RESILIÊNCIA E INTERVENÇÃO NO ABANDONO EMOCIONAL INFANTIL: CAMINHOS PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102502021406


Danyela Martins Cerqueira1
Orientadora: Ádana Cristina Santos Cardoso2


Resumo: Este artigo examina a relação entre o abandono emocional na infância e seus efeitos na saúde mental na vida adulta, considerando aspectos psicossociais, epidemiológicos, neurobiológicos e jurídicos. Objetivo: Investigar as consequências do abandono emocional e avaliar o papel da resiliência, das intervenções preventivas e do arcabouço jurídico na proteção dos direitos da criança. Método: Realizou-se uma revisão de literatura com base em artigos publicados entre 2018 e 2023, disponíveis em bases como PubMed e SciELO. Resultados: As evidências demonstram que o abandono emocional está associado a alterações estruturais no córtex pré-frontal e no sistema límbico, aumentando o risco de transtornos como depressão e ansiedade. Dados epidemiológicos indicam alta prevalência dessa negligência, especialmente em contextos de vulnerabilidade social. No campo jurídico, o abandono emocional é reconhecido como uma violação de direitos fundamentais da criança e do adolescente, passível de responsabilização legal. Estratégias como programas de educação parental, suporte comunitário e a aplicação de políticas públicas de proteção à infância mostraram-se eficazes na redução de consequências, favorecendo a regulação emocional e o desenvolvimento de vínculos saudáveis. Conclusão: O estudo destaca a necessidade de intervenções precoces, fortalecimento de redes de apoio e rigor na aplicação de medidas jurídicas para garantir a proteção dos direitos da criança, prevenindo os efeitos adversos do abandono emocional e promovendo ambientes familiares seguros e afetivos.

Palavras-chave: Abandono emocional. Desenvolvimento infantil. Intervenção precoce. Promoção da saúde. Resiliência psicológica. Saúde mental.

Abstract: This article examines the relationship between emotional neglect in childhood and its effects on mental health in adulthood, considering psychosocial, epidemiological, neurobiological, and legal aspects. Objective: To investigate the consequences of emotional neglect and evaluate the role of resilience, preventive interventions, and the legal framework in protecting children’s rights. Method: A literature review was conducted based on articles published between 2018 and 2023, available in databases such as PubMed and SciELO. Results: Evidence shows that emotional neglect is associated with structural changes in the prefrontal cortex and limbic system, increasing the risk of disorders such as depression and anxiety. Epidemiological data indicate a high prevalence of this form of neglect, particularly in socially vulnerable contexts. In the legal field, emotional neglect is recognized as a violation of children’s and adolescents’ fundamental rights, subject to legal accountability. Strategies such as parental education programs, community support, and the implementation of public policies for child protection have proven effective in mitigating consequences, fostering emotional regulation, and promoting healthy relationships. Conclusion: The study highlights the need for early interventions, the strengthening of support networks, and the rigorous enforcement of legal measures to ensure children’s rights are protected, preventing the adverse effects of emotional neglect and fostering safe and nurturing family environments.

Descriptors: Emotional neglect. Psychological resilience. Mental health. Early intervention. Child development. Health promotion.

1 Introdução

O abandono emocional infantil é um tema de crescente relevância, dada a gravidade de suas consequências no desenvolvimento psicológico, emocional e social de crianças e adolescentes. Definido como a negligência das necessidades emocionais essenciais, como afeto, atenção e suporte, o abandono emocional pode gerar danos profundos e duradouros, frequentemente resultando em transtornos psicológicos e sociais. Essas experiências estão associadas a déficits no desenvolvimento cognitivo e emocional, além de perpetuarem ciclos intergeracionais de vulnerabilidade emocional (Azevedo et al., 2019).

No âmbito da saúde mental, pesquisas apontam que a negligência emocional na infância provoca alterações neurobiológicas, especialmente em regiões cerebrais responsáveis pela regulação emocional, como o córtex pré-frontal e o sistema límbico. O estresse crônico associado ao abandono emocional compromete a capacidade de lidar com situações adversas, aumentando o risco de transtornos como ansiedade, depressão e dificuldades nos relacionamentos interpessoais ao longo da vida (Costa, 2023). Esses efeitos ressaltam a importância de estratégias preventivas que fortaleçam a resiliência e promovam a saúde emocional.

A resiliência, definida como a capacidade de superar adversidades e se adaptar positivamente, atua na diminuição dos efeitos do abandono emocional. Essa competência é influenciada por fatores internos, como habilidades de enfrentamento, e externos, como suporte social e vínculos afetivos com figuras de referência. Investir em intervenções que fomentem ambientes familiares saudáveis, promovam a educação emocional e fortaleçam redes de apoio é fundamental para prevenir os impactos negativos da negligência emocional e promover o bem-estar infantil (Batista, Pasqualini e Magalhães, 2022).

Embora o abandono emocional seja amplamente reconhecido por suas implicações na saúde mental, dentro do campo da Medicina, suas dimensões jurídicas têm recebido menos atenção, apesar de serem igualmente relevantes. O abandono emocional compromete o desenvolvimento das crianças, como também constitui uma violação de direitos fundamentais garantidos pela legislação brasileira, como o direito à convivência familiar e à proteção integral, previstos na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Essa interseção entre saúde mental e Direito reforça a necessidade de uma abordagem interdisciplinar para prevenir, identificar e tratar os casos de negligência emocional.

Este artigo, baseado em uma revisão de literatura, contempla publicações entre 2018 e 2023 em bases de dados como PubMed, SciELO e Scopus, com foco em estudos que abordam o abandono emocional, a resiliência e as implicações jurídicas e preventivas. O objetivo principal é investigar as consequências do abandono emocional infantil, analisar como a resiliência e as intervenções podem diminuir esses impactos e explorar as dimensões jurídicas do tema, contribuindo para a formulação de estratégias integradas de proteção e promoção do desenvolvimento saudável.

2 Abandono emocional na infância

O abandono emocional infantil caracteriza-se pela omissão de cuidado afetivo essencial por parte dos cuidadores, resultando na falha em suprir as necessidades emocionais das crianças, como atenção, apoio e carinho. Essa negligência pode se manifestar de forma silenciosa, frequentemente invisível a olhos externos, mas com consequências profundas e duradouras no desenvolvimento infantil. Crianças que crescem em ambientes emocionalmente negligentes têm maior probabilidade de apresentar dificuldades em formar vínculos seguros e desenvolver habilidades socioemocionais saudáveis (Azevedo et al., 2019).

Do ponto de vista psicossocial, a ausência de um ambiente emocionalmente seguro pode prejudicar a construção da autoestima, a capacidade de regulação emocional e a resiliência frente a adversidades. Esses fatores não apenas comprometem a qualidade de vida na infância, mas também são precursores de transtornos mentais que frequentemente persistem até a vida adulta. Estudos têm demonstrado que crianças emocionalmente negligenciadas enfrentam desafios para estabelecer relações interpessoais saudáveis, além de apresentar maior vulnerabilidade a transtornos como ansiedade e depressão (Costa, 2023).

Adicionalmente, a negligência emocional tem impactos neurobiológicos significativos. Pesquisas recentes indicam que o estresse crônico associado ao abandono emocional pode gerar alterações estruturais em regiões do cérebro relacionadas ao processamento emocional e à regulação do humor, como o córtex pré-frontal e o sistema límbico. Essas alterações comprometem a capacidade de regulação emocional, aumentando o risco de padrões desadaptativos de comportamento e transtornos emocionais na vida adulta (Costa, 2023).

Reconhecer as dinâmicas do abandono emocional infantil é fundamental para implementar estratégias preventivas e interventivas eficazes. Essas ações devem priorizar o fortalecimento de vínculos familiares, a promoção de ambientes seguros e a educação emocional, a fim de garantir o desenvolvimento pleno das crianças e interromper o ciclo intergeracional de negligência e sofrimento emocional.

2.1 Resiliência como fator protetivo

A resiliência é amplamente reconhecida como um recurso psicológico essencial para enfrentar adversidades, incluindo o abandono emocional. Trata-se da capacidade de superar experiências desafiadoras e adaptar-se de forma positiva a situações adversas, mesmo diante de condições psicológicas e ambientais desfavoráveis. A resiliência pode ser fortalecida por meio de diversos fatores, como o suporte social, a educação emocional e os vínculos afetivos com figuras de referência, os quais desempenham um papel fundamental na promoção da estabilidade psicológica (Batista, Pasqualini e Magalhães, 2022; Costa, 2023).

Pesquisas publicadas em revistas indexadas, como SciELO e PubMed, destacam que programas de intervenção baseados na construção de resiliência emocional têm mostrado resultados promissores. Por exemplo, estudos longitudinais evidenciam que crianças e adolescentes que dispõem de um ambiente acolhedor, com suporte social consistente e oportunidades para desenvolver habilidades emocionais, apresentam menor probabilidade de desenvolver transtornos psicológicos relacionados ao abandono emocional na vida adulta (Silva e Pereira, 2021). Ainda, investigações recentes apontam que a resiliência pode ser mediada por práticas educacionais que promovam a autocompaixão e a regulação emocional (Ferreira et al., 2020). Outro aspecto relevante é o papel dos vínculos afetivos seguros no fortalecimento da resiliência. De acordo com Esteves e Ribeiro (2016), os vínculos afetivos e a interação familiar são fundamentais para a formação e aprendizagem escolar das crianças. A presença de figuras de apoio emocional, como pais, cuidadores ou professores, está diretamente associada ao desenvolvimento de mecanismos adaptativos que auxiliam o indivíduo a lidar com adversidades, reduzindo os efeitos do abandono emocional. Esses vínculos proporcionam um ambiente seguro que favorece o desenvolvimento cognitivo e emocional, promovendo a resiliência e a capacidade de enfrentar desafios ao longo da vida. Portanto, fortalecer as relações afetivas na infância é essencial para o desenvolvimento saudável e para a prevenção dos impactos negativos associados à negligência emocional.

É importante destacar a inter-relação entre resiliência e estratégias psicossociais. Como demonstrado em uma revisão sistemática publicada na PubMed (Mendes et al., 2021), intervenções comunitárias focadas na criação de redes de apoio e no fortalecimento de competências socioemocionais têm contribuído significativamente para a prevenção de danos psicológicos em populações vulneráveis. Tais achados reforçam a importância de promover a resiliência como um fator protetivo frente às consequências do abandono emocional.

2.2 Intervenções preventivas e educativas

Programas de educação parental e intervenções psicossociais têm mostrado grande eficácia na prevenção do abandono emocional, fornecendo ferramentas práticas para cuidadores e fortalecendo o ambiente familiar. Tais iniciativas visam capacitar os cuidadores a oferecer suporte afetivo de qualidade, criando vínculos familiares saudáveis e promovendo um desenvolvimento infantil mais equilibrado. Um estudo conduzido por Cerqueira-Silva e Dessen (2018), publicado na revista Contextos Clínicos, analisou a eficácia de programas de educação familiar voltados para famílias de crianças com deficiência. Os resultados indicaram que tais programas contribuíram para o fortalecimento dos vínculos intrafamiliares, promovendo uma melhor compreensão das necessidades emocionais das crianças e incentivando práticas parentais mais responsivas. Embora o estudo não tenha sido conduzido em comunidades de baixa renda, seus achados reforçam a importância de intervenções psicoeducativas para aprimorar a comunicação entre cuidadores e filhos, prevenindo impactos negativos decorrentes da negligência emocional. As intervenções comunitárias voltadas para o fortalecimento de redes de apoio e a promoção de práticas educativas têm apresentado resultados promissores. De acordo com Detoni, Arteche e Pizzinato (2021), a Escola de Pais do Brasil (EPB) realiza o Círculo de Debates, uma iniciativa preventiva que, por meio de parcerias com prefeituras e escolas, promove práticas parentais positivas. A análise desse programa revelou que ele atua como uma ferramenta psicoeducativa, abordando temas como prevenção, cotidiano dos pais e valores e limites na educação. Essas ações contribuem para o fortalecimento das habilidades parentais, aprimorando a comunicação intrafamiliar e a compreensão das necessidades emocionais dos filhos, especialmente em contextos de vulnerabilidade social. A abordagem multidisciplinar e preventiva do Círculo de Debates destaca a importância de intervenções que envolvem diferentes setores da sociedade para promover o desenvolvimento saudável das crianças e prevenir a negligência emocional.Intervenções escolares também têm um papel preventivo. Um levantamento realizado por Rezende et al., (2024), afirma que “a educação socioemocional na escola favorece o desenvolvimento de habilidades como autocontrole, empatia e resolução de conflitos, que são essenciais para a convivência harmoniosa”. Essas habilidades contribuem para a resiliência emocional dos estudantes e podem reduzir a vulnerabilidade ao abandono emocional. Esses achados reforçam a necessidade de políticas públicas integradas que priorizem tanto o apoio familiar quanto o contexto escolar.

2.3 Epidemiologia em Saúde Mental

A epidemiologia em saúde mental é um campo essencial para a compreensão da extensão e do impacto do abandono emocional na infância. Estudos populacionais indicam que entre 15% e 25% das crianças globalmente enfrentam alguma forma de negligência emocional durante os primeiros anos de vida. Por exemplo, Treanor e Troncoso (2023) investigaram a inter-relação entre a saúde mental de pais e filhos ao longo do tempo e descobriram que a pobreza tem um impacto substancial na saúde mental de ambos. Os autores concluíram que “o efeito da pobreza na saúde mental de pais e filhos é categoricamente o maior e continua a acumular-se ao longo de todo o período, intensificando os problemas de saúde mental para ambos ao longo do tempo”. De acordo com o estudo de Fatori et al. (2018), publicado na Revista Ciência & Saúde Coletiva, a prevalência de problemas de saúde mental (PSM) em crianças atendidas em Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município de São Paulo, por exemplo, é alarmante, com 30,7% apresentando PSM internalizantes e 18,3% externalizantes. Apesar dessas altas taxas, apenas 7,9% das crianças consultaram um psicólogo, e somente três estavam em tratamento medicamentoso para PSM. Esses dados evidenciam uma lacuna significativa no atendimento à saúde mental infantil, especialmente em áreas vulneráveis, onde fatores como pobreza e acesso limitado aos serviços de saúde contribuem para o abandono emocional. Os autores ressaltam a necessidade de capacitar profissionais da atenção primária para identificar e manejar precocemente os PSM, além de implementar políticas públicas que integrem o apoio familiar e escolar, visando minimizar os efeitos da negligência emocional e promover o desenvolvimento saudável das crianças. Além disso, Oliveira e Mendes (2022), em um levantamento publicado na Revista de Epidemiologia e Serviços de Saúde, examinaram dados do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) e identificaram que 22% das notificações de negligência infantil no Brasil incluem casos de abandono emocional. Os autores sugerem que programas de intervenção voltados para a redução da desigualdade social e o fortalecimento das políticas públicas podem desempenhar um papel crucial na mitigação desses índices.

Esses dados epidemiológicos reforçam a necessidade de estratégias integradas e políticas públicas voltadas para a prevenção da negligência emocional. Investimentos em programas sociais, campanhas educativas e suporte às famílias em situação de vulnerabilidade são essenciais para reduzir o impacto do abandono emocional e promover a saúde mental infantil.

2.4 Aspectos Jurídicos do Abandono Emocional

O abandono emocional, além de ser uma questão de saúde mental, carrega implicações jurídicas, uma vez que viola direitos fundamentais assegurados às crianças e adolescentes. No Brasil, essa forma de negligência é tratada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei nº 8.069/1990), que, em seu artigo 5º, garante a proteção integral contra negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão. Sob essa perspectiva, o abandono emocional compromete o direito ao pleno desenvolvimento, constituindo uma violação jurídica que demanda ações preventivas e reparatórias.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, estabelece como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente a convivência familiar e comunitária, além de protegê-los contra toda forma de negligência. O abandono emocional, ao privar a criança de suporte afetivo e atenção necessários para seu desenvolvimento integral, representa uma afronta direta a esse dispositivo constitucional. Assim, ele impõe a necessidade de medidas jurídicas que responsabilizem os agentes envolvidos e promovam a reparação do dano causado.

No âmbito do Direito Civil, o abandono emocional pode ensejar responsabilização dos pais ou responsáveis por meio de indenização por danos morais, como previsto nos artigos 186 e 927 do Código Civil Brasileiro. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado a tese de que o descumprimento dos deveres parentais relacionados ao cuidado e suporte emocional pode ser passível de reparação. Um exemplo marcante é o julgamento do Recurso Especial nº 1.159.242/SP, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, em que se reconheceu o direito à indenização por abandono afetivo parental, evidenciando que a ausência de afeto não é obrigatória, mas o dever de cuidado é um princípio jurídico inalienável.

Além da responsabilização individual, o abandono emocional também reflete falhas nas políticas públicas de proteção à infância e adolescência. Programas como o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) foram criados com o objetivo de fortalecer os laços familiares e prevenir negligências, mas ainda enfrentam limitações em sua implementação. A Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU (1989), ratificada pelo Brasil, reforça a obrigação do Estado em criar condições para o desenvolvimento integral das crianças, destacando o papel das políticas públicas na prevenção da negligência emocional.

Nos casos em que o abandono emocional é identificado, o ECA, em seus artigos 98 a 101, prevê a aplicação de medidas protetivas que podem incluir o acompanhamento psicológico da criança, o fortalecimento da rede de apoio ou, em situações extremas, o afastamento do ambiente familiar nocivo. O Conselho Tutelar desempenha um papel central na identificação e encaminhamento desses casos ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, garantindo a proteção dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes.

Os reflexos do abandono emocional não se limitam ao indivíduo, mas podem repercutir na sociedade como um todo. Estudos apontam que crianças privadas de suporte emocional adequado estão mais suscetíveis a comportamentos de risco, incluindo o envolvimento com a criminalidade. Sob a ótica jurídica, isso reforça a necessidade de intervenções preventivas que integrem saúde mental, assistência social e segurança pública, promovendo um ambiente mais favorável ao desenvolvimento saudável.

A educação em direitos humanos é uma estratégia eficaz na conscientização sobre o abandono emocional. Programas educativos voltados para o fortalecimento dos vínculos familiares e para a promoção do conhecimento sobre os direitos das crianças têm demonstrado resultados positivos. Estudos como o de Silva e Freitas (2020), publicado na Revista Brasileira de Educação em Direitos Humanos, destacam que ações de conscientização nas comunidades são capazes de reduzir significativamente os casos de negligência, promovendo a prevenção de forma estruturada e contínua.

O avanço na judicialização de casos de abandono emocional reflete uma maior conscientização sobre o tema. Jurisprudências como a do STJ no Recurso Especial nº 1.159.242/SP evidenciam o reconhecimento do impacto jurídico e social dessa negligência. No entanto, é necessário um esforço contínuo para aprimorar as políticas públicas, integrar ações intersetoriais e consolidar entendimentos jurídicos que priorizem a prevenção e a proteção integral da criança.

3 Metodologia

Este estudo foi realizado por meio de uma revisão de literatura, com o objetivo de compilar e analisar evidências teóricas e empíricas sobre o abandono emocional infantil, seus impactos na saúde mental e suas implicações jurídicas. Foram selecionados artigos científicos publicados entre 2018 e 2023 em bases de dados reconhecidas, como PubMed, SciELO e Scopus. A escolha da revisão de literatura foi fundamentada na necessidade de integrar diferentes perspectivas teóricas e práticas sobre o tema, permitindo uma análise ampla e interdisciplinar.

A busca pelos artigos foi realizada utilizando descritores específicos relacionados ao tema, selecionados com base nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e no Medical Subject Headings (MeSH). Os termos empregados incluíram: “Abandono emocional infantil”, “Negligência emocional”, “Saúde mental”, “Resiliência”, “Infância”, “Desenvolvimento emocional”, “Responsabilidade legal” e “Proteção infantil”. Esses descritores foram combinados com operadores booleanos (AND, OR) para assegurar uma busca abrangente e precisa. A seleção dos artigos seguiu critérios bem definidos, sendo incluídos estudos publicados em português, inglês ou espanhol, revisados por pares e que abordassem diretamente o abandono emocional infantil, suas consequências psicológicas, fatores de resiliência e intervenções preventivas, bem como as implicações jurídicas do tema.

Foram excluídos os artigos que não abordassem diretamente o tema central, que estivessem fora do recorte temporal estabelecido ou que apresentassem metodologia inadequada. A triagem foi realizada em etapas, iniciando-se pela leitura dos títulos e resumos para identificar os estudos potencialmente relevantes, seguida da análise integral dos textos completos para confirmar a elegibilidade dos artigos. Os dados extraídos foram organizados em categorias temáticas, abrangendo os impactos do abandono emocional na saúde mental infantil, os fatores de resiliência e as intervenções preventivas, além das implicações jurídicas e políticas públicas.

Como esta pesquisa foi baseada exclusivamente na análise de dados secundários provenientes da literatura científica, não houve interação direta com seres humanos nem coleta de dados primários, dispensando, portanto, a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).

4 Resultados e Discussão

Os estudos analisados nesta revisão evidenciaram que o abandono emocional infantil exerce impactos significativos na saúde mental, no desenvolvimento psicológico e na dinâmica social das crianças e adolescentes. Os achados apontam que a negligência emocional compromete regiões cerebrais fundamentais, como o córtex pré-frontal e o sistema límbico, responsáveis pela regulação emocional e pelo processamento do estresse. Essas alterações neurobiológicas, conforme descrito por Costa (2023), tornam as crianças mais suscetíveis a transtornos como depressão, ansiedade e dificuldades de relacionamento interpessoal, especialmente na vida adulta.

Além das consequências individuais, os efeitos do abandono emocional repercutem no contexto social e intergeracional, gerando ciclos de vulnerabilidade que perpetuam padrões de negligência. Azevedo et al. (2019) ressaltaram que crianças expostas ao abandono emocional têm maior probabilidade de apresentar déficits cognitivos e emocionais, além de apresentarem dificuldades em construir vínculos afetivos saudáveis. Esse fenômeno é intensificado em contextos de pobreza, violência doméstica e ausência de suporte social, elementos que são frequentemente observados em populações vulneráveis.

Os dados também destacam a importância da resiliência como fator protetivo. Estudos como os de Batista, Pasqualini e Magalhães (2022) indicam que a resiliência pode ser fortalecida por meio de intervenções psicossociais que promovam a educação emocional, a construção de vínculos afetivos seguros e o fortalecimento de redes de apoio. Esses fatores têm demonstrado eficácia na diminuição dos efeitos negativos do abandono emocional, promovendo maior estabilidade emocional e reduzindo o risco de transtornos psicológicos.

Outro ponto relevante abordado nos estudos revisados foi a conexão entre saúde mental e o Direito, uma perspectiva menos explorada, mas de crescente importância. Oliveira e Santos (2022) argumentam que o abandono emocional constitui uma violação dos direitos fundamentais das crianças, sendo necessário articular políticas públicas e ações legais para proteger essas populações vulneráveis. A jurisprudência brasileira tem avançado nesse sentido, como demonstrado no Recurso Especial nº 1.159.242/SP, em que o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a possibilidade de indenização por abandono afetivo parental. Essa decisão reforça a relevância de responsabilizar os cuidadores por omissões que comprometam o bem-estar das crianças.

As intervenções preventivas também foram amplamente discutidas na literatura. Costa et al. (2021) destacaram que programas de educação parental têm se mostrado eficazes na promoção de ambientes familiares saudáveis, reduzindo os índices de negligência emocional. Esses programas, aliados a campanhas de educação em direitos humanos, ajudam a conscientizar os cuidadores sobre a importância do suporte emocional e sobre suas responsabilidades legais, promovendo mudanças comportamentais.

A análise dos estudos revisados permite identificar que as consequências do abandono emocional são multidimensionais, abrangendo aspectos neurobiológicos, psicológicos, sociais e jurídicos. A abordagem interdisciplinar proposta por esta revisão destaca a necessidade de estratégias integradas que combinem intervenções em saúde mental com medidas jurídicas e políticas públicas para prevenir e mitigar os danos associados ao abandono emocional infantil.

5 Considerações Finais

O abandono emocional infantil é um fenômeno de ampla relevância, cujas consequências transcendem o âmbito individual, afetando o desenvolvimento psicológico, emocional e social das crianças e adolescentes. Esta revisão de literatura destacou que a negligência emocional compromete a saúde mental infantil, como também o desenvolvimento de habilidades emocionais e cognitivas, perpetuando ciclos de vulnerabilidade intergeracional. Alterações neurobiológicas, como aquelas observadas no córtex pré-frontal e no sistema límbico, foram amplamente associadas a transtornos como depressão, ansiedade e dificuldades de relacionamento interpessoal.

A resiliência emergiu como um fator central para diminuir os efeitos do abandono emocional, sendo influenciada por fatores internos, como habilidades de enfrentamento, e externos, como suporte social e vínculos afetivos seguros. Programas de educação parental, intervenções psicossociais e campanhas de conscientização têm se mostrado eficazes na promoção de ambientes familiares saudáveis e no fortalecimento da resiliência.

Adicionalmente, este estudo evidenciou que o abandono emocional infantil deve ser tratado não apenas como uma questão de saúde pública, mas também como uma violação de direitos fundamentais. Sob a ótica jurídica, a negligência emocional configura uma violação da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), exigindo ações preventivas e reparatórias por parte do Estado, da sociedade e dos responsáveis legais. A integração entre saúde mental, assistência social e o Direito é essencial para garantir uma proteção mais ampla e efetiva às crianças em situação de vulnerabilidade.

Portanto, torna-se imprescindível o fortalecimento de políticas públicas intersetoriais que priorizem a prevenção do abandono emocional e a promoção da saúde mental. Recomenda-se que futuras pesquisas explorem novas estratégias de intervenção que unam as áreas de saúde, Direito e educação, ampliando o impacto das ações preventivas e reparatórias.

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¹ Discente do curso de Medicina da Universidade de Gurupi – UNIRG. E-mail: danyela.cerqueira@unirg.edu.br

² Mentora Acadêmica. E-mail: adanacristina.juridico@gmail.com