RELAÇÃO DO CONSUMO DE CÁLCIO E A OBESIDADE EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10646958


Márcia de Sousa Araújo


Resumo

INTRODUÇÃO: A ingestão de cálcio é essencial principalmente na puberdade, onde temos uma associação entre um aumento na absorção e deposição óssea de cálcio nos enterócitos. Além disso nos últimos anos, muitos estudos vêm sendo desenvolvidos com o intuito de ressaltar o papel desse mineral na regulação do balanço energético em indivíduos obesos. Sendo este, associados a prevenção e tratamento da obesidade. OBJETIVO: Investigar na literatura se a baixa ingestão de Cálcio tem relação com a obesidade em crianças e adolescentes. METODOLOGIA: Trata-se de um estudo de revisão integrativa no qual foi analisado estudos publicados em bases de dados científicos como Google Acadêmico, Scielo e Medline/PubMed. Entre os critérios de inclusão para essa pesquisa destacam-se: artigos completos publicados em inglês, português e espanhol, com dimensão temporal entre 2017 e 2022, estudos que abordassem crianças e adolescentes obesas relacionado com cálcio. Foram utilizados os seguintes termos de busca nas bases de dados: obesity, adiposity, children, adolescents, calcium. RESULTADO: Dos 6 artigos encontrados que avaliaram a associação entre a obesidade em crianças e adolescentes com a ingestão de cálcio, a maioria encontrou algum tipo de relação significativa entre o baixo consumo desse mineral com a adiposidade corporal e abdominal, bem como a elevação das medidas antropométricas associado a uma menor ingestão desse micronutriente. CONCLUSÃO: A associação entre o Cálcio com a obesidade é complexa e é necessário mais estudos para elucidar essa relação. Em estudos longitudinais foi evidenciado maiores valores de circunferência da cintura em grupos com menor ingestão de cálcio. Foi considerado também que o cálcio proveniente de fonte láctea é um mecanismo protetor contra o aparecimento de sobrepeso e obesidade.

 Palavras-chave: Obesidade; Adiposidade; Crianças; Adolescentes e Cálcio.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Calcium intake is essential especially in puberty, where there is an association between an increase in the absorption and bone deposition of calcium in enterocytes. In addition, in recent years, many studies have been developed in order to highlight the role of this mineral in the regulation of energy balance in obese individuals. This is associated with the prevention and treatment of obesity. OBJECTIVE: To investigate in the literature whether low calcium intake is related to obesity in children and adolescents. METHODOLOGY: This is an integrative review study in which studies published in scientific databases such as Google Scholar, Scielo and Medline/PubMed were analyzed. Among the inclusion criteria for this research, the following stand out: full articles published in English, Portuguese and Spanish, with a temporal dimension between 2017 and 2022, studies that addressed obese children and adolescents related to calcium. The following search terms were used in the databases: obesity, adiposity, children, adolescents, calcium. RESULTS: Of the 6 articles found that evaluated the association between obesity in children and adolescents and calcium intake, most found some kind of significant relationship between low consumption of this mineral and body and abdominal adiposity, as well as increased anthropometric measurements associated with lower intake of this micronutriente. CONCLUSION: The association between calcium and obesity is complex and further studies are needed to elucidate this relationship. In longitudinal studies, higher waist circumference values were observed in groups with lower calcium intake. It was also considered that calcium from dairy sources is a protective mechanism against the onset of overweight and obesity.

 Keywords: Obesity; Adiposity; Children; Adolescents and Calcium.

INTRODUÇÃO

A etiologia da obesidade é muito complexa, mas, a principal causa atribuída a seu aumento, nos últimos anos, tem sido algumas mudanças observadas no estilo de vida das populações no mundo, entre elas destacam-se o desmame precoce, a substituição de alimentos in natura por processados e ultra processados, os quais são ricos açúcar, sódio e gorduras saturadas, a exposição de propagandas de alimentos não saudáveis direcionadas ao público infantojuvenil e o sedentarismo. Atualmente, esses são os fatores que preocupam organizações nacionais e internacionais por estar relacionado ao aumento da obesidade, e consequentemente, ampliando a chance desse grupo desenvolver doenças crônicas não degenerativas como diabetes e hipertensão (SAGGIORO et al., 2020).

No Brasil, dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, de 2019, revelam que16,33% das crianças brasileiras entre cinco e dez anos estão com sobrepeso, 9,38% com obesidade, e 5,22% com obesidade grave. Em relação aos adolescentes, 18% apresentam sobrepeso, 9,53% são obesos e 3,98% têm obesidade grave (SISVAN, 2019). Logo, pode-se inferir que haverá a diminuição na qualidade e expectativa de vida na fase adulta, uma vez que a obesidade na infância e adolescência poderá desencadear sérias complicações clínicas (NEVES, et al, 2021).

É importante ressaltar, que a obesidade entre crianças e adolescentes pode estar relacionada a uma menor ingestão de nutrientes específicos, entre estes destaca-se o cálcio que é essencial principalmente na puberdade, onde temos uma associação entre um aumento na absorção e deposição óssea de cálcio nos enterócitos (BARBOZA; GUIZZARD; TALAMONI, 2015).  Logo, o fornecimento alimentar de cálcio é considerado crítico durante a fase de crescimento, já que não é produzido endogenamente e encontra dificuldade em ser obtido de fontes alimentares por serem alimentos restritos e de alto custo. Os laticínios representam a principal fonte alimentar desse mineral e onde é encontrado em maior quantidade entre eles destaca-se leite e seus derivados como iogurte e queijo (BUENO; CZEPIELEWSKI, 2008).

Além das funções clássicas normalmente atribuídas ao cálcio relacionadas a manutenção da integridade do esqueleto, muitos estudos, nos últimos anos, vêm sendo desenvolvidos com o intuito de ressaltar o papel desse mineral na regulação do balanço energético em indivíduos obesos. Sendo este, associados a prevenção e tratamento da obesidade (QUARANTA; NAVARRO, 2010).

Tendo em vista, o aumento exponencial de obesidade nesta população, a diferença  dos mecanismos de atuação do cálcio entre crianças e adolescentes obesos com a população saudável, a escassez de informações acerca dos efeitos da deficiência desse micronutriente  e com o intuito de identificar a extensão dessa carência e sua consequência para a saúde e qualidade de vida, este estudo tem como objetivo, investigar na literatura se a baixa ingestão de Cálcio têm relação com a obesidade em crianças e adolescentes, podendo, desta forma, otimizar o conhecimento do assunto entre os profissionais da saúde, estimular e facilitar a elaboração de estratégias de prevenção e tratamento destes desequilíbrios nutricionais.

METODOLOGIA

Tipo de estudo

Para análise do tema adotou-se a revisão integrativa da literatura, que é considerada uma pesquisa secundária que responderá uma questão chave por meio de um estudo crítico da literatura.

A seleção de artigos ocorreu a partir das seguintes etapas: 1) identificação do tema e seleção da questão de pesquisa; 2) seleção dos bancos de dados para realizar a revisão de literatura; 3) estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão; 4) identificação dos estudos pré-selecionados e selecionados; 5) categorização dos estudos selecionados; 6) análise e interpretação dos resultados e apresentação da revisão/síntese do conhecimento.

Questão Norteadora

A questão norteadora deste estudo foi definida a partir do seguinte questionamento: “O consumo de cálcio tem relação com a obesidade em crianças e adolescentes?”.

Busca na literatura

A busca de artigos foi realizada entre os meses de junho a outubro de 2022, nas seguintes bases eletrônicas: Google Acadêmico, Scientific Eletronic Library Online (SCIELO) e Medical Literature Analysis and Retrieval System (MEDLINE/PUBMED).

Entre os critérios de inclusão para essa pesquisa destacam-se: artigos completos publicados em inglês, português e espanhol, com dimensão temporal entre 2017 e 2022, estudos que abordassem crianças e adolescentes obesas relacionado com cálcio. Foram utilizadas as seguintes palavras-chave: obesity (obesidade), adiposity (adiposidade), children (crianças), adolescents (adolescentes), calcium (cálcio). Para a combinação das palavras-chave foi utilizado os operadores boleanos AND/OR. Na plataforma de pesquisa Google Acadêmico foi utilizado a expressão “allintitle” que pesquisa todas as palavras no título do documento limitando dessa forma a busca dos artigos

Foram excluídos desse estudo: artigos não disponibilizados na íntegra ou publicados em um período anterior a 2017, monografias, revisão de literatura, artigos que fugissem ao tema, com foco em adultos e idosos e aqueles com duplicidade de publicação.

Categorização dos estudos

Nessa fase do estudo, os dados foram organizados de maneira sistemática com o objetivo de facilitar o direcionamento da pesquisa e assim obter uma conclusão plausível referente ao tema.

Para a categorização dos estudos, foi elaborado um instrumento de análise que contempla as seguintes informações: autor/ano, país(es), objetivo, delineamento de estudo, população, amostra/métodos, resultados e conclusão

Os artigos repetidos em mais de uma base de dados foram analisados uma única vez. Realizou-se a leitura dos resumos, observando-se os critérios de inclusão e exclusão. No final da leitura crítica dos resumos 11 artigos de cálcio foram selecionados para serem lidos na íntegra. Ao término da leitura crítica resultaram 6, permanecendo como fonte de análise dessa pesquisa.

Análise e interpretação dos resultados

Para a análise e interpretação dos resultados, foi realizada a leitura dos textos na íntegra e elaborada uma síntese das principais informações de cada estudo. Os resultados e a discussão são apresentados de forma descritiva, por meio da exposição dos dados relativos às publicações e da análise de conteúdo desses materiais.

Os estudos obtidos foram comparados com artigos publicados em um período anterior a busca de referência sendo encontrado resultados semelhantes e divergentes que contribuíram para embasar os achados dessa revisão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No quadro 1 encontra-se o perfil respectivamente de 6 artigos referentes a ingestão de cálcio relacionado com a obesidade em crianças e adolescentes, mostrando desde sua origem, autores, objetivos, população, tipo de estudo até a síntese dos seus resultados e conclusões. Podendo-se observar que seis (03) deles foram realizados no Brasil e os demais, estão distribuídos em diferentes países como Bélgica, Chipre, Estônia, Alemanha, Hungria, Itália, Espanha, Equador, Estônia e Suécia. A maioria, trata-se de estudo transversal, observacional, seguidos dos longitudinais observacionais.

Quadro 1: Resultados obtidos nas bases de dados Google Acadêmico, Medline/Pubmed e Scielo referentes a ingestão de cálcio e a obesidade em crianças e adolescentes.  Teresina, 2022.

Autor Ano / país de publicaçãoObjetivo do estudoDelineamento de estudoPopulação/ Amostra/MétodosResultadosConclusão
1. Moraes et al, 2022/ Brasil (Rio de Janeiro)Avaliar a associação entre ingestão dietética de cálcio e indicadores de adiposidade em uma coorte de adolescentes brasileiros.Estudo Longitudinal de 2010 a 2012.Coorte de Estudantes do Ensino Médio (ELANA- Avaliação nutricional de adolescente) composta por 962 adolescentes entre 13 e 19 anos do ensino médio de escolas públicas e particulares da Região Metropolitana do Rio de Janeiro; 779 adolescentes foram acompanhados até 2011 (T1) e 579 foram acompanhados até 2012 (T2); Os participantes foram divididos em quintis de acordo com a ingestão estimada de cálcio:  (Q1): < 492,0 mg/dia; (Q2): 492,0 – 567,9 mg/dia; (Q3): 568,0 – 670,9 mg/dia; (Q4): 671,0 – 838,0 mg/dia; e (Q5):  > 838,0 mg/dia.No início do estudo o excesso de peso, obesidade abdominal e excesso de gordura corporal foi menor no Q5 do que no Q1 em relação a amostra total; Além disso, os adolescentes do Q4 e Q5 apresentaram menores médias de   adiposidade corporal (IMC, % GC e IMG) e médias mais altas de indicadores de massa magra; No final do estudo a ingestão de cálcio foi associado somente ao IMG para meninos no Q4 e Q5 e CC para meninas no Q4.A baixa ingestão de cálcio foi associada ao aumento da adiposidade em adolescentes, principalmente do sexo masculino.
2.Suhett, et al, 2018/ Brasil (Minas Gerais)Avaliar a ingestão de cálcio e sua associação com fatores de risco cardiometabólicos na infância.Estudo observacional (Transversal)  350 crianças entre 8 e 9 anos que foram incluídas na Pesquisa de Avaliação da Saúde do Escolar (PASE) e matriculados no terceiro e quarto ano do ensino fundamental em escolas públicas ou particulares da área urbana da cidade de Viçosa, foram selecionados por amostragem aleatória estratificada. A amostra foi classificada em tercis de acordo com a ingestão de cálcio: 1° tercil: (0 – 341,98 mg/dia), 2° tercil (341,99 – 485,81 mg/dia) e 3° tercil:( > 485,82mg/dia).Associação inversa entre a adiposidade abdominal e a ingestão de cálcio. As crianças com o consumo de cálcio no 1° tercil: (0-341,98mg/dia) obtiveram maior prevalência de aumento da circunferência da cintura em comparação ao com crianças no 3° tercil de consumo de cálcio (>485,82 mg/dia).  A menor ingestão de cálcio entre as crianças brasileiras foi associada ao um excesso de adiposidade abdominal.
3. Nappo et al, 2019/ Bélgica, Chipre, Estônia, Alemanha, Hungria, Itália, Espanha e Suécia      Avaliar a associação entre cálcio total da dieta, cálcio de laticínios e não lácteos e índices antropométricos em uma grande coorte europeia de criançasObservacional (Transversal)    6.696 crianças de 2 a 9 anos pertencentes ao estudo IDEFICS (Identificação e prevenção dos efeitos na saúde induzidos pela dieta e estilo de vida em crianças e lactentes) foram elegíveis para a análise transversal. As   ingestões de cálcio total, lácteas e não lácteas foram medidas por um recordatório alimentar de 24 horas validado.                  A maior ingestão de cálcio nos meninos reduziu           todos os parâmetros de adiposidade enquanto nas meninas somente a SS e o IMG.  O consumo de cálcio de fontes lácteas foi relacionado a uma menor prevalência de sobrepeso/obesidade tanto em meninas como meninos.    Houve associação entre a ingestão dietética de cálcio e medidas de sobrepeso/obesidade em crianças. Esse efeito foi evidenciado apenas no cálcio proveniente de fontes lácteas.
Observacional (Longitudinal)    Da amostra inicial, 2.744 crianças de 2 a 9 anos foram acompanhados por um período de seis anos no âmbito do estudo a I. Family (Investigando os determinantes da escolha alimentar, estilo de vida e saúde em crianças, adolescentes em países europeus).Após seis anos de acompanhamento observou-se, que os meninos com maior ingestão de cálcio tiveram menor aumento de IMC, CC e IMG além de menor risco de sobrepeso/obesidade. Enquanto, as meninas, a maior ingestão de cálcio só teve relação com a CC. O maior consumo de cálcio lácteo em meninos foi relacionado a diminuição dos índices antropométricos.Uma menor ingestão de cálcio predispões a um risco aumentado de sobrepeso/ obesidade entre os meninos, não estando clara essa associação nas meninas.  
4. Jurimãe et al, 2019/ Estônia (Tartu)Investigar a possível associação da ingestão dietética de cálcio com adiposidade, resistência à insulina e valores de adipocitocinas em meninos adolescentes.Observacional (Transversal).      123 adolescentes do sexo masculino com idades entre 13 e 15 anos de diferentes escolas em Tartu, Estônia. Para estimar a prevalência de ingestão de cálcio e vitamina D acima ou abaixo das recomendações foram comparadas com suas necessidades médias estimadas (EAR), que são 1100 mg/dia e 10 µg/dia, respectivamente, segundo o Instituto de Medicina. A ingestão dietética de cálcio foi avaliada por meio de três recordatórios alimentares de 24 horas.Os participantes que atingiram a EAR de ingestão de cálcio obtiveram uma média de ingestão de vitamina D de 5,1 µg/dia e % de gordura corporal de 18,1 ± 9,1%, Aqueles que não obtiveram valores ideais da EAR apresentaram ingestão de vitamina D de 2,8 µg/dia e % de gordura corporal de 24,0 ± 12, %. O grupo de alta ingestão de cálcio teve IMC, massa corporal, % gordura corporal significativamente menores do que os com baixa ingestão desse nutriente.A adiposidade corporal total e abdominal está inversamente ligada a ingestão dietética de cálcio. A ingestão adequada de cálcio se relaciona com a redução do      percentual corporal de gordura. A maior ingestão de vitamina D predispõe a uma ingestão adequada de cálcio.  
5. Mattos; Giannini, 2017/ Brasil (Rio de JaneiroAvaliar a ingestão dietética de cálcio e sua relação com medidas antropométricas, metabolismo do cálcio e perfil glicêmico em adolescentes.Observacional (Transversal)  106 pacientes entre 12 e 18 anos, de ambos os sexos, em atendimento ambulatorial de atenção secundária no Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA) Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE). A ingestão alimentar foi avaliada pelo registro alimentar de 3 dias; Valor de cálcio considerado adequado foi de acordo com o Institute of Medicine – 1.300 mg/dia50% dos adolescentes com sobrepeso e 48,3% dos obesos consumiram cálcio abaixo da mediana recomendada; Entre os adolescentes com excesso de peso que consomem abaixo do percentil 10 (<302mg/dia) de cálcio apresentaram maiores valores de IMC.Houve associação entre a ingestão de cálcio com o sobrepeso e obesidade quando o consumo deste foi   abaixo do percentil 10.
6. Meneses et al, 2018/ EquadorAvaliar a ingestão de cálcio e sua relação com sobrepeso e obesidade em adolescentes do sexo feminino (14-19 anos) no Equador, entre 2015 e 2016.Transversal descritivo, analítico e correlacional  A ingestão de cálcio foi mensurada em uma amostra de 294 adolescentes do sexo feminino entre 14 e 19 anos com o diagnóstico de sobrepeso e/ou obesidade por meio do método recordatório de 24 horas (R24h) e do questionário de frequência alimentar (CFCA). A ingestão diária recomendada de cálcio foi de 1300mg/dia.A média de ingestão de cálcio de acordo com a frequência de consumo foi de 384,13 ± 131,44 mg/dia e pelo recordatório de 422,88 ± 133,15mg/dia sendo respectivamente 29,5% e 32,5% da recomendação diária.  A adequação da ingestão de cálcio entre as adolescentes segundo a CFCA e R24h, ficou abaixo de 50% (inferior a 650mg/dia).Houve associação significativa entre a adequação de cálcio e IMC entre os adolescentes com sobrepeso e obesidade. Entretanto não houve relação com o percentual de gordura nos adolescentes avaliados.
Fonte: Dados do autor.

Dentre os seis artigos encontrados que avaliaram a associação entre a obesidade em crianças e adolescentes com a ingestão de cálcio, a maioria encontrou algum tipo de relação significativa entre o baixo consumo desse mineral com a adiposidade corporal e abdominal, bem como a elevação das medidas antropométricas associado a uma menor ingestão desse micronutriente.

Em dois estudos longitudinais, realizados por Moraes et al., (2022) e Nappo et al., (2019), foi evidenciado que os maiores valores de Circunferência da Cintura estão correlacionados a uma menor ingestão de cálcio entre crianças e adolescentes de ambos os sexos, assim como a baixa ingestão deles predispõe a um maior risco de adquirir sobrepeso e obesidade.

A associação inversa entre a ingestão de cálcio e adiposidade abdominal identificada no estudo de Suhett et al. (2018), em crianças brasileiras do ensino fundamental, corrobora com a investigação realizada por Keast et al. (2015), que por meio de uma análise representativa de adolescentes americanos encontrou uma maior prevalência de gordura na região abdominal no grupo com a menor ingestão dietética de cálcio.  

Os possíveis mecanismos que explicam o efeito do cálcio na composição corporal são diversos. Sendo que o primeiro deles ocorre em dietas ricas em cálcio onde há uma diminuição nos níveis de calcitriol e da produção de cortisol pelo tecido adiposo. Sendo resultado da supressão da enzima 11-β- hidroxiesteroide desidrogenase 1, que catalisa a conversão da cortisona em cortisol, o que favorece uma maior perda principalmente de tecido adiposo visceral (RINALDI; FALKEBERG, 2016). O segundo mecanismo proposto acontece durante o processo digestivo o que promove uma ligação do cálcio com os ácidos graxos e sais biliares resultando em compostos insolúveis, o que diminui a absorção de gordura e aumenta a excreção fecal desse complexo formado no intestino (SOUZA; CARREPEIRO, 2019).

Outro estudo realizado em oito países com um grupo de crianças demonstrou que o cálcio proveniente de fonte láctea é considerado como um mecanismo protetor contra o aparecimento de sobrepeso e obesidade (NAPPO et al., 2019). Essa associação já tinha sido evidenciada por Yambirosut et al. (2015), ao estudar um grupo de crianças tailandesas que tinham alta ingestão de cálcio e maior consumo de leite o que favoreceu um menor peso corporal.

Esse efeito mais acentuado do cálcio proveniente de fontes lácteas na obesidade pode ser atribuído à presença de outros compostos bioativos nos laticínios que atuam concomitante com o cálcio para reduzir a adiposidade (ROCHA, et al., 2021). Além da presença da vitamina D e a lactose que aumentam a absorção de cálcio no intestino e consequentemente a sua biodisponibilidade (BUENO; CZEPIELEWSKIC, 2008).

Em contrapartida, é possível que o efeito significativo da ingestão de cálcio na adiposidade seja limitando por mudanças relacionadas à idade e sexo na composição corporal. Nappo et al. (2019), constataram que nos meninos com idade entre 2 e 9 anos, uma maior ingestão de cálcio reduziu todos os parâmetros de adiposidade, enquanto nas meninas apenas houve diminuição nos índices de massa gorda e o somatório de dobras cutâneas.

Por outro lado, Vargas-Hernández et al. (2013), em uma pesquisa com adolescentes mexicanos, encontrou resultados contrários a este, ao associar a ingestão de cálcio entre os sexos, obteve uma maior correlação entre as mulheres e todos os índices de adiposidade, enquanto nos meninos apenas, com as dobras subescapulares e supra ilíaca.

Essa divergência de resultados pode ser exemplificada pela diferença de idade dos participantes que entre os adolescentes coincide com a fase da vida onde ocorre as principais alterações na composição corporal com maior incorporação de gordura no sexo feminino e um aumento de massa magra no sexo masculino. Associado a presença da menarca nas mulheres o que ocasiona uma maior demanda de nutrientes que não é suprida em decorrência da modificação dos hábitos alimentares com a substituição de leites e derivados fontes de cálcio por bebidas açucaradas e industrializadas (VARGAS-HERNÁNDEZ et al., 2013).

Jurimãe, et al. (2019), mostraram em um grupo de adolescentes do sexo masculino que atingiram valores dentro das necessidades médias estimadas para a ingestão de cálcio, um maior consumo de vitamina D e uma menor porcentagem de gordura corporal. Esse mecanismo de uma maior ingestão de cálcio na regulação do balanço energético, sugere que há uma diminuição nos níveis circulantes do paratormônio (PTH) e do calcitriol, promovendo uma redução do cálcio nos adipócitos, diminuindo a lipogênese e aumentando a lipólise o que gera uma maior oxidação e termogênese das gorduras. Da mesma forma, um déficitda ingestão desse mineral eleva o nível desses hormônios e favorece o deslocamento do cálcio para o tecido adiposo, aumentando assim, a atividade das rotas lipôgenicas e reduzindo a lipólise (ZANCHET et al., 2015).

Em relação, a ingestão de cálcio, a maioria dos estudos obteve valores que não supriram nem 50% das necessidades médias estimadas. Em um deles, realizado no Brasil, com 106 adolescentes, entre 12 e 18 anos, determinou que o grupo de obesos obteve o menor consumo de cálcio relatado, sendo inferior a 302mg/dia (MATTOS; GIANNINI, 2017). Estando concomitantes ao estudo de Quaranta e Navarro (2010), que obteve uma mediana de consumo de cálcio de 350mg por dia entre adolescentes obesos de 11 a 18 anos, o que demonstra uma grande discrepância de inadequação segundo os valores de referência da Dietary Reference Intakes para a adolescência que deve ser de 1.300 mg por dia (PADOVANI et al., 2006).

Em conseguinte a esses resultados, Meneses et al. (2018) e Santos et al. (2007) observaram uma ingestão média de cálcio em torno de 650 mg/dia e 670,45 mg/dia, respectivamente, entre adolescente do sexo feminino com sobrepeso e obesidade. Constando-se desta forma, que embora tenham encontrado valores mais altos de ingestão diária em relação ao estudo anterior, as participantes em ambas as pesquisas permanecem com um quadro de deficiência. O que pode prejudicar o crescimento adequado, pois a carência deste mineral resulta em menor mineralização óssea comparado a indivíduos na mesma faixa etária que atingiram seus níveis apropriados de consumo (SANTOS et al., 2007).

Dentre os trabalhos analisados, podemos encontrar variações nos resultados referente a dosagem de cálcio em crianças e adolescentes obesos. Isso pode ser explicado porque cada trabalho utilizou bases metodológicas diferentes onde determinou-se a ingestão de cálcio por métodos de avaliação dietética (recordatório alimentar, questionário de frequência alimentar, além do período de duração e o tipo de delineamento dos estudos (transversal, longitudinal, caso-controle).

Conforme Bastos; Duquia, (2007), esses estudos apresentaram algumas limitações sendo entre elas o grande número de estudos de delineamento transversal que impossibilita estabelecer relações causais por não demonstrar a ocorrência de uma sequência temporal entre exposição, e fato subsequente ao desenvolvimento da doença ou desfecho. Todavia, pode-se inferir que a padronização dos critérios de elegibilidade realizada anteriores a busca nas bases de dados, reduziu o risco de subjetividade ao delimitar os artigos.

Diante das limitações observadas quanto as divergências dos estudos relacionadas aos delineamentos, metodologias, variações ambientais e temporais em que foram realizadas, pode-se inferir a impossibilidade de afirmar que a baixa ingestão de cálcio seja a causa ou a consequência do aumento do número de crianças e adolescentes obesos, mesmo tendo sido observado alta prevalência de inadequação destes nutrientes na população estudada. Todavia, ainda é necessário estudos que quantifiquem valores ideais desses micronutrientes para a redução da adiposidade corporal para serem utilizados futuramente no tratamento da obesidade.

CONCLUSÃO

A associação entre a ingestão de cálcio e a obesidade entre crianças e adolescentes é completa e requer, mas estudos para elucidar essa relação. Em estudos longitudinais foi evidenciado maiores valores de circunferência da cintura em grupos com menor ingestão de cálcio. Está associação pode ser influenciada pelo sexo dos indivíduos e pela fase em que se encontra, como o estirão puberal. Foi considerado também que o cálcio proveniente de fonte láctea é um mecanismo protetor contra o aparecimento de sobrepeso e obesidade.

Outro aspecto analisado determinou que valores médios adequados de ingestão de cálcio e uma menor porcentagem de gordura corporal foram atingidas no grupo com um maior consumo de vitamina D. Além disso, a maioria dos estudos obteve valores que não supriram nem 50% das necessidades médias estimadas para a ingestão de cálcio sendo menor entre os obesos. Desse modo, considera-se importante a avaliação desse mineral, especialmente entre indivíduos com maior risco da deficiência dele, e o incentivo de adoção de medidas preventivas como adesão a alimentação saudável e equilibrada e atividade física regular.

REFERÊNCIAS

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