RELATO DE CASO: HEMATOMA PERIRRENAL ESPONTÂNEO – SÍNDROME DE WUNDERLICH

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202410151523


Sadê Germano De Antônio E Silva; Thalita Ferrari Dos Santos; Thaynara Cristina De Freitas; Vanessa Guimarães Vilela; Prof. Dr. Paulo Henrique Oliveira Lage


1. Resumo 

A síndrome de Wunderlich (SW), também conhecida como Hematoma Perirrenal Espontâneo (HPE), é uma doença rara que se caracteriza por hemorragia espontânea nos espaços subcapsular e perirrenal. Apresentamos um caso de SW, no qual um paciente, com atraso no desenvolvimento, se apresentou espontaneamente no Pronto Socorro devido a dor em hipocôndrio direito associada a hiporexia, vômitos, palidez cutânea e taquicardia. A tomografia computadorizada evidenciou hematoma perirrenal volumoso à direita. Paciente evoluiu com instabilidade hemodinâmica, sendo necessário nefrectomia direita.

1.1 Abstract

Wunderlich syndrome (WS), also known as spontaneous perirenal hematoma (SPH), is a rare disease characterized by spontaneous hemorrhage in the subcapsular and perirenal spaces. We present a case of WS, in which a patient with developmental delay presented spontaneously to the medical center, due to pain in the right hypochondrium associated with hyporexia, vomiting, skin pallor and tachycardia. Computed tomography showed a large perirenal hematoma on the right. The patient evolved with hemodynamic instability, requiring right nephrectomy.

Palavras-chave: “Síndrome de Wunderlich”, “hematoma perirrenal espontâneo”, “nefrectomia”.

2. Introdução

A Síndrome de Wunderlich (SW), também conhecida como Hematoma Perirrenal Espontâneo (HPE), é uma doença rara, caracterizada por hemorragia espontânea nos espaços subcapsular e perirrenal (1) (2) (3). Foi descrita pela primeira vez em 1856, por Carl Reinhold August Wunderlich, como “apoplexia espontânea da cápsula renal” (2). Um total de 267 casos da doença foram notificados de 1985 a 2016, sendo que 102 casos foram descritos desde 2000 (4).

Possui um quadro clínico heterogêneo, que depende do grau e da duração da hemorragia (2). Pode manifestar-se com a “tríade de Lenk”, caracterizada por hematúria, dor abdominal e/ou lombar no flanco ipsilateral ao rim acometido e massa retroperitoneal palpável, além dos sinais clínicos de hemorragia aguda e instabilidade hemodinâmica de instalação súbita, por choque hipovolêmico (1) (3). Outros sintomas como náusea, vômitos, febre e anemia também podem estar presentes (2).

As etiologias não traumáticas mais comuns são os tumores renais sendo o carcinoma de células renais a principal etiologia maligna e o angiomiolipoma a principal etiologia benigna. Outras potenciais causas incluem doenças vasculares, como a poliarterite nodosa, aneurismas de artérias renais, malformações arteriovenosas e trombose venosa. Causas hematológicas como trombocitopenia, coagulopatias e hemorragia induzida por drogas (heparina, antiagregantes) também estão presentes, assim como as infecções, por exemplo, pielonefrite aguda e crônica e abscesso renal (3) (4). No caso apresentado neste trabalho, a causa do hematoma perirrenal espontâneo (HPE), de acordo com o laudo do exame anatomopatológico, foi uma pielonefrite aguda, e a tríade de Lenk não estava presente em sua totalidade. 

3. Descrição 

Paciente B.B.R., sexo masculino, 19 anos, procurou o atendimento médico acompanhado do avô, com queixa de dor lombar à direita, associada a hiporexia e vômitos. Relatou também urina com odor fétido, poliúria e incontinência urinária há 3 meses. Nega trauma.

Ao exame físico, apresentava bom estado geral, estável hemodinamicamente, saturação de O2 100% em ar ambiente. Abdome flácido, levemente doloroso à palpação em hipocôndrio direito e ruídos hidroaéreos presentes.

Foram solicitados exames laboratoriais e de imagem.

No hemograma, foi evidenciado hemoglobina de 8,1 g/dL, e a tomografia computadorizada de abdome revelou hematomas parenquimatosos, volumoso hematoma subescapular no rim direito, área de hiporrealce do parênquima no terço médio da região anterior do rim contralateral, moderada quantidade de líquido livre na cavidade abdominal e derrame pericárdico de pequeno volume.

Após a coleta da urocultura e início da antibioticoterapia, o paciente ficou internado na enfermaria, já que encontrava-se completamente estável hemodinamicamente. No segundo dia de internação, apresentou queda da hemoglobina para 7,5 g/dL. Devido ao risco de instabilização hemodinâmica, foi encaminhado ao CTI, e recebeu uma bolsa de concentrado de hemácias. O paciente manteve-se com boa evolução e permaneceu estável por algumas horas. Posteriormente, apresentou palidez cutânea, dor abdominal e frequência cardíaca de 140 bpm, sendo encaminhado ao centro cirúrgico para realização de nefrectomia de urgência, com incisão subcostal direita. Foi evidenciado um grande hematoma perirrenal se estendendo até a pelve e um sangramento ativo vindo do interior do rim direito.

O paciente teve o seu pós-operatório no CTI. Evoluiu com estabilidade hemodinâmica, permitindo, então, a realização da ressonância magnética para avaliação do rim contralateral, que se encontrava com diminuição da captação do contraste na TC inicial. O resultado da RNM evidenciou redução do hematoma e trombose da veia renal esquerda com áreas de isquemia. A equipe de cirurgia vascular foi acionada, e a anticoagulação instituída. Paciente recebeu alta hospitalar no sexto dia de pós operatório, com uso de enoxaparina e encaminhamento ambulatorial para a urologia e a cirurgia vascular.

Figura 1: Tomografia computadorizada de abdome mostrando grande hematoma perirrenal a direita.

Figura 2: Peça cirúrgica (rim direito)

4. Discussão 

A Síndrome de Wunderlich é um fenômeno raro, caracterizado pelo início agudo e espontâneo de hemorragia nos espaços subcapsular e perirrenal. Os sinais clínicos são diversos, e dependem do grau e duração da hemorragia. Os sintomas característicos da tríade de Lenk são: dor abdominal e/ou lombar intensa, massa retroperitoneal e sinais de hemorragia aguda (2) (5).

A etiologia da hemorragia perirrenal é ampla, das quais são citadas na literatura os tumores benignos, como angiomiolipomas, mielolipomas, adenoma e hamartoma; tumores malignos, incluindo carcinoma renal, sarcoma e tumor metastático; além de causas hematológicas, vasculares e infecciosas. Das causas infecciosas, são mencionados o abscesso renal e a pielonefrite, sendo esta última a causa base do relato de caso deste estudo (5).

Para fins diagnósticos, a tomografia computadorizada de abdome é um exame com boa acurácia para o hematoma perirrenal típico da Síndrome de Wunderlich. Este método permite a visualização da área acometida, densidade e possível causa implícita no sangramento. A ressonância magnética também pode auxiliar no diagnóstico (5) (1).

No caso relatado, a tomografia computadorizada foi o exame radiológico que possibilitou o diagnóstico devido a imagem do hematoma e sinais de quadro infeccioso – a pielonefrite, que posteriormente evoluiu para hemorragia perirrenal e instabilidade hemodinâmica, já que as culturas no paciente se mostraram negativas. Assim, para fins diagnósticos e terapêuticos, a radiologia mostrou-se essencial para o caso, principalmente a tomografia. 

Como métodos terapêuticos do hematoma renal, dois principais são relatados na literatura: a nefrectomia e a arteriografia com embolização seletiva ou não seletiva. A nefrectomia está comumente indicada para pacientes em que a origem do sangramento não é identificada e o rim contralateral não apresenta alterações, enquanto a arteriografia com embolização mostrou-se eficaz na grande maioria dos pacientes com hemorragia renal aguda por etiologias desconhecidas (5) (3) (2).

Paciente teve acompanhamento semelhante a quadro de trauma renal apesar do mesmo ter negado história de trauma. Na vigência de instabilidade hemodinâmica, foi submetido à nefrectomia direita. Após a cirurgia, evoluiu bem, com excelente resposta às medidas de suporte, e segue em acompanhamento ambulatorial de urologia e cirurgia vascular. A cirurgia é uma das modalidades terapêuticas e que se mostrou necessária no caso exposto, como forma de preservar a vida do paciente, tendo este, boa evolução clínica. 

5. Conclusão 

Diante do caso exposto, conclui-se que a Síndrome de Wunderlich é uma doença rara e de difícil diagnóstico devido a sua apresentação clínica diversa. O paciente pode evoluir rapidamente para instabilidade hemodinâmica em virtude do sangramento. Por essa razão, é fundamental a frequente monitorização hemodinâmica, dosagem de hemoglobina seriada, além da realização de exame clínico completo e de exames de imagem, sendo a tomografia computadorizada e a ressonância magnética essenciais para o diagnóstico e escolha do tratamento.  O tratamento deve ser individualizado conforme etiologia da síndrome e com o paciente internado em CTI. 

6. Referências

Antoine Jean Zgheib; Elias Gerges Mansour; Joe Nohra Nohra. (Julho de 2021). Um caso de síndrome de Wunderlich induzida por colonoscopia em um paciente em hemodiálise: coincidência ou associação? Braz. J. Nephrol.

Fernando Tebet; Marina Lopes; Pedro Vaz Duarte; Luciana Farjoun; José Luiz Telles; Rivaldo Tavares; Gaudencio Espinosa. (2016). Hematoma perirrenal espontâneo (Síndrome de Wünderlich) pós-arteriogradia diagnóstica. Relatos de casos cirúrgicos , 1, pp. 1-5.

Henrique Cezar Lancuna; Leonardo Pereira Robleto; Carlos Henrique Mascarenhas Silva. (2021). Acesso em 2 de Junho de 2022, disponível em Brad Cases : https://brad.org.br/pt/Cases/CaseDetails/207#:~:text=O%20hematoma%20renal%20subcapsular%20espont%C3%A2neo,f%C3%A1scia%20de%20Gerota)%20e%20perirrenal

Pedro Oliveira; , Paulo Torres-Ramalho; Luis Lopes. (Abril de 2017). Síndrome de Wunderlich, uma causa rara de dor abdominal. Galicia Clínica, 4, pp. 175-177.

Pytlewski Adam; Siwek Mateusz; , Leszek Drabik; Delikat Miłosz; Śmietana Dawid; Ewa Sobieraj; Paweł Iwaszczuk; Adam Mazurek; Wojciech Płazak. (2019, 4). Wunderlich’s syndrome associated with anticoagulant treatment, heart failure, and post¬-radiation vasculopathy (RCD code: I¬O). Journal Of Rare Cardiovascular Diseases , 2.