RESENHA DO LIVRO MÚSICA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA DE JOSÉ MARIA NEVES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202507231232


Thiago Vinicius Alves Ueda
Orientador: Prof. Dr. Norton Dudeque


INTRODUÇÃO 

O livro Música Contemporânea Brasileira, editado, revisado e ampliado por Salomea Gandelman, é de autoria de José Maria Neves e conta com uma apresentação de Edino Krieger, prefácio escrito por Luiz Heitor Corrêa de Azevedo e introdução elaborada pelo próprio autor. O exemplar está organizado em quatro partes e distribuído em 396 páginas. 

Este livro, conforme a apresentação de Edino Krieger, representa um serviço relevante à musicologia brasileira e um tributo à memória do autor. A iniciativa de uma nova edição, iniciada pelo próprio Neves antes de seu falecimento, buscou integrar os desenvolvimentos da música brasileira do final do século XX e início do XXI.  

A organização e a correção ficaram a cargo de Salomea Gandelman, com acréscimos significativos, incluindo uma análise da “música hoje no Brasil” por José Maria Neves, um panorama dos “20 anos de Bienais” por Krieger e uma biografia do autor por Gandelman. 

A seguir, será apresentado um resumo sobre cada capítulo do livro. Comentários e sugestões acontecerão ocasionalmente, quando oportuno. 

Parte I: Advento da Consciência Nacional  

Esta seção explora o processo de formação da identidade musical brasileira. A música no Brasil colonial e imperial resultou da fusão de influências indígenas, europeias e africanas. No século XVIII, a produção musical floresceu, com destaque para a música religiosa e de entretenimento em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, personificada por nomes como Padre José Maurício Nunes Garcia. 

O nacionalismo musical começou a emergir no século XIX, com a ópera como veículo principal. Carlos Gomes, com obras como Il Guarany, buscou expressar temas nacionais. No final do século, compositores como Leopoldo Miguez e Henrique Oswald já introduziam elementos brasileiros. A primeira fase do nacionalismo musical brasileiro, portanto, combinou o academicismo europeu com temas populares. Alexandre Levy e Alberto Nepomuceno são reconhecidos como os primeiros a buscar uma expressão genuinamente brasileira, integrando elementos folclóricos e rítmicos. 

A culminância desse movimento foi alcançada por Heitor Villa-Lobos, cuja obra forjou um idioma musical autenticamente brasileiro, consolidando o novo nacionalismo. Ele explorou profundamente o folclore e a cultura popular. 

Movimento Modernista 

O Movimento Modernista brasileiro, que ganhou força por volta de 1921, representou uma ruptura radical com o nacionalismo romântico e o “nativismo” idealizado. Inspirado pela Poesia Pau-Brasil e pelo Movimento Antropofágico, o grupo modernista, liderado por Mário de Andrade, culminou na Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. O evento, caracterizado pelo radicalismo e pela crítica às tradições estabelecidas, teve Villa-Lobos como figura central na música. Suas performances, embora ainda exibissem traços impressionistas, já sinalizavam a intenção de ruptura do movimento. Os modernistas buscavam pesquisa estética direta, atualização intelectual e o estabelecimento de uma consciência criadora nacional. Seus impactos na música foram inicialmente mais sutis, mas pavimentaram o caminho para as gerações pós-Villa-Lobos. 

Mário de Andrade: Modernismo e Nacionalismo 

Neste capítulo o autor ressalta a figura de Mário de Andrade, indivíduo multifacetado e central para o Modernismo brasileiro. Sua obra literária, como Pauliceia Desvairada (1922), marcou a ruptura com as convenções estéticas. No campo musical, Mário defendia que a música erudita brasileira deveria absorver as influências europeias sem perder suas raízes populares. Ele acreditava que a verdadeira universalidade artística emergia da expressão de uma identidade profundamente nacional. Sua visão influenciou significativamente compositores como Villa-Lobos e Camargo Guarnieri. Mário de Andrade também via a arte como um instrumento de transformação social, dedicando-se à organização de arquivos folclóricos e à promoção de concertos de música nacional. Sua atuação foi crucial para a construção de uma cultura musical brasileira autônoma e consciente de sua identidade. 

Villa-Lobos Modernista 

Heitor Villa-Lobos representou a síntese das aspirações estéticas do Modernismo e do nacionalismo musical. Sua música foi profundamente moldada por sua imersão na cultura popular carioca. Na década de 1920, após participar da Semana de Arte Moderna, compôs os Choros, obras que mesclam a linguagem europeia moderna com ritmos e melodias brasileiras. 

Os Choros são caracterizados pela liberdade formal, politonalidade e incorporação de elementos indígenas e afro-brasileiros, consolidando-o como um inovador. A partir dos anos 1930, sua produção musical, influenciada por Bach, assumiu uma feição mais neoclássica, evidente nas Bachianas Brasileiras, que buscam um diálogo entre o contraponto barroco e temas folclóricos brasileiros. Villa-Lobos também foi um importante educador musical, defendendo a música como ferramenta de disciplina social. Seu legado é uma das maiores contribuições à música erudita brasileira, unindo o regional e o universal de forma ímpar. 

Os Grandes Nacionalistas 

Além de Villa-Lobos, outros compositores consolidaram o nacionalismo musical brasileiro, tais como: Luciano Gallet, Oscar Lorenzo Fernandez, Francisco Mignone e Camargo Guarnieri. Esses compositores, em suas distintas abordagens, demonstraram a riqueza e a diversidade do nacionalismo brasileiro, provando que era possível criar arte erudita original e de alta qualidade sem perder as raízes culturais populares. 

Nacionalistas de Segunda e Terceira Gerações 

O movimento nacionalista continuou a evoluir nas décadas seguintes, adaptando-se a novas realidades sociais e culturais. Compositores como Barroso Neto e Jaime Ovale mantiveram um estilo romântico com influências populares. Heckel Tavares e Waldemar Henrique representaram vertentes regionalistas, inspirando-se no Nordeste e na Amazônia, respectivamente. Radamés Gnattali transitou com fluidez entre o erudito e o popular. Compositores como José Siqueira e Luiz Cosme buscaram renovar o nacionalismo com técnicas mais avançadas, incorporando elementos modais e politonais.  

Parte II: Música Viva 

Tendências ao Atonalismo 

Os primeiros trinta anos do século XX no Brasil foram predominantemente nacionalistas, influenciados pelo folclore e pela música popular. Apesar de exceções como Glauco Velásquez e as soluções técnicas de Villa-Lobos (em Uirapuru e Amazonas), que se aproximavam de compositores europeus, houve poucas rupturas com a tradição tonal. Os Choros de Villa-Lobos, por exemplo, desenvolviam seu pensamento politonal e polirrítmico. 

Neves argumenta que a música nacionalista brasileira tendia mais ao Impressionismo, muitas vezes “escondido” por uma orquestração densa inspirada em Stravinsky. Enquanto a Europa avançava para o atonalismo, o Brasil foi dominado pelo “francesismo”; o supercromatismo não foi uma característica do nacionalismo brasileiro, que se inclinou mais para modalismos e neoclassicismo. Embora as peças da época mantivessem um caráter tonal, havia sinais de desagregação da tonalidade, como acordes alterados e ambiguidades harmônicas.  

O atonalismo não se manifestou no Brasil simultaneamente à Europa porque a música brasileira precisava primeiro assimilar as técnicas pós-românticas, e as técnicas então empregadas serviam ao objetivo de aproximação popular. As soluções melódicas brasileiras eram mais primárias, mas a construção rítmica se aproximava de Stravinsky e Bartók. A orquestração utilizava grandes massas sonoras, mas houve uma posterior simplificação de recursos. A linguagem camerística foi desenvolvida (ex: Noneto de Villa-Lobos), mas obras com instrumentos típicos brasileiros eram raras. Camargo Guarnieri se destacou no tratamento orquestral com uma “polifonia tímbrica”. Havia uma desconfiança generalizada em relação a novas técnicas (dodecafonismo, microtonalismo, eletroacústicos), sugerindo que os compositores brasileiros não viam a evolução musical como sempre marcada por revoluções técnicas. 

Koellreutter, o Apóstolo 

A chegada de Hans-Joachim Koellreutter ao Brasil impulsionou um movimento de renovação musical. Koellreutter se tornou um líder dinâmico e mentor de uma nova geração de compositores, trazendo uma sólida formação musical europeia, que incluía o rigor de Hindemith e o dodecafonismo. Sua atuação no Brasil, abrangendo a docência no Conservatório Brasileiro de Música e a fundação do grupo Música Viva em 1939, demonstrou sua vocação de liderança.  

Koellreutter foi professor de nomes influentes como Cláudio Santoro e Edino Krieger, pautando seu ensino na liberdade de expressão e no domínio dos processos composicionais. Embora o dodecafonismo não tenha se estabelecido como uma corrente dominante e duradoura no Brasil, a influência de Koellreutter foi crucial para o desenvolvimento cultural dos músicos e do público, promovendo uma percepção mais racional e intelectual da música. Como compositor, Koellreutter transitou do pós-romantismo ao dodecafonismo e, posteriormente, à aleatoriedade (com obras como Sistática). Ele fomentou o surgimento de uma geração de compositores liberta das amarras do nacionalismo, contribuindo para a maior visibilidade e aceitação da produção musical contemporânea no país. 

Grupo Música Viva 

O Grupo Música Viva, fundado em 1939 por Koellreutter e outros músicos, tinha como objetivo primordial a renovação musical no Brasil. Suas atividades abrangiam o ensino de composição, a formação de conjuntos de câmara e a organização de concertos. Entre os membros iniciais estavam Egidio de Castro e Silva, Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, Brasilio Itiberê II, Frutuoso Viana, Luiz Cosme e Otávio Bevilacqua. O grupo expandiu-se com a adesão de intérpretes e alunos de composição, facilitando a apresentação pública de novas obras, embora se limitasse principalmente à música de câmara devido à resistência de grandes orquestras à música de vanguarda. Cláudio Santoro foi o primeiro compositor proeminente a aderir, seguido por César Guerra-Peixe, Geni Marcondes, Eunice Catunda, Esther Scliar e Edino Krieger. Santoro e Guerra-Peixe tornaram-se os principais expoentes criativos do grupo, defendendo e promovendo ativamente a música contemporânea. Mesmo músicos com raízes no nacionalismo tonal, como Frutuoso Viana e Luiz Cosme, foram influenciados pelo atonalismo proposto pelo grupo. 

A partir de 1940, o grupo editou a Revista Música Viva, um veículo fundamental para a divulgação de artigos sobre os problemas técnicos e estéticos da música contemporânea, promovendo a busca por uma linguagem compatível com a evolução musical. A revista refletia a tensão ideológica entre as novas técnicas e o nacionalismo. Embora de curta duração, foi um periódico de grande importância para a consolidação da música brasileira contemporânea. O movimento de renovação do Música Viva não foi um fenômeno isolado, tendo paralelos em outros países latino-americanos, como a Argentina (com o Grupo Renovación e a Agrupación Nueva Música). 

Um dos pilares ideológicos do Música Viva era a libertação da música de quaisquer laços românticos e sentimentais, buscando sua independência e a definição de sua própria realidade estética. Para Koellreutter, a nova música deveria ser uma expressão sincera da época, afastada de condicionamentos externos. Os compositores do grupo adotaram o abstracionismo musical, o que se refletia em títulos como “música” e “peça”, sem referências extramusicais. A técnica dodecafônica no Brasil foi percebida como uma disciplina para a organização mental, não como uma resposta expressiva definitiva, e era utilizada com considerável liberdade pelos compositores. 

Após a reorganização do grupo em 1943, as discussões político-sociais tornaram-se mais frequentes e acaloradas. A partir de 1948, muitos compositores do Música Viva aderiram ao nacionalismo populista, buscando uma música mais inteligível e útil para as massas. Para eles, o folclore deveria ser incorporado à linguagem pessoal do compositor sem, contudo, frear a experimentação musical. 

Santoro e Guerra-Peixe: Os Primeiros Chegados 

Neste capítulo aborda-se dois compositores importantes deste movimento: Cláudio Santoro (1919-1989) e César Guerra-Peixe (1914-1993) desempenharam papéis cruciais no desenvolvimento do dodecafonismo brasileiro e em suas subsequentes transições para o nacionalismo. O capítulo em questão enfatiza o notável paralelismo nas trajetórias de Santoro e Guerra-Peixe, ambos os compositores adotando o dodecafonismo e, subsequentemente, o nacionalismo em fases convergentes de suas carreiras. 

Outros compositores 

O capítulo aborda a influência de Koellreutter e do grupo Música Viva em outros compositores que se aproximaram do mestre e de seus ideais de renovação, como Eunice Catunda, Esther Scliar e Edino Krieger. 

O capítulo também menciona brevemente outros nomes que participaram ou foram influenciados pelo Música Viva, como Geni Marcondes, Heitor Alimonda, Roberto Schnorrenberg, Damiano Cozzela, Miriam Sandbank e Anna Maria Porto de Moura. O movimento, liderado por Koellreutter, foi crucial para proporcionar aos jovens músicos brasileiros contato com a produção musical contemporânea e novos meios composicionais, apesar da forte oposição que enfrentou. 

É um desafio ingrato tentar recordar todos os compositores brasileiros, especialmente diante da assimetria de informações e das dificuldades no acesso e armazenamento de dados. Contudo, é notável a ausência de menções significativas a compositores paranaenses na obra. Embora Alceo Bocchino seja citado ao final da obra, Neves omitiu em sua lista nomes como Bento Mossurunga, Augusto Stresser e, notavelmente, Henrique Morozowicz, que foi aluno de Koellreutter. 

Parte III – Renascimento do Nacionalismo 

1) Nova Objetividade, Neoclassicismo, Nacionalismo e Populismo 

Este capítulo descreve as transformações no pensamento musical europeu pós Primeira Guerra Mundial, que influenciaram a América Latina. A Nova Objetividade, defendida por Juan Carlos Paz, preconiza que a obra musical se sustenta por si mesma, recusando temas extramusicais e visando à destruição da submissão da música a condicionamentos externos.  

O Neoclassicismo manifesta-se como um retorno aos esquemas formais do Barroco e do Classicismo, em busca de simplificação da linguagem e maior clareza de linhas. Compositores como Stravinsky, Hindemith, Casella, Falla, Busoni e o Grupo dos Seis adotaram essa postura para evitar a desagregação das formas tradicionais após o Impressionismo e o Dodecafonismo. O neoclassicismo também se relaciona com o estilo camerístico, refletindo a crise econômica pós-guerra e a busca por novos recursos sonoros. 

O Nacionalismo e o Populismo, embora distintos, frequentemente se entrelaçaram. Para alguns, o neoclassicismo serviu para organizar o pensamento musical sob a premissa de aproximação com a tradição popular, visando a uma maior conexão cultural e assimilação da música pelo público. O capítulo ressalta que as ideias do Impressionismo, especialmente as de Debussy e Ravel, foram um ponto de partida para novas soluções harmônicas e estruturais no período pós Primeira Guerra. 

2) Carta Aberta 

Em 1950, Mozart Camargo Guarnieri publicou uma “Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil”, polarizando o meio musical. Guarnieri criticava veementemente o dodecafonismo como formalista e “antiartístico”, que degenerava a cultura brasileira e tornava a música incompreensível, apelando à valorização do folclore nacional e à rejeição de “novidades estrangeiras nocivas”. 

3) Novo Nacionalismo: Tradição e Criação Musical 

Os textos descrevem o surgimento e as características do novo nacionalismo na música brasileira a partir da década de 1940. Diferente do Movimento Modernista, a “nova estética nacionalista” priorizava a simplificação e a diretividade para maior acessibilidade pública, com preocupação na funcionalidade da obra musical e reaproximação com a coletividade, transmitindo otimismo. Apesar dos esforços, o nacionalismo brasileiro não produziu muitas obras alinhadas ao realismo socialista e não conseguiu consolidar totalmente suas bases. Após a polêmica do dodecafonismo, novos movimentos de renovação, derivados dos trabalhos de Koellreutter, buscaram atualizar o pensamento musical brasileiro, assimilando novas técnicas e promovendo um questionamento estético permanente. 

4) Compositores 

O capítulo apresenta os compositores mais importantes da nova escola nacionalista brasileira. Muitos foram ex-dodecafonistas que se alinharam a nomes como Camargo Guarnieri e Francisco Mignone, mantendo a influência de Mário de Andrade. Embora a tendência geral incluísse a aceitação do neorrealismo, esses compositores desenvolveram abordagens distintas na concepção da música nacional. Entre eles destacam-se: Cláudio Santoro, César Guerra Peixe, Edino Krieger, Esther Scliar, Mário Tavares, Ernest Mahle, Alceo Bocchino, Osvaldo Lacerda, Ascendino Theodoro Nogueira, Kilza Setti, Sergio Vasconcellos Corrêa, Raul do Valle e Nilson Lombardi. 

Parte IV – Do Nacional ao Universal 

Capítulo 1: Renascimento Regional 

Na primeira metade do século XX, Rio de Janeiro e São Paulo consolidaram-se como polos musicais, mas muitos compositores, tanto urbanos quanto de outras regiões, incorporaram em suas obras as características da música tradicional de seus locais de origem. A centralização não impediu a manifestação da realidade regional do país. Compositores como Camargo Guarnieri e seus discípulos focaram na temática musical do Nordeste. Villa-Lobos, embora independente do nacionalismo rígido, combinou folclore de diversas zonas culturais do Brasil com frequências da música popular urbana. 

O final da década de 1950 marcou o declínio do nacionalismo como tendência dominante, coincidindo com o falecimento de Villa-Lobos. Sua morte deixou um vazio, não preenchido por Mignone ou Guarnieri. Esse cenário impulsionou movimentos de renovação. 

A atuação dos ex-alunos de Koellreutter (como Cláudio Santoro em Brasília, Ernest Widmer na Bahia, e compositores paulistas do Música Viva) deu origem a uma nova visão composicional que abandonou a função de refletir uma cultura específica para expressar uma cultura em evolução de forma universalizada. A obra de arte distanciou-se de condicionamentos externos, sendo medida e julgada por sua própria organização, com a purificação da noção de beleza, desvinculada de sentimentalismos românticos. 

Por fim, a música nova brasileira não esperou a criação de condições especiais para sua manifestação, mostrando-se mais sensíveis ao serialismo, à aleatoriedade ou à eletroacústica. 

Capítulo 2: Técnica e Estética 

Neste capítulo Neves apresenta as posturas estéticas e as soluções técnicas empregadas com maior frequência, permitindo uma comparação com os movimentos europeus e da América do Norte. 

O microtonalismo interessou pouco aos compositores brasileiros, e quando ocorreu se limitou a fragmentos em divisões especiais do tom, quase que exclusivamente o quarto de tom. Os trabalhos tímbricos dos compositores brasileiros não se desenvolveram segundo o mesmo rigor lógico do pensamento musical de Varèse. Menor influência teve o serialismo integral que praticamente atingiu os compositores do dodecafonismo. Os caminhos do pós-serialismo seriam seguidos por serem organizados e flexíveis: abertura do indeterminismo e a busca de intercomplementaridade artística (integração de diferentes linguagens artísticas). A aleatoriedade de John Cage teve grande influência sobre os compositores brasileiros. A música eletroacústica desenvolveu-se devido ao interesse pessoal de alguns compositores. As Universidades, Rádios e Conservatórios não entenderam sua importância, sendo necessário o uso de estúdio fonográficos profissionais em casos extremos. 

Capítulo 3: Grupo Música Nova de São Paulo 

O Grupo Música Viva, fundado por Koellreutter em 1939, foi um motor de renovação musical no Brasil, focado na revisão do ensino, incentivo a conjuntos de câmara e organização de concertos. Sua célula inicial incluía músicos interessados em estética e evolução da linguagem musical. O grupo cresceu com a adesão de instrumentistas e alunos de composição. Koellreutter e o Música Viva defenderam o atonalismo e o dodecafonismo, acreditando que o valor da obra residia na manipulação profunda da técnica pelo criador. A atuação dos discípulos de Koellreutter em São Paulo (e outras capitais) nessa linha de inconformismo foi a origem de quase todos os movimentos de renovação musical no Brasil a partir de 1960. Essa nova visão composicional afastou-se da reflexão de uma cultura determinada para expressar universalmente a cultura em evolução. 

O Grupo Música Viva, com sua atuação pedagógica e difusora em São Paulo e outras cidades, foi fundamental para o surgimento de uma nova geração de compositores experimentais, que buscaram uma linguagem musical universalizada, desvinculada dos ditames do nacionalismo tradicional. 

Capítulo 4: Grupo de Compositores da Bahia 

Este capítulo explorará o movimento musical na Bahia, um dos centros onde Koellreutter estabeleceu seminários de música. Os Seminários de Música da Bahia, criados e orientados por Koellreutter, foram um dos legados de seu trabalho no Brasil. Ernest Widmer, que veio para o Brasil por meio de Koellreutter, atuou na Universidade da Bahia, sendo um dos responsáveis pela nova visão do ato composicional que se desenvolveu no país. 

Capítulo 5: Movimento Musical em Brasília 

Este capítulo se dedica ao desenvolvimento do movimento musical na capital federal, Brasília. Cláudio Santoro, um dos mais importantes compositores da nova música brasileira, teve atividades na Universidade de Brasília,  e sua atuação nessa instituição é mencionada como parte da linha de inconformismo dos ex-alunos de Koellreutter que impulsionaram a renovação musical no país. 

Capítulo 6: Movimento Musical no Rio de Janeiro 

Este capítulo abordará o cenário musical no Rio de Janeiro, um dos principais pólos de desenvolvimento musical brasileiro ao longo do século XX. O Rio de Janeiro foi um dos dois pólos principais de desenvolvimento musical no Brasil na primeira metade do século XX. A cidade abrigou grandes escolas de música, agrupamentos orquestrais e corais, e ofereceu numerosas oportunidades de trabalho para compositores, especialmente em emissoras radiofônicas. As principais manifestações do nacionalismo brasileiro aconteceram no Rio de Janeiro, desde sua fase inicial até o nacionalismo realista. Koellreutter também criou e orientou Seminários de Música no Rio de Janeiro, que, junto com os de São Paulo e Bahia, e os Cursos Internacionais de Férias de Teresópolis, formaram discípulos talentosos. 

Capítulo 7: Compositores Isolados 

Este capítulo apresenta compositores que desenvolveram percursos individuais marcantes ou transitaram entre diferentes estéticas, contribuindo significativamente para a música brasileira. Alguns dos compositores citados são: Cláudio Santoro, César Guerra-Peixe, Edino Krieger, Esther Scliar, Mário Tavares, Ernest Mahle, Alceo Bocchino, Osvaldo Lacerda, Ascendino Theodoro Nogueira, Kilza Setti, Sergio Vasconcellos Corrêa, Raul do Valle e Nilson Lombardi. 

Capítulo 8: Música Eletroacústica no Brasil 

A música eletroacústica não se introduziu no Brasil com o mesmo vigor que em outros países da América Latina, devido a poucos compositores interessados e precariedade de estúdios privados; apenas em 1980 a Universidade de Brasília iniciou a montagem de um estúdio. Neste cenário, Reginaldo Carvalho (1932) emerge como um pioneiro solitário da música eletroacústica no Brasil, seguido por Gilberto Mendes, que se interessou por música mista, na linha que depois seria transportada para Rogério Duprat, que aplicaria sons concretos na Tropicália.  

Reginaldo Carvalho foi nomeado diretor do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico (Instituto Villa-Lobos). Foi neste instituto que Jorge Antunes encontrou campo para desenvolver pesquisas. Os dois são os maiores nomes da música eletroacústica brasileira, o primeiro atuando na música concreta e o outro na música eletrônica. Técnicas como a eletroacústica sofreram ataques semelhantes aos desferidos contra o dodecafonismo por sua complexidade ou falta de compreensão imediata (e falta de recursos). 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Música Contemporânea Brasileira, de José Maria Neves, é uma obra de grande importância para a musicologia brasileira, funcionando como um panorama detalhado da evolução da música erudita no país desde o século XIX até as primeiras décadas do século XXI. Sua relevância reside em sua capacidade de contextualizar os movimentos estéticos — do nacionalismo ao vanguardismo e ao pluralismo — dentro das transformações sociais, culturais e políticas do Brasil.  

Neves não se limita a descrever estilos ou biografias, mas tece uma complexa rede de relações entre história, estética e o contexto social da criação musical. Ele ilumina o papel crucial de figuras como Mário de Andrade e Koellreutter na formação de uma consciência musical brasileira, e analisa a emergência de movimentos como o Música Viva e a Bienal de Música Brasileira Contemporânea como catalisadores de transformação. A inclusão das escolas regionais enriquece a perspectiva, mostrando a diversidade da produção nacional para além dos grandes centros. 

Apesar de algumas sugestões pontuais de aprimoramento – como a inclusão de mais elementos visuais, tabelas para facilitar a consulta de dados, mais notas de rodapé explicativas e uma menção mais aprofundada a certos compositores regionais ou a técnicas em suas associações diretas –, essas observações não diminuem o valor da obra. Como é dito na própria Introdução, este livro é uma ferramenta essencial – uma literatura altamente recomendável – para compreender os movimentos de renovação, ruptura e conservação na música brasileira, e sua relação com o panorama musical da Europa e das Américas (NEVES, 208, p. 11). 

REFERÊNCIAS 

NEVES, José Maria. Música contemporânea brasileira. Ricordi Brasileira, 1981.