REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202509181336
Dr. Ricardo Augusto Conci1
Dr. Eleonor Álvaro Garbin Junior2
Dr. Geraldo Luiz Griza3
Dra. Natasha Magro Érnica4
João Francisco de Oliveira dos Santos5
Gabriel Luiz Linn6
Nicolas Mazur7
Resumo
O deslocamento de raízes dentárias para o interior do seio maxilar é um acidente incomum, mas que todo cirurgião-dentista que realiza extrações dentárias está suscetível. A remoção do corpo estranho de dentro do seio maxilar se dá através de acesso à esta região por meio da técnica de Caldwell-Luc, por via alveolar ou por endoscopia maxilar—sendo esta a menos traumática. Por isso, é necessário o adequado conhecimento por parte dos cirurgiões-dentistas acerca da anatomia inerente às regiões relacionadas, bem como sobre as técnicas atuais utilizadas para a remoção do corpo estranho. Portanto, o presente trabalho tem como objetivo relatar um caso clínico em que uma raíz dentária deslocada para o interior do seio maxilar foi removida através da técnica de antrostomia maxilar endoscópica.
Palavras-chave: Antrostomia maxilar endoscópica, raíz dentária deslocada, remoção de corpo estranho do seio maxilar.
Abstract
The displacement of dental roots into the maxillary sinus is an uncommon complication, yet one that any dental surgeon performing tooth extractions may encounter. The removal of such foreign bodies from the maxillary sinus can be achieved through various approaches, including the Caldwell-Luc technique, alveolar access, or maxillary endoscopy—the latter being the least traumatic. Therefore, a thorough understanding of the regional anatomy and current surgical techniques is essential for dental surgeons. This case report aims to describe the clinical management of a displaced dental root into the maxillary sinus, which was successfully removed using the maxillary antrostomy technique.
Keywords: Endoscopic maxillary antrostomy, displaced tooth root, maxillary sinus foreign body removal.
Introdução
Deslocamento de raízes dentárias para o interior do seio maxilar, apesar de ser comumente relatado em livros de cirurgia bucomaxilofacial, é um acidente raro (1). A estreita relação entre os tecidos antrais e as raízes dos dentes maxilares pode criar uma variedade de riscos, especialmente frente à realização de certos procedimentos cirúrgicos, como a extração dentária e a instalação de implantes, ou durante o tratamento endodôntico ou mesmo ortodôntico (2). Como a maioria dos corpos estranhos no seio maxilar são de origem iatrogênica, o conhecimento anatômico e de técnicas para o diagnóstico e tratamento é necessário para identificar e resolver os casos (3).
O assoalho do seio maxilar está localizado 0,5 a 1 cm abaixo da cavidade nasal, e sua forma pode variar entre triangular, semilunar ou rectangular, com elevações produzidas pelos dentes posteriores da maxila (4). A relação dos dentes com o assoalho do seio maxilar sob condições normais é estabelecida por meio de uma fina camada de osso compacto que proporciona suporte às fibras do ligamento periodontal apical, às quais se aderem com firmeza; ou por uma relação direta com a mucosa do seio maxilar (2). Além disso, as raízes dos pré-molares, molares e, ocasionalmente dos caninos, podem ser projetadas para dentro do seio maxilar (5).
Embora corpos estranhos em seios paranasais sejam raramente observados, objetos podem alojar-se em seu interior como resultado de acidentes automobilísticos, ferimentos por projétil de arma de fogo, transtornos psiquiátricos ou iatrogenia em procedimentos cirúrgicos (6). O terceiro molar superior pode se deslocar para dentro da cavidade do seio maxilar durante cirurgia odontológica, sendo que essa circunstância rara é responsável por 0,6 a 3,8% dos casos iatrogênicos de aprisionamento de corpo estranho nos seios paranasais (6,7). Muitas vezes a pneumatização do seio maxilar diminui a distância entre o ápice radicular e a mucosa sinusal, tornando mais previsível o deslocamento do elemento dentário para o seu interior (1).
Se o corpo estranho não for removido do seio paranasal envolvido, pode levar a complicações graves, como sinusite, reações inflamatórias e infecções fúngicas. O paciente pode, ainda, apresentar febre, dor facial, cefaléia, obstrução nasal, dentre outros sinais e sintomas. Entretanto, alguns pacientes podem não apresentar quaisquer sintomas, não contraindicando a remoção (8,9).
Dentre os exames de imagens empregados para diagnóstico de corpo estranho em seio maxilar e planejamento cirúrgico, tem-se a incidência de Waters, perfil de face, a ortopantomografia (radiografia panorâmica), além de tomografia computadorizada, que é considerada padrão ouro, haja vista que oferece nitidez e visão tridimensional adequada, tornando-se indispensável para uma avaliação e condução adequada do caso (10,11).
Existem diferentes métodos utilizados para a extração de corpos estranhos do seio maxilar. O tipo de tratamento é determinado pelo tamanho, forma e localização do corpo estranho. O procedimento através da técnica de Caldwell-Luc (abordagem pela janela lateral) e a cirurgia endoscópica sinusal são procedimentos comuns utilizados para a remoção de corpos estranhos (9).
A antrostomia endoscópica do meato médio maxilar foi introduzida pela primeira vez na literatura inglesa por Kennedy, em meados da década de 1980. O conceito foi baseado em pesquisas que demonstravam o fluxo mucociliar através do orifício maxilar natural. Atualmente, a antrostomia endoscópica do meato médio tornou-se um dos procedimentos endoscópicos sinusais mais comumente realizados (12). Diante do exposto, o presente estudo tem por objetivo relatar um caso clínico de remoção de uma raiz dentária localizada no interior do seio maxilar, empregando a técnica de antrostomia maxilar endoscópica.
Relato de caso
Paciente, ACS, gênero feminino, 27 anos, compareceu ao consultório de cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial encaminhada por um cirurgião-dentista devido a uma raiz dentária deslocada para dentro do seio maxilar esquerdo após tentativa de exodontia do dente 26 (figura 1).

Figura 1: Recorte de uma radiografia panorâmica apresentando a raíz dentária do dente 26 (seta vermelha) alojada no seio maxilar esquerdo
Após anamnese, exame físico e avaliação imagiológica, optou-se pela remoção do corpo estranho através da técnica de antrostomia maxilar endoscópica em conjunto com um médico otorrinolaringologista, em ambiente hospitalar sob anestesia geral.
Inicialmente foi realizada a infiltração de anestésico local assiciado à um vasoconstrictor, além da utilização de cottonoids com oximetazolina para vasoconstrição da mucosa nasal. O procedimento consistiu no acesso ao óstio natural do seio maxilar localizado no meato médio da cavidade nasal esquerda e, após, o óstio foi ampliado para introdução do endoscópio e posterior remoção da raíz dentária (figuras 2 e 3). Não houve necessidade de sutura ou tamponamento nasal.

Figura 2: Imagem endoscópica intraoperatória através da antrostomia maxilar esquerda. Na imagem é possível observar a raíz dentária (seta amarela).

Figura 3: Raíz dentária após ter sido removida de dentro do seio maxilar.
A prescrição medicamentosa pós-operatória consistiu em Amoxicilina 500mg associada a clavulanato potássico 150mg a cada 8 horas por 7 dias, celecoxibe 200mg de 12 em 12 horas por 3 dias, dipirona monohidratada 1 grama a cada 8 horas por 01 dia e solução salina 0,9% para lavagem nasal. Após devidamente orientada, a paciente recebeu alta e retornou após 7 dias para avaliação pós-operatória.
Discussão
O deslocamento de corpos estranhos para o interior do seio maxilar, especialmente de raízes dentárias, é um acidente raro, mas descrita em diversos relatos da literatura, sendo consequência da estreita relação anatômica entre os ápices radiculares dos dentes posteriores e o assoalho do seio maxilar (1,2). A pneumatização do seio pode reduzir a espessura óssea que separa a raiz da cavidade sinusal, predispondo ao deslocamento de fragmentos dentários durante procedimentos cirúrgicos (5,7).
A permanência de corpos estranhos nessa região pode levar a complicações importantes, como sinusite crônica, processos inflamatórios e infecções fúngicas. Ainda que alguns pacientes permaneçam assintomáticos, a remoção é recomendada para evitar agravos futuros (6,8).
O diagnóstico adequado depende de exames de imagem, sendo a tomografia computadorizada considerada padrão-ouro por permitir visão tridimensional e detalhada da relação anatômica entre dentes e seio maxilar (7,10).
Diversas técnicas cirúrgicas são descritas para a remoção desses corpos estranhos. O procedimento de Caldwell-Luc foi, durante muitos anos, a principal abordagem, porém está associado à maior morbidade, incluindo maior desconforto, edema, alteração da sensibilidade infraorbital e risco de formação de comunicações e fístulas buco-sinusais (9,11). Nesse contexto, a antrostomia endoscópica endonasal vem ganhando destaque por ser menos invasiva, preservar melhor a anatomia local e possibilitar a restauração do fluxo mucociliar fisiológico (3,12). Kennedy e Adappa (12) reforçam que essa técnica não se restringe apenas à remoção de corpos estranhos, mas constitui um procedimento fundamental no tratamento de patologias sinusais em geral.
Relatos recentes de casos clínicos evidenciam a eficácia da cirurgia endoscópica na remoção de dentes ou fragmentos radiculares deslocados, demonstrando segurança, previsibilidade e bons resultados funcionais, com menor taxa de complicações quando comparada às técnicas tradicionais (6,9). Dessa forma, a escolha da abordagem cirúrgica deve ser individualizada, considerando-se a localização, tamanho e forma do corpo estranho, além da experiência do cirurgião e dos recursos disponíveis.
Assim, o presente caso clínico reforça a relevância da avaliação diagnóstica criteriosa e a adoção de técnicas minimamente invasivas, destacando a cirurgia endoscópica como alternativa segura e eficaz para o manejo de corpos estranhos no seio maxilar.
Referências
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7. Bouquet A, Coudert JL, Bourgeois D, Mazoyer JF, Bossard D. Contributions of reformatted computed tomography and panoramic radiography in the localization of third molars relative to the maxillary sinus. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2004;98(3):342–7.
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11. Oliveira RS, Costa OR, Neto LGC, de Araújo FF. Aplicação da técnica cirúrgica de Caldwell-Luc para remoção de corpo estranho do seio maxilar: relato de caso. J Health Sci Inst. 2010;28.
12. Kennedy DW, Adappa ND. Endoscopic maxillary antrostomy: Not just a simple procedure. Laryngoscope. 2011;121(10):2142–5.
1Cirurgião Bucomaxilofacial (professor adjunto no serviço de cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial da Universidade Estadual do Oeste do Paraná- UNIOESTE).
2Cirurgião bucomaxilofacial (coordenador do serviço de cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial da Universidade Estadual do Oeste do Paraná- UNIOESTE.
3Cirurgião bucomaxilofacial (preceptor no programa de cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial da Universidade Estadual do Oeste do Paraná-UNIOESTE).
4Cirurgiã bucomaxilofacial (preceptora no serviço de cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.
5Cirurgião-Dentista.
6Cirurgião-dentista (residente no serviço de cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial na Universidade Estadual do Oeste do Paraná-Unioeste).
7Cirurgião-Dentista (residente no serviço de cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial da Universidade Estadual do Oeste do Paraná-Unioeste.