014).

4 METODOLOGIA

A metodologia qualitativa adotada parte das seguintes técnicas de pesquisa: pesquisa do tipo exploratória por apresentar através da doutrina, da lei e da jurisprudência como pode ocorrer a responsabilização de provedores de internet em casos como: discurso de ódio, relação de consumo e pornografia ilegal; também se utiliza do método de pesquisa de objeto descritivo, pois a jurisprudência será descrita e comentada conforme cada caso apresentado para poder compreender como ocorre o alinhamento do direito civil com o direito digital e o Código de Defesa do Consumidor no tocante a responsabilização ao provedor de internet para danos gerados ao indivíduo que utiliza ou foi afetado pelo serviço.

As táticas que serão utilizadas para unir os argumentos jurídicos, doutrinários e da lei partem da revisão doutrinária que envolve autores como: Maria Helena Diniz, Rizzardo (2011), Cavalieri Filho (2003), Carlos Roberto Gonçalves (2007), Luís Roberto Barroso, dentre outros doutrinadores do direito civil e do direito digital, para apresentar os aspectos gerais da responsabilidade civil e do entendimento dos atos ilícitos; e da revisão legal dentro da Lei do Marco Civil da Internet, juntamente com a Lei Federal nº 13.709/2018, do Código Civil, dentre outras correlatas.

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Apesar da Lei do Marco Civil, Lei Federal n. 12.965/2014 da Internet abordar questões voltadas à privacidade, liberdade de expressão, inclusão digital, segurança da informação e proteção de dados pessoais, contudo a questão dos provedores de internet não é delimitada, apesar da mesma diferenciar o provedor de conexão de internet com o provedor de aplicação da internet, onde o primeiro relaciona-se com os provedores de acesso, enquanto o outro se relaciona aqueles que hospedam o conteúdo e a informação (Brasil, 2014).

Silva e Santos (2012) elucidam neste aspecto da Lei do Marco Civil da internet ser omissa quanto à responsabilidade dos provedores, que ainda assim, é necessário a adequada atribuição do termo ‘provedor’ para se atribuir o instituto da responsabilidade. Neste contexto Meinero e Dalzotto (2021) constatam em sua pesquisa que não são todos os tipos de provedores que se enquadram na responsabilização, por exemplo, nos casos de pornografia de vingança que envolvem os provedores de conteúdo, onde estes sim, poderão ser responsabilizados segundo Marco Civil da Internet.

Leite e Lemos (2014) destacam em sua pesquisa que é imprescindível que haja decisão judicial transitada em julgado para que se ordene a indisponibilidade do conteúdo infringente. Essa necessidade trata de um contexto delicado quando se olha para a pessoa vítima de exibição pornográfica por vingança, afinal a demora para se obter uma tutela no judiciário é deveras morosa, contudo, mediante a exposição, o sistema judiciário acaba efetivando uma medida decisória mais precisa para bloquear o conteúdo realmente indevido publicado, sem infringir a liberdade de expressão de terceiros.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), através da decisão no Recurso Especial n. 1.403.749/GO, entende que não é responsabilidade do provedor a fiscalização prévia acerca do conteúdo lançado na plataforma por terceiros, comportamento não exigível, tendo em vista a impossibilidade técnica de ter esse tipo de acesso sem colocar em risco a liberdade de expressão (Brasil, 2013). Outro aspecto disposto nessa repercussão geral do STJ está no tocante a manutenção da ordem/obrigação de fazer o provedor cumprir com a determinação judicial de retirar, no prazo de até 24h, após notificação, o conteúdo indicado no processo, do contrário arbitra-se multa diária de R$5.000,00. Ainda assim o STJ não pode garantir que outros conteúdos sejam republicados no mesmo site por terceiros, isso quer dizer que pedidos de tutela inibitória não poderão ser concedidos ao prejudicado por ser um ato contrário à liberdade de manifestação da informação (Brasil, 2013).

A jurisprudência do STJ, no julgamento do REsp 1.641.133, se manifesta de acordo com a regra do art. 18 da Lei Federal n. 12.965/2014 no sentido de que não há responsabilidade civil dos provedores de aplicações, pois em tese, não se examina ofensa causada pelo provedor, no caso em tela envolvendo a Google Brasil e o You Tube, na verdade, a responsabilidade direciona-se aos seus usuários; por isso na maioria desses casos aplica-se ao provedor de aplicação a tese da responsabilidade subjetiva, quando não exercerem o dever de controle ciente de determinada lesão de direito (Melo; Copi, 2023).

Gois Júnior (2002 apud Leonardi, 2005, p. 95) destaca que a responsabilidade solidária aos provedores seria um meio para efetivar a punição aos autores de delitos na internet. Contudo, essa tese vem de encontro à estabelecida pelo princípio da responsabilidade objetiva levantada pelo Marco Civil da Internet. Pode-se observar isso quanto a aplicação do Direito antes do Marco Civil da Internet, a normativa que regia o assunto era fragmentada em outras fontes do direito, como o Código de Defesa do Consumidor e Código Civil. Assim, a responsabilidade do provedor de internet diante da omissão, se dava como subjetiva, após notificação extrajudicial de conteúdo com potencial teor ofensivo, aquele tinha o prazo de 24 horas para retirar do ar sob pena de responder posteriormente o litígio. A REsp: 1338214 MT da ministra Nancy Andrighi ratifica essa posição jurisprudencial do STJ solidificada até então.

Sendo assim pode-se compreender a partir dessas premissas que o Provedor sempre deverá ser notificado a diligenciar a retirado de conteúdo que cause dano a intimidade de outrem, do contrário o mesmo incorrerá em multa diária e somente nesta ocasião é que o mesmo será responsabilizado subsidiariamente em relação ao dano, art. 21 da Lei Federal n. 12.965/2014 (Brasil, 2014). Ressalta-se a Súmula n. 403 do STJ que caracteriza como dano in re ipsa sem a necessidade de comprovação do dano os casos em que houver a exposição da imagem de alguém para se obter lucro, pois nestes casos o dano está atrelado ao ato ilícito.

Neste âmbito problemático das atribuições dos provedores de internet e suas especificidades é necessário assentar, segundo Pinto, Netto e Novaes (2023) que cabe ao prórpio provedor o dever de guarda dos dados de identificação dos seus usuários num prazo de até 6 (seis) meses a 1 (um) ano, assim como o Marco Civil dispõe que esses dados deverão ser fornecidos por força de ordem judicial. Especificamente isso quer dizer que o provedor deve apresentar os acessos e endereços de IP (internet protocolo) quando solicitado judicialmente para que haja a análise da responsabilização civil em decorrência do que tenha ocorrido no ambiente virtual.

Assim pode-se citar o seguinte entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF):

PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CAUTELAR. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO. PROVEDOR DE INTERNET. DIVULGAÇÃO DE DADOS PESSOAIS DE RESPONSÁVEL POR IP (INTERNET PROTOCOL). POSSIBILIDADE. LEI 16.965/2014 (MARCO CIVIL DA INTERNET). REQUISITOS ATENDIDOS. SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SENTENÇA REFORMADA. 1. Nos termos do art. 22 da  Lei 16.965/2014 (Marco Civil da Internet), a parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet. 2. Demonstrados que a parte autora atendeu aos requisitos legais, indicando objetivamente os indícios da prática de atos ilícitos, o período a que se refere e a necessidade da informação para ajuizamento de futura ação reparatória, cabível a cautelar de exibição para obtenção dos dados pessoais do responsável pelo envio de matéria difamatória, via rede mundial de computadores, identificado por meio do IP (Internet Protocol) do equipamento do usuário (Brasil, 2014, grifo nosso).

A jurisprudência do TJDF releva a importância da manutenção dos dados de acesso pelos provedores de internet para facilitar a identificação do usuário causador de qualquer ilegalidade ou irregularidade que deva ser reparada e corrigida.

Quando se apresenta a pauta da liberdade de expressão, por exemplo, o Professor Geroge Marmelstein (2014) a explica como sendo uma ferramenta essencial para a consolidação da democracia no Estado de Direito, onde a pluralidade de pensamentos e realidades sociais dos grupos diversos que integram a sociedade acabam colaborando diretamente para a construção de uma sociedade mais equânime. Sendo assim, é livre a expressão dos pensamentos, logo, o indivíduo pode executá-la livremente, sem ser repreendido, inclusive expondo seu ponto de vista para ser discutido coletivamente.

No Brasil, pode-se afirmar, segundo Melo e Copi (2023) que há um cenário muito cediço a disseminação do discurso de ódio, seja pela religião, seja pela raça, pela região onde o indivíduo vive, até mesmo no esporte há diversos indícios, por isso que tratar sobre esse ponto é necessário para que torne o direito mais efetivo nos ideais nocivos de proibição desse tipo de comportamento na internet e nas redes sociais.

A busca para efetivar as medidas alternativas que combatam o discurso de ódio na internet é desafiadora, mesmo sabendo que aqueles que o propagam devem ser responsabilizados, afinal, suprimir esse tipo de discurso é uma forma de garantir a liberdade de expressão sob a égide da responsabilidade civil, possibilitando, inclusive, a reparação.

Tratando, agora, especificamente dos casos de responsabilização civil de provedores de internet nas relações de consumo, pode-se afirmar que esta é uma pauta reconhecida pela jurisprudência pátria no sentido de que há relação de consumo entre as redes sociais e seus usuários, a exemplo: REsp: 1.300.161 RS, STJ – REsp: 1352053, TJ-MG – AC: 50295178420228130024, TJ-GO 50239001020218090051, TJ-RJ – AI: 00724544620188190000, TJ-SP – AC: 10538536320218260100 (Neto, 2023).

Mesmo percebendo que a jurisprudência prevê a isenção da responsabilidade civil aos provedores de internet, com a ressalva dos casos em que haja desobediência de ordem judicial, ainda assim, essa mitigação de tal possibilidade se deve a Teoria do Diálogo das Fontes, apresentada primeiramente por Erik Jayme na Alemanha e trazida ao Brasil através da Professora Claudia Lima Marques, na qual a mesma ressalta a necessidade de diálogo entre as fontes legais, no caso o Marco Civil da Internet, Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor sob a luz da Constituição Federal de 1988 (Neto, 2023). Com o diálogo dessas fontes legais pode-se aplicar simultaneamente estas fontes normativas, complementado-as onde essa ou aquela forem omissas.

A teoria do diálogo das fontes já foi reconhecida pelo STJ e pelos Tribunais Estaduais que a aplicam, por exemplo nos seguintes entendimentos jurisprudenciais: REsp 1.037.759-RJ e REsp 1.330.919-MT, TJRN, AC 2009.010644-0, TJSC, AC 2008.079519-6 e TJSP, AC 4071574/8 (Neto, 2023). Como frisado, atualmente só é possível a responsabilização dos provedores de internet por atos praticados por terceiros, quando estes forem omissos no fiel cumprimento de ordem judicial específica para a retirado de determinado conteúdo.

Apesar de persistirem as discussões sobre a responsabilidade civil dos provedores, dos buscadores e dos hospedeiros de páginas na internet, ainda assim, há a necessidade de saber distinguir cada um deles com suas determinadas funções para lhe atribuir a devida responsabilização civil, mesmo quando o Marco Civil da Internet suscita dúvidas que geralmente surgem justamente pela forma como este serviço é prestado.

6 CONCLUSÕES

A lei impõe obrigações específicas aos provedores e a responsabilização ocorre de maneira subjetiva, ou seja, eles só podem ser responsabilizados se não cumprirem suas obrigações expressas na legislação. Essa perspectiva reflete a busca por um equilíbrio entre a liberdade proporcionada pela internet e a necessidade de proteger os direitos e interesses dos usuários e da sociedade como um todo.

Mesmo havendo mitigação da legislação ao diálogo das fontes (Código Civil, Marco Civil da Internet, Código de Defesa do Consumidor e Constituição Federal de 1988) para haver a melhor aplicação simultânea entre as regras legais existentes no Brasil para a responsabilização de provedores de internet, ainda assim é necessário reconhecer que a lei tem avançado, pois com a possibilidade de retirar o material que contém atos irregulares ou ilegais como a exposição de pornografia, violação ao consumidor ou no combate ao discurso de ódio, fica claro que a sua efetividade representa uma inovação legal, que apesar do Marco Civil não abranger todas as situações jurídicas existentes, ainda assim o provedor será responsabilizado quando não cumprir com ordem judicial ao caso concreto para a retirado do conteúdo indicado.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério Público Federal. Câmara de Coordenação e Revisão, 2. Crimes cibernéticos / 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, Criminal. – Brasília : MPF, 275 p. – (Coletânea de artigos ; v. 3). 2018. 

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1Bacharel em Direito
Centro Universitário Vale do Salgado (UNIVS)
Icó-CE
roger.73@outlook.com.br
2Especialista em Direito Penal
Faculdade São Francisco da Paraíba (FASP)
Icó, Ceará, Brasil.
mbeatriz.pv@gmail.com