REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10248091331
Alexandre da Silva Villalba 1
Caroline Victoria Nunes Coimbra 2
Victoria Gomes de Oliveira 3
Resumo
O uso abusivo de drogas é uma prática crescente em um contexto mundial, sendo considerada uma questão de saúde pública, ampliando constantemente sua demanda para novos estudos. Esta pesquisa pretende analisar como o desenvolvimento da resiliência em usuários de substância pode auxiliar na prevenção do uso abusivo, relacionando-a com os fatores de risco e proteção. Para isso elaborou-se uma revisão sistemática, sintetizando informações de autores eleitos após minuciosa seleção. Foi possível observar que os fatores de risco e proteção tem grande impacto no desenvolvimento da resiliência e no processo de prevenção de recaídas e redução de danos em adultos usuários de substância.
FATORES DE RISCO E PROTEÇÃO • RESILIÊNCIA • PREVENÇÃO DE RECAÍDA • USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIA
Abstract
Drug abuse is a growing practice in a global context, being considered a public health issue, constantly expanding its demand for new studies. This research intends to analyze how the development of resilience in substance users can help in the prevention of abusive use, relating it to risk and protection factors. For this, a systematic review was elaborated, synthesizing information from authors chosen after meticulous selection. It was possible to observe that risk and protection factors have great strength in the development of resilience and in the process of relapse prevention and harm reduction in adult substance users.
RISK AND PROTECTIVE FACTORS • RESILIENCE • RELAPSE PREVENTION • SUBSTANCE USERS
Introdução
O uso abusivo de substâncias é um problema frequente em um contexto mundial. Pode-se descrever a dependência química como uma condição psíquica e física decorrente do abuso contínuo de substâncias, que acarreta necessidade do uso frequente da droga, tendo como objetivos a obtenção de prazer, alívio da dor física, suavização da ansiedade e tensão e redução dos efeitos de desconforto, mal-estar e sensação de vazio causados pela abstinência (Büchele, Marcatti, & Rabelo, 2004; Crauss & Abaid, 2012).
Quando um indivíduo apresenta um padrão de comportamento disfuncional em relação ao consumo de drogas, consumindo substâncias lícitas e/ou ilícitas em altas quantidades independente dos riscos e das consequências, pode ser considerado um usuário abusivo de drogas. O mesmo apresenta dificuldade de controle do uso (com uma tendência de consumir quantidades cada vez maiores ou por um período de tempo maior), uso arriscado (uso recorrente de drogas em situações que põem em risco a integridade física e podem agravar problemas físicos, cognitivos ou psicológicos do sujeito) e prejuízos sociais (dificuldade em cumprir obrigações relacionadas ao trabalho, família ou escola) (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders [DSM V], 2013).
De acordo com a Política Nacional sobre Drogas, instituída pelo decreto nº 9762/ 2019, entre os anos de 2000 e 2015, o número de mortes decorrente do uso de drogas teve um acréscimo de pelo menos 60%, sendo essa apenas uma das consequências diretas do uso abusivo de sustâncias (Brasil, 2019). Além disso, alterações nos aspectos físicos, psíquicos, emocionais, comportamentais, sociais e financeiros também podem ser citadas como consequências do uso (Silva, Guimarães & Salles, 2014). De modo histórico, o abuso de drogas vem sendo tratado sob uma intervenção médico-psiquiátrica, tendo a subjetividade dos usuários e da sociedade em que está inserido sendo deixada de lado. Devido ao seu número crescente e sua complexidade, faz com que o abuso de drogas seja uma questão de Saúde Pública (Cardoso et al., 2014).
As classificações dos tipos de drogas são variadas, podendo ser separadas por suas propriedades farmacológicas, pelo efeito obtido no uso ou até mesmo na percepção que os usuários têm para com o efeito da substância. Uma das classificações mais utilizadas pelos profissionais de saúde as dividem como drogas depressoras (morfina, heroína, álcool), estimulantes (anfetaminas, cocaína, crack) e alucinógenas (Ecstasy, canabinóides) (Fonte, 2006).
É importante salientar que os efeitos causados pelas substâncias também variam quanto a sua classificação. As drogas depressoras, por exemplo, podem reduzir a atividade mental, causando letargia cerebral e afetando atividades motoras, a concentração e a capacidade intelectual (Mariano & Chasin, 2019).
Ao contrário das drogas depressivas, as drogas estimulantes aceleram as atividades cerebrais, trazendo sintomas como insônia e aceleração dos processos psíquicos. As drogas perturbadoras podem causar confusão mental, ou seja, alteram a percepção de tempo e espaço causando alucinações e delírios (Mariano & Chasin, 2019). Os efeitos citados podem variar de acordo com a quantidade de substância utilizada pelo usuário, assim como o tempo que o mesmo utilizou a droga e o modo que foram ingeridas (Fonte, 2006).
Um indivíduo que sofre com um vício não prejudica só a si mesmo, mas também seus familiares e até mesmo a sociedade como um todo, que pode ser impactada por aumento nos gastos com tratamentos médicos e hospitalização, além do aumento de violência urbana. (Ferreira et al., 2016; Dantas et al., 2017). Existem diversos motivos para o início e continuidade no uso das drogas, como também a perseverança diante os desafios advindos do uso. São muitos os fatores de risco que influenciam o abuso de drogas e o engajamento em outras atividades destrutivas associadas ao uso de drogas, como o sexo sem proteção, violência auto ou hétero provocada e realização de crimes para obtenção da droga. A resiliência, relacionada aos fatores de risco e proteção, é um conceito que impacta diretamente na prevenção à recaída dos usuários de drogas.
A resiliência pode ser definida como um fenômeno psicológico em que um indivíduo é capaz de superar adversidades e situações estressoras e ressignificar experiências causadoras de sofrimento psicossocial (Taboada, Legal & Machado, 2006). Resiliência não é equivalente a ausência de sintomas diante de tragédias, mas sim um processo que envolve um conjunto de habilidades do indivíduo de se adaptar diante de situações de vulnerabilidade e sofrimento, sendo capaz de recuperar-se e atribuir novos símbolos e significados a experiências dolorosas (Silva et al., 2014)
Resiliência é frequentemente associada a fatores de risco e proteção. Fatores de risco envolvem os eventos estressores e aspectos relacionais, sociais e culturais que se fazem presentes na realidade do indivíduo e podem impactar negativamente sobre a capacidade de se manter resiliente diante de tragédias. Fatores de proteção estão relacionados a fatores e influências capazes de proteger o indivíduo de apresentar respostas disfuncionais e destrutivas diante de situações perigosas. Os fatores de proteção podem modificar o percurso do sujeito, melhorar suas respostas diante do perigo e favorecer o desenvolvimento da resiliência. Fatores de risco podem dificultar o processo da construção de identidade resiliente e podem favorecer reações desadaptativas que agravam o sofrimento do indivíduo e envolvimento em atividades perigosas e autodestrutivas, como o abuso de drogas. (Taboada et al., 2006)
É possível caracterizar os fatores de risco, por favorecer o indivíduo a condições propícias ao uso de drogas e consequentemente ao vicio, como por exemplo, fatores sociodemográficos, envolvimento familiar e influência de pares. Em contrapartida, é possível identificar os fatores de proteção definidos como uma variável que controla os riscos, tendo como exemplo, vínculos positivos entre amigos e família, oportunidades de lazer e cultura e envolvimento religioso (Macedo, Aygnes, Barbosa & Luis, 2014).
A prática do abuso de substâncias é um transtorno multicausal, que abrange tratamentos clínicos, farmacológicos e psicossociais, alcançando a saúde do usuário e de sua família (Mendes Carvalho, Brusamarello, Noeremberg Guimarães, Paes & Alves Maftum, 2011). Para que a população seja melhor atendida, diversos serviços são oferecidos em todo o país. Um exemplo a ser citado são os Centros de Atenção Psicossocial de álcool e drogas (CAPS ad), que realizam trabalhos de acolhimento, atendimento à saúde e demandas sociais, compreendendo os usuários em sua integralidade (Soccol, Terra, Tisott, Zubiaurre & Siqueira, 2022). Os esforços de um tratamento eficaz por parte dos serviços não estão relacionados ao sucesso total do indivíduo, são importantes também o cuidado contínuo e a prevenção da recaída.
De acordo com Büchele et al. (2004) a recaída é um conjunto de sintomas que se manifesta no abuso de substância, após determinado tempo em abstinência. Essa condição independe do tipo de tratamento oferecido ou a quantidade de vezes já realizada, sendo propícia a qualquer momento da vida do usuário, gerando sofrimento ao mesmo. (Ferreira et al., 2016).
A luz dos fatos apresentados, a presente pesquisa tem como objetivo principal avaliar como os fatores de proteção e risco podem influenciar no processo de recuperação e prevenção a recaídas. Além disso, é esperado entender e analisar a resiliência dos usuários, conjuntamente a seus fatores associados.
Metodologia
O presente estudo é uma revisão sistemática. Valorizou-se o protocolo Prisma de revisão sistemática objetivando gerar uma síntese sobre os fatores de risco e proteção e a resiliência de usuários de substâncias psicoativas.
Uma revisão sistemática é uma forma de pesquisa que disponibiliza evidências relacionadas a determinado assunto específico, aplicando métodos minuciosos e sistemáticos, trazendo uma síntese das informações encontradas em outras pesquisas. Para isso, é necessário buscar fontes primárias de qualidade, a fim de obter resultados favoráveis (Sampaio & Mancini, 2007).
Protocolo e registro
O protocolo de registro foi efeituado de acordo com os critérios estabelecidos pela plataforma Prospero, que pode ser acessado através do número de registro CRD42022364102. Esta plataforma consiste em uma base de registro para revisões sistemáticas, onde, de forma pública, é possível assentar pesquisas restritas a área da saúde.
Critérios de elegibilidade
Os critérios de elegibilidade estabelecidos foram pesquisas nos idiomas português, inglês e espanhol. Analisando artigos disponíveis, com amostra de interesse, contexto de interesse e tema de interesse, foram aceitos apenas os artigos que passaram por revisão de pares e que apresentavam texto e resumo disponível para leitura. Não foi estabelecido datas limites para a inclusão dos artigos. O PICO estabelecido pode ser observado na tabela a seguir.
Tabela 1
Tabela de PICO
Acrônimo | Definição | Descrição |
P | População | Adultos (>18 anos), ambos os sexos que faça uso de algum tipo de substância psicoativa |
I | Intervenção | Reunir principais resultados sobre a resiliência em usuários de drogas |
C | Comparação | Os fatores de risco e proteção tendo influência no desenvolvimento da resiliência |
O | Resultado | O desenvolvimento da resiliência com o auxílio dos fatores de proteção. |
Fontes de informação
Utilizando as bases de dados Scielo, Lilacs e ERIC manuseando os termos “resiliência”, “prevenção de recaída”, “fatores de risco e proteção” e “dependência química/uso abusivo de drogas/adicção” e com auxílio dos operadores Booleanos, ‘AND’ ‘NOT’ e ‘OR’, obtemos um total de 569 artigos. As buscas foram iniciadas no dia 19 de julho de 2022 e finalizadas ao final do mesmo mês.
O programa Endnote foi utilizado na exclusão de artigos duplicados, subtraindo-os para um total de 447 para futura análise.
Seleção dos estudos
Os artigos selecionados passaram pelo processo de triagem e elegibilidade, sendo classificado individualmente por 2 juízes a fim de determinar se o artigo em questão se adequava com os critérios previamente estabelecidos: texto e resumos disponível, contexto e amostra de interesse e menção do tema de interesse no título e texto.
Para estabelecer o parâmetro de concordância entre os juízes foi feita a elaboração do coeficiente Kapa, com auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS)
Em triagem, os 447 artigos analisados por cada juiz teve concordância de 95%, obtendo um novo total de 33 artigos para a fase de elegibilidade, que teve como porcentagem 87% de concordância entre os juízes, conforme o fluxograma abaixo:
Figura 1
Fluxograma
Risco de viés em cada estudo
Utilizando da ferramenta de Avaliação Crítica para uso em Revisões Sistemáticas Joanna Briggs Institute (JBI), foi feita a análise do risco de viés individualmente por cada juiz, com porcentagem de 100% de concordância. Obtendo um total de 15 artigos.
Processo de coleta de dados
Com o auxílio do Excel, a elaboração de uma planilha foi efetuada, onde se expos de forma sintetizada e objetiva os títulos, ano de publicação, periódico, amostra e os principais resultados em cada artigo selecionado.
Lista de dados
Para melhor visualização dos dados apresentados por cada autor dos artigos inclusos, foi elaborada a tabela de extração de dados, onde contém os principais resultados encontrados por cada autor.
Tabela 2
Extração de dados
Autores | Periódico | País | Amostra | Principais evidencias | |
Büchele et al. 2004 | Texto & Contexto Enfermagem | Brasil | 25 pacientes da unidade de Dependência Química do Instituto Químico de Psiquiatria | Foi avaliado entrevistados que reconheciam situações de risco ou não, como também a porcentagem de entrevistados que já apresentou recaída. Os fatores de risco encontrados foram: problemas como depressão e timidez, problemas familiares, crises de intenso nervosismo e influência social. | |
Burnett, et al. 2016 | Journal of Research on Christian Education | EUA | 278 estudantes que frequentam uma universidade cristã | Experimentar um grande trauma foi significativamente associado ao uso de substâncias, especialmente para os participantes do estudo do sexo masculino. Sendo considerado um grande fator de risco no uso de drogas. | |
Cardoso et al. 2014 | Aletheia, revista interdisciplinar de psicologia | Brasil | 10 usuários de álcool e outras drogas, vinculados às Unidades de Saúde da Família de Caxias do Sul, RS. | Os dados evidenciam que o entorno geográfico e as redes sociais dos indivíduos podem se constituir como fatores de risco ou de proteção. A família e a prática da espiritualidade, a independência através da obtenção de renda e permanência em vínculo empregatício, são fatores que auxiliam na sustentação do tratamento e na abstinência. | |
Dalpiaz, et al. 2014 | Aletheia | Brasil | 10 usuários do CPS Ad, RS | As entrevistas com os usuários evidenciaram como fatores de risco a tristeza, a solidão, as festas, o uso de substâncias na família e as companhias. Como fatores de proteção estão a família e os amigos. Além disso, apresentaram alguns prejuízos causados pelo uso de drogas, como os danos causados à saúde; aos relacionamentos interpessoais e laborais. | |
Dantas, et al. 2017 | Cadernos Saúde Coletiva | Brasil | 398 alunos de uma universidade pública | O uso de drogas lícitas e ilícitas, pelo menos uma vez na vida, foi associado a fatores sociais, sexo, idade, renda, religião, situação de vida e tipo de ensino superior entre os alunos da universidade analisada. | |
De Parada et al. 2015 | Texto & Contexto Enfermagem | Él Salvador | 250 estudantes de uma universidade privada em Él Sálvador | Neste grupo de estudo, a família e a espiritualidade são evidenciados como fator de proteção, ambos estão inter-relacionados com decisões pessoais. Em relação às festas, metade dos alunos não frequenta este tipo de animação onde as drogas podem estar presentes. | |
Ferreira et al. 2016 | Revista Mineira de Enfermagem | Brasil | 20 dependentes químicos em tratamento que atenderam aos critérios de inclusão. | Os usuários acreditam que sua ralação familiar sendo positiva ou negativa, não pode ser considerada um fator de risco. Para as famílias, o maior fator de risco está nas dificuldades de se manterem abstinentes diante de situações boas e ruins na vida diária. | |
Ferreira, et al. 2015 | Revista Mineira de Enfermagem | Brasil | 9 profissionais atuantes do CAPS Ad, PR | Apresentaram-se fatores intrínsecos e extrínsecos aos dependentes químicos para a adesão ao tratamento. A motivação, força propulsora para a mudança comportamental e para a reabilitação foram citados como fatores intrínsecos. | |
Ferro et al. 2019 | Saúde e Pesquisa, Maringá (PR) | Brasil | 373 universitários de uma Universidade no interior do Estado de São Paulo | Foi evidenciada uma associação entre uso de álcool e o alto estresse percebido. Os principais fatores de risco estão associada às questões acadêmicas e as transformações causadas pelo ingresso na universidade. Os dados apontam que o uso de determinadas drogas produzem sensação de relaxamento, o que seria uma forma de aliviar o estresse. | |
França et al. 2015 | Revista de Saúde Pública | Brasil | 532 prontuários de pacientes do programa de atendimento ao fumante do CREATF | A prevalência de abstinência no CREATF-Belém foi de 75,0%. O fator de proteção mais visto nos participantes foi a participação nas terapias de manutenção, por outro lado a presença de gatilhos, entendido como fator motivacional ao ato de fumar, atua como dificultador da cessação tabágica. | |
Loyola, et al. 2009 | Revista Latino-am Enfermagem | Brasil | 108 adultos que se identificam como pessoalmente afetados por familiares usuários de drogas | Para 104 entrevistados (96%), a dinâmica familiar que mais expõe à droga é a negligência e, para 106 (98%) dos entrevistados, a que mais protege é a relação de apoio com os pais. A política, a polícia e o sistema criminal foi citada como fatores que não têm diminuído o consumo e não protegem o usuário. | |
Moreira, et al. 2015 | Texto Contexto Enfermagem | Brasil | 7 universidades de 8 países da América Latina e Caribe | A religiosidade foi vista como grande fator de proteção ao uso de drogas. Os aspectos sociais e culturais desempenharam um papel estatisticamente mais importante que o relacionamento familiar no uso de drogas. Demostrando ser independente da qualidade do relacionamento familiar. | |
Nascimento et al. 2016 | Revista de Atenção Primária à Saúde | Brasil | 135 pacientes em tratamento no Programa de Controle do Tabagismo em unidades de saúde no Rio de Janeiro | Como fatores de proteção a escolaridade, a faixa etária e o acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico. Para os fatores de risco a recaídas o uso de álcool diário ou aos fins de semana e o ganho de peso, mas presente para o sexo feminino. | |
Silva, et al. 2014 | Revista Rene | Brasil | 50 usuários de substâncias psicoativas em tratamento de dependência química em regime de internação voluntária. | Foi constatado que a droga lícita mais consumida é o álcool. Para as drogas ilícitas, a cocaína e a maconha são mais consumidas. O contexto social, a rotina, festas, sentimentos negativos e família são descritos como fatores de risco. A religiosidade, grupos de apoio e familiares foram citados como fatores protetivos. | |
Simplício et al. 2021 | Revista Brasileira de Enfermagem | Brasil | 126.326 estudantes de graduação de cursos presenciais em 62 Instituições Federais Brasileiras | Foram identificados como fatores de risco ao uso de drogas lícitas e ilícitas entre universitários não residir com a família, atuar em movimentos artísticos-culturais, dúvidas quanto ao curso, dificuldades financeiras e falta de disciplina. Como fator de proteção a disciplina nos estudos e a religiosidade. |
Discussão
Fatores de risco
Foi possível observar na síntese desta pesquisa que os fatores de risco para o uso de substâncias podem ser influenciados por diversos precedentes, um deles é a faixa etária do indivíduo. De acordo com Cardoso et al., (2014), a idade pode ser um fator para o início do uso de substâncias, isso pode ser explicado pelo sentimento de onipotência característico nos jovens. Os autores ainda afirmam sobre a pressão proveniente da sociedade para o crescimento, amadurecimento e independência desse jovem, gerando preocupações excessivas, aumentando a probabilidade do uso como forma de alívio. Além disso, a autoafirmação, que muitas vezes pode ser importante para o convívio social entre os mesmos.
A influência de pares pode ser um fator de risco relevante a esta síntese. Büchele et al. (2014), observaram que 24% dos usuários de substâncias entrevistados, tem a influência de amigos como um fator de risco relevante. 20% deles acreditam que estar perto de usuários também pode ser considerado um risco, descrevendo-o como uma vontade incontrolável de usar a droga vista.
Para Simplício, Silva, Juvanhol, Priore e Franceschini (2021) a população universitária se torna mais vulnerável ao uso de substâncias. Isso se dá pela facilidade ao acesso de drogas nas universidades, como também, pela recente independência adquirida pelo jovem, estando afastados de suas famílias. Dalpiaz, Jacob, Silva, Bolson e Hirdes (2014), reforçam esta informação afirmando que, o maior número de usuários que iniciaram o uso de substâncias na juventude, tiveram como o fator de risco as festas universitárias e a influência de pares. É importante acrescentar que, os autores enfatizam que esta não é uma regra fixa, podendo haver exceções.
A família tem um papel importante quando se fala em fatores de risco. Segundo Macedo et al., (2014), em casos em que os pais de um indivíduo são usuários de substâncias, a falta de supervisão pode se tornar um fator considerável para o uso de drogas. Silva et al., (2014), evidencia que os conflitos familiares causam determinado nível de desordem emocional, levando ao uso de substâncias psicoativas. Parada et al., (2015) fortalece este dado, demostrando que dos 25 entrevistados em pesquisa, 13 afirmam ter um relacionamento negativo com suas famílias.
Os fatores intrínsecos aos individuo também tem extrema importância quando se fala em risco. Loyola et al. (2009) enfatiza a curiosidade, o sentimento de solidão, a depressão e a baixa autoestima como um agravante para o uso de substância e a dependência da mesma. Assim como o estresse. Conforme afirma Ferro et al., (2019), Os dados apontam que o uso de determinadas drogas produzem sensação de relaxamento, o que seria uma forma de aliviar o estresse
Mais do que entender o que são os fatores de risco, um indivíduo com um vício precisa perceber quais são eles e quais os rodeiam. De acordo com Büchele et al. (2014), 92% dos entrevistados reconhecem os fatores de risco que o rodeiam. Demostrando que não só o conhecimento dos fatores basta para a remissão deste usuário, evidenciando a importância dos fatores de proteção e resiliência.
Resiliência e fatores de proteção
Assim como os fatores de risco, os fatores de proteção têm papel indispensável na abstinência do uso de drogas. A resiliência representa um fator de proteção no abuso de drogas. A capacidade de se adaptar ao meio, se recuperar de crises e tragédias e apresentar crescimento e desenvolvimento pessoal pleno independente do ambiente ou circunstâncias desfavoráveis é uma característica importante em usuários que buscam reduzir ou cessar o uso de drogas. Algumas características estão relacionadas à personalidade resiliente, como a perseverança, autoestima, equilíbrio, autossuficiência e autoconfiança (Deep & Leal, 2012). Segundo Grotberg (apud Lopes & Martins, 2011), a resiliência é importante para diminuir o estresse, ansiedade e depressão, contribuindo para a manutenção da saúde mental. O estresse, ansiedade e a depressão são reconhecidos como fatores de risco para a prevenção de recaída, pois estão relacionados ao abuso de drogas (Andretta, Limberger, Schneider & Mello, 2018).
A rede de apoio é fundamental para o processo de resiliência e prevenção de recaída, pois a qualidade e a quantidade de vínculos positivos na vida do usuário influenciam seu processo de abstinência ou redução do abuso de drogas. A presença da rede de apoio ajuda a amenizar sentimentos de solidão e isolamento social que podem levar ao uso abusivo de drogas. Ajuda a fortalecer a autoestima do sujeito, oferece suporte em momentos de crise e promove a sensação de pertencimento no sujeito, que sente que perde esse lugar social de aceitação e valorização como consequência do estigma associado ao uso de drogas (Cavalcante et al., 2012).
A rede de apoio pode ser formada por familiares, amigos próximos e profissionais de serviços de saúde, como os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas, que podem oferecer orientações, desenvolver estratégias de redução de danos, realizar manejos de crises e estabelecer um vínculo com os usuários. Reuniões de ajuda mútua, como alcoólicos anônimos (AA), narcóticos anônimos (NA), ou qualquer outro tipo de interação com outras pessoas também em recuperação, pode ser de grande ajuda aos usuários abusivos de substância. Büchele et al. (2004), indicam que tais grupos podem evitar consideravelmente o número de recaídas.
Cardozo et al., (2014), expõem a importância das boas relações sociais para a recuperação do usuário, onde afirmam que ter o apoio de pessoas, tanto na descoberta ou na recuperação do vicio, trazem benefícios protetivos, gerando segurança e acolhimento. Os mesmos autores afirmam a importância do ambiente para a remissão do uso da droga, onde ambientes facilitadores, como bares; festas ou clubes, são substituídos por locais livres de drogas.
Um bom exemplo desses espaços seriam os religiosos, trazendo a religiosidade como um importante fator de proteção. Morera et al., (2015) demostra este aspecto fazendo uma comparação entre países da América Latina e Caribe, evidenciando que países culturalmente religiosos, apresentam maior índice de proteção. Segundo os autores, quanto maior a religiosidade, menor as chances do início do uso de drogas ou sua continuidade.
Tal como um fator de risco, a família pode ser considerada um fator de proteção. Macedo et al., (2014), enfatiza que quando um indivíduo possui uma família afetiva, cuidadosa e amorosa, o mesmo terá mais chances de um bom desenvolvimento, evitando assim o abuso de substâncias. Na perspectiva de Simplício et al. (2021), residir com a família, atuando em movimentos culturais, estudantis e políticos, tem grande influência na abstinência do abuso de substâncias, quando se falam em jovens universitários.
Prevenção de recaída através da redução de danos
A recaída acontece quando um usuário de drogas interrompe o uso abuso por um tempo e retoma ao vício. O usuário, durante o período de recaída, pode voltar a consumir a mesma quantidade de drogas similar à quantidade que consumia antes do período de interrupção (ou redução do uso) ou consumir uma quantidade ainda maior (Ferreira et al, 2016).
Segundo Baus (1999), a iniciativa para cessação ou diminuição do uso de drogas está relacionada a insatisfação com as consequências biopsicossociais e econômicas do abuso de drogas, insegurança relacionada à própria capacidade de lidar com o desamparo e impacto violento causado pelo abuso de drogas. Também está relacionado ao desejo de obter ajuda externa (construção de rede de apoio, como amigos, família, grupos de apoio e equipes multiprofissionais) e necessidade de fortalecer autoestima.
A abstinência, apesar de ser muito referenciada por diversos artigos que abordam o uso abusivo de drogas, não é a única proposta de prevenção de recaída. A redução de danos é uma política que prioriza a participação do usuário de drogas na formulação de estratégias que objetivam a preservação da vida e da saúde do usuário, de forma oposta à imposição da abstinência (BRASIL, 2003). A abstinência é a interrupção total do uso de drogas, porém alguns usuários não desejam e não conseguem interromper o uso de drogas, logo são elaboradas as estratégias de redução de danos.
As estratégias de redução de danos estão diretamente ligadas à prevenção da recaída, uma vez que a redução de danos envolve a participação do usuário, seus desejos e limitações. As propostas de prevenção de recaída para sua eficácia devem, assim como a redução de danos, considerar as possibilidades e vontades do usuário, o contexto socioeconômico em que está inserido, o atravessamento da droga sob a esfera psicológica e relacional do indivíduo e desenvolver estratégias que visem minimizar os efeitos catastróficos da droga sob a vida do usuário. A redução de danos é uma política de drogas de referência no mundo todo (Mesquita, 2020), que objetiva apresentar uma alternativa democrática à abstinência como única estratégia contra o uso abusivo de drogas.
A redução de danos enfatiza a autonomia do usuário, resgatando o papel do usuário como protagonista do processo de produção de saúde. Uma das metas do projeto de redução de danos de alguns usuários pode ser a abstinência, porém essa não é imposta por profissionais de saúde, e sim manifestada como um desejo do sujeito, que está dentro de sua capacidade e possibilidade. Muitos usuários, na proposta de redução de danos, por exemplo, substituem drogas com maior potencial destrutivo e aditivo por outras drogas com menor potencial destrutivo e, e eventualmente, abandonam o uso. O abandono do uso de drogas é um processo construído pelo sujeito, através do qual ele respeita seus limites e constrói suas próprias alternativas até alcançar seus objetivos (Passos & Souza, 2011).
Usuários da política de redução de danos apresentam uma tendência a abandonar o abuso de drogas quando estão inseridos em um ambiente em que se sentem acolhidos, respeitados e valorizados. Quando esses sujeitos podem participar da construção de estratégias voltadas para o autocuidado, constroem vínculos com profissionais e instituições, constroem redes de apoio e são envolvidos em projetos e atividades de reinserção social, é construída a prevenção de recaída (Passos & Souza, 2011).
A resiliência e os fatores de proteção são fundamentais para o processo de prevenção de recaída. A droga representa, na vida dos usuários abusivos de droga, um escape da realidade violenta e o sofrimento vivenciado pelo sujeito. Usuários resilientes possuem a capacidade de resistir ao desejo de abusar das drogas apesar das tribulações que enfrentam e apresentam características adaptativas (autoestima, autoeficácia) que são importantes para desenvolver perspectivas de futuro e encontrar motivação para diminuir ou abandonar o uso e encontrar sentido de vida. E os fatores de proteção associados à resiliência representam recursos que os usuários podem recorrer em momentos de crise e mal-estar, como a rede de apoio, acompanhamento profissional e espiritualidade, que podem diminuir o impacto da solidão, discriminação e desamparo.
Considerações Finais
Esta revisão sistemática teve como objetivo sintetizar informações a respeito dos fatores de risco e proteção associados a resiliência em usuários de substâncias. Com os dados apresentados foi possível observar que a resiliência pode ser melhor desenvolvida em indivíduos que possuem maiores fatores de proteção. Os autores citados apresentam importantes contribuições para o desenvolvimento da resiliência, tendo ela como uma ferramenta para diminuir o uso abusivo de drogas e para a reconstrução do bem-estar do indivíduo, colocando em evidência pontos consideráveis sobre seu uso e a prevenção de recaídas.
Objetivou-se com a presente pesquisa condensar, bem como incentivar a elaboração de novos estudos, como também contribuir para o campo científico, enfatizando a importância do desenvolvimento da resiliência em usuários e a atenção aos fatores associados a eles.
Referências
American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 2013. Fifth Edition (DSM-V) https://doi.org/10.1002/9781119547174.ch198
Andretta, I., Limberger, J., Schneider, J. A., & Mello, L. T. N. D. (2018). Sintomas de depressão, ansiedade e estresse em usuários de drogas em tratamento em comunidades terapêuticas. Psico-USF, 23, 361-373. https://doi.org/10.1590/1413-82712018230214
Baus, J. (1999). Prevenção da recaída: um programa de ajuda para dependentes químicos em recuperação. Revista de Ciências Humanas, 25, 162-168. https://doi.org/10.5007/%25x
BRASIL. Ministério da Saúde. (2003). A Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Brasília, Distrito Federal. BVS https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_atencao_alcool_drogas.pdf
Büchele, F., Marcatti, M., & Rabelo, D. R. (2004). Dependência química e prevenção à recaída. Texto & Contexto Enfermagem, 13(2), 233-240.https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=71413206
Burnett Jr, H. J., Witzel, K., Allers, K., & McBride, D. C. (2016). Understanding the relationship of trauma, substance use, and resilience among religiously affiliated university students. Journal of Research on Christian Education, 25(3), 317-334. https://doi.org/10.1080/10656219.2016.1237906
Cardoso, M. P., Agnol, R. D., Taccolini, C., Tansini, K., Vieira, A., & Hirdes, A. (2014). A percepção dos usuários sobre a abordagem de álcool e outras drogas na atenção primária à saúde. Aletheia, 45. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942014000200006
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1 Universidade de Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro (RJ), Brasil; psicoatendimento.yahoo.com.br [https://orcid.org/0000-0003-1607-9713]
2 Universidade Estácio de Sá (UNESA), Rio de Janeiro (RJ), Brasil; carolvictoriacoimbra@gmail [https://orcid.org/0009-0000-9234-0528]
3 Universidade Estácio de Sá (UNESA), Rio de Janeiro (RJ), Brasil; victoria0gomes@gmail.com [https://orcid.org/0009-0002-1173-2306]