REINVENTANDO A EDUCACÃO̧ EM SAÚDE EM ÉPOCA DE PANDEMIA: RELATO DE CASO

REINVENTING HEALTH EDUCATION IN A TIME OF PANDEMIC: CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10799065


Vanessa Saling Guglielmi¹; Julia Silva Sarkis²; Juliana Fontana Josende³; Mariana Brandalise4; Maria Renita Burg5; Vanessa Cardoso Fontana6.


Resumo

Introdução: O mundo enfrentou uma pandemia devido ao Coronavírus, desde dezembro de 2019. Diante disso, as tecnologias tiveram importante papel na manutenção da vida, seja acadêmica, seja social. O objetivo deste relato foi exemplificar uma forma de reinvenção da metodologia pedagógica de uma cadeira prática da faculdade de Medicina em meio a pandemia. Relato de caso: Trata- se de um relato de caso de acadêmicas de uma faculdade privada de Medicina. Juntamente com as professoras, tiveram de se reinventar e adaptar às mudanças impostas pelo novo vírus para alcançar as habilidades e competências exigidas pela disciplina, mesmo que de uma forma remota. Discussão com revisão de literatura: Por meio de artigos, foi ratificado o relato de experiência vivenciada. Discutiu- se sobre a hibridação do ensino e a importância que a revolução pedagógica teve a fim de evitar falhas na educação. Além disso, comprovou- se a crescente vulnerabilidade dos estudantes, principalmente do curso de Medicina, bem como da população em geral devido à pandemia. Comentários Finais: Conclui -se que mesmo com tamanha insegurança diante do novo cenário, o aprendizado foi recriado, permitindo o alcance pleno dos objetivos inicialmente propostos pela disciplina.

Descritores (Palavras chave): Educação em Saúde, Tecnologia, Ensino, COVID 19

Keywords: Health Education, Technology, Learning, COVID 19

INTRODUÇÃO

Desde o mês de dezembro de 2019, o mundo esteve voltado à COVID 19, doença causada por um novo coronavírus (COVID 19) que repercutiu em uma pandemia de difícil controle. Os primeiros casos da doença foram relatados em Wuhan, na China, e em março de 2020 foram confirmados casos em todos os continentes do mundo(1).

No Brasil, o primeiro caso da COVID 19 foi identificado em 25 de fevereiro de 2020 e, de acordo com o Ministério da Saúde, o número de pessoas infectadas aumentou exponencialmente. Os indicadores colocaram o Brasil entre os líderes mundiais em mortes pelo COVID 19 em 2020(2).

O Coronavírus é um vírus zoonótico, da ordem Nidovirales, da família Coronaviridae. Esta é uma família de vírus que causa infecções respiratórias, a qual foi isolada pela primeira vez em 1937 e descrita como tal em 1965, em decorrência do seu perfil na microscopia, parecendo uma coroa(3). No entanto, o vírus causador desse cenário mundial foi originado devido a uma mutação e, por isso, o SARS CoV 2 é chamado de novo coronavírus. O diagnóstico definitivo do COVID 19 é feito com a coleta de aspirado de nasofaringe, swabs combinado (nasal/oral) ou amostra de secreção respiratória inferior. Com o diagnóstico feito, recomenda -se que casos graves sejam encaminhados a um hospital de referência para isolamento e tratamento. Já os casos leves, devem ser acompanhados pela atenção primária em saúde e instituídas medidas de precaução domiciliar, ou seja, sendo necessário o isolamento social, para evitar a disseminação do vírus(3). A principal forma de transmissão do Coronavírus é pelo alcance de gotículas respiratórias e aerossóis de uma pessoa doente, liberadas pela tosse, espirro ou fala, a uma outra pessoa através do ar ou alguma superfície. Essas gotículas e aerossóis carregam o coronavírus e infectam as pessoas a partir do contato com as mucosas(4).

Frente a esse cenário, o mundo procurou as melhores alternativas possíveis para o enfrentamento da pandemia, com o objetivo e a esperança de superar juntos as repercussões negativas que a redução do convívio social causou. Para isso, foram criadas estratégias dinâmicas e atualizadas para atender a população, visto que o Brasil possui dimensões continentais, demandando quantitativo considerável de profissionais de saúde para atuar em diversos cenários, como no planejamento estratégico, epidemiológico, administrativo e da linha de frente assistencial hospitalar(1).

Com o avanço da pandemia, houve significativa sobrecarga nos serviços de saúde devido ao contínuo aumento de asos suspeitos e confirmados de COVID 19. No futuro, a demanda relacionada à saúde mental poderá ser outro fator de crise para o Sistema de Saúde. Isso, devido às repercussões negativas da pandemia que afetam a coletividade, principalmente profissionais da saúde e estudantes da área. Eles vivenciam, cotidianamente, desgaste emocional por lidarem com fatores estressores no ambiente de trabalho que se exacerbam em momentos tão difíceis como o atual(1).

No Brasil, a rede de Atenção Psicossocial (RAPS) foi uma grande aliada para o acolhimento aos profissionais de saúde que necessitam suporte psicossocial durante e após a pandemia na rede pública de saúde. Os hospitais, por sua vez, também disponibilizam suporte de saúde mental para seus colaboradores(1;5).

A esfera da educação foi significativamente impactada pela nova realidade que a pandemia do Coronavírus estabeleceu. Em razão das medidas sanitárias e de distanciamento social, o ensino presencial tornou se inviável e se fez necessário adaptar disciplinas já em andamento de forma presencial ao ensino remoto. A transformação no sistema educacional teve que ser realizada rapidamente, de forma que, em poucas semanas, professores precisaram transpor conteúdos a plataformas online e recriar aulas práticas para o ensino remoto à distância (EAD)(6).

A utilização de novas estratégias pedagógicas no processo ensino aprendizagem à distância se mostrou um desafio tanto para os professores, quanto para os estudantes que, no contexto de pandemia, se depararam com a necessidade imediata do uso e domínio de tecnologias e plataformas de informação e comunicação. A capacitação docente, a adaptação do ensino, o manejo do tempo para estudo e a garantia de acesso por parte dos alunos são alguns aspectos que, repentinamente, tornaram -se uma questão importante na administração da comunidade acadêmica(7;8;9).

Nesse contexto, apesar das dificuldades iniciais e da posição contrária do Conselho Nacional de Saúde à autorização de curso de graduação de Medicina de forma remota, o estado epidemiológico mobilizou prioridades, e interrompeu discussões de caráter jurídico que impedissem o ensino à distância. Desse modo, a disseminação das atividades educacionais de forma remota passou a ser apresentada como a opção mais viável, visando a não interromper o calendário acadêmico letivo das universidades. Sendo assim, foi evidente a necessidade da reinvenção e adaptação do modelo educacional tradicional para outro que atenda às necessidades desse cenário(10).

Assim, diferentes disciplinas exigiram reinvenção por parte dos professores, bem como dos alunos. Uma das disciplinas que precisou se adaptar ao ensino remoto foi a de Práticas Interprofissionais de Educação em Saúde. Esta contempla a Educação Interprofissional que é uma modalidade de formação em saúde que potencializa o ensino, focando no trabalho em equipe integrado e colaborativo entre estudantes ou profissionais de diferentes áreas com o direcionamento nas necessidades de saúde dos usuários e da população, com a finalidade de melhorar as respostas dos serviços a essas necessidades e a qualidade da atenção à saúde(11). Esta realidade vai de encontro ao preconizado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Medicina(12) que elenca entre as competências a serem adquiridas pelos alunos na formação o cuidado centrado na pessoa, na família e na comunidade, no qual prevaleça o trabalho interprofissional, identificando objetivos e responsabilidades comuns entre profissionais de saúde e usuários no cuidado. A educação interprofissional potencializa o ensino e o estudo dos trabalhos em saúde fazendo com que isso se torne cada dia mais a realidade dos estudantes e profissionais.

Considerando a singularidade do momento vivido, acredita- se na importância de relatar a experiência vivenciada em uma disciplina de educação em saúde que foi adaptada para a forma remota, sendo necessária a inovação e a reinvenção da educação em saúde em meio a um contexto tão conturbado e único a pandemia do COVID 19. Justamente por ter sido uma realidade mundial, é um tema ainda discutido, em contrapartida, não há significativas quantidades de relatos de experiência sobre isso, reforçando a importância dessa abordagem.

APRESENTAÇÃO DO CASO

Trata se de um relato de experiência vivido no primeiro semestre de 2020, por acadêmicas do terceiro semestre do curso de medicina de uma universidade privada da região metropolitana de Porto Alegre (RS) em uma disciplina de educação em saúde que foi adaptada para a forma remota sendo necessária a reinvenção da metodologia em realizar educação em saúde em meio a um contexto tão conturbado e único a pandemia do COVID 19.

A disciplina de Práticas Interprofissionais de Educação em Saúde está inserida dentro da proposta de curricularização da extensão da universidade, a qual prioriza a articulação dinâmica entre educação e trabalho, extensão e pesquisa, teoria e prática e integração ensino serviço comunidade, a partir de uma perspectiva sistêmica e empreendedora. A referida disciplina foi elaborada para interligar a teoria com a prática em campo, buscando realizar atividades benéficas para a comunidade. No entanto, com a chegada da pandemia no mundo e do ensino remoto emergencial, a metodologia da disciplina precisou ser reestruturada para se encaixar neste novo cenário. Com isso, foram implementadas novas ferramentas que possibilitaram a substituição da prática em campo pela prática remota utilizando de alguns recursos tecnológicos e inovadores como formulários eletrônicos, podcasts, vídeos interativos, e outros materiais educativos disponibilizados virtualmente.

A proposta inicial da disciplina era realizar seis encontros presenciais em diferentes cenários de práticas (comunidades quilombolas, UPAs, Unidades Básicas de Saúde, Instituições de Longa Permanência de Idosos, Programa de Saúde na Escola e Educação de Jovens e Adultos, Grupo de convivência de idosos, Grupo de doenças crônicas, Grupo de gestantes, APAES, entre outros) levando educação em saúde para essas populações.

A Pandemia do COVID 19, porém, quando virou realidade, impossibilitou os encontros presenciais e visitas em campo, sendo assim necessário implementar encontros semanais por plataformas digitais. Então, em conjunto com os alunos, as professoras planejaram alternativas viáveis para dar continuidade à disciplina, sem perder a essência e o foco que é promover educação em saúde para a comunidade com qualidade.

Após a “nova” metodologia definida, os acadêmicos foram divididos em grupos multiprofissionais e iniciou -se o planejamento das ações de educação em saúde. Foi definido o tema que seria abordado e qual o público que seria atingido levando em consideração aspectos culturais, econômicos e sociais. Estas definições foram compartilhadas entre os demais colegas e professores através de um seminário integrador a fim de realizar ajustes se necessário.

O tema escolhido pelo grupo foi trabalhar a saúde mental demonstrando a importância das tecnologias digitais como meios de comunicação durante a quarentena pela população geral. O primeiro desafio dessa nova metodologia, foi a produção de um podcast (aproximadamente 3 minutos) sobre o assunto (mostrar a importância da tecnologia e dos meios de comunicação, por meio de plataformas virtuais de texto e vídeo, no que diz a respeito das relações interpessoais durante a quarentena). Nenhum componente do grupo havia feito um podcast anteriormente, o que demandou bastante tempo e pesquisa para a realização desta tarefa. Logo a seguir, iniciou -se a elaboração de um vídeo interativo (aproximadamente 5 minutos), também muito desafiador e enriquecedor. Um formulário eletrônico foi criado com questões referentes ao assunto abordado no podcast e no vídeo para verificar o impacto dos conteúdos criados. Esses instrumentos foram enviados por aplicativos de mensagens para 51 pessoas. Os materiais produzidos foram avaliados positivamente por todos aqueles que tiveram acesso ao material. A disciplina foi finalizada com um seminário integrador relatando as experiências vivenciadas e apresentando os resultados obtidos, sintetizados em um resumo expandido.

DISCUSSÃO COM REVISÃO DE LITERATURA

Segundo o artigo: “A Educação Híbrida em Tempos de Pandemia: algumas considerações”, o tempo de pandemia pelo Coronavírus trouxe uma ressignificação para a educação, nunca antes imaginada. Por conta de medidas para se evitar a propagação da contaminação, o distanciamento social se tornou realidade. A revolução pedagógica, mesmo que tenha causado certo estranhamento inicialmente, foi de suma importância para evitar grandes perdas na educação e teve como ferramental principal a internet, fato que foi corroborado neste relato de caso(13).

É válido ressaltar que os estudantes universitários, principalmente os do curso de Medicina e Enfermagem, compõem um grupo vulnerável para o adoecimento mental. Com o cenário da pandemia, tal vulnerabilidade se exacerbou. Para Teixeira(14), essa alta prevalência de transtornos mentais é decorrente de vários fatores, como a exposição a uma carga horária extenuante, o estresse, as cobranças pessoais e externas. Os índices de sofrimento psíquico em estudantes do curso de Medicina demonstram -se elevados. Em contrapartida, o autor elencou alguns fatores de proteção como: ser do sexo masculino; ter mais de 29 anos; estar em união estável ou casado; estar nos três últimos anos da graduação; praticar atividades como passatempo e seguir uma rotina saudável; não ter adoecido e não ter parentes com a doença; não trabalhar ou ter alguém trabalhando fora de casa; não ter histórico de transtorno mental prévio.

Além do núcleo acadêmico, a população como um todo apresenta sinais de esgotamento. Em um estudo feito com a população chinesa,(1) observou- se impactos psicológicos, como ansiedade, percepção de estresse e depressão desde o início da epidemia por Covid 19 naquele país, que foram aumentando gradativamente durante o curso da doença. Sendo assim, se na população geral os impactos psicológicos gerados pelas epidemias e pandemias foram intensos, nos profissionais de saúde eles são ampliados, especialmente os que estiveram na linha de frente na assistência. Os profissionais chineses relataram sofrer de depressão, ansiedade, medo e sensação de frustração cotidianamente, além de passar a consumir mais álcool e tabaco. Foi destacado também o aumento de estresse pós- traumático(1).

No Brasil, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) foi uma grande aliada para o acolhimento aos profissionais de saúde que necessitaram suporte psicossocial durante e após a pandemia. A RAPS foi criada em 2011 com o intuito de ampliar e articular os pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)(5).

Em frente ao cenário atual, percebe- se que tais ferramentas de suporte à saúde mental foram de excepcional importância. A necessidade de redes de apoio plenamente capacitadas para amparar a população em momentos de instabilidade se mostrou necessária e eficaz não somente durante momentos de crise, como também de forma ininterrupta em um quadro pós -pandêmico.

COMENTÁRIOS FINAIS

Inicialmente, diante da notícia da suspensão das aulas e da necessidade do isolamento social e, consequentemente, do ensino remoto, o sentimento de insegurança quanto à qualidade da aprendizagem surgiu. No entanto, com o decorrer da disciplina, tanto a preocupação das professoras com a formação acadêmica dos alunos, quanto o comprometimento desses com sua aprendizagem, permitiu a construção de uma metodologia inovadora e eficaz, que se perpetua até os dias atuais.

As tecnologias e as plataformas de educação continuam sendo amplamente utilizadas em nível mundial; apesar do seu uso ter aumentado como uma necessidade emergencial, elas se estabeleceram como ferramentas imprescindíveis, amenizando hiatos gerados pelo isolamento social desde o início da pandemia.

Por fim, apesar de tantas incertezas naquele momento ímpar, o grupo conseguiu realizar plenamente a atividade de educação em saúde proposta. Além disso, inúmeros conhecimentos singulares foram acrescidos à formação acadêmica das alunas, as quais agora estão no último ano do curso, devido às circunstâncias que fizeram necessário o desenvolvimento de habilidades e competências que, normalmente, não seriam encorajadas com a mesma veemência.

REFERÊNCIAS

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  2. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS): Guia de Vigilância Epidemiológica do COVID 19. Banco de dados do Sistema Único de Saúde DATASUS. Disponível em: https://datasus.saude.gov.br/populacao residente/. Acesso 28 abril 2021.
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  4. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES). Desenvolvido pela Assessoria de Comunicação Social. 2021. Disponível em: https://coronavirus.saude.mg.gov.br/blog/165 transmissao aerossois covid 19. Acesso 25 abril 2021.
  5. Ministério da Saúde. Rede de Atenção Psicossocial RAPS. PORTARIA No 3.088, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2011. Disponível: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html. Acesso 18 abril 2021.
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¹Acadêmica de Medicina
²Acadêmica de Medicina
³Acadêmica de Medicina
4Mestre Professora Adjunta nível I Universidade Luterana do Brasil Canoas/RS
5Mestre Professora Adjunta nível I Universidade Luterana do Brasil Canoas/RS
6Acadêmica de Medicina