RELAÇÃO ENTRE INFECÇÃO CONGÊNITA PELO ZIKA VÍRUS E A EPIDEMIA DE MICROCEFALIA

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11510318


Aline Casarin dos Santos
Ana Beatriz Bonifacio Siqueira
Júlia dos Santos Carvalho
Priscila Lingiardi Ramos Moura


RESUMO

A relação entre a infecção congênita pelo Zika Vírus e a epidemia de microcefalia foi um assunto de grande preocupação durante o surto que ocorreu entre 2015 e 2016, na América Latina, especialmente no Brasil. O Zika Vírus é transmitido principalmente pela picada de mosquitos do gênero Aedes, com destaque para o Aedes aegypti. A infecção por esse vírus, em geral, causa sintomas leves em adultos, como febre, erupções cutâneas, dores nas articulações, dor e coceira nos olhos. A microcefalia, por sua vez, é uma condição congênita na qual os bebês nascem com a cabeça e o cérebro menores do que o esperado para a idade gestacional. Essa condição pode resultar em diversos problemas de saúde e desenvolvimento, incluindo atrasos cognitivos e motores, convulsões, dificuldades de alimentação e problemas de visão e audição. Durante a epidemia, observou-se um aumento alarmante nos casos de microcefalia em bebês nascidos de mães que foram infectadas pelo Zika Vírus durante a gravidez, reforçando a ligação entre a infecção e a condição, como evidenciado pela detecção do vírus em tecidos cerebrais de bebês afetados. Desta forma, o objetivo deste estudo foi investigar na literatura, evidências da associação entre a infecção pelo Zika Vírus durante a gestação e o aumento do risco de microcefalia e outras malformações congênitas. A busca de artigos, se deu entre os publicados de 2015 a 2024, nas bases de dados eletrônicas Scientific Electronic Library Online (SciELO) e PubMed, utilizando as palavras-chave: vírus da febre Zika, microcefalia, gravidez, epidemia, patologia. Manuais da Organização Mundial da Saúde (OMS), sites do governo brasileiro, principalmente Ministério da Saúde (MS) e boletins epidemiológicos, também foram consultados para obtenção de dados complementares. Oito estudos se mostraram bem informativos evidenciando a relação entre a infecção congênita pelo Zika Vírus e as anormalidades no adesenvolvimento da microcefalia. Ao término do estudo foi concluído que a relação entre a infecção durante a gestação e a microcefalia e outras anomalias está bem esclarecida. Estudos diversos comprovaram a relação através de análises por RT-PCR, ELISA, exames de imagem, histopatologia e imunohistoquímica. Sabendo da presença do vírus em território nacional e do imenso desafio que é o controle do vetor Aedes aegypti, é indispensável manter a vigilância e monitoramento do ZIKV, mesmo com o número de casos notificados decaindo a possibilidade de novos surtos não é descartada.

PALAVRAS-CHAVE: Vírus da febre Zika. Microcefalia. Gravidez. Epidemia.

INTRODUÇÃO

A Zika é considerada uma arbovirose causada pelo vírus Zika (ZIKV). O agente é um flavivírus da família Flaviviridae, assim como os agentes causadores da Dengue e da Chikungunya (SOUSA et al., 2018). A forma de transmissão mais frequente no Brasil é vetorial, através de picadas dos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus, no entanto a forma vertical também é relatada (GARCIA, 2018; SOUSA et al., 2018).

A doença pode cursar de forma assintomática, mas os principais sintomas são: febre, cefaléia, edema, mal-estar, dores e coceira nos olhos, exantema e dores articulares, descritas como intensas. Alguns dos sintomas são observados também na Dengue e Chikungunya, no entanto, o Zika vírus pode levar a complicações neurológicas mais severas (GARCIA, 2018).

A infecção em gestantes pelo ZIKV pode causar uma série de alterações no desenvolvimento do feto, sobretudo no primeiro trimestre de gestação levando a anomalias no desenvolvimento do sistema nervoso central. O grau de severidade das anomalias congênitas está ligado ao período gestacional em que a mãe é infectada (EICKMANN et al., 2016) e sua transmissão se dá por via transplacentária, ou através do canal vaginal no momento do parto. 

Como resultado da infecção, o bebê pode desenvolver alterações motoras, visuais, auditivas, e uma série de malformações cerebrais como hidrocefalia e microcefalia. Ao exame físico o bebê pode demonstrar falta de proporção craniofacial, sinal característico de microcefalia. As alterações variam de acordo com a área de acometimento do cérebro, mas em geral as crianças sofrem com irritabilidade, excitabilidade e são altamente suscetíveis a crises de epilepsia (BRASIL, 2016; EICKMANN et al., 2016). 

A partir de agosto de 2015 começou a ser testemunhado um aumento significativo no número de casos de microcefalia em recém-nascidos em Recife. Diante deste fato, a Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco comunicou o Ministério da Saúde sobre a ocorrência de uma nova epidemia em curso em outubro do mesmo ano. O Ministério da Saúde, por sua vez,  notificou  a Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a situação que vinha ocorrendo no Brasil. Já em novembro, foi decretado estado de emergência de saúde pública nacional, e 3 meses depois, em fevereiro de 2016 a OMS declarou emergência em saúde pública internacional. A cronologia dos eventos citados é apresentada na figura 1 (BRASIL, 2015; OPAS, 2015; GARCIA, 2018).

 Figura 1. – Cronologia da epidemia de ZIKV.

Fonte: Brasil, 2015 a, 2023.

A microcefalia não constitui uma condição patológica em si mesma, mas sim um indicador de subdesenvolvimento ou lesão cerebral, podendo ser categorizada como primária (originada por fatores genéticos, cromossômicos ou ambientais, como infecções) ou secundária, quando decorrente de um evento prejudicial que afeta o cérebro em desenvolvimento, ocorrido no período perinatal, no final da gestação ou no pós-natal (EICKMANN et al., 2016). É uma condição caracterizada pelo perímetro cefálico abaixo do normal para a idade gestacional, acompanhada por anomalias no sistema nervoso central. Esse aumento repentino de casos de microcefalia em recém-nascidos coincidiu com o surgimento de casos de exantema e febre pelo vírus Zika em gestantes na mesma região, sugerindo que a infecção poderia ser congênita (DE ALBUQUERQUE et al., 2018). 

O Ministério da Saúde divulgou em Boletim Epidemiológico que entre 2015 e 2023 foram notificados 22.251 casos suspeitos de Síndrome Congênita pelo ZIKV. Do total, 3.742 (16,8%) foram confirmados para outras infecções congênitas (Sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes simplex) e 1.828 (48,9%) confirmados para síndrome congênita associada ao vírus zika (SCZ), sendo a região Nordeste onde se concentra o maior número de casos registrados (75,5%) (BRASIL, 2024).

Dos 1.828 nascidos vivos e confirmados com SCZ, 51,2% são do sexo feminino e 90,4% nasceram no período de Emergência em Saúde Pública, que compreende os anos de 2015 a 2017. Dos casos relatados entre 2015 a 2023, 14,3% vieram a óbito. Após a fase de emergência houve uma redução gradual no número de casos confirmados para a Síndrome. Em 2023 foram notificados 1.035 casos suspeitos, sendo que 6 foram confirmados para SCZ, dentre eles, 4 nascidos vivos, 1 aborto e 1 natimorto (BRASIL, 2024).

Mesmo com o número de notificações em declínio é importante ressaltar que o vírus Zika continua presente no território nacional e o vetor da doença se encontra vastamente disseminado por todo país. É necessário, portanto, manter a vigilância e monitoramento para evitar a possibilidade de novos surtos (BRASIL, 2024).

Dada a importância do tema e a necessidade de esclarecimentos no âmbito da educação em saúde, o objetivo deste estudo é revisar amplamente aspectos clínicos e epidemiológicos da relação entre a infecção por Zika Vírus e a epidemia de microcefalia.

METODOLOGIA

Este estudo tem o intuito de realizar uma análise referente ao desenvolvimento de malformações congênitas provenientes de infecções por ZIKV por meio de uma revisão aprofundada da literatura científica.

A ênfase se deu na seguinte questão norteadora: Como se relaciona a infecção congênita pelo Zika Vírus com a epidemia de microcefalia?

Para que fosse elaborada esta pesquisa, a coleta de dados se deu através das plataformas de buscas avançadas Scientific Electronic Library Online (SciELO) e PubMed. Foram filtrados os trabalhos publicados entre 2015 e 2024, na língua portuguesa e inglesa. Manuais da Organização Mundial da Saúde (OMS), sites do governo brasileiro, principalmente Ministério da Saúde (MS) e boletins epidemiológicos, também foram consultados para obtenção de dados complementares. 

Como estratégia de busca, foram utilizados os descritores relacionados no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde): “zika vírus”, “epidemia” e “microcefalia”, combinados pelo operador booleano “AND”.

Realizadas as buscas, os artigos obtidos como resultados foram inicialmente analisados através da leitura de seus títulos e resumos, com o objetivo de identificar aqueles que tratavam especificamente do tema escolhido. Uma vez selecionados, procedeu-se a uma leitura detalhada dos materiais, visando identificar os temas prioritários a serem abordados neste estudo. Através destes, localizamos mais trabalhos inéditos e relatos de casos que complementaram nossas buscas. 

RESULTADOS 

Foram identificadas 12 publicações advindas do banco de dados e selecionados 6 informativos na página oficial do Ministério da Saúde. Estes foram agrupados por ano de publicação, autor e informações relevantes relacionados ao tema abordado neste estudo, entre 2015 e 2024 (Quadro 1).

Quadro 1. Publicações e temas selecionados para este estudo.

AUTOR/ANOOBJETIVOMÉTODOPRINCIPAIS ACHADOS
AZEVEDO et al., 2018Demonstrar a relação da microcefalia com a infecção por Zika através dos achados clínicos, virológicos e histopatológicos.Estudo com 12 casos fatais de microcefalia. 9 recém-nascidos, 2 natimortos e 1 aborto.Avaliação por RT-PCR, histopatologia e imunohistoquímica.Na análise histopatológica foi encontrado em todos os casos severo comprometimento do tecido nervoso, com necrose, apoptose, edema e calcificações. Imunohistoquímica positiva para os antígenos ZIKAV em todas as amostras disponíveis. Presença de genoma viral confirmado por RT-PCR.
BRASIL, 2015aTrazer ao conhecimento público um resumo do que é o ZIKV, seus sinais e sintomas, as formas de tratamento e de prevenir a transmissão.Informativo que visa esclarecer e destacar a importância da mobilização nacional a fim de controlar a disseminação da doença.Conhecimento, sinais, sintomas, tratamentos e transmissão do ZIKV.
BRASIL, [2015?]bInformar medidas de prevenção ao ZIKV e quais exames são realizados em grávidas para diagnóstico.Informativo que abrange medidas de prevenção, elucida os exames que podem detectar a infecção e com isso, obter um diagnóstico assertivo em determinado período gestacional, para fins de vigilância.
Se faz necessário a tomada de ações de medidas protetivas individuais e o controle de vetores.O pré-natal de mulheres grávidas que apresentam suspeita ou apresentação de infecção pelo ZIKV são classificados com alto risco, sendo direcionada para atenção especializada.RT-PCR é usado para diagnosticar infecção aguda nos primeiros cinco dias da doença.A partir do sexto dia do início dos sintomas, é empregado o teste sorológico ELISA.
BRASIL, 2016Guiar profissionais da atenção à saúde com instruções na prevenção da infecção pelo ZIKV, enfatizando a atenção no planejamento gestacional, gravidez e após o nascimento.Protocolo criado por meio de debates entre coordenações e secretarias do Ministério da Saúde, os especialistas e os representantes das secretarias de saúde de estados, dos municípios e do Distrito Federal.É fundamental a distribuição de métodos contraceptivos, orientações à população e a assistência das mulheres grávidas, na fase do puerpério e recém-nascidos que apresentam sinais de microcefalia.Para que não ocorra intercorrências na gestação, é aconselhado o acompanhamento completo pré-natal, identificando de início todas as gestantes.
BRASIL, 2017Fornecer informações com o intuito de ter ações de vigilância e atenção à saúde, com isso poder identificar dificuldades pela ZIKV na fase pré-natal até a primeira infância.Representantes de Sociedades Científicas Médicas,  instituições e especialistas convidados elaboraram este documento.Até 2017 as informações sobre prevalência de microcefalia congênita era limitada.Fatores socioculturais e geográficos influenciam a prevalência da infecção e, consequentemente, nas malformações congênitas.Anomalias durante a gestação podem aparecer em qualquer etapa do desenvolvimento fetal.
BRASIL, 2023O boletim tem o intuito de esclarecer a situação epidemiológica da síndrome congênita associada à infecção pelo ZIKV, dos casos iniciais registrados em 2015 até o ano de 2022.Foram usados dados de 2015 a 2022 do Resp-Microcefalia, retirado em 13 de janeiro de 2023, e das bases de dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), de 2015 a 2022, atualizadas em outubro de 2022.Foi usado estatística descritiva, por meio de medidas de frequência relativa e absoluta para analisar os dados.Entre 2015 e 2022 foram notificados 21.196 casos suspeitos de SZC, dentre eles 17,6% obtiveram confirmação de alguma infecção congênita.Dos casos confirmados, 49,8% foram categorizados como SCZ, tendo 239 óbitos, maior número do sexo feminino.Prevaleceu maior número de mães com idade de 20 a 29 anos.
BRASIL, 2024O boletim visa apresentar a situação epidemiológica da SCZ desde os primeiros casos registrados em 2015 até o ano de 2023 e também almeja dar transparência às orientações disponíveis da atenção primária e especializada à saúde da criança suspeita ou confirmada pela SCZ.Foi feito estudo do tipo descritivo, os dados foram retirados do Resp-Microcefalia de 2015 a 2023, sendo extraídos em janeiro de 2024.Os casos notificados como suspeitos, independente se receberam ou não uma possível classificação final descrita no Guia de vigilância em saúde, foram inseridos no estudo.Foi empregado a estatística descritiva com base em medidas de frequência relativa e absoluta na análise dos dados.A contar do momento de término do período de Espin em 2017, notificações de casos suspeitos de SZC obtiveram declínio.Todavia, para identificar novos casos e óbitos, e detectar possíveis surtos, a vigilância permanece de forma ativa.A manutenção da vigilância da SCZ tem papel fundamental no acompanhamento de ocorrência e distribuição da doença, para elaboração de conhecimento sobre a morbidade e a mortalidade relacionada a doença, na implementação de medidas de prevenção e de controle e efetivação de políticas fundamentadas em evidências.
BRUNONI, et al, 2016Refletir e propor novos planos de ações direcionados para as crianças, famílias, e equipes multiprofissionais da saúde.Estudo qualitativo explicativo através da análise de estudos nacionais e internacionais.
É necessário que o sistema de assistência à saúde esclareça os mecanismos patogênicos do vírus, identificando todas as possíveis manifestações clínicas, de forma a desenvolver programas de intervenção.
CALVET, et al., 2016Detectar e sequenciar o genoma do vírus Zika em amostras de líquido amniótico de 2 gestantes com fetos diagnosticados com microcefalia.Estudo de caso com 2 gestantes com fetos com microcefalia.Coleta de líquido amniótico realizada por amniocentese na 28° semana de gestação. Realizado RT-PCR e sequenciamento metagenômico viral.Através do fluido amniótico de ambas as gestantes foi detectado genoma viral e anticorpos Anti-ZIKA vírus IgM, através da técnica de PCR e ELISA, respectivamente. O estudo sugere que o vírus é capaz de atravessar a barreira placentária.Os dois fetos apresentaram hipoplasia cerebelar e ventriculomegalia observadas através de ultrassonografia.
DE ALBUQUERQUE, et al.,                                                                   2018Registrar em ensaio as descobertas científicas para auxiliar na construção do conhecimento epidemiológico de uma nova epidemia de microcefalia congênita.Esclarecer as questões epidemiológicas envolvidas buscando compreender a distribuição, causas, características, distribuição espacial e social, entre outros pontos.Relatando a dificuldade de se fazer ciência em tempos de crise política frente a uma epidemia de importância internacional. Os profissionais de saúde trabalharam intensamente prestando assistência aos casos, criando sistemas de vigilância e notificação e buscando desenvolver pesquisas para esclarecer a etiologia da doença.Constatado que as gestantes com melhor classe social foram menos afetadas.
EICKMANN, et al., 2016Definir a relação da microcefalia com a infecção pelo Vírus Zika a fim de caracterizar a Síndrome Congênita pelo ZIKV.Avaliações neurológicas, achados em exames por imagem e anomalias ópticas.O suporte e apoio ao bebê e a família devem ser realizados por equipe multiprofissional, dada a complexidade do processo. Garantir todo auxílio pelo SUS é um desafio.
ESCOSTEGUY et al., 2020Ter a descrição do perfil clínico-epidemiológico no intervalo de tempo de novembro de 2015 a julho de 2017 no estado do Rio de Janeiro em situações de microcefalia correlacionadas com a infecção congênita pelo ZIKV.Estudo transversal constituído de 298 casos de microcefalia notificados na Secretaria de Estado de Saúde do RJ. Foram analisadas variáveis demográficas, epidemiológicas, clínicas, radiológicas e laboratoriais.Média de idade das mulheres grávidas abaixo dos 30 anos, sendo que 46% dos casos foram diagnosticados como ZIKA congênita.74,8% dos fetos apresentaram calcificação do SNC, 72,6% apresentaram ventriculomegalia e 39,8% demonstraram atrofia cerebral. As malformações neurológicas demonstram a gravidade da infecção.
GARCIA, 2018Apresentar sobre o início da epidemia do vírus e a microcefalia, sua evolução e quais medidas de controle foram adotadas pelo governo.Texto informativo descritivo sobre a evolução da epidemia, as ações de enfrentamento e os desafios para prevenção e controle do vírus.O SUS foi peça chave na detecção da relação entre microcefalia e ZIKV. É fundamental o olhar às famílias atingidas e a constância na vigilância dos vetores.
HENRIQUES, et al., 2016Demonstrar problemas enfrentados no combate ao ZIKV.Texto informativo com dados do Censo Demográfico 2010.É necessário maior conhecimento sobre o ZIKV e o que sua infecção causa. Ações em prol das crianças com microcefalia devem sempre se tornar prioridade pelo governo.
MARTINES et al., 2016Verificar a evidência da infecção por Zika vírus em tecido cerebral e placentário de 2 bebês com morte prematura pós-parto, utilizando análise histopatológica.Estudo de caso com amostras teciduais de 2 bebês e 2 placentas. Avaliação histopatológica, imunohistoquímica e RT-PCR.Presença de partículas virais no tecido cerebral confirmada por RT-PCR. Degeneração celular, necrose e áreas de calcificação do parênquima cerebral notadas no histopatológico.
MELO et al., 2016Análise do fluido amniótico de 2 gestantes com fetos diagnosticados com microcefalia.Estudo de caso com 2 gestantes. Coleta de amostra realizada por amniocentese.Partículas virais detectadas nas amostras de ambas as gestantes. Os dois fetos apresentaram atrofia cerebral, calcificação do parênquima cerebral e calcificação ocular.
SOUSA et al., 2018Entender sobre as percepções e quais as práticas de cuidado necessárias com mulheres que contraíram ZIKV na gravidez.Estudo qualitativo, descritivo-exploratório através de entrevista aberta com 10 mulheres gestantes que contraíram o Zika vírus na gestação, através de entrevista aberta, em um município da Região Centro-Oeste do Brasil.As gestantes não apresentaram muito conhecimento sobre a infecção pelo Zika Vírus e seu modo de transmissão. As mães sentem medo e preocupação em transmitir a infecção para o bebê. Faltam melhores informações e esclarecimentos advindos dos serviços de saúde.
VENTURA, et al., 2016Observar alterações oculares possivelmente causadas pelo ZIKV em 10 crianças com microcefalia congênita.Foram avaliadas 10 crianças com microcefalia congênita que tiveram anomalias oftalmológicas diagnosticadas pela Fundação Altino Ventura (Recife). Utilizados exames oftalmológicos e tomografia computadorizada.A tomografia evidenciou calcificação cerebral em todas as crianças. Alterações da mácula em 75% e hipoplasia do nervo óptico em 45% dos olhos examinados. 4 crianças com miopia.Descartado a possibilidade de infecção por toxoplasmose, rubéola e citomegalovírus.

DISCUSSÃO

Garcia (2018) e Sousa et al. (2018) afirmam que as condições sanitárias precárias são pré-requisito para a proliferação do mosquito. Corroborando neste sentido, De Albuquerque et al. (2018) informa que mulheres com melhores condições sociais foram menos infectadas.  Medidas preventivas contra a picada do vetor e educação da população são fundamentais para a redução de infecção e propagação da doença, sendo de responsabilidade do Estado a elaboração e implementação de tais medidas. Bem como mencionado por Henriques et al. (2016) que é crucial manter a vigilância e garantir atenção adequada às crianças com microcefalia como prioridade contínua. Os protocolos de vigilância, atenção à saúde e resposta à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo vírus Zika foram lançados pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2016).

Brunoni et. (2016) comenta sobre o desafio de enfrentar uma nova epidemia e da necessidade de capacitação de multiprofissionais da saúde para atendimento das crianças durante os primeiros anos de vida e acompanhamento da saúde mental dos familiares. As equipes de atenção básica e saúde da família são fundamentais na propagação de informações sobre o planejamento reprodutivo, ofertando métodos contraceptivos e esclarecendo dúvidas das mulheres. No caso de gestações, todo o acompanhamento pré-natal se faz necessário, associado das medidas de combate ao vetor, assim como toda a assistência no puerpério, em especial, para gestantes identificadas na condição de vulnerabilidade social (BRASIL, 2016). Durante a epidemia entre 2015 e 2017 o Ministério da Saúde foi elogiado pela OMS e Opas pelas suas ações de enfrentamento à microcefalia e campanhas de combate aos focos do Aedes aegypti (GARCIA, 2018).

Segundo Eickmann et al. (2016) o grau de severidade das anomalias congênitas está ligado ao período gestacional em que a mãe é infectada, quanto mais precoce a infecção, maiores podem ser os danos causados ao sistema nervoso central. Igualmente, Sousa et al. (2018) afirma que as gestantes no primeiro trimestre de gestação são consideradas grupo de risco, já que é a fase de formação do feto. No segundo trimestre a infecção ainda causa malformações, no entanto, com menor gravidade, e a partir do terceiro trimestre o feto já está formado e os riscos são reduzidos. Em diversas descrições e análises de casos foi relatado que as mulheres apresentaram sintomas sugestivos da doença, tais como: febre, intensa mialgia e exantema nos primeiros meses de gestação. No grupo analisado por Escosteguy et al. (2020), cerca de 30% das gestantes apresentaram febre e 64,8% apresentaram rash cutâneo no 1° trimestre de gravidez. Já no levantamento de Ventura et al. (2016) foram 85,7% das mães que relataram sintomas de ZIKA no primeiro terço gestacional e Melo et al. (2016) informa que as 2 mulheres avaliadas no seu artigo também foram sintomáticas durante a gestação.

O Ministério da Saúde, após um estudo realizado pelo Instituto Evandro Chagas, declarou em 28 de novembro de 2015 a associação entre a infecção por Zika vírus e o aumento de casos de microcefalia e outras manifestações neurológicas (BRASIL, 2015b; OPAS, 2015). Neste caso, foi possível realizar o isolamento viral a partir do cérebro de um bebê com microcefalia que morreu 5 minutos após o parto. O RNA viral foi detectado através de RT-PCR em cérebro, pulmão, coração, fígado e rins. Foi sugerido por Calvet et al. (2016) e Melo et al. (2016) que o ZIKV é capaz de atravessar a barreira placentária e infectar o feto. Cada um deles avaliou o líquido amniótico de 2 gestantes através da técnica de RT-PCR, e o vírus foi detectado no líquido amniótico de todas elas. 

Ademais, no estudo realizado por Martines et al. (2015) foram utilizados fragmentos de tecido de recém-nascidos que vieram a óbito em menos de 20 horas após o nascimento. Amostras de tecido dos bebês e placentas de fetos abortados foram fixadas em formaldeído e parafina e analisadas pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), nos Estados Unidos da América. Foi confirmada a presença de partículas virais através de RT-PCR somente em tecido cerebral. Na análise histopatológica foram notadas calcificações no parênquima cerebral, sinais de degeneração celular e áreas de necrose. Segundo Azevedo et al. (2018) a degeneração de tecido nervoso pode ser sugerida como sinal patognomônico da síndrome congênita pelo ZIKV, e caracteriza o neurotropismo do vírus, visto que, em seu trabalho utilizando análise histopatológica, praticamente todos os bebês e fetos avaliados apresentaram este sinal. 

O que é relatado quase de maneira unânime através de exames de imagem dos fetos ou crianças com microcefalia é a ocorrência de calcificações no parênquima cerebral. Segundo Ventura e colaboradores (2016), foi evidenciado através de tomografia a calcificação cerebral em 10 crianças (100% do estudo) em Recife. Escosteguy et al. (2020), através do levantamento de 298 casos de microcefalia no Rio de janeiro entre 2015 e 2017 notou a ocorrência de calcificação cerebral em 74,8% dos casos. Na mesma linha de achados, está Melo et al. (2016) em que foi notada, através de ultrassonografia, atrofia cerebral e presença de calcificações nos 2 fetos avaliados.  Os autores relatam também, com menor ocorrência, ventriculomegalia, hipoplasia cerebelar e anomalias oftalmológicas.

Dentre as alterações oculares mais descritas estão atrofia do nervo óptico e lesão macular, notados por Ventura et al. (2016) e Eickmann et al. (2016). Melo et al. (2016) relatou calcificação intraocular e catarata bilateral em um dos fetos avaliados.

Comprovações diversas foram encontradas, seja através de exames específicos como RT-PCR e ELISA, assim como análises histopatológicas que demonstram as alterações microscópicas em tecido nervoso, além dos marcadores imuno-histoquímicos. A análise epidemiológica também deixa claro que o vírus teve maior ação na região Nordeste, sendo mais frequente em locais de saneamento básico precário e com população mais sujeita a vulnerabilidade. 

Dado ao desconhecimento sobre a doença, todo o processo de identificação, até as medidas de enfrentamento tiveram uma certa delonga, e como consequência deste fato, pode ser atribuído o estado de epidemia. Faltou informação suficiente e bem esclarecida para alertar a população sobre: formas de evitar a infecção, evitar a gestação no período epidêmico, combater o vetor, atendimento pré-natal adequado e saneamento básico em áreas mais vulneráveis. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Monitorar uma emergência de saúde pública de nível internacional é um enorme desafio para os órgãos públicos de saúde. A importância da notificação e profissionais atentos às oscilações epidemiológicas é extremamente valorizada nesses momentos, visto que, é através do cruzamento de dados que eventuais teorias surgem e pesquisas podem ser realizadas a fim de comprovar tais hipóteses. 

Ao ser estabelecido que o ZIKV estava circulante, e que as mães de bebês com microcefalia não apresentaram nenhuma outra patologia viral congênita, das já bem esclarecidas pela literatura, novas possibilidades foram levantadas. Desta forma, chegaram a conclusão da associação da infecção por ZIKV durante o período gestacional e a ocorrência de microcefalia e demais alterações neurológicas. O ZIKV está presente em todo o território nacional e o vetor Aedes aegypti continua abundantemente disseminado, em especial no ano de 2024 em que vivemos uma grave epidemia de dengue. Diante destes fatos, mesmo com o número de notificações em declínio contínuo é necessário manter a vigilância e monitoramento para evitar a possibilidade de novos surtos. 

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Raimunda S. S. et al. Zika virus epidemic in Brazil. II: Post-mortem analyses of neonates with microcephaly, stillbirths, and miscarriage. Journal of Clinical Medicine, v. 7, n. 12, p. 496, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.3390/jcm7120496

BRASIL a. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Nota Informativa no 01/2015 – COES microcefalias. Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional – ESPIN. Procedimentos preliminares a serem adotados para a vigilância dos casos de microcefalia no Brasil. Ministério da Saúde. Brasília, 2015a. Disponível em:       https://saude.campinas.sp.gov.br/vigilancia/informes/2015/Nota_MICROCEFALIAS_17_nov_2015.pdf . Acesso em 29 mar. 2024.

BRASIL b. Ministério da Saúde. Ministério da Saúde confirma relação entre Vírus Zika e microcefalia. Brasília: Ministério da Saúde, 28 nov. 2015b. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2015/dezembro/ministerio-da-saude-confirma-relacao-entre-virus-zika-e-microcefalia. Acesso em: 29. mar. 2024.

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