REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202410262102
Mirvan Sleiman1
Aiman Hicham El Safadi1
Fabio Luiz Cecagno2
RESUMO: Patologias periapicais e canais calcificados são sempre desafiadores no tratamento endodôntico, tornando a endodontia guiada um método novo e interessante para a resolução desses casos complexos. A técnica da endodontia guiada consiste na utilização do fluxo digital, como as tomografias cone beam e scanners, aplicadas em um software no qual é confeccionado um guia cirúrgico 3D e instalado na cavidade bucal do paciente, garantindo maior segurança, precisão e eficiência durante o tratamento. Para a realização dessa técnica, é necessário a realização de tomografia computadorizada de feixe cônico da área de interesse na qual proporcionará uma imagem tridimensional das estruturas anatômicas determinando-se as medidas do comprimento de trabalho.
ABSTRACT: Periapical pathologies and calcified canals are always challenging in endodontic treatment, making guided endodontics a new and interesting method for addressing these complex cases. The guided endodontics technique involves the use of digital workflows, such as cone beam computed tomography (CBCT) and scanners, applied in software to create a 3D surgical guide that is placed in the patient’s oral cavity, ensuring greater safety, precision, and efficiency during the treatment. To perform this technique, it is necessary to take a cone beam computed tomography of the area of interest, which will provide a three-dimensional image of the anatomical structures, determining the working length measurements.
Palavras-chave: Guia cirúrgico endodôntico; Guia 3D; endodontia guiada; calcificações pulpares.
INTRODUÇÃO
A endodontia é a área que trata o sistema de canais radiculares por meio técnicas e métodos, principalmente quando a polpa dentária está infectada ou inflamada devido a fatores como: Cáries profundas, traumas, lesões endo-pério, infecções recorrentes, eliminando assim o foco infeccioso e salvando muitas vezes o dente.
De acordo com Ishak et al., (2020), a calcificação pulpar piora o prognóstico de tratamento endodôntico e faz com que tenha altas taxas de falhas e que seja um procedimento muito complexo. O que leva a calcificação do canal radicular podem ser fatores, como a idade do paciente e o tipo de lesão sofrida pelo dente. A polpa quando sofre alguma injúria de um agente agressivo, pode ter reações inflamatórias ou degenerativas, dependendo da intensidade da injúria, e caso o agente não venha a ser eliminado, pode levar a calcificação ou necrose pulpar (MEDEIROS, 2017).
A calcificação pulpar pode ser causada por falhas na regulação das atividades secretoras dos odontoblastos (SOCIETY AND DEVELOPMENT, 2022). O diagnóstico de dentes calcificados é essencial para elaboração um correto plano de tratamento. Com isso, são necessários exames radiográficos e clínicos, além dos testes de percussão e sensibilidade. Utilizam-se meios auxiliares de diagnóstico como imagens tridimensionais, nas quais são obtidas imagens por meio da Técnica de Tomografia Computadorizada de Cone Been (TCCB). Todavia, existem momentos desafiadores para o endodontista, como é o caso de uma abordagem de um canal radicular calcificado.
Nesse contexto surge a Endodontia guiada (Endoguide). O acesso por meio do guia cirúrgico pode ajudar a preservar a estrutura dental do dente calcificado e pode ajudar a preservar a estrutura dental e evitar acidentes como desvios e perfurações, melhorando assim o prognóstico a longo prazo. Neste cenário, a Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico (TCFC), o microscópio cirúrgico, a impressão 3D e a endodontia guiada (Endoguide) são ferramentas fundamentais para os endodontistas (LIMA & REZENDE, 2011; KRASTL et al., 2016).
A alta magnificação por meio da microscopia operatória auxilia o operador na localização de canais calcificados, conseguindo detectar também microfraturas e istmos, dando ao operador uma ampliação no campo de até 20 vezes além de mais conforto e índice de sucesso do tratamento para os pacientes (FEIX, 2009).
A endodontia guiada é um método que visa a preparação de um acesso ao canal, de maneira direta e precisa, proporcionada por meio da fabricação de um guia cirúrgico, onde se insere uma broca projetada até o acesso do canal radicular, trazendo assim resultados satisfatórios e favoráveis ao tratamento (PATEL, 2020).
Essa técnica está provando ser precisa, rápida e independente do operador, onde quase não há risco de perfuração, a menos que haja um erro durante o planejamento, ou falta de estabilidade do guia cirúrgico. A American Association of Endodontists classifica o tratamento com canais calcificados de alto nível de dificuldade (AMERICAN ASSOCIATION OF ENDODNTISTS, 2016).
METODOLOGIA
Este trabalho, caracteriza-se como uma revisão integrativa da literatura com objetivos exploratórios, tendo como foco a análise da endodontia guiada em casos complexos, suas vantagens e desvantagens. O estudo incluiu artigos originais escritos em língua portuguesa e inglesa, consultados nas bases de dados BVS (Biblioteca Virtual de Saúde) publicados a partir de 2009. Os descritores utilizados foram: Guia cirúrgico endodôntico; Guia 3D; endodontia guiada; calcificações pulpares. Os critérios de exclusão aplicados foram: Estudos que não estavam de acordo com o tema proposto, trabalhos de conclusão de curso, publicações pagas, fora do recorte temporal.
Após o levantamento dos artigos disponíveis realizou-se a análise, que consistiu na interpretação e aproveitamento deles na produção científica, buscando direcioná-los ao objetivo proposto pela pesquisa. Após a utilização dos critérios de inclusão e exclusão resultou na inclusão de 8 artigos para esta revisão de literatura.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Este tópico foi subdividido em casos clínicos. Cada um dos casos é relatado, indicando no início o título do artigo, nome dos autores e ano de publicação. Ao final a discussão abrange as vantagens e desvantagens da aplicação da técnica estudada.
CASO CLÍNICO 01 – Guided endodontic surgery: A narrative review. Iqbal et al., (2023).CASO CLÍNICO 01 – Guided endodontic surgery: A narrative review. Iqbal et al., (2023).
Por conta da efetividade do uso da guia cirúrgica 3D para as cirurgias de implantes, em 2016, foi estudada a probabilidade de usar essa ferramenta para cirurgias de acesso endodôntico, com isso, no ano seguinte, foi publicado o primeiro relato de caso descrevendo o uso bem-sucedido dessa técnica no tratamento de dentes calcificados.
Mesmo que o operador seja recém-formado, ele consegue realizar o tratamento da endodontia guiada evitando perfurações e outras iatrogenias, porém, poderá encontrar dificuldades na interpretação dos exames complementares como tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) e planejamento digital.
De acordo com Gambarini et al., ao manter as incisões retas e os movimentos desimpedidos ao trabalhar no terço cervical, pode-se reduzir a probabilidade de perfurações radiculares.
Dentes calcificados e terceiros canais apicais relativamente retos ou ligeiramente curvos são adequados para esse tipo de terapia de canal (endodontia guiada). Outros benefícios que a endodontia guiada proporciona é sua simplicidade (quase qualquer dentista pode realizá-la), sua velocidade (menos tempo na cadeira do dentista) e sua precisão (risco reduzido de infecção), melhor ergonomia, a capacidade de fazer ajustes e reposicionar instrumentos em tempo real, em comparação com a endodontia tradicional. O tempo necessário para desenvolver e fabricar guias 3D e o fato de que o acesso só funciona para canais retos são algumas das desvantagens da endodontia guiada.
Outra vantagem da endodontia guiada é em relação a remoção do pino de fibra de vidro onde que, devido a semelhança da cor do pino e da dentina, esse procedimento pode causar alguns problemas como perfurações, desgaste desnecessário da dentina. Com o uso da endodontia guiada é possível posicionar a broca com precisão para a remoção do pino, especialmente quando se trata de um pino fraturado. No entanto, é importante ressaltar que o sucesso da remoção depende da habilidade e experiência do dentista que realiza o procedimento. Embora a endodontia guiada possa aumentar a eficácia pós- remoção, ela não substitui o treinamento adequado e a experiência na realização de procedimentos endodônticos.
CASO CLÍNICO 02 – A new approach for minimally invasive access to severely calcified anterior teeth using the guided endodontics technique. Lara-Mendes et al., (2019)
Um paciente de 26 anos apresentou dor na região anterior da maxila e relatou trauma dentário há 13 anos, apresentavam câmara pulpar e canal completamente calcificados. O exame radiográfico não evidenciou canal radicular visível no dente 21 com discreto espessamento no espaço do ligamento periodontal apical. Os testes de sensibilidade pulpar não apresentaram resposta, enquanto o teste de percussão respondeu positivamente. A TCFC revelou um espaço visível do canal limitado à seção apical de 2 mm da raiz.
O acesso endodôntico guiado foi planejado após varredura intraoral da superfície dentária a ser utilizada com a TCFC. Um modelo virtual foi criado com o auxílio de um software para o planejamento do acesso cirúrgico de forma a não danificar a borda incisal do dente.
O software Simplant foi configurado para projetar 2 brocas a serem usadas para cada guia. A primeira visava exclusivamente a marcação do acesso através do esmalte. O segundo planejamento ajudou a projetar o molde para a broca que seria usada para acesso endodôntico guiado. A broca foi praticamente sobreposta à calcificação do canal radicular.
As guias resultantes foram impressas. Com guias posicionadas sobre a barragem de borracha, foi realizado o preparo químico mecânico assim que o canal foi localizado.
Em circunstâncias normais, sem o auxílio do acesso guiado, grandes destruições da estrutura dentária exigiriam o uso de pinos de fibras e restaurações indiretas, o que aumentaria tanto o custo quanto o esforço restaurador para resolver o mesmo caso.
A medicação intracanal foi deixada por 14 dias, após os quais o canal radicular foi preenchido com guta-percha e a cavidade de acesso selada. O acompanhamento foi realizado 1 ano após o término do tratamento. A paciente apresentava-se assintomática, com tecido periapical dentro dos limites da normalidade.
A terapia endodôntica guiada otimizou o tratamento, tendo proporcionado um acesso conservador sem danos dentários na borda incisal de forma segura e previsível, apesar da presença de um canal radicular severamente calcificado.
Em 2015, a Associação Americana de Endodontistas e a Academia Americana de Radiografia Bucomaxilofacial, atualizaram suas diretrizes sobre o uso da TCFC em endodontia. Eles recomendam a TCFC para a localização de canais radiculares calcificados devido ao alto grau de dificuldade associado a esse procedimento.
CASO CLÍNICO 03 – Guided endodontics: A novel treatment approach for teeth with pulp canal calcification and apical pathology. Krastl et al., (2015).
Paciente do sexo masculino, 15 anos de idade, apresentou dor no incisivo central superior direito. O dente apresentava sinais de periodontite apical. Devido a calcificação do canal, a localização foi considerada difícil e associada a um alto risco de perfuração.
Uma tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) e uma varredura de superfície intraoral foram realizadas usando um software para planejamento virtual de implantes.
O molde foi posicionado nos dentes maxilares anteriores, onde esta intervenção endodôntica é restrita principalmente aos dentes anteriores devido à sua acessibilidade ideal para o molde guia.
O molde foi colocado na maxila, exclusivamente nos dentes anteriores, pois ali é indicado a posição tendo assim uma melhor acessibilidade para o uso ideal do guia.
Uma broca específica foi utilizada para penetrar através da parte obliterada do canal radicular e obter acesso minimamente invasivo à parte apical. O preparo posterior do canal radicular foi realizado com instrumentação endodôntica rotatória (MTWO,VDW, 50.04 sistema utilizado).
A forma final do canal radicular preparado não pode ser considerada excessiva em um incisivo central de um paciente jovem, com isso pode ser possível reduzir a perda de substância e tornar a técnica endodôntica guiada adequada para incisivos inferiores ainda delicados.
A forma final do canal radicular preparado em um incisivo central de um paciente jovem não deve ter muita perda de estrutura dental, fazendo com que a perda de estrutura dentária seja minimizada tornando a técnica endodôntica guiada apropriada para incisivos inferiores.
Após 15 meses, a paciente encontrava-se clinicamente assintomática, sem dor à percussão. A radiografia não mostrou patologia apical.
A abordagem endodôntica guiada apresentada parece ser um método seguro e clinicamente viável para localizar canais radiculares e prevenir perfuração radicular em dentes com calcificação.
No entanto, o tempo de cadeira para o tratamento de canal foi consideravelmente reduzido, e uma perfuração foi evitada. Esses benefícios podem justificar o custo adicional. Em comparação com os custos adicionais da terapia necessários, se o tratamento endodôntico convencional falhar e levar à perda dentária, a abordagem apresentada pode ser considerada uma intervenção custo-efetiva.
CASO CLÍNICO 04 – Guided endodontic access in maxillary molars using cone- beam computed tomography and computer-aided design/computer-aided manufacturing system: A case report. Lara-Mendes et al., (2018).
Mulher de 61 anos apresentou-se com dor na região dos molares superiores esquerdos. O segundo e o terceiro molares esquerdos apresentaram sinais de periodontite apical, confirmados pela tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) trazida pelo paciente na consulta inicial. O tratamento endodôntico convencional foi interrompido devido à dificuldade de localização dos canais radiculares.
As guias foram confeccionadas através de prototipagem rápida e permitiram a correta orientação de uma broca cilíndrica utilizada para fornecer acesso através das calcificações. Também foram confeccionadas hastes de fixação com a finalidade de estabilizar a guia, evitando que a broca de perfuração se desviasse de sua trajetória criada com base no planejamento tomográfico. Em seguida, os canais radiculares foram preparados e foi utilizado medicação intracanal, e obturados posteriormente.
Comparando as imagens tomográficas, observamos drástica redução das lesões periapicais e ausência de sintomas álgicos após 3 meses. Essa condição foi mantida no seguimento de 1 ano. A técnica endodôntica guiada em molares superiores mostrou-se uma terapia rápida, segura e previsível, podendo ser considerada uma excelente opção para a localização de canais radiculares calcificados, evitando falhas em casos complexos.
Há um número crescente de pacientes idosos que necessitam de tratamento endodôntico. Estes pacientes podem apresentar dentes com câmaras pulpares parcial ou completamente calcificadas e canais radiculares obstruídos por aposição de dentina ao longo da vida.
Uma das desvantagens da endodontia guiada é que a técnica na região posterior do arco, em molares por exemplo, devido à limitação de espaço para encaixe no guia mais a broca de acesso. Os clínicos devem levar em consideração que pacientes com abertura bucal limitada podem ter essa técnica como contraindicação.
Outra restrição à técnica guiada seria a necessidade de acessar canais calcificados ao redor de curvaturas, pois a broca só deve ser introduzida na parte reta do canal. Tendo em vista que as calcificações geralmente estão localizadas no terço cervical e/ou médio dos canais e as principais curvaturas geralmente ocorrem nos terços apicais, esta técnica parece ser promissora também para abordar molares.
O desenvolvimento de brocas mais adequadas, tanto em comprimento quanto em calibre, especificamente projetadas com capacidade atender às expectativas e exigências para uso em endodontia é uma necessidade real a ser abordada em trabalhos futuros.
CASO CLÍNICO 05 – O uso da endodontia guiada para remoção de pino de fibra de vidro: Relato de caso clínico. Chaves et al., (2022).
Muitos casos de dentes com tratamento endodôntico com grandes perdas coronárias tem a necessidade do uso de retentores intrarradiculares (pino de fibra de. Vidro ou carbono). Quando acontece a falha no tratamento protético e\ou no tratamento endodôntico, há uma necessidade da remoção dos retentores intrarradiculares para execução do trabalho, portanto esse processo é complexo e desafiador pois intercorrências como desgastes desnecessários, desvio de conduto e perfuração da raiz podem ocorrer e isso não é favorável para o paciente.
Os pinos de fibra de vidro se assemelham a dentina por apresentarem um módulo de elasticidade, diminuindo a chance de fratura radicular em comparação aos núcleos metálicos fundidos. Os pinos de fibra de vidro são utilizados em 72% dos casos de reabilitação.
Existem diversas técnicas para a remoção de retentores intrarradiculares, nenhuma delas apresentou resultados satisfatórios quanto a redução de perda de dentina, tempo de trabalho e segurança. Os desvios e perfurações são considerados os problemas mais graves em relação a remoção de retentores intra canais, independente da técnica utilizada pelo profissional.
Paciente sexo masculino 76 anos de idade. Buscou atendimento relatando que a coroa havia soltado. No exame radiográfico, o tratamento endodôntico apresentava-se satisfatório e o pino de fibra de vidro estava insatisfatório no elemento 11, havia contatos prematuros e interferências oclusais. Paciente relatou que havia realizado tratamento no mesmo elemento com pino metálico e coroa. Após o diagnóstico de pino fraturado, ele foi indicado para o retratamento protético sem necessidade de re-intervenção endodôntica.
A guia endodôntica foi adaptada na arcada superior, a guia possui “janelas “para checagem da adaptação e como ela estava bem adaptada não foi necessária a fixação cirúrgica no osso maxilar.
Os materiais utilizados foram: Endoguide 3D, broca n1 da neodent (foi inserida no guia), Motor Endodôntico Silver Reciproc – VDW (para acionamento da broca) nserto ultrassônico E1 da Helsen microscópio Alliance (para um desgaste mais cauteloso). O desgaste total foi de 13 mm, água destilada (como solução irrigadora) e clorexidina endogel 2% (substância química auxiliar).
A técnica da endodontia guiada se mostra promissora, segura e com bons resultados, sugerem-se estudos para avaliação e comprovação do sucesso em casos da utilização da técnica na remoção de pinos de fibra de vidro.
CASO CLÍNICO 06 – Endodontia guiada como alternativa para o tratamento de canais severamente calcificados. Lara-Mendes et al., (2019).
A técnica endodôntica com uso de imagens tridimensionais foi introduzida a tratamentos de canais calcificados sendo uma alternativa para obter resultados promissores. As guias de acesso são confeccionadas a partir da sobreposição de TCFC e do escaneamento intraoral, direcionando o percurso que será percorrido por uma broca através do tecido radicular calcificado.
Para o diagnóstico, foi feita a anamnese, exames clínicos, radiográficos, avaliação da presença de sintomatologia e/ou alterações Perirradiculares para a constatação da calcificação severa com necessidade de intervenção endodôntica. Com o diagnóstico, o paciente foi encaminhado ao centro radiológico para o planejamento do tratamento com a endodontia guiada que é feita através de TCFC de alta resolução utilizando um afastador de lábio como auxílio para permitir uma visão mais detalhada da unidade dento gengival. Utiliza-se uma abordagem CAD/CAM para o guia do acesso endodôntico através do tecido calcificado. Um modelo 3D da arcada a ser tratada é obtido através de um scanner de bancada R700 (3shape, Holmens Kanal, Copenhagen, Dinamarca), e a imagem gerada é convertida em um arquivo STL 3d, posteriormente transferida para um software de planejamento de implante virtual.
Posteriormente a TCFC é adicionada ao software e junto ao escaneamento de superfície dos modelos são sobrepostos com base em estruturas visíveis radiograficamente, como os tecidos moles e duros do paciente, destacados com o uso da técnica de ST-CBCT.
A confecção da broca física é feita através do software Simplant, que será utilizado para o acesso endodôntico guiado. A broca virtual é inclinada a fim de evitar o desgaste da borda incisal do dente e conduzindo o trajeto de maneira a atingir luz visível do canal radicular, assim criando um modelo virtual.
Pinos de fixação são simulados para a estabilização do guia, e uma anilha para direcionar a broca de acesso radicular, virtualmente personalizada e incorporada, a fim de orientar o seu acesso ao trajeto da luz visível no terço apical da raiz. O modelo da guia (Endoguide3D) gerado é exportado como um arquivo STL e enviado para uma impressora 3D.
Com o guia pronto, ele é posicionado na arcada do paciente, realiza-se a fresagem óssea orientada pela anilha de fixação, e fixo por dois parafusos, permitindo assim a estabilidade do guia. O acesso radicular por meio do guia é feito por meio da mesma broca, orientada pela anilha de acesso.
Após o acesso por meio do guia, é retirado o guia e o tratamento endodôntico é finalizado pela maneira convencional (isolamento absoluto).
Mesmo com a TCFC, o profissional que realizar o tratamento deve ter conhecimento da anatomia e dos sistemas radiculares no momento do acesso convencional.
A sobreposição de imagens da TCFC e do escaneamento intraoral por meio do software permite o acesso preciso da broca de acesso ao canal.
O uso da técnica da endodontia guiada é uma ótima alternativa para tratamentos desafiadores como o de dentes com canais calcificados e por se tratar de uma técnica simples e precisa, não é necessário experiência do operador e o uso de microscopia operatória.
A broca utilizada durante o procedimento deve acessar justaposta a anilha garantindo a estabilidade. As anilhas de fixação estabilizam o guia facilitando o procedimento e descartando a necessidade de apoio digital durante o procedimento. Essas foram relatadas pela primeira vez por Lara-Mendes et al. (2018) em guias para acesso endodôntico.
Em relação a cirurgia de fixação das anilhas, não é necessário sutura, pois a compressão com gaze é suficiente para a hemostasia e os pacientes não relatam desconforto e dor, não sendo necessário o uso de analgésicos.
A técnica endodôntica guiada é limitada para dentes anteriores por conta da acessibilidade e presença de curvaturas segundo Krastl et al., (2015) e Connert et al., (2019) mas para Lara-Mendes et al., (2018) existe a possibilidade de exercer a endodontia guiada em dentes posteriores (molares e pré-molares) desde que o paciente não tenha nenhuma limitação de abertura de boca.
Os dentes com canais que apresentam curvaturas são um fator limitante para a utilização da técnica de endodontia guiada. Levando em consideração que a grande maioria da calcificação radicular estão situadas nos terços cervicais e médios dos canais e as curvaturas nos terços apicais, a Endodontia 3D tem sido extremamente útil quando utilizada.
Essa técnica está sendo útil não apenas para o tratamento de canais calcificados, mas também para outros casos difíceis como desvios/perfuração do trajeto original do canal e na remoção de pinos intrarradiculares de fibra.
A técnica da endodontia guiada é uma inovação fácil e prática de ser utilizada e é clinicamente viável, não sendo necessário o uso de microscópio operatório, podendo ser executada por profissionais menos experientes, diminuindo o alto risco de erros iatrogênicos em canais calcificados, sendo uma alternativa para o tratamento de canais desafiadores.
CASO CLÍNICO 07 – A new approach for minimally invasive access to severely calcified anterior teeth using the guided endodontics technique. Lara-Mendes et al., (2018).
O artigo descreve um relato de caso de um dente severamente calcificado (incisivo central superior), desde seu planejamento até sua execução sendo a mais preservadora possível evitando o comprometimento da borda incisal. Esse tipo de procedimento consegue dar um melhor prognóstico a longo prazo pois é feito de uma forma rápida, segura e previsível.
O guia de acesso para canais calcificados em dentes anteriores é mencionado na literatura com resultados favoráveis e previsíveis. O guia de acesso para dentes com canais calcificados ajuda prevenir acidentes como desvios e perfuração do canal, ajudando assim a um tratamento tranquilo e um bom prognóstico. Apesar de usar o guia para o acesso, a endodontia tradicional ainda é utilizada quando se supera o obstáculo da calcificação, assim com a limpeza do canal e obturação.
O guia endodôntico auxilia o trabalho do operador promovendo um atendimento mais seguro ao paciente, minimizando um desgaste desnecessário a estrutura dental principalmente na borda incisal.
Paciente de 26 anos apresenta sintomas na região de maxila central (incisivos). A paciente relatou trauma dental na região há 13 anos. No exame clínico, o dente teve resposta negativa ao teste de sensibilidade com teste térmico, mas relatou dor no exame de percussão, o que sugere diagnóstico de início de uma periodontite apical aguda. O tratamento endodôntico guiado foi proposto pela calcificação pulpar e por ser minimamente invasivo o acesso e menos desgaste da estrutura dentária.
Para a confecção do guia, foram feitos exames como: tomografia computadorizada de cone beam (TCFC), e durante o exame foi utilizado um protetor labial de plástico para melhor visualização dentogengival. O software também foi utilizado para a confecção de duas brocas para serem utilizadas com o guia. A primeira broca seria a de acesso, FG 1014 HL (KG SORENSEN) e a segunda, seria utilizada dentro do guia (NEODENT), com 20 mm de altura, 12mm de comprimento de trabalho e 1.3 mm de diâmetro. 2 anilhas foram confeccionadas para melhor posição e estabilização do guia durante o procedimento.
Uma marca foi feita pelo acesso do modelo para indicar exatamente a região do acesso endodôntico. Retirado o esmalte com uma broca diamantada e acessada a dentina, o primeiro guia foi retirado e o segundo guia posicionado e fixado na arcada do paciente. Com isso, foi usada a mesma broca do acesso para a remoção de dentina e para o acesso de uma pequena porção do canal calcificado. O guia foi removido e foi feito o isolamento absoluto, sendo observado um acesso minimamente invasivo e uma borda incisal preservada. Foi introduzida uma lima tipo-K #10 no canal no comprimento de trabalho. Um localizador de forame foi utilizado também é uma radiografia digital foi feita. O preparo químico-mecânico do canal foi realizado com a ajuda de um instrumento reciprocante (WaveOne Gold Medium da DENTSPLY SIRONA) com irrigação abundante de hipoclorito de sódio 2,5%. Hidróxido de cálcio à base de glicerina foi aplicado no canal para medicação, e feito um curativo provisório.
Após 14 dias a paciente não relatava mais sintomas. O canal foi preenchido com cones de guta percha e um cimento à base de epóxi. A cavidade foi permanentemente fechada com resina Spectra filler (SIRONA), sem nenhuma outra medida de selamento.
Sem a utilização do guia endodôntico, uma grande perda da estrutura dentária seria perdida e seria necessário a utilização de pino de fibra de vidro e restauração indireta, envolvendo outros profissionais especialistas em prótese, por exemplo, que aumentaria o custo e trabalho para resolução do mesmo caso. Após 1 ano, o paciente estava assintomático e foi realizado um raio X, mostrando uma alteração no ligamento periodontal podendo significar apresença de tecido de cicatrização.
A tomografia de feixe cônico (TCFC), é uma aliada ao tratamento de canal pois ela auxilia também no diagnóstico de patologias ósseas, morfologia de canais complexos e na identificação de calcificações radiculares.
Por meio do artigo, nota-se a importância da endodontia guiada para a preservação dos elementos dentários anteriores com calcificação pulpar pelo planejamento e mudança da direção da broca no momento de abertura com a ajuda do guia 3D, tendo assim uma maior segurança para o profissional e previsibilidade do tratamento.
CASO CLÍNICO 08 – Guided endodontics versus conventional access cavity preparation: A comparative study on substance loss using 3-dimensional–printed teeth. Connert et al., (2019).
O objetivo do estudo in vitro foi comparar o acesso endodôntico em canais calcificados a partir da técnica convencional e da técnica da endodontia guiada (Figura 1) tendo em vista a localização dos canais, perda de estrutura e tempo de duração de tratamento.
Foram utilizados 6 modelos de mandíbula e maxila (3 de cada) foram produzidos com incisivos centrais e laterais. Para estabilidade do modelo de estudo, o restante dos dentes (caninos, pré-molares e molares) foram utilizados de plástico.
O planejamento dos modelos que seriam tratados a partir da endodontia guiada foram executados segundo Connert et al., (2019) STL E DICOM data foram utilizados no coDiagnostiX software e os 2 scans foram combinados por se alinharem aos contornos dos dentes. Uma broca com diâmetro de 0.85 mm foi sobreposta na imagem para guiar o acesso ao orifício do canal radicular. Um guia metálico com um diâmetro interno de 0.88 mm foi posicionado nos canais (virtualmente). O guia foi elaborado e posteriormente impresso pela tecnologia 3D. Guias metálicas foram adicionadas ao guia final.
Foram selecionados 3 operadores para o experimento. O operador 1 é um especialista em endodontia com 9 anos de experiência, o operador 2 é um cirurgião-dentista com 3 anos de experiência e o operador 3 é um cirurgião- dentista recém-formado. Os modelos foram montados em um manequim fixados em uma cadeira simulando assim um ambiente clínico.
Para o acesso cavitário convencional, foi utilizado uma peça de mão de alta rotação com a broca diamantada cilíndrica 837. Para a localização do canal radicular os operadores utilizaram brocas de haste longa e/ou um aparelho ultrassônico e uma lima k #25. Por conta da baixa dureza e resistência do material em comparação a dentina, os instrumentos ultrassônicos teriam de ser utilizados com cuidado e intervalos intermitentes, caso os operadores não tivessem a possibilidade de acesso ao canal ou causasse algum dano ao dente (por conta de perfurações) o tratamento poderia ser interrompido.
Para a técnica guiada, os operadores tiveram uma breve introdução da técnica e planejamento virtual e receberam o guia endodôntico com sua broca correspondente. Os procedimentos clínicos foram feitos a partir da técnica de Connert et al., (2019). Caso o canal fosse acessado e localizado, uma radiografia periapical com uma lima tipo K introduzida no canal seria feita para a confirmação do resultado do tratamento.
O tempo de trabalho foi cronometrado desde o começo do tratamento até a localização do canal ou até que o operador parasse o tratamento por conta de algum insucesso. Uma tomografia de feixe cônico (TCFC) foi feita em todos os modelos. As ferramentas do software coDiagnostiX foram utilizadas para a marcação do acesso da cavidade e para calcular o volume em mm3.
A perda de estrutura total dos 3 operadores utilizando a técnica convencional foi de 49.9 mm3 enquanto a perda na utilização da técnica guiada foi de 9.8 mm3 (95%). O tempo médio de duração do tratamento com a técnica convencional foi de 21.8 minutos enquanto com a técnica guiada foi de 11.3 minutos. O acesso e localização com a técnica convencional foi bem-sucedida em 10 dos 24 canais (41,7%) e com a técnica guiada 22 de 24 canais tiveram seus canais bem acessados e localizados (91,7%). O sucesso do tratamento não teve influência do nível de expertise do operador.
Os resultados desse estudo in vitro mostram que a endodontia guiada tem melhores resultados que a endodontia convencional em vários aspectos. . A técnica de endodontia guiada se mostra mais confiável, previsível, favorável e bons resultados em relação à técnica convencional em casos complexos, tendo melhor prognóstico, podendo ser utilizada tanto por cirurgiões-dentistas recém- formados com pouca experiência tanto por cirurgiões-dentistas especialistas.
Figura 1. O acesso endodôntico em canais calcificados a partir da técnica convencional (esquerda) e da técnica da endodontia guiada (direita)
Fonte: Connert et al., (2019)
VANTAGENS DA ENDODONTIA GUIADA
O guia 3D é uma grande inovação tecnológica na área odontológica, sendo promissora a técnica da terapia endodôntica guiada. Ela otimiza o processo de tratamento, as etapas e facilita algo desafiador na endodontia: O tratamento de canais calcificados, remoção de pino de fibra de vidro preservando a estrutura dentária não sendo necessário o uso de microscópio operatório e a experiência do operador, pois trata-se de uma técnica simples e segura para ambos, profissional e paciente, evitando erros como exemplo as perfurações dos canais. Esse tipo de tratamento também reduz o tempo de cadeira do paciente, tem uma maior previsibilidade, prognóstico, conservando e preservando as estruturas dentais.
DESVANTAGENS DA ENDODONTIA GUIADA
O acesso guiado na região posterior é restrito por conta do limite de espaço do encaixe do guia 3D e a broca de acesso, e em canais calcificados com curvaturas, onde a broca só pode ser introduzida na parte reta do canal.
CONCLUSÃO
A técnica endodôntica guiada surgiu como um simplificador para o tratamento de canais calcificados e remoção de pino de fibra de vidro, trazendo conforto e eficiência tanto para o profissional quanto para o paciente. Portanto, através dos estudos avaliados foi possível concluir que a endodontia guiada é uma ótima alternativa para a resolução de casos complexos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1Discente do curso de Odontologia – Faculdade União Dinâmica das Cataratas
2Docente do curso de Odontologia – Faculdade União Dinâmica das Cataratas