RELATO DE CASO: NODULECTOMIA EM TRICOEPITELIOMA CANINO 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10249261412


Gustavo Laranjeira Pierotti
Orientador: Tainara Micaele Bezerra Peixoto


Resumo

O tricoepitelioma é uma condição cutânea neoplásica que afeta o folículo piloso e é relativamente rara na prática veterinária, geralmente ocorrendo em cães com mais de cinco anos de idade. Os fatores que contribuem para o seu desenvolvimento ainda não são bem compreendidos. Geralmente, essa neoplasia se manifesta principalmente no tronco e membros dos cães, embora também possa ocorrer em outras áreas. 

O diagnóstico é feito com base no histórico clínico do paciente, exame físico e análise histopatológica. A remoção cirúrgica completa do tricoepitelioma, com margens amplas de segurança, é considerada o tratamento preferencial. A excisão cirúrgica completa da neoplasia com amplas margens de segurança é considerada o tratamento de eleição. 

O presente relato tem como objetivo descrever um caso de tricoepitelioma maligno em um cão da raça Bulldogue Francês de 11 anos de idade, atendido no Hospital Veterinário na cidade de São Paulo, com históricos de nódulos na região dorsal lateral da coluna.

 O paciente foi submetido a exames complementares de hemograma, bioquímica sérica e citologia por punção aspirativa por agulha fina (PAAF), no qual este último apresentou resultado inconclusivo. Dessa forma, o paciente foi encaminhado para o procedimento cirúrgico para realização de nodulectomia. Fragmentos da neoformação foram submetidos a análise histopatológica, revelando o diagnóstico de tricoepitelioma benigno. 

Após recuperação anestésica e estabilidade do quadro cirúrgico, foi instituído alta médica. A escolha da técnica cirúrgica empregada neste caso, denominada nodulectomia, demonstrou-se eficaz até o presente momento, minimizando os riscos de complicações decorrentes da neoplasia.

Palavraschave: cão, margem de segurança, neoplasia maligna

1.      Introdução

Os tumores cutâneos são comuns em animais domésticos, representando cerca de 30% das ocorrências em cães (MAZZOCCHIN, 2013). Eles tendem a afetar principalmente cães adultos e idosos, possivelmente devido ao aumento da expectativa de vida desses animais (FERNANDES et al., 2015). Essas neoplasias podem originar-se da epiderme e seus anexos, da derme, da hipoderme ou dos melanócitos (MEIRELLES et al., 2010). Entre os tipos mais comuns estão o mastocitoma, o lipoma, o adenoma perianal, o carcinoma de células escamosas, o tricoblastoma e o histiocitoma. Na região da cabeça, são mais frequentes o tricoblastoma, o papiloma, o melanoma e o mastocitoma (SAKUMA et al., 2003; BELLEI et al., 2006; SOUZA et al., 2006; MEIRELLES et al., 2010; FERNANDES et al., 2015).

  Os tricoepiteliomas, também conhecidos como tumores de Brooke, são considerados tumores benignos do folículo piloso e são relativamente incomuns, geralmente encontrados na região facial (ARMENDÁRIZ et al., 2014; MOHAMAMMADI; JAFARI, 2014). Originam-se da proliferação celular benigna de células epiteliomesenquimais (ZHENG et al., 2004) e representam cerca de 1 a 3% dos casos de tumores cutâneos, sendo mais prevalentes em cães com mais de cinco anos de idade (MASSONE et al., 2005).A ocorrência de malignidade com invasão de tecidos e metástases é rara (HOSHINO et al., 2012), mas pode ocorrer em estágios avançados, levando ao carcinoma basocelular, que clinicamente e histopatologicamente se assemelha ao tricoepitelioma (BARCIA et al., 2014; MOHAMMADI; JAFARI, 2014; SANGWAIYA et al., 2015; SHARMA; CHAUHAN; KANSAL, 2018).         

 Essa neoplasia apresenta três variantes clínicas: forma adquirida (ou solitária), hereditária (ou múltipla) e desmoplásica (KAM et al., 2017), sendo a forma solitária a mais comum (BARCIA et al., 2014). Clinicamente, os tricoepiteliomas são frequentemente caracterizados por nódulos únicos ou múltiplos, arredondados, na derme ou na camada subcutânea, firmes, de cor rosada, com telangiectasia em sua superfície (ARMENDÁRIZ et al., 2014; MASSONE et al., 2005). Nos casos de tricoepiteliomas desmoplásicos, as lesões tendem a ser papulares, em forma de anel, de cor branca a amarelada, firmes, com bordas proeminentes e depressão central, geralmente solitárias e localizadas na região facial (BIZZANELLI et al., 2

Macroscopicamente, os tricoepiteliomas são caracterizados pela presença de nódulos multilobulados únicos ou múltiplos, localizados na derme ou na camada subcutânea. Esses nódulos são bem delimitados e circunscritos, arredondados, firmes, geralmente carecem de pelos, e podem apresentar ulcerações, variando em tamanho de 1 mm a 15 cm de diâmetro (LEBLANC, 2018; CONCEIÇÃO; LOURES, 2017; WEINER, 2021). Grandi e Rondelli (2016) observaram uma preferência anatômica por certas áreas para o desenvolvimento dessas massas, comumente encontradas no tronco e nos membros dos cães, embora outras regiões também possam ser afetadas pela neoplasia.

  O diagnóstico do tricoepitelioma baseia-se no histórico clínico do paciente, nos achados do exame físico e em exames complementares, como citopatologia ou citologia aspirativa por agulha fina. Atualmente, o exame histopatológico das lesões é considerado o método padrão para um diagnóstico preciso de tricoepitelioma na medicina veterinária, ajudando a descartar outros possíveis diagnósticos diferenciais para a neoplasia (VAZ, 2019; TILLEY; SMITH JR, 2015).

 A identificação precoce é crucial para determinar o método terapêutico mais eficaz. A intervenção cirúrgica, com excisão completa da neoplasia e margens de segurança amplas, é o tratamento preferencial, geralmente resultando em um prognóstico favorável para tumores benignos e na ausência de metástases (KHANNA; FOSKETT, 2022; GRANDI; RONDELLI, 2016).

Este relato tem como objetivo descrever um caso de tricoepitelioma maligno num cão Bulldogue Francês de 11 anos, destacando os aspectos clínicos, histopatológicos e o tratamento empregado principalmente sua técnica cirúrgica.

2.      Justificativa       

Mostrar a importância de uma técnica cirúrgica adequada para que não precise de novas intervenções e para que o prognóstico seja bom.

3.      Objetivos
3.1  Geral            

Correlacionar o uso da margem adequada para evitar recidivas e garantir um melhor controle da neoplasia e garantindo maior qualidade de vida.

3.2   Específicos     
  • Relatar a técnica cirúrgica adequada comparando com dados da literatura.
  • Correlacionar os resultados obtidos com os descritos na literatura.
4.      Revisão de Literatura

  A pele é uma área comum para o desenvolvimento de neoplasias devido à presença de diversos tipos de células que podem se tornar cancerígenas (BELLEI et al., 2006). Os sinais clínicos dos tumores cutâneos variam dependendo do tipo de tumor. Tumores benignos geralmente têm crescimento lento, são móveis, bem definidos e causam pouca inflamação. Por outro lado, tumores malignos têm crescimento rápido, invadem estruturas adjacentes e podem metastizar (SILVEIRA et al., 2006).

 O diagnóstico dos tumores cutâneos pode ser feito por meio de citologia aspirativa com agulha fina (CAAF), mas é confirmado por exame histopatológico (MARTINS et al., 2015). É crucial diagnosticar o tipo específico de neoplasia para planejar o tratamento adequado e estabelecer o prognóstico do paciente (SILVEIRA et al., 2006).

  As opções de tratamento incluem cirurgia, quimioterapia, radioterapia, entre outros. A excisão cirúrgica é o tratamento de escolha, especialmente quando possível a cura imediata com a remoção do tumor (MAZZOCCHIN, 2013). A cirurgia deve ser realizada com margens de segurança adequadas, que variam de acordo com a localização e agressividade do tumor (SAKUMA et al., 2003). O conhecimento de técnicas de cirurgia reconstrutiva é fundamental para fechar defeitos cutâneos resultantes da remoção de tumores, permitindo um aspecto cosmético favorável (SAKUMA et al., 2003).

 Entre as técnicas cirúrgicas de reconstrução, os retalhos de avanço subdérmico são frequentemente utilizados na região da cabeça. Essa técnica é segura, de fácil realização e tem baixo risco de necrose do retalho, sendo indicada para áreas com pouca elasticidade, como o crânio e o pescoço (HUPPES et al., 2016). 

5.      Relato de Caso

Um cão macho, da raça Bulldogue Francês, castrado, de 11 anos de idade, pesando 13 kg, foi atendido no Hospital Veterinário, com histórico de presença de uma massa em região dorso lombar, com evolução aproximadamente há 1 ano. Ao exame físico geral, o paciente apresenta alerta, bom escore de condição corporal, mucosas normocoradas, tempo de preenchimento capilar de dois segundos, pulso forte, temperatura retal 38,6 ºC e ausculta cardíaca e respiratória dentro da normalidade. À palpação foi observado ausência de linfonodos reativos e sem algia abdominal.

Na avaliação clínica, foi constatado a presença de uma neoformação cutânea aderida ao subcutâneo em região escapular esquerda. Esta massa possuía consistência firme, formato circular bem delimitada, pedunculada, não pigmentada, medindo 1,0 cm X 2,0 cm X 0,5 cm em toda sua extensão.

Além disso, a nodulação apresentava-se não ulcerada e sem aspecto de inflamação.

Figura 1 – Imagem do nódulo em região escapular esquerda.

Diante das alterações observadas, procedeu-se inicialmente com a tricotomia e a limpeza da região da lesão utilizando clorexidina a 2% e solução fisiológica. Adicionalmente, realizou-se a coleta de material da neoformação por meio do método de punção aspirativa por agulha fina (PAAF). O material obtido foi então encaminhado para análise citológica e teve laudo inconclusivo, sendo indicado a biópsia da região.

Foram solicitados exames complementares laboratoriais, hemograma completo, função renal (ureia, creatinina), função hepática (alanina transferase, fosfatase alcalina e albumina), com todos resultados dentro normalidade. Também foi realizado eletrocardiograma, ecodopplercardiograma e radiografia do tórax com todos os laudos aptos para o procedimento.

Para melhor esclarecimento do quadro clínico, decidiu-se pela intervenção cirúrgica para a exérese completa da neoformação, denominada nodulectomia. A amostra obtida durante a cirurgia foi encaminhada para análise histopatológica, visando obter um diagnóstico definitivo com maior precisão.

O protocolo anestésico foi constituído por medicação pré-anestésica através da associação de acepromazina (0,04 mg/kg), dexmedetomidina (5 mcg/kg) e metadona (0,2 mg/kg) por via intramuscular. Após 20 minutos, procedeu-se com o acesso venoso, fluidoterapia e o preparo do sítio cirúrgico com tricotomia ampla da região envolvendo a neoformação. Como terapia de apoio foi instituído antibioticoterapia profilática com cefalotina (30 mg/kg), dipirona (25 mg/kg) e meloxicam (0,1 mg/kg) pela via intravenosa. A indução anestésica foi realizada com propofol (2 mg/kg), seguida pela manutenção anestésica com isoflurano em circuito inalatório fechado. 

Com o paciente posicionado em decúbito esternal, procedeu-se ao bloqueio local com infiltração de lidocaína (7 mg/kg), seguido de antissepsia cirúrgica com clorexidina 0,2% e álcool 70% e posicionamento do campo cirúrgico estéril. 

O acesso cirúrgico se deu por meio de uma incisão cutânea elíptica ao redor da neoformação com auxílio do eletrocautério, preconizando-se margens laterais de segurança, e subsequente divulsão do tecido subcutâneo.

Retirado a neoformação, foi realizado síntese de aproximação em três planos utilizando fio poliglactina 4-0, sendo o primeiro em padrão isolado simples, seguido por um padrão cushing abrangendo o subcutâneo e outro padrão cushing próximo a derme. Por fim, foi realizado dermorrafia em um padrão sultan com fio poliglactina 4-0. Curativo com cloridrato de rifocina, benjoim, gaze e micropore, indicado retirar apenas no dia seguinte.

 Após a recuperação anestésica, o paciente recebeu alta com a seguinte prescrição medicamentosa: Dipirona na dose de 25 mg/kg a cada 12 horas, durante três dias, para controle da dor; Meloxicam na dose de 0,1 mg/kg a cada 24 horas, durante quatro dias, para redução da inflamação; Mertiolate spray na ferida, a cada 12 horas, por 7 dias, com limpeza prévia com solução fisiológica a 0,2 % previamente.

No retorno para avaliação da ferida cirúrgica, o proprietário referiu animal em bom estado geral, normorrexia, normodipsia, normoúria e normoquezia, negou êmese ou diarreia, refere administrou medicações conforme prescrito. Em exame físico sem alterações, feridas cirúrgicas integras, sem deiscência, com discreta secreção crostosa em região dorsal. Foi orientado ao proprietário a realizar limpeza com soro fisiológico, gaze, aplicação de neomicina por 7 dias com posterior reavaliação para resultado de histopatológico.

Figura 2 – Retorno de pós-operatório em 21 dias em processo de cicatrização.

 No histopatológico foi constatado um fragmento cutâneo de formato arredondado, com superfície irregular e coloração pardacenta, medindo 1,2 x 1,0 x 0,5 cm. Exibindo formação séssil alopécica e de cor acastanhada, medindo 0,5 cm de diâmetro. Ao corte a consistência era firme, notou-se formação de superfície irregular e cor parda ora esbranquiçada, medindo aproximadamente 0,5 cm de diâmetro.

  Nos cortes histológicos corados em HE notou-se neoplasia dérmica e panicular densamente celular, parcialmente delimitada, não encapsulada e infiltrativa, composta por múltiplas formações foliculares císticas que são revestidas internamente por queratinócitos escamosos com ocasionais grânulos de queratohialina.  O arranjo celular é em ninhos neoplásicos infiltrativos multifocais.  As formações são preenchidas por queratina matrical, tricolemal e infundibular correspondendo à diferenciação de diferentes porções de folículo piloso. 

  As células neoplásicas exibem citoplasma variável: escasso nas células basalóides e moderado nas células escamosas. O núcleo é redondo a oval com cromatina vesicular e com um a dois nucléolos evidentes. O pleomorfismo celular é discreto a moderado e o índice mitótico é moderado (16 figuras em 10 campos/aumento de 400x). O estroma que sustenta é moderado fibrovascular contendo focos de infiltrado inflamatório misto multifocal intralesional. As margens cirúrgicas laterais estão livres e a margem cirúrgica profunda está estreita. Pele, região dorsal/lateral de coluna: quadro morfológico compatível com Tricoepiteliona maligno (bem diferenciado).

  Passados dez dias da intervenção cirúrgica, o paciente estava clinicamente bem apresentando cicatrização completa, permitindo a remoção dos pontos cutâneos. 

 Houve uma reavaliação após quatro meses com indicação para nova intervenção cirúrgica e desta forma ampliar a margem profunda, foi enviado o material histopatológico para avaliação oncológica e acompanhamento anual.

6.      Discussão 

  A incidência de tricoepitelioma foi relatada em diversas espécies, incluindo animais de companhia e seres humanos (WIENER, 2021). A ocorrência desta neoplasia em cães machos e especificamente na raça Husky Siberiano é considerada incomum, destacando a relevância do presente relato (GOLDSCHIMIDT & HENDRICK, 2002; OSWARD et al., 2021). Por outro lado, fêmeas de diversas espécies têm uma predisposição maior para o desenvolvimento de neoplasias foliculares (KARIMZADEH et al., 2018).

  As características histológicas intrínsecas ao tricoepitelioma, incluindo a presença de células basaloides, são consideradas critérios importantes para o diagnóstico (LEI et al., 2020). Em casos de malignidade, é possível observar acentuado pleomorfismo nuclear e mitoses atípicas, juntamente com potencial invasão linfática (WIENER, 2021), o que corrobora com o relato atual em relação ao pleomorfismo nuclear. Embora não tenham sido identificadas mitoses atípicas neste caso, sua ausência não exclui completamente essa possibilidade, embora em menor frequência. Além disso, a presença de grânulos trico-hialinos intracitoplasmáticos é uma característica importante em tricoepiteliomas malignos (WIENER, 2021).

  No que diz respeito à suspeita clínica de carcinoma de células escamosas (CCE), lesões que se assemelham à pele, apresentando uma placa eritematosa bem demarcada e úlceras persistentes ou feridas que não cicatrizam, são características frequentemente associadas aos tricoepiteliomas (WALDMAN et al., 2019). No entanto, à microscopia, os CCEs geralmente apresentam queratinócitos levemente abundantes e citoplasma rosa vítreo a eosinofílico, o que não foi observado nos achados histopatológicos deste caso, descartando a suspeita de CCE (PAREKH et al., 2017).

7.      Conclusão 

   O tricoepitelioma pode ser considerado um tumor benigno de baixa incidência em animais de companhia, mas também pode ser maligno e evoluir para carcinoma basocelular. Portanto, o diagnóstico precoce e a implementação de uma terapia adequada, incluindo a nodulectomia são essenciais para alcançar o sucesso terapêutico no caso relatado. Essa abordagem demonstra a importância da vigilância e do tratamento adequado para prevenir complicações decorrentes de potenciais transformações malignas em tumores cutâneos benignos e o uso de um planejamento cirúrgico adequado, além de margens livres são importantes para um bom prognostico. 

8.      Referencias Bibliográficas

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