REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8079733
Isabella Resende dias Matos1
Pedro Henrique Quintão Paiva1
Gláucia Aparecida de Souza Pinto2
Resumo: O presente artigo descreve o diagnóstico de megaesôfago e pneumonia por broncoaspiração em um cão da raça Labrador Retriever. Foram realizados exames radiográficos simples e contrastados utilizando sulfato de bário para avaliar o esôfago e identificar possíveis complicações pulmonares. Os resultados radiográficos confirmaram a presença de dilatação esofágica e deslocamento ventral da traquéia, características comuns em pacientes com megaesôfago. Além disso, foi evidenciada a presença de pneumonia por broncoaspiração. O artigo ressalta a importância do diagnóstico precoce do megaesôfago, bem como o tratamento adequado das complicações pulmonares para melhorar a qualidade de vida do animal.
Palavras-chave: megaesôfago, radiografia, canino, pneumonia por broncoaspiração, Labrador Retriever
Abstract: This article describes the diagnosis of megaesophagus and bronchoaspiration pneumonia in a Labrador Retriever dog. Simple and contrast radiographic examinations using barium sulfate were performed to evaluate the esophagus and identify potential pulmonary complications. The radiographic results confirmed the presence of esophageal dilation and ventral displacement of the trachea, which are common characteristics in patients with megaesophagus. Additionally, bronchoaspiration pneumonia was evident. The article emphasizes the importance of early diagnosis of megaesophagus, as well as appropriate treatment of pulmonary complications, to improve the animal’s quality of life.
Keywords: megaesophagus, bronchoaspiration pneumonia, Labrador Retriever, radiography, early diagnosis, treatment.
1. INTRODUÇÃO
O megaesôfago é caracterizado pela falta total ou parcial de atividade nervosa dentro do esôfago (Tanaka et al., 2010; Torres, 1997). Esse comprometimento da motilidade resulta na dilatação do órgão devido ao acúmulo de líquidos e alimentos em seu lúmen, uma vez que os movimentos peristálticos são ineficientes (Tilley & Smith, 2015).
O estímulo para o movimento peristáltico esofágico ocorre quando o alimento entra em contato com a mucosa do esôfago, sendo captado pelos neurônios aferentes que transmitem esse estímulo sensorial ao sistema nervoso central, mais especificamente ao centro de deglutição. Através de vias neurais motoras, o impulso é conduzido para a musculatura do esôfago, desencadeando as contrações necessárias para o movimento do alimento. Qualquer alteração nessas vias pode levar ao desenvolvimento do megaesôfago (Tilley & Smith, 2015).
O megaesôfago pode ser classificado como congênito ou adquirido, funcional ou mecânico (WATROUS, 2010). Existe uma predisposição familiar para o desenvolvimento do megaesôfago idiopático congênito (JOHNSON; SHERDING, 2003). As causas do megaesôfago podem incluir anomalias do anel vascular, estenose ou obstrução, esofagites e herniação do estômago (O’BRIEN, 2001). A miastenia grave, a polimiosite, a polineurite, o hipoadrenocorticismo, o hipotireoidismo e a deficiência de tiamina podem ser causas de megaesôfago secundário (TANAKA, 2010).
A regurgitação é a manifestação clínica mais frequente no caso de megaesôfago (Tanaka et al. 2010; Torres 1997). Geralmente, a regurgitação ocorre logo após a alimentação, mas também pode ocorrer algumas horas depois (Crivellentin & Borin-Crivelletin, 2015). Quando o megaesôfago tem origem congênita, os primeiros sinais clínicos se tornam evidentes logo após o desmame, quando a introdução de alimentos sólidos é realizada. Os animais afetados apresentam regurgitação e um baixo grau de desenvolvimento corporal (Tilley & Smith, 2015).
O sistema respiratório também pode ser afetado de forma secundária, pois, com a baixa motilidade do esôfago pode levar ou acarretar uma broncopneumonia por aspiração, e para diagnosticar essa hipótese um dos sinais clínicas mais relatados é a presença de tosse e sinais de traqueíte (Nelson & Couto, 2015). Também pode ser observada a presença de secreção mucopurulenta e achados auscultatórios pulmonares anormais, que são sugestivos de pneumonia aspirativa (Tanaka et al. 2010; Torres 1997). Vale ressaltar que a pneumonia aspirativa é considerada a causa mais comum de óbito nesses casos (Nelson & Couto, 2015).
O diagnóstico do megaesôfago começa com o exame clínico, incluindo o histórico relatado pelo tutor do animal e a realização da anamnese pelo médico veterinário. A regurgitação é o sinal clínico mais frequentemente relatado pelos tutores (Willard, 2010). No entanto, quando os sinais clínicos são sutis e ocorrem em intervalos espaçados, o diagnóstico clínico pode ser comprometido, tornando-se necessário o uso de recursos adicionais (Janssens, 2008).
Após o exame clínico, torna-se necessário realizar exames radiográficos, tanto simples como contrastados (Nelson & Couto, 2015). Os exames radiográficos são importantes para avaliar a estrutura do esôfago, identificar dilatação anormal, presença de estreitamentos ou obstruções, e avaliar a motilidade esofágica. Radiografia simples da região cervical e torácica é indispensável quando há suspeita de megaesôfago. Geralmente, a traqueia encontra-se deslocada ventralmente devido à dilatação do esôfago. Na região torácica, além das alterações esofágicas, também é possível visualizar as estruturas respiratórias, uma vez que cães com megaesôfago frequentemente apresentam complicações pulmonares, especialmente pneumonia aspirativa. Os exames contrastados, como a esofagografia, podem fornecer informações adicionais sobre a função esofágica e ajudar a confirmar o diagnóstico de megaesôfago. Portanto, os exames radiográficos são essenciais para auxiliar no diagnóstico definitivo, determinar o grau de comprometimento do esôfago e avaliação das complicações associadas ao megaesôfago, contribuindo para um plano de tratamento adequado (Washabau 2003).
Em situações em que há incertezas no diagnóstico, o recomendado é a realização de esofagografia utilizando sulfato de bário ou contraste contendo iodo. O contraste mais comumente utilizado é o sulfato de bário, pois adere facilmente ao esôfago. Após a administração, o sulfato de bário se mistura com o alimento, facilitando a visualização da dilatação do esôfago durante a radiografia. Em casos de suspeita de lesão ou perfuração do esôfago, é indicado o uso de contraste iodado, uma vez que o contraste de bário pode levar a uma inflamação na caixa torácica (Spillmann, 2007).
No caso do megaesôfago primário, onde não há cura ou tratamento clínico eficaz para resolver a dificuldade de alimentação, o tratamento dietético é recomendado (Nelson & Couto, 2015). O manejo dietético consiste em fornecer uma dieta rica em calorias, sendo oferecida com mais frequência e em porções menores. A consistência dos alimentos é algo subjetivo, pois alguns cães respondem melhor a alimentos secos, enquanto outros preferem uma consistência mais líquida (Nelson & Couto, 2015).
É extremamente importante que a alimentação seja realizada em uma posição elevada, de modo que a força da gravidade auxilie no movimento do alimento. O paciente deve ser posicionado em pé sobre suas patas traseiras, em uma postura bípede, para que o esôfago cervical e torácico fiquem alinhados verticalmente. Para facilitar, o cão pode ser apoiado em uma superfície elevada, como uma pilastra, mantendo suas patas dianteiras elevadas e evitando que ele caia. Após a alimentação, o animal deve ser mantido nessa posição por cerca de 5 a 10 minutos. Outra opção é utilizar uma escada que permita que o animal fique inclinado em um ângulo mínimo de 45 graus durante a alimentação (Nelson & Couto, 2015).
2. Relato de caso:
Um Labrador Retriever aos 13 anos foi encaminhado para clínica de diagnóstico de imagem, após apresentar sinais clínicos de megaesôfago e suspeita de pneumonia. Desta forma, realizou exames radiográficos simples e contrastados nas projeções latero-lateral direito e ventro dorsal com o objetivo de avaliar de forma detalhada a região cervical ventral e torácica.
Contudo, após 1 ano e 2 meses o paciente desenvolveu um quadro de tosse e, portanto, foi solicitado uma nova esofografia para verificar a evolução do megaesôfago.
Estes exames radiográficos foram contrastados com a administração de sulfato de bário via oral na dose de 3ml/kg do animal.
3. Resultados
No primeiro exame radiográfico realizado, observou-se um desvio ventral da traqueia associado a uma quantidade discreta de gás delimitando uma dilatação esofágica. (Figura 1). As alterações apresentadas são comumente encontradas em pacientes com o diagnóstico de megaesôfago (O’Brien, 2001).
Figura 1 – Radiografia latero-lateral direita do paciente, evidenciando dilatação esofágica com deslocamento traqueal (ventral).
Fonte: Próprio Autor
Visualizou-se aumento de radiopacidade em lobo médio direito, evidenciado na projeção ventrodorsal com evidência de padrão alveolar, com broncograma aéreo, sugerindo a ocorrência de pneumonia. Demais campos pulmonares apresentando evidenciação do padrão broncointersticial difuso com espaçamento de algumas paredes bronquiais (Figura 2). Pacientes com diagnóstico de megaesôfago tendem a desenvolver pneumonia broncoaspirativa (Thrall, 2014).
Figura 2 – Radiografia ventrodorsal evidenciando padrão alveolar com broncograma aéreo em lobo médio direito.
Fonte: Próprio Autor
Identificou-se após a administração de contraste discreta marcação na mucosa do órgão em segmento cervical. Presença de moderada quantidade de contraste no esôfago em segmento torácico, demonstrando dilatação moderada do órgão medindo aproximadamente 3,60 cm de diâmetro (Figura 3).
Figura 3 – Radiografía latero-lateral direita contrastada, evidenciando o megaesofago.
No segundo exame solicitado, foi observado um deslocamento ventral da traquéia, principalmente em seu segmento torácico terminal, conforme citado anteriormente, sendo um aspecto comum, pois a dilatação do esôfago faz com que a traqueia possa sofrer alterações em seu trajeto. Observa-se ainda, moderada dilatação do esôfago em porção torácica por conteúdo gasoso com a presença de duas estruturas radiopacas de aspecto ovalado, suspeitando de conteúdo alimentar. O megaesôfago resulta na diminuição ou completa ausência da motilidade e consequente função do esôfago, ocasionando a sua dilatação (Figura 6 e 7) e gerando uma retenção alimentar em seu lúmen (Figura 4), resultando em regurgitação (Charles, 2015).
Figura 4 – Radiografia latero-lateral direita evidenciando dilatação esofágica com deslocamento traqueal (ventral) com estrutura radiopacas ovaladas em seu lúmen.
Fonte: Próprio Autor.
Em exame contrastado visibilizou discreta demarcação do contraste na mucosa esofágica cervical e moderada a grande em segmento esofágico torácico demonstrando dilatação do órgão que mede aproximadamente 7,13 cm em seu maior diâmetro mensurado. (Figura 5 e 6). Sendo visibilizado de forma clara em projeção ventro-dorsal (Figura 7).
Figura 5 – Radiografia latero-lateral direita contrastada, evidenciando o megaesofago em porção cervicotorácica. Figura 6 – Radiografias latero-lateral direita contrastadas, evidenciando o megaesofago em porção torácica. Figura 7 Radiografia ventrodorsal contrastada, com esofograma.
Fonte: Próprio Autor.
No caso do paciente descrito acima, foi evidenciado de forma clara o megaesôfago e como consequência uma pneumonia por aspiração no primeiro exame realizado, e no segundo exame podemos observar um discreto aumento no megaesôfago, recomendando ao tutor o acompanhamento radiográfico em permanência ou piora da tosse, e/ou segundo critério do clínico veterinário responsável.
4. Conclusão
Pode-se concluir que a radiografia é um dos principais métodos para o diagnóstico do megaesôfago e de extrema importância, pois, além de comprovar a dilatação do mesmo com o exame contrastado, pode-se ainda observar as possíveis complicações como as pneumonias por broncoaspiração, que podem levar o animal a óbito se não tratadas de forma rápida e correta. Desta forma o diagnóstico precoce é de suma importância para a qualidade de vida do animal.
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1Centro Universitário UNA
2Centro Universitário de Belo Horizonte – Unibh