RELATO DE CASO: APRESENTAÇÃO DA SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ COM VARIANTE MILLER FISHER EM PACIENTE JOVEM COM INFECÇÃO VIRAL POR MAYARO. 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202502261653


Leociane Lima Correa1 


RESUMO 

A síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma condição autoimune caracterizada por uma polirradiculopatia desmielinizante inflamatória aguda. Se divide em quatro variantes distintas com base em sua fisiopatologia: neuropatia axonal sensitivo-motora (NASMA), neuropatia axonal motora aguda (NAMA), polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda clássica (PDIA) e síndrome de Miller Fisher (SMF), sendo a última definida pela presença da tríade clínica composta por ataxia, arreflexia e oftalmoplegia. O presente estudo tem como objetivo relatar a Síndrome Guillian Barré com variante Miller Fisher, com líquor normal e exposição prévia ao Mayaro vírus em um paciente jovem. Paciente de 17 anos, sexo masculino, previamente hígido, foi internado na Fundação Hospital Adriano Jorge em Manaus-Am em abril de 2024, devido a um quadro de tetraparesia flácida associada a arreflexia distal nos MMII, com comprometimento dos pares cranianos (IX e X), diplopia e ataxia da marcha. A análise do líquor somente foi realizada 3 semanas após o início do quadro clínico, quando o paciente foi internado na referida Fundação, com resultado normal. Realizou então exame de eletroneuromiografia dos 4 membros com achados compatíveis com Síndrome de Guillain Barré. Levando em consideração os achados na história clínica, no exame físico e nos exames complementares foi realizado exames adicionais como sorologias que vieram negativas e pesquisa de arboviroses, o paciente testou positivo para Mayaro, não foi possível realizar teste de sorologia para anticorpos anti-GQ1b que é positivo em mais de 90% na variante Miller Fisher, devido a impossibilidade de o mesmo não ser de ampla disponibilidade no cenário atual da referida Fundação. Paciente recebeu alta com melhora geral do quadro clínico após uso de imunoglobulina 2g/Kg com infusão dividida em 5 dias seguindo acompanhamento ambulatorial. Este caso ilustra a interação entre infecções virais e o sistema nervoso periférico e central, destacando a importância do diagnóstico diferencial e da abordagem terapêutica personalizada. A infecção por vírus Mayaro pode ter desencadeado a Síndrome de Guillain-Barré, ressaltando a necessidade de vigilância clínica em áreas endêmicas e a importância da imunoglobulina no tratamento da SGB. 

Palavras-chave: Síndrome Guillian-Barre; Miller Fisher; Mayaro 

ABSTRACT 

Acute Inflammatory Demyelinating Polyradiculopathy. It is divided into four distinct variants based on its pathophysiology: Sensory-Motor Axonal Neuropathy (SMAN), Acute Motor Axonal Neuropathy (AMAN), Classic Acute Inflammatory Demyelinating Polyradiculoneuropathy (AIDP), and Miller Fisher Syndrome (MFS), with the latter defined by the presence of the clinical triad consisting of ataxia, areflexia, and ophthalmoplegia. This study aims to report a case of Guillain-Barré Syndrome with the Miller Fisher variant, with normal cerebrospinal fluid (CSF) and previous exposure to Mayaro virus in a young patient. A 17-year-old male patient, previously healthy, was admitted to the Fundação Hospital Adriano Jorge in Manaus-Am in April 2024 due to a clinical picture of flaccid tetraparesis associated with distal areflexia in the lower limbs, cranial nerve involvement (IX and X), diplopia, and gait ataxia. CSF analysis was performed only three weeks after the onset of the clinical symptoms, when the patient was admitted to the hospital, and the result was normal. The patient then underwent electromyoneurography of all four limbs, with findings consistent with Guillain-Barré Syndrome. Considering the clinical history, physical examination, and complementary exams, additional tests were performed, such as serologies that came back negative, and an arbovirus screening, with the patient testing positive for Mayaro virus. It was not possible to perform an anti-GQ1b antibody test, which is positive in more than 90% of Miller Fisher variant cases, due to the lack of availability of the test at the hospital. The patient was discharged with overall clinical improvement after receiving 2g/Kg of immunoglobulin, administered in five days, followed by outpatient follow-up. This case illustrates the interaction between viral infections and the peripheral and central nervous system, highlighting the importance of differential diagnosis and personalized therapeutic approaches. Infection with the Mayaro virus may have triggered Guillain-Barré Syndrome, emphasizing the need for clinical surveillance in endemic areas and the importance of immunoglobulin in the treatment of GBS. 

Keywords: Guillain-Barré syndrome; Miller Fisher; Mayaro 

INTRODUÇÃO 

A síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma condição autoimune caracterizada por uma polirradiculopatia desmielinizante inflamatória aguda. A sua incidência global oscila entre um a quatro casos para cada 100 mil habitantes, com maior prevalência na faixa etária entre 20 e 40 anos. Essa síndrome se divide em quatro variantes distintas com base em sua fisiopatologia: neuropatia axonal sensitivo-motora (NASMA), neuropatia axonal motora aguda (NAMA), polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda clássica (PDIA) e síndrome de Miller Fisher (SMF)(1).  

A Síndrome de Miller Fisher (SMF) é definida pela presença da tríade clínica composta por ataxia, arreflexia e oftalmoplegia. A queixa mais frequentemente relatada entre os pacientes é a diplopia, com uma incidência que varia de 39% a 78%, seguida pela ataxia, que ocorre em 21% a 34% dos casos. Os nervos cranianos também podem ser comprometidos, sendo o nervo facial (sétimo nervo) o mais afetado. Ademais, cerca de 33% dos pacientes podem apresentar fraqueza nos membros superiores ou inferiores(2). 

Normalmente, os sinais da SMF surgem dentro de duas semanas após um episódio de infecção respiratória ou digestiva, com associações a algumas bactérias, como Campylobacter jejuni, Haemophilus influenzae e Mycoplasma pneumoniae, além de vírus como Epstein-Barr (EBV) e citomegalovírus (CMV). O diagnóstico da SMF se fundamenta na suspeita clínica, acompanhada de exames complementares, que podem incluir a análise do líquido cefalorraquidiano (LCR), ressonância magnética (RM) e exames para identificação de anticorpos antigênicos, sendo o anti-GQ1b um marcador diretamente relacionado à SMF(3,4). O presente estudo tem como objetivo relatar a Síndrome Guillian Barre com variante Miller Fisher, com líquor normal e positivo para Mayaro em um paciente jovem de 17 anos. 

RELATO DE CASO 

Paciente de 17 anos, sexo masculino, natural e procedente de Terra Santa (PA), previamente hígido procurou atendimento no posto de saúde em Terra Santa (PA), sendo posteriormente orientado a procurar atendimento na  Fundação Hospital Adriano Jorge em Manaus (AM) em abril de 2024 para investigação e seguimento clínico devido a quadro agudo de início há 3 semanas antes da internação com perda de força MMII progressiva e ascendente e que progrediu após uma semana para MSS, com limitação das atividades diárias e cada vez mais comprometimento na deambulação. Além disso, paciente referia dispneia em repouso, visão dupla na movimentação à esquerda e dificuldade para deambular. Paciente apresentando quadro clínico compatível com Síndrome de Guillain Barré com variante Miller Fisher (Síndrome do segundo neurônio motor: Tetraparesia flácida + Arreflexia distal nos MMII + Alterações nos pares cranianos (IX e X) + Ataxia). 

Durante a avaliação do paciente foi evidenciado ao exame físico perda de força em MMSS e MMII, ataxia de marcha, arreflexia patelar, ausência de reflexo Aquileu e diplopia. Sendo assim, paciente realizou análise de líquor 3 semanas após o início do evento e com resultado de liquor com características normais, não mostrou dissociação proteíno-citológico com concentração de proteínas (33.1mg/dl) e presença de zero células, realizou ainda eletroneuromiografia com achados compatíveis de Síndrome de Guillain Barré. Levando em consideração os achados na história clínica, no exame físico e nos exames complementares foram realizados exames adicionais como sorologias, que vieram negativas e pesquisa de arboviroses, o paciente testou positivo para Mayaro, não foi possível realizar teste de sorologia para anticorpos anti-GQ1b que é positivo em mais de 90% na variante Miller Fisher, devido a impossibilidade de o mesmo não ser de ampla disponibilidade no cenário atual da referida Fundação. Paciente recebeu alta com melhora geral do quadro clínico após uso de imunoglobulina 2g/Kg com infusão dividida em 5 dias e sessões de fisioterapia seguindo acompanhamento ambulatorial. 

DISCUSSÃO 

Este caso descreve um paciente de 17 anos, previamente saudável, que apresentou um quadro clínico compatível com a Síndrome de Guillain-Barré (SGB), variante Miller Fisher. O paciente testou positivo para o vírus Mayaro, uma infecção arboviral que é endêmica em certas regiões do Brasil, incluindo a Amazônia. A associação entre a infecção pelo vírus Mayaro e a SGB não é frequentemente encontrada na literatura(5,6).  

A Síndrome de Guillain-Barré é uma neuropatia periférica aguda caracterizada por fraqueza muscular progressiva e arreflexia. Sua patogênese é autoimune, geralmente desencadeada por infecções prévias. A variante Miller Fisher é uma forma rara da SGB, que se manifesta com a tríade clássica de oftalmoplegia, ataxia e arreflexia. Essa condição afeta principalmente os nervos cranianos e está associada à presença de anticorpos que atacam gangliosídeos, como o GQ1b, desempenhando um papel importante na sua origem. O paciente em questão apresentava tetraparesia flácida, arreflexia distal de MMII, ataxia de marcha e diplopia, corroborando o diagnóstico de variante Miller Fisher(7).  

No que tange às infecções prévias, o paciente em questão possuía diagnóstico de infecção pelo vírus Mayaro. A infecção por Mayaro é uma arbovirose que evolui com sintomas que geralmente incluem febre, mialgia, artralgia, e manifestações cutâneas. Embora a associação entre infecção por arbovírus e SGB seja bem documentada para vírus como o Zika e o Dengue, poucos estudos têm explorado a relação com o Mayaro. Neste caso, a cronologia dos eventos, seguida de sintomas neurológicos e o teste positivo para Mayaro sugerem um papel potencial do vírus no desenvolvimento da síndrome (8,9). 

Quanto aos exames complementares que podem ser realizados na suspeita da síndrome de Miller-Fisher, a análise liquórica e eletroneuromiografia são bem estabelecidas como exames complementares importantes na literatura. No paciente, o exame do líquido cefalorraquidiano, realizado três semanas após o início dos sintomas, revelou características normais, o que não exclui o diagnóstico, considerando que a dissociação albuminocitológica pode não estar presente em todos os casos ou pode demorar para se manifestar. A eletroneuromiografia mostrou achados compatíveis com a Síndrome de Guillain-Barré, reforçando a hipótese diagnóstica(10). 

O tratamento da síndrome Guillain-barré é realizado através da administração de imunoglobulina intravenosa (IVIG) que constitui a terapia de primeira linha, modulando a resposta autoimune e acelerando a recuperação. A plasmaférese é uma alternativa que remove anticorpos patogênicos, promovendo melhorias neurológicas. Além disso, a fisioterapia e a reabilitação são cruciais para restaurar a força muscular e a coordenação motora. Para pacientes com infecções virais concomitantes, como o vírus Mayaro, é importante o manejo das complicações neurológicas. A monitorização contínua e o acompanhamento ambulatorial são essenciais para avaliar o progresso, identificar possíveis recidivas e ajustar o tratamento conforme necessário(10). 

CONCLUSÃO 

Este caso ilustra a interação entre infecções virais e o sistema nervoso, destacando a importância do diagnóstico diferencial e da abordagem terapêutica personalizada. A infecção por vírus Mayaro pode ter desencadeado a Síndrome de Guillain-Barré, ressaltando a necessidade de vigilância clínica em áreas endêmicas e a importância da imunoglobulina no tratamento da SGB. Além disso, evidencia a relevância de considerar infecções virais emergentes como possíveis gatilhos para síndromes autoimunes, especialmente em pacientes com sintomas neurológicos após infecções. 

REFERÊNCIAS 

  1. Vitória Teixeira Cavalcante M, Franciely de Lima Pimentel E, Gomes de Mendonça Marinho J, Cesar de Amorim Ferreira J, Thallisson Nascimento Azevedo R, Henryque Ferreira Ekert M. revisão de literatura: progressão da síndrome de Miller Fisher. 2019;  
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1Fundação Hospital Adriano Jorge