REPERCUSSÕES DO PMAQ-AB NOS PROCESSOS DECISÓRIOS NA APS: PERCEPÇÕES DE TRABALHADORES DA SAÚDE DE JOÃO PESSOA-PB

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10855181


Erlaine Souza da Silva1
Elizabeth Cristina Gomes Tomaz de Oliveira2
Márcio Paulo Magalhães3
Tainara Barbosa Nunes4
Ana Karina de Almeida Soares5
Carla Denari Giuliani6
Romildo Félix Dos Santos Junior7
Tarcisio Almeida Menezes8
Edjavane da Rocha Rodrigues de Andrade9


RESUMO

Este artigo visa analisar as repercussões do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ-AB) no âmbito de tomada de decisão dos trabalhadores da Atenção Primária à Saúde (APS) de um Distrito Sanitário de João Pessoa/PB. Trata-se de um estudo exploratório e descritivo, com abordagem qualitativa. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas síncronas com trabalhadores de saúde de nível superior, via plataforma digital Google Meet. Os dados foram analisados mediante a análise de conteúdo na modalidade temática. Os resultados permitem identificar que os trabalhadores reconhecem o planejamento coletivo, e que o uso das informações advindas das avaliações são ferramentas potentes para o funcionamento da RAS (Rede de Atenção à Saúde) e fortalecimento de programas de saúde. No entanto, esse estudo apontou o limitado uso das informações e que a decisão e discussão segue centrada na gestão municipal. O que compromete a tomada de decisão embasada em informações seguras.

Descritores: Atenção Primária à Saúde. Tomada de Decisão. Informação.

INTRODUÇÃO                                           

Nas últimas décadas com o advento da globalização o processo de trabalho foi diretamente afetado, setores econômicos, políticos, tecnológicos e de serviços precisaram se reinventar para adequar-se as demandas do mercado e da sociedade1. Com o setor saúde não foi diferente, novas ações e maneiras de gerenciar as práticas de trabalho se fizeram necessárias. A realidade brasileira demandou, a partir de uma construção plural com a participação de vários entes da sociedade, que o reordenamento das políticas públicas em saúde fosse coordenado pela esfera federal, para assim viabilizar e construir as Redes de Atenção à Saúde – (RAS), no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)2.

Nesse contexto, como previsto na Constituição Federal brasileira, a regionalização da saúde, deve ser compreendida como um processo, uma nova forma de organização dos serviços e ações em saúde de uma determinada região, com o propósito de assegurar a integralidade da atenção à saúde, possibilitando a racionalidade dos gastos, equidade e otimização dos recursos. Ademais, configura-se como uma estratégia de articulação de gestores para discussão e pactuação interfederativa, de maneira a assegurar à população os serviços de saúde3.

No SUS, a gestão é entendida como um processo de responsabilidade compartilhada, em que cada esfera de governo assume suas atribuições e competências sanitárias mediante o exercício das funções de coordenação, articulação, negociação, planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria, o que passou a ser efetivamente realizado com a publicação do Decreto nº 7.508/2011 que regulamentou a Lei nº 8.080/904.

A partir desse Decreto, foram criados dispositivos que favoreceram a autonomia do gestor municipal4 , viabilizando uma maior apropriação da situação local e, das necessidades territoriais aliadas a mecanismos avaliativos, voltados à ampliação da fidedignidade e qualidade do processo de tomada de decisão. Tais ferramentas produziram resultados mais satisfatórios nas condições de saúde da população5,6. Nessa perspectiva, as avaliações no âmbito da gestão são capazes de oferecer elementos que subsidiem a tomada de decisão, voltada à ampliação do acesso, resolutividade dos problemas e melhoria dos indicadores por causas sensíveis à Atenção Primária em Saúde (APS), contribuindo para a qualificação da oferta do cuidado em saúde em toda a RAS. Contudo, a tomada de decisão amparada por dimensões da avaliação ainda tem sido limitada na gestão dos serviços de saúde 5.

A tomada de decisão nesse contexto pode ser entendida como um ato do sujeito social com a capacidade de mobilizar recursos de qualquer natureza, para implementar e mobilizar um programa ou serviço de saúde na direção dos objetivos almejados7.

Ao gestor público compete à tomada de decisão, tanto baseada em informações obtidas nos processos avaliativos, como também fundamentada no conhecimento pessoal acumulado de estudos, pesquisas, referências técnicas, políticas públicas, culturais e sociais, além da sua percepção sobre o problema 5,6.

No sentido de (re)qualificar e padronizar uma referência avaliativa de abrangência nacional, foi necessária a institucionalização da avaliação em saúde no Brasil. Para tanto, em 2011 o Ministério da Saúde (MS) lançou o Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica – PMAQ-AB, visando induzir a ampliação do acesso e a melhoria da qualidade da atenção básica. Esse programa também objetivou o estabelecimento de um padrão de qualidade comparável nas esferas nacional, regional e local, de maneira a ampliar a transparência e efetividade das ações governamentais na APS8.

Este artigo tem como objetivo compreender quais as repercussões do PMAQ-AB no âmbito da tomada de decisão a partir das percepções dos trabalhadores da saúde da APS de um Distrito Sanitário da cidade de João Pessoa- PB.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, do tipo exploratório e descritivo9. Quanto ao lócus de estudo, este ocorreu no âmbito do Distrito Sanitário (DS) IV, do município de João Pessoa, Paraíba. Tal escolha se deu em virtude da expressiva cobertura da APS da cidade (85,45%), por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF) (PMJP, 2019). Nesse cenário, o DS IV possui 29 equipes as quais reúnem 107 trabalhadores de nível superior e concentra a maior oferta de serviços de saúde na rede SUS de João Pessoa.

Os participantes do estudo foram 15 trabalhadores vinculados à ESF, dos quais 09 foram enfermeiros e 06 odontólogos. Os critérios de inclusão foram: (1) ser profissional de nível superior atuante na ESF; (2) concordar em participar de maneira voluntária do estudo; e (3) atuar por pelo menos um ano na ESF. Os critérios de exclusão foram: não estar de férias e/ou afastado do trabalho por motivos de doença ou outros, durante o período de produção de dados.

As entrevistas foram realizadas individualmente, seguindo um roteiro semiestruturado, contemplando aspectos sociodemográficos e dimensões ligadas ao: acesso, à tomada de decisão.

Apesar desse roteiro não abordar diretamente aspectos da pandemia pelo COVID-19, na ocasião da entrevista ao se indagar se o sujeito teria algo mais a relatar, emergiram sentimentos de angústia, medo e insegurança ligados ao contexto sanitário vivenciado pelos profissionais a partir da sua atuação como prestador de cuidados às famílias e comunidades na APS. Tais achados serão analisados em outro estudo.

As entrevistas ocorreram por meio de plataforma virtual, com o software gratuito Google Meet, de maneira síncrona, no período de novembro à dezembro de 2020. A opção pelo modo remoto se deu em decorrência da necessidade sanitária de distanciamento social resultante do período pandêmico da Covid-19.

Os convites com as informações sobre o estudo e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foram enviados aos trabalhadores por meio do aplicativo whatsapp.

Assim, entre os 15 trabalhadores entrevistados, a maioria era do sexo feminino (n=13) e com formação em enfermagem (n=09). Quanto ao tipo de Instituição de Ensino Superior (IES) em que os participantes concluíram seus cursos de graduação, 08 profissionais são egressos de instituições públicas e 07 de instituições privadas. Dos 15 entrevistados, 10 possuem algum curso de Pós – Graduação, sendo todos em nível de especialização na sua maioria em Saúde da Família ou Saúde Coletiva. A idade dos entrevistados variou de 29 a 72 anos, o período de atuação na APS está entre 02 anos até 38 anos. Os dados supracitados estão descritos no quadro a seguir:

Quadro 1 – Perfil sociodemográfico dos trabalhadores participantes da pesquisa. João Pessoa, Paraíba, Brasil, 2021

SexoIdadeFormação ProfissionalTipo de IESPossui Pós GraduaçãoPeríodo de atuação na APS (em anos)
F29OdontologiaPrivadoNão02
F72OdontologiaPúblicoSaúde da Família14
F45EnfermagemPrivadoNão07
F29OdontologiaPrivadoCirurgia Oral Menor05
M42EnfermagemPúblicoNão04
F45EnfermagemPrivadoNão09
F55OdontologiaPúblicoSaúde da Família24
F62EnfermagemPrivadoSaúde Coletiva38
F43EnfermagemPrivadoNão20
F53EnfermagemPúblicoSaúde da Família25
F37EnfermagemPúblicoSaúde Coletiva12
F52OdontologiaPúblicoSaúde Coletiva10
F42OdontologiaPúblicoSaúde da Família17
F40EnfermagemPrivadoSaúde Coletiva14
M36EnfermagemPúblicoSaúde da Família12
zer

Fonte: Elaboração própria, 2021.

Os dados foram gravados e, transcritos pela própria pesquisadora e autora deste estudo. E foram analisados a partir da Análise de Conteúdo na modalidade temática10.

Portanto, foi realizada uma leitura flutuante do material, com a intenção de apropriação do corpus das entrevistas. Prosseguido da codificação, no qual foram identificados os temas, categorizados os conteúdos e apreendidos os “núcleos do sentido”. Posteriormente foi elaborada a interpretação dos achados, com inferências realizando o procedimento de síntese a luz dos objetivos da pesquisa, articulados com a literatura pertinente10.

Este estudo é resultante de um recorte da dissertação de mestrado intitulada “Contribuições do PMAQ-AB para o acesso aos serviços de saúde: percepções dos trabalhadores de saúde de um Distrito Sanitário João Pessoa-PB”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, vinculado a Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

RESULTADO E DISCUSSÃO

  • Sobre o planejamento e a avaliação

O desenvolvimento dos processos avaliativos em programas de saúde não é uma busca por respostas aos problemas de saúde de determinada comunidade, mas uma maneira de obter informações que possam contribuir com a compreensão de determinado fenômeno. Avaliar é uma atividade técnica – administrativa, para pautar a tomada de decisão com segurança e embasamento cientifico, afastando a possibilidade de levar a avaliação ao reducionismo do foco para o capital11.

Em países com a APS consolidada, a exemplo do Reino Unido, Dinamarca e Finlândia o processo de institucionalização da avaliação em saúde se iniciou pela APS, a base dos sistemas públicos de saúde. Contrariamente ao que ocorreu no Brasil, onde esse processo se iniciou pela rede de assistência hospitalar, referendando a prática tradicional do cuidado centrado na visão hospitalocêntrica12.

Contudo, no ano 2000 com a reestruturação do MS, a avaliação no âmbito da APS ganhou visibilidade com esforços e iniciativas voltados à institucionalização da avaliação nesse nível de atenção13,14.

Em meados de 2001 com o apoio do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD, implementou o Projeto de Expansão e Consolidação à Saúde da Família (PROESF), em execução para 187 municípios brasileiros, planejado para ser executado em três fases, no período de 2002 à 2007. Dentre seus objetivos constava impulsionar ações que favorecesse a institucionalização da avaliação, com destaque para cooperação técnica entre as IES e os gestores14,15.

Em 2011 foi criado o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) visando ampliar e qualificar o acesso aos serviços de saúde da APS por meio de indicadores de estrutura e de processo de trabalho.

Os caminhos percorridos para se instituir a avaliação como prática do processo de trabalho na APS tendem a repercutir nas questões ligadas ao processo decisório, conforme demostrado no depoimento abaixo:

“Influencia bastante no cotidiano da equipe, procuramos fazer tudo para ser bem avaliado no PMAQ-AB, receber o reconhecimento e o recurso também” (Jasmim).

            O depoimento sugere o desejo de mudança motivado pelo programa, tanto no intuito de se obter um reconhecimento público pelo cuidado ofertado, como também de poder usufruir do bônus financeiro que o MS repassa ao município, para gratificar os profissionais mediante sua classificação por equipe no PMAQ-AB.

O PMAQ-AB também é apontado como o maior programa de pagamento por desempenho do Brasil, o qual gerou conquistas relevantes, como a diminuição da desigualdade de renda na prestação de cuidados de saúde atribuída ao desenho do programa, que é baseado em repasses de recursos do governo federal aos municípios mediante as desigualdades socioeconômicas de cada região16.

No entanto, se consideramos que o PMAQ-AB se desenvolveu em ciclos, cujo primeiro ciclo se iniciou ainda em 2011, e que a cada final de ciclo o MS disponibilizava os relatórios analíticos dos municípios e das suas respectivas equipes, esses dados poderiam subsidiar o planejamento para as etapas vindouras, visto que tanto os trabalhadores como os gestores possuíam o acesso aos relatórios mencionados. Entretanto, tal propósito não parece ter sido efetivado a contento, conforme evidencia o depoimento a seguir:

“[…] desde o início que veio o PMAQ, eu acho falho porque não se senta para conversar com os profissionais, para explicar como funciona só cobra. E o que a gente fez no ano passado serviu? Se o profissional tem a condição de fazer!” (Cravo).

O planejamento estratégico que é indicado pelo SUS, inclui as três esferas de governo e deve trabalhar de maneira articulada, com o objetivo de beneficiar ações e compromissos previamente assumidos, contribuindo para o desenvolvimento de resultados favoráveis. É um instrumento de gestão essencial para alcançar as diretrizes do SUS, implica compromisso humano e fortalece a realização das práticas de saúde, com propósitos de transformação e manutenção da situação de saúde da comunidade17.

O depoimento acima demonstra a inexistência do uso do planejamento estratégico, mesmo sendo este uma diretriz operacional do SUS, o que favorece para a fragmentação das práticas de saúde e enfraquecimento dos serviços. Prestar serviços de saúde sem planejamento é trabalhar guiado sob a ótica da gestão, isso pode levar o serviço à redundância de satisfazer desejos pessoais, não solucionando os problemas de saúde da coletividade.

Os estudos de Teles et al.17 e Evangelista et al.18 corroboram para a relevância do ato de planejar na busca de oferecer melhores ações e serviços, na promoção e na produção de cuidado da tríade individuo, família e comunidade. O planejamento entre gestores, coordenadores e trabalhadores abarca a magnitude de programar as intervenções de maneira coletiva, colocando todos os atores na roda, primando pela horizontalidade das ações, consequentemente a tomada de decisão mais assertiva.

Nesse âmbito, cabe evidenciar as fragilidades em torno da comunicação entre a gestão e os trabalhadores deste estudo, o qual foi desenvolvido ao final dos três ciclos do PMAQ-AB, no sentido de oferecer um retorno sobre o processo de avaliação realizado pelo PMAQ-AB na unidade, gerando inquietações e dúvidas nos trabalhadores, como aponta o relato a seguir:

“Um feedback …Nunca recebemos a avaliação! Recebemos a nota, mas o que pontuou para aquela avaliação, nunca tive acesso. As matrizes de intervenção que fizemos com a equipe e dizíamos da reforma do auditório, serviu pra que? Agora não sei se seria da equipe que vem do PMAQ, ou partiria da gestão esse feedback” (Azaleia).

É inegável que o uso das informações obtidas pela avaliação em saúde é um recurso essencial à gestão, pela sua capacidade para a qualificação da tomada de decisão, contribuindo para a eficiência, efetividade e eficácia das ações em saúde no campo da APS5,6,19.

  • O uso da informação como recurso para as mudanças

A tomada de decisão é uma atribuição do gestor público, que pode se valer da informação obtida no processo avaliativo, da sua expertise na área, da sua visão da situação – problema, e assim construir uma convicção e tomar uma decisão mobilizando os recursos necessários, sejam esses humanos ou materiais5,6,19.

O estudo desenvolvido por Becker, Rech e Reis (2019) com secretários municipais de Saúde do Paraná, aponta como os maiores empecilhos para a tomada de decisão com embasamento científico, a falta de tempo para leitura e a dificuldade em reconhecer os melhores periódicos e o custo elevado para sua assinatura. Segundo esse estudo, as fontes de consultas mais utilizadas são revistas de natureza não científica, seguida das diretrizes do MS.

As primeiras fases do PMAQ-AB consistem na adesão e na contratualização. O programa preconizava que essas fases deveriam ser informadas às equipes, e a sua participação no processo era de forma voluntária. Nesse âmbito, a motivação e a proatividade dos trabalhadores assumem um papel central para a implementação efetiva do programa20.

O manual instrutivo do PMAQ-AB norteia a operacionalização no âmbito municipal, para o gestor pactuar com os trabalhadores a participação no programa de maneira voluntária, seguida de análise e posterior assinatura do terno de compromisso com as equipes. Contudo, foram observadas algumas fragilidades ligadas ao diálogo, ao esclarecimento das informações e ao modo de realização das adesões.

“[…] a primeira vez que fomos participar, a Secretaria não tinha muita informação, e tivemos que assinar. Existia um discurso assim, se você não assinar prejudica toda a equipe. É muito impositivo, não tem diálogo” (Papoula).

O diálogo é uma ferramenta da comunicação humana, importante em todas as fases da vida, nas relações e no trabalho em saúde21. A ausência do diálogo mencionado no depoimento acima acende um sinal de alerta, para a necessidade de identificar os canais de comunicação estabelecidos entre gestores, coordenadores e trabalhadores da APS para avaliar, planejar e tomar decisões em direção do fortalecimento e melhoria dos serviços de saúde na APS.

Pivote et al.22 afirmam que trabalhadores da APS, com destaque para os enfermeiros, possuem competência e criatividade para transformar, o ambiente de trabalho em que estão inseridos, na direção de conferir maior reconhecimento e empenho em desenvolver atribuições administrativas inerentes à gerência da UBS. Nessa perspectiva, cabe ressaltar o papel da informação e do planejamento no contexto do gerenciamento dos serviços de saúde, e consequentemente de decisões mais seguras e eficazes, repercutindo favoravelmente no processo de trabalho na APS. Como demonstra o depoimento abaixo:

“Com essas informações de indicadores e metas a equipe melhorou, os ACS [Agentes Comunitários de Saúde] ficaram mais atentos aos programas, eles percebem mais os programas, deixaram de ver que era só cobrança e entender um pouco o que a gente cobra” (Lavanda).

Salienta-se que os indicadores relacionados ao processo de trabalho são passíveis de serem melhorados pela equipe de saúde, com pouco apoio financeiro da gestão. Já os indicadores de estrutura esses se vinculam diretamente ao compromisso e prioridades da gestão municipal, no planejamento das ações.

Tendo em vista que os desafios do cenário contemporâneo demandam novos arranjos e formatos para o ato de planejar, é oportuno destacar que as iniciativas de planejamento ancoradas em bases mais democráticas e com relações horizontalizadas, oportuniza o acolhimento das peculiaridades e especificidades de cada território e comunidade. Desse modo, facilitar uma análise crítica da situação, contribuindo para os processos decisórios17.

Apoiando-se nessas reflexões, ressalta-se que fazer uso do planejamento como um instrumento de gestão, trata-se de incluir coordenadores, trabalhadores e comunidade, buscando estabelecer canais de concertação dos múltiplos interesses e necessidades, mediante a gestão dos conflitos e com ênfase na, participação ampliada de todos os envolvidos. Para assim, incrementar, com responsabilidade e compromisso, a implantação de ações voltadas às soluções dos problemas mais relevantes seja a curto ou médio prazo, a depender da gravidade da situação18.

  • O fomento ao trabalho em equipe e o papel da informação

Na APS o trabalho em equipe consiste em um elemento chave para a produção de cuidado em saúde de uma população adscrita, a consolidação desse modelo de vigilância em saúde segue na reorganização do sistema público de saúde brasileiro voltado ações preventivas e de promoção à saúde23.

Assim, é imperativo refletir sobre o SUS, amparado pelo significado ampliado de saúde, como um direito de cidadania. Desse modo, conceber o cuidado pautado nas necessidades e inteireza das pessoas, a partir do trabalho em equipe e da Interprofissionalidade24.

Tal processo de atuação coletiva contribui para a consolidação e fortalecimento do SUS. Portanto, torna-se fundamental extrapolar cada vez mais esse debate para o cenário da formação acadêmica, no sentido de valorizar o trabalho colaborativo nas diversas frentes e espaços curriculares dos cursos da área da saúde25.

Nesse contexto, se destaca a formação em enfermagem. Considerando que os enfermeiros são preparados para atuar com técnicos e auxiliares de enfermagem, na APS também é atribuição desse profissional a supervisão dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e o gerenciamento da equipe e dos insumos necessários para o funcionamento da UBS.

Com o advento do PMAQ-AB, essa dimensão foi realçada, com a valorização do trabalho colaborativo, liderado pelo enfermeiro. Como demonstra o depoimento abaixo:

“Em relação a minha equipe eu achei que melhorou muito, porque incentivou o pessoal a trabalhar, e eu acho que você fazendo mais com eles, você exige mais né” (Papoula).

Percebe-se na fala acima o papel central desse profissional na equipe de saúde da família, assumindo um lugar de referência e liderança nas decisões do cotidiano de trabalho. Desse modo, as práticas e comportamentos dos enfermeiros tendem a influenciar sobremaneira as relações interprofissionais e o modo como a equipe se organiza frente ao desenvolvimento das atividades23.

Na APS o processo de trabalho é dinâmico e requer profissionais com múltiplas habilidades e competências, e com flexibilidade para deixar emergir além dos conhecimentos e saberes técnicos obtidos na academia, as dimensões ligadas à gestão e liderança. Assim, os enfermeiros assumem um papel voltado a integrar os trabalhadores da equipe em torno de indicadores comuns. Esse processo deve ser desenvolvido com comprometimento e responsabilidade, culminando com a tomada de decisão assertiva e a prestação de uma assistência à saúde qualificada 23,24.

“A eu vejo sim, todo um esforço da equipe para que a população tenha conforto no sentido de procurar o serviço e ser atendido. Isso é chefiado pela enfermeira vai desde a acolhida até o agendamento para fora da UBS” (Crisântero).

Observa-se que os participantes deste estudo atribuem à noção de liderança ao enfermeiro. Nesse sentido, é fundamental que a prática desse profissional seja coerente com seu discurso. Trata-se de uma liderança voltada às mudanças nas ações de saúde induzidas pelo PMAQ-AB para a qualidade da atenção à saúde27.

A liderança exercida pela enfermagem pode ser capaz de influenciar a construção de vínculos na equipe e consequentemente produzir elos de confiança entre os trabalhadores, beneficiando o alcance de resultados e metas. Esse processo agrega conhecimento profissional, favorecendo uma visão mais alargada sobre o processo saúde-doença, oportunizando decisões mais autônomas e competentes28.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho no âmbito da APS insere-se em um contexto dinâmico e complexo, atravessado por características de diversas naturezas. É fundamental fomentar a compreensão da importância do diálogo entre gestores e trabalhadores da saúde. Além da ênfase na participação popular, nos processos de tomada de decisão ligados ao cuidado em saúde.

Este artigo buscou avaliar as repercussões do PMAQ-AB no âmbito de tomada de decisão dos trabalhadores da saúde na AB de um Distrito Sanitário. Os principais resultados permitem identificar que os trabalhadores reconhecem o planejamento coletivo, e o uso das informações advindas das avaliações são ferramentas potentes para a gestão de serviços e programas de saúde.

Vale salientar que, embora as equipes encontrem condições insatisfatórias para executar o trabalho, observa-se avanços na construção do trabalho colaborativo, com a valorização por parte dos próprios trabalhadores, o que pode ser avaliado como elemento positivo que beneficia e aperfeiçoa o funcionamento da RAS.

No entanto, apesar do PMAQ-AB prever o uso dos relatórios para planejamento, esse estudo apontou o ainda limitado uso das informações geradas nos relatórios analíticos, e a decisão e discussão segue ainda centrada na gestão municipal. O que compromete a tomada de decisão embasada em informações seguras e de acesso gratuito.

Espera-se que esses achados possam estimular gestores e trabalhadores da APS a buscarem aprimoramento de sua atuação no cotidiano do trabalho com o uso das informações oriundas de processos avaliativos para a tomada de decisão, a fim de que alcance um nível de excelência, com gestores e trabalhadores dialogando e se apoiando no fortalecimento do SUS e de melhores relações de trabalho. Assim estudos nessa direção são oportunos.

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1 Enfermeira. Mestre em Saúde Coletiva pela UFPB. Especialista em Saúde da Família pela Escola Santa Emília de Rodat. erlaine_souza@hotmail.com.

2 Enfermeira na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares -EBSERH UFPB/HULW. Pós-graduada em Programa de Saúde da Família. Pós-graduada em Enfermagem Pediátrica e Neonatal. Pós-graduada em Enfermagem em UTI Pediátrica e Neonatal. elizabethomaz@gmail.com.

3 Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM. Residência Médica em Ortopedia e Traumatologia pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador (PPGAT) UFU. Médico na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). marcio.paulo@ebserh.gov.br.

4 Mestre em gestão da qualidade em saúde. tainara_barbosa@hotmail.com.  

5 Psicóloga Especialista em saúde mental e em gestão do cuidado com o foco no apoio matricial pela UFPB.

6 Graduação em Enfermagem. Doutora em História ê Cultura, Professora Associada I na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), MG, Brasil, Coordenadora e Fundadora do Laboratório Avançado em Estudos de Gênero (LGV) da Universidade Federal de Uberlândia. denari.carla013@gmail.com

7 Enfermeiro na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Especialista em: “Enfermagem e as patologias”; “Enfermagem e Doenças transmissíveis”; “Enfermagem e saúde”. romildo.santos@ebserh.gov.br

8 Psicólogo. Mestre em Saúde Coletiva e Doutorado em Neurociência Cognitiva e Comportamental pela Universidade Federal da Paraíba. Tarcisio.ufpb@gmail.com

9 Assistente social/Sanitarista. Especialização em Gestão de Políticas Públicas. Mestra em Saúde Pública. edjavane@gmail.com