REFORÇADORES SOCIAIS E SUAS IMPLICAÇÕES NO COMPORTAMENTO DEPRESSIVO

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.8353319


Lucas Cardoso De Magalhães De Oliveira
Márcia Lobo Teixeira
Isabela Max Crema Souza
Amanda Cristina Da Silva Prado
Ana Lúcia Almeida Rodrigues


RESUMO

A depressão é uma das psicopatologias mais incidentes atualmente. A sua sintomatologia se caracteriza pelo humor distímico suficiente grave ou persistente. Para a análise do comportamento, o objeto de intervenção e análise seriam justamente os comportamentos típicos de indivíduos depressivos, comportamentos esses que por muitas vezes estariam passíveis de manutenção por atenção social. Este estudo objetivou analisar a respeito das implicações negativas e positivas da atenção contingente aos comportamentos depressivos, buscando compreender as gêneses da mesma e seus sistemas de reforçamento via atenção social. Através de uma busca bibliográfica na literatura analítica-comportamental, foi-se analisado os mais relevantes estudos do tema alvo. Os resultados obtidos são que o comportamento depressivo está diversas vezes sendo perpetuado por reforçamento positivo de atenção social, independente da consciência do sujeito sobre tal processo. Além deste achado, evidências sobre a importância da criação de habilidades sociais como estratégia eficaz no tratamento à depressão se mostraram promissoras.

Palavras-chave: depressão; clínica comportamental; atenção social; habilidades sociais.

INTRODUÇÃO

Em meados do século XX com os estudos de John Watson e Burrhus Frederic Skinner, uma nova área da psicologia surge a fim de estudar aspectos do comportamento humano. Desde então a aplicação das técnicas provenientes desses estudos contribuem no tratamento psicológico a diversas patologias e disfunções comportamentais advindas delas como fobias, transtorno de espectro autista, ansiedade e a própria depressão que é o foco dessa análise (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).

O DSM-5 define o transtorno depressivo como um estado de tristeza suficientemente grave ou persistente para interferir no funcionamento e, muitas vezes, para diminuir o interesse ou o prazer nas atividades. A exatidão do que a causa é desconhecida, embora acredita-se envolver fatores hereditários, alterações nos níveis de neurotransmissores, disfunção neuroendócrina e fatores psicossociais (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). Para alguns psicólogos como Fester (1973), a depressão pode ser observada através da redução na frequência de certos comportamentos desejáveis em seu repertório. Analisando melhor o indivíduo depressivo, observamos que ele geralmente apresenta uma responsividade ao ambiente afetada, fazendo com que os reforçadores para respostas antissociais se sobressaiam aos de respostas desejáveis socialmente (CAVALCANTE, 1997).

Entende-se como reforçamento o processo de eliciar ou aumentar a probabilidade de ocorrência de um comportamento através da apresentação de um estímulo (CATANIA, 1998). De acordo com Moreira e Medeiros (2019) reforçadores sociais como sorriso, fala, abraço, toque, conversa, gestos e atenção podem ser estímulos reforçadores consideravelmente fortes para alguns indivíduos. Esses reforçadores sociais possuem tamanha força no desenvolvimento humano que suas implicações podem tanto auxiliar no tratamento de uma pessoa depressiva ou até mesmo piorar o quadro do mesmo. Acontece que por muitas vezes buscando estimular a socialização de uma pessoa mais isolada socialmente, profissionais de saúde, psicólogos não habituados com técnicas analítico-comportamentais, pais, colegas e professores podem, apesar da boa intenção, acabar reforçando esse comportamento esquivo e antissocial através do reforçamento positivo agenciado pela atenção (MARTIN; PEAR, 2015). 

Apesar do senso comum aliado a uma atitude quase que natural de acolher e buscar ajudar indivíduos em um estado de esquiva social, a ciência da psicologia comportamental orienta que ações como essas podem acabar perpetuando o comportamento indesejado, o que em última análise pode gerar mais sofrimento para o indivíduo depressivo (MARTIN; PEAR, 2015). Por outro lado, a negligência de atenção e estímulos sociais a uma criança ou adolescente podem acarretar em danos severos em sua socialização e desenvolvimento, podendo até mesmo levar à depressão. Skinner (1953) alerta sobre um ambiente não responsivo na infância como um possível preditor de uma busca deficitária e arriscada de atenção e satisfação social, assim como poder levar a um caminho de anedonia, onde tais estímulos são enfraquecidos a tal ponto onde não há mais a função de recompensa e prazer.

Os achados da Análise Experimental do Comportamento sobre uma análise funcional de comportamentos de forma geral, nos apontam quatro grandes funções que o comportamento detém, dentre uma delas o reforçamento positivo por atenção social (IWATA, 1994; BLOOM,

2011). Tais resultados demonstram que comportamentos indesejáveis, assim como os desejáveis, podem ser selecionados e mantidos por reforçamento social, ou seja, uma análise funcional de comportamentos típicos de quadros depressivos pode apontar certa manutenção e perpetuação dos mesmos por uma busca de atenção social por parte do indivíduo, mesmo que ele não possua consciência desse processo.

Esse artigo pretende discorrer acerca das implicações do reforçamento social no tratamento de indivíduos depressivos, buscando nas questões socioambientais e psicológicas explorar as gêneses e impactos nas intervenções. Tendo como grande questionamento como o uso de reforçadores sociais implicam positivamente e negativamente nos comportamentos depressivos.

Uma vez que os reforçadores sociais exercem uma força considerável na modificação comportamental e desenvolvimento dos indivíduos (SKINNER, 1995), ela pode ser tanto uma forte aliada nas estratégias de intervenção aos indivíduos depressivos quanto um grande empecilho ao reforçar comportamentos não desejáveis durante os tratamentos (MARTIN; PEAR, 2015). Compreender as diversas gêneses biopsicossociais da depressão e sua relação com o sistema de reforçamento social, ajudará na formulação de novas estratégias e rever antigos comportamentos que podem atrapalhar ou piorar esses quadros. 

Portanto, os objetivos desse estudo focam em compreender: as implicações que os reforçadores sociais geram no comportamento depressivo; a força e importância das interações sociais no comportamento humano; as gêneses da depressão e a caracterização de seus comportamentos mais incidentes; e analisar as implicações positivas e negativas das interações sociais para com o comportamento depressivo.

MÉTODO

Foi realizada uma pesquisa bibliográfica acerca do tema proposto. A busca pela bibliografia se deu através de livros relacionados ao assunto à disposição dos pesquisadores. A busca bibliográfica se deu também livros e artigos em plataformas, revistas e compiladores digitais na internet, se destacando o Google Acadêmico, a plataforma SciElo e outras plataformas próprias de universidades e pesquisas. Dentre os termos escolhidos para a triagem dos artigos relevantes, destacamos: comportamento depressivo, reforçadores sociais, negligência no desenvolvimento, socialização e depressão, análise funcional do comportamento, entre outros assuntos afins. A confecção da pesquisa foi baseada na leitura e análise dos textos, artigos e livros selecionados com o objetivo de discorrer acerca dos conhecimentos que temos atualmente em nossa rede bibliográfica sobre o tema escolhido.

REFORÇADORES SOCIAIS E COMPORTAMENTO HUMANO

A relação entre o desenvolvimento humano e a importância da socialização entre seus pares têm se mostrado um grande objeto de estudo e reflexão através da história. Uma amostra dessa inclinação se data desde a Grécia Antiga, onde Aristóteles (2011) afirma em sua célebre frase “O homem é um animal social”. Isso nos demonstra que já na antiguidade havia a noção de que a socialização com o outro seria de suma importância para o desenvolvimento de um indivíduo e sociedade saudáveis. Para Papalia e Feldman (2013), o ser humano necessita do contato social nos diversos estágios de sua evolução pessoal e desenvolvimento tanto biológico quanto social, uma vez que desde antes de seu nascimento, o indivíduo já se encontra inserido em um grupo social e que durante o decorrer de sua vida participará inevitavelmente de diversos outros (DURKHEIM, 2007). 

Para a psicologia comportamental, a concepção dessa necessidade social não é muito diferente. Uma vez que um comportamento ocorre sob a influência de um estímulo ambiental, e que ambiente pode ser definido como tudo que interage, afeta e é afetado pelo indivíduo (SKINNER, 1953), a interação com o outro, os grupos sociais, e tudo que se deriva dessa relação, também se encaixa no conceito de ambiente e, portanto, exerce influência sobre um comportamento. Como já citado anteriormente, para um comportamento se perpetuar ele deve ser estimulado pelo ambiente e deve resultar em consequências reforçadoras para o indivíduo. Esse sistema possibilita ao ser humano a aprendizagem, evolução e desenvolvimento social e individual, além de estimular o engajamento em atividades potencialmente recompensadoras e biologicamente desejáveis (BAUM, 1999). Diante da exposição já feita acerca da importância para espécie humana da socialização e desejabilidade social é de se esperar que tais interações sociais sejam biologicamente recompensadoras, se caracterizando como um forte reforçador natural do comportamento (SKINNER, 1995).

Ainda na psicologia comportamental, deve-se ressaltar os estudos de Iwata (1994) e Bloom (2011) que delimitaram e classificaram as diferentes funções que um comportamento pode ter e buscaram desenvolver métodos confiáveis para realizar essa análise funcional. De uma forma geral o comportamento tem 4 funções específicas: acesso a item; fuga de demanda; reforço automático; e atenção social, sendo essa mantida especificamente por reforçamento positivo. Os estudos citados acima foram focados na identificação confiável da função de comportamentos autolesivos em indivíduos neurodivergentes, obtendo sucesso no que se propuseram. Em contextos clínicos, a identificação precisa da função de um comportamento ajuda significativamente na elaboração de intervenções terapêuticas eficientes para o indivíduo (SELLA; RIBEIRO, 2018). Logo, é possível imaginar que ao lidarmos com pessoas com quadro depressivo, a análise funcional desses comportamentos depressivos pode acusar a manutenção por reforçamento social, portanto a atenção social teria assim um papel importantíssimo na perpetuação do estado depressivo que por vezes está invisível aos olhos dos psicólogos.

Moreira e colaboradores (2021) realizaram um levantamento de pesquisas que abordavam a atenção como reforçador de diversos comportamentos. Os resultados encontrados pelos pesquisadores evidenciam como que o reforçamento social é eficiente quando utilizado de maneira correta para modificação de comportamentos como na aquisição linguística, manutenção do comportamento verbal e de aprendizagem (GREENSPOON, 1955; SALZINGUER, 1963; HALL; LUND; JACKSON, 1968). Outros achados demonstram como que a atenção redirecionada por professores, alunos e colegas impactam em comportamentos indesejados socialmente como o de birra, dispersão e perturbação, podendo tanto servir como agente de extinção e modificação de comportamento como, de maneira mal utilizada, perpetuando maus comportamentos (WILLIAMS, 1958; JONES; DREW; WEBER, 2000). No tocante à prática clínica, os reforçadores sociais são uma categoria de estímulos amplamente utilizada, uma vez que tais reforçadores são dotados de qualidades muito desejadas que aumentam a eficiência de condicionamento, controle e modificação do comportamento alvo. Dentre tais características favoráveis, se destacam:  facilidade de emissão e controle; eficiência na relação uso-resultado; são desejáveis à maioria dos indivíduos; e possuem resistência à saciedade (MARTIN; PEAR, 2015). Elogios, incentivos, afagos e outros tipos de interação são muito mais acessíveis e práticos de se usar do que por exemplo, reforçadores como brinquedos e comidas que podem não estar disponíveis em determinados ambientes e situações ou ter sua saciação/privação não ajustada. 

Outra situação utilizada em contexto clínico se dá na intervenção ABA (Applied Behavior Analysis) muito aplicada na intervenção do transtorno do espectro autista (TEA). Sella e Ribeiro (2018) dissertam sobre estratégias de tratamento para crianças autistas, uma das mais citadas diz respeito ao uso de reforçadores sociais para estimulação do contato visual, diminuição de estereotipias e criação de comportamentos desejáveis, dentre eles o de comunicação e linguagem.

Tanto no contexto clínico quanto no cotidiano dos indivíduos, os reforçadores sociais se demonstram sempre presentes, uma vez que o ambiente social se vale de grande parte da vida das pessoas. É quase impossível desconciliar o fator social na manutenção do comportamento dos indivíduos tendo em vista que todas as interações humanas, incentivadoras (elogios, cumprimentos, convites, atenção positiva, etc.) ou não (represálias, discussões, ofensas), são potencialmente reforçadoras de comportamentos desejáveis e indesejáveis pelo simples fato de haver a troca social entre indivíduos (SKINNER, 1953). E é exatamente por conta desse potencial por vezes desconhecido por outros profissionais, familiares e amigos que comportamentos tipicamente depressivos podem continuar se perpetuando mesmo que sem haver essa intenção como veremos mais a diante (MARTIN; PEAR, 2015; FERSTER, 1973).

GÊNESE E CARACTERIZAÇÃO DA DEPRESSÃO

Mesmo havendo diversos estudos na área psicopatológica e contando com a ajuda de manuais conceituados sobre o assunto como o DSM 5 (APA, 2014) e o CID-10 (OMS, 1994), a conceitualização sobre o que seria a depressão ainda é uma discussão persistente entre acadêmicos e profissionais de saúde. Isso se dá pelas diferentes abordagens, técnicas, teorias e campos do saber científico que vão consequentemente atribuir uma etiologia e características da patologia provavelmente diferentes (mas não necessariamente excludentes) uma da outra. Como já citado anteriormente, a Associação Americana de Psiquiatria (APA, 2014) caracteriza a depressão como um estado de tristeza constante e redução da sensação de prazer em atividades. Mesmo sendo um desafio definir a causalidade, seus critérios diagnósticos se mostram bem sólidos em relação ao comportamento típico de um depressivo. 

A APA (2014) em seu manual ainda divide a depressão em diferentes subtipos de acordo com a intensidade, manifestação e relação biológica e ambiental dos sintomas no sujeito, tendo a depressão maior como o caso mais genérico seguido de algumas derivações como distímica, atípica, sazonal, etc., e até mesmo em transtornos de personalidade como o Transtorno Bipolar. Dalgalarrondo (2008) descreve a caracterização sintomática da manifestação depressiva relacionados aos critérios diagnósticos, como destacam-se: 

  • Sintomas afetivos: tristeza, apatia, irritabilidade, ansiedade, desespero, desamparo.
  • Alterações instintivas: insônia, anedonia, desânimo, diminuição do desejo sexual, perda ou ganho de apetite.
  • Alterações ideativas e de autoestima: pessimismo, ideação suicida, arrependimento, culpabilização e redução da autoestima.
  • Alterações cognitivas: déficits na atenção, memória, tomada de decisão e concentração.
  • Alterações da volição e motricidade: mutismo, negativismo, isolamento social, lentificação psicomotora.
  • Sintomas psicóticos: tipos de delírios e alucinações.

No que se trata da gênese da depressão, ou seja, sua etiologia, causa e formação, a literatura especializada entende como uma construção multifatorial, sendo afetada por fatores biológicos como genética, hereditariedade e disfunções neuroendócrinas e por fatores ambientais como a cultura, meio social, alimentação e estilo de vida (OMS, 1994). Uma das causas biológicas mais atreladas à depressão são disfunções de neurotransmissores, principalmente a serotonina que entre suas atribuições está como reguladora do humor, sendo o reconhecido neurotransmissor da felicidade (APA, 2014; FUENTES et al., 2013). Essa disfunção da serotonina gera o rebaixamento do humor do indivíduo, além de atrapalhar o sistema de recompensas natural do organismo, causando prejuízos na experienciação de atividades que normalmente seriam prazerosas (FUENTES et al., 2013). Tendo em vista o que já foi citado sobre a importância e força dos estímulos sociais para o desenvolvimento de um indivíduo, imagine um jovem que apresente esse déficit na sensação de “recompensa e prazer” nas suas atividades e alie isso a tentativas falhas de socialização desse jovem onde o fator crucial que seria a recompensa pelo reforço social acaba ficando em cheque. Muito provavelmente essa cadeia de comportamentos sociais não seria reforçada, e com isso o jovem deixa de ativar vias neuronais serotoninérgicas (FUENTES et al., 2013) e acaba alimentando ainda mais o comportamento depressivo de isolamento social e rebaixamento de humor, gerando assim uma cadeia cíclica de eventos negativos reforçadores da depressão (SKINNER, 1953; BECK, 1967; FERSTER, 1973). 

Apesar da comunidade psiquiátrica e psicológica no geral adotarem as definições dadas pela APA e OMS, a área da psicologia analítica-comportamental foca seus estudos no que seria o objeto mais facilmente observável e manipulável da depressão, o comportamento. Ferster (1973) em seus estudos sobre a depressão demonstrou que os sintomas mais recorrentes da depressão são puramente mudanças em padrões de comportamentos. Evidencia-se que indivíduos ditos depressivos demonstram comportamentos de irritabilidade, fuga e isolamento em comunhão com um dos principais traços da doença, a diminuição de comportamentos antes, ou comumente, reforçadores. Como bem apontado pelo mesmo e por Lewinsohn (1974) essa diminuição da frequência dos comportamentos desejáveis se dá por conta da redução da apresentação ou pela força dos estímulos. Ou seja, seguindo o modelo de comportamento operante o comportamento começa a se extinguir a partir do momento em que os estímulos que antes lhe reforçavam já não estariam mais contingentes. Seguindo nessa linha de pensamento, os comportamentos característicos da depressão não só se sustentam como também se reforçam. 

Utilizando como exemplo um indivíduo que desenvolveu a depressão em sua infância, a condição de baixa responsividade a reforçadores normalmente prazerosos faz com que os reforçadores sociais também recebam um enfraquecimento no poder de recompensar. Com isso, atividades básicas de socialização onde o indivíduo ganharia habilidades sociais e estaria numa dinâmica de aprendizado e desenvolvimento com seus pares deixa de ser recompensadora e por vezes pela falta dessas habilidades não adquiridas, essa criança se torna “chata” ou “aversiva” para os outros e a contingência passa a ser de punição para tal comportamento, gerando uma criança cada vez mais reclusa não somente por não ser recompensada, mas também para evitar a punição (LEWINSOHN, 1974).

A análise do comportamento vê então a origem e perpetuação da depressão como situações que em determinados momentos certas contingências reforçadoras de comportamentos desejáveis foram extintas ou trocadas por contingências punidoras (ex: criança deixa de ser elogiada ao ir bem na escola; demonstrações de afeto não são retribuídas ou são ignoradas; competitividade exagerada durante um desafio). E em contrapartida, determinados comportamentos típicos de depressivos foram instaurados e conservados ao evitar estímulos aversivos numa contingência de reforçamento negativo (FERSTER, 1973). Dentre as situações punidoras podemos citar o abuso infantil, negligência e abandono parental, exigência e crítica extrema, etc (DOUGHER; HACKBERT, 2003).

No entanto se torna impossível falar sobre a etiologia dos comportamentos depressivos sem citar um dos mais importantes estudos na área, a pesquisa de Maier e Seligman (1976) sobre o modelo do desamparo aprendido. O estudo se deu com cães onde um grupo de controle ficava numa caixa sem receber choques e outro grupo de cães ficava em outra caixa, mas recebia choques em determinados momentos. Ao longo da primeira fase, percebeu-se que uma parte dos cães que recebiam os choques começaram a não responder mais aos estímulos aversivos de choque, como que estivessem aceitando a sua condição. Na segunda fase do experimento, os dois grupos de cães foram colocados em mais uma caixa que mais uma vez lhe davam choques, porém se eles pulassem uma barreira, não receberiam mais choques e escapariam do estímulo aversivo. Como resultado os cães que antes não recebiam choques aprenderam a pular a barreira para evitar o choque, já os que recebiam choques antes simplesmente continuavam a receber os choques sem nem ao mesmo tentar pular a barreira mesmo estando em um ambiente diferente. Ao fim do teste percebeu-se que os cães que não reagiam aos choques desenvolviam dificuldades para aprendizagem, demoravam mais para exibir qualquer comportamento e exibiam humor rebaixado e negativo. Através desse experimento os pesquisadores cunharam o significado de desamparo aprendido, que seria quando um organismo exposto forçadamente à estímulos aversivos passa a não demonstrar mais esforços de evitação de tais estímulos mesmo quando essa possibilidade existe (MAIER; SELIGMAN, 1976). O organismo então estaria condicionado a não buscar essa fuga dos estímulos aversivos, uma vez que antes não funcionariam.

Essa pesquisa fez com que diversos psicólogos e psiquiatras buscassem a relação entre o desamparo aprendido e a depressão clínica, uma vez que a implicação para ambas as condições obedeceria aos mesmos preceitos de condicionamento da análise comportamental. Alguns ensaios feitos com seres humanos indicam que parte das amostragens desenvolvia sintomas parecidos com os cães, porém uma parte considerável não desenvolveu. A ideia é que fatores como a percepção que o indivíduo tem da situação e a predisposição de responsividade aos estímulos aversivos são determinantes para o estabelecimento ou não do desamparo aprendido (PETERSON et al., 1993). A depressão seria então vista mais uma vez como uma série de comportamentos condicionados a estímulos aversivos, porém com a percepção individual da situação como forte modificador do comportamento depressivo, ideia essa que se aproxima teoricamente da Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) de Aaron Beck (BECK, 1967). Tal terapia foi desenvolvida principalmente para tratar justamente a depressão. Diversos estudos apontam a eficácia da TCC no tratamento de depressivos gerando mais investimentos e pesquisas na área (BECK, 2022).

IMPACTOS DA NEGLIGÊNCIA E EXCESSIVIDADE ATENCIONAL NO DESENVOLVIMENTO HUMANO

Primeiramente, a negligência pode ser definida como um padrão de omissões de necessidades, geralmente ligadas à prestadores de cuidados. Cabem fatores físicos, psicológicos, intelectuais e emocionais dentro deste conceito, por tanto, devem ser avaliadas questões como higiene, saúde, educação e segurança. De forma a segmentar crianças que sofrem com a negligência, pode se observar a privação de alimentação, agasalho, vigilância e proteção. (MAGALHÃES, 2002).

Muitas vezes, a negligência pode ser consequência de uma inaptidão parental em relação a cuidados básicos. Sendo assim pode ser separada de duas formas, a negligência voluntaria, que é definida pela intenção de causar dano e a negligência involuntária, que está vinculada à incompetência parental em relação a cuidados básicos e necessários. (MAGALHÃES, 2002). 

Deve se analisar de forma crítica e delicada antes que uma situação seja caracterizada como negligência, principalmente quando fatores socioeconômicos, socais, comunitários e pessoais estão em debate. É necessário analisar contextos como idade da criança, nível de desenvolvimento, estado físico e mental, levando em consideração os pais na relação de esforços e na qualidade de programas e serviços dentro da própria comunidade e seus diversos fatores. (PASIAN, 2013).

É importante lembrar que a negligência ocorre em diversas condições socioeconômicas, sendo ela uma consequência de déficits de habilidades ou comportamentos parentais. Porém, a hipótese que muitas vezes se levanta é de que na maior parte das avalições de negligência a realidade do indivíduo é muito precária e as condições materiais escassas. Esta interação acaba fazendo dois padrões de negligência, onde as crianças são negadas fatores estimulantes e os pais sofrem com a diminuição da disponibilidade emocional ocasionando na distanciação da socialização dos filhos, aumentando o estresse já inserido nesse contexto e gerando o desacato de suas obrigações. Essa análise mais crítica leva ao questionamento da necessidade de uma rede mais eficiente no oferecimento de apoio material, emocional e afetivo, visando atender as necessidades de famílias em contextos menos favoráveis, para que seja trabalhado questões de enfrentamento de problemas, gerando uma alternativa para a redução do estresse e a fortificação da saúde emocional. (BAZON, 2010).

No Brasil, por meio da Constituição Federal de 1988, a proteção de crianças e adolescentes está garantida em relação a atos de violência, com fundamentos da cidadania e dignidade do indivíduo buscando trazer o bem-estar de forma igualitária e não discriminatória. Sendo assim é direito básico do cidadão: alimentação, saúde, trabalho, educação, moradia, lazer, previdência social, segurança, proteção à maternidade e à infância e assistência social aos necessitados. O acesso e manuseio destes direitos garantem com que o jovem se desenvolva de forma integral e caso haja um fator de negligência, o responsável seja punido pela ação ou emissão. (EGRY, 2015).

Quando o assunto é consequências da negligência, pode se entender que o fator físico muitas vezes se faz mais presente e comum e até mesmo mais radical, podendo ocasionar na morte de uma criança. Mas seu desenvolvimento psicomotor pode ser colocado em risco devido aos maus tratos ou limitações presentes, foi apresentado que crianças e adolescentes vítimas de negligência tem uma probabilidade de 1,8 a mais do que as que não relatam essas omissões parentais de passarem pelo sistema prisional. Muitas também relatam envolvimento com drogas e mais de 50% desses jovens apresentam dificuldades escolares\aprendizagem e 25% fazem necessário de uma educação especial. (PASIAN, 2013).

A privação emocional e física com a adição dos problemas emocionais, causam a distanciação do sentimento de segurança interligado ao lar destas crianças, muitas veem a casa como um sinônimo negativo carregadas de péssimas lembranças e basicamente o local onde seu desenvolvimento foi afetado e prejudicado. 

  Foi documentado que sinais de atraso no desenvolvimento psicomotor, desnutrição, doenças crônicas consequentes da irresponsabilidade do cuidador, desidratação, falta de limites em relação a comportamentos e frequentes acidentes domésticos, alguns podendo ser fatais, estão presentes nas crianças que passaram por algum tipo de negligência. (VAGOSTELLO, 2002). Essas atitudes podem levar com que a criança tenha uma forma de apego não seguro ao seu cuidador, criando assim um conflito com as relações socioafetivas durante o seu desenvolvimento. (BAZON, 2010). Foi atestado que crianças nos anos pré-escolares e escolares, já apresentavam algum tipo de insegurança no modo afetivo com seus cuidadores, resultando assim em uma intensificação nos distúrbios relacionados a essa relação interpessoal. (TOTH; COCCHETTI, 2004).

Mais precisamente, danos cerebrais foram sinalizados decorrentes da presença da negligência e do descuido. Chegando até em uma redução do volume cerebral, alterações bioquímicas funcionais e na estrutura cerebral. (PASIAN, 2013). Distúrbios no desenvolvimento do self, inabilidade de cultivar relações afetivas com outros indivíduos da mesma idade, desafios no ajustamento ao ambiente escolar e taxas elevadas de problemas comportamentais e de psicopatologias, sintomas dissociativos, pré-disposição para o suicídio, a depressão e a ansiedade, dificuldades físicas e cognitivas como memória, linguagem e desenvolvimento emocional, são algumas das dificuldades de desenvolvimento apresentadas, em qualquer faixa etária. (TOTH; COCCHEETTI, 2004; CAMACHO, 2012). 

São relatados problemas com baixa autoestima, medo e insegurança, normalmente ligadas as emoções de angústia e raiva. Revelando-se muitas vezes em comportamentos autodestrutivos e de autossabotagem e que consequentemente contradizem regras e normas sociais. Demonstrando pouca relevância as leis e morais socais gerando dificuldade no mantimento e progresso de relacionamentos interpessoais, o que acaba ocasionando em isolamento social e solidão, considerados como condutas antissociais. (CAMACHO, 2012).  Até a fase adulta, as vítimas de negligência apresentam uma maior vulnerabilidade a eventos estressores e perturbações alimentares. (HORWITZ, 2001).

No desenvolvimento humano temos duas bases principais para a socialização na infância. O primeiro meio social é a família, ela é assimilada como o principal espaço de socialização da criança, ela tem como função proteger e formar o indivíduo.  Portanto, é responsabilidade dos pais e responsáveis oferecer um ambiente favorável e estimulante na socialização. Já que é nesse ambiente que a criança aprende os hábitos, valores, e os demais. O segundo meio social é a instituição de ensino, que constitui um contexto diversificado de desenvolvimento e aprendizagem, preparando assim a inserção do indivíduo na sociedade (DESSEN; POLONIA 2007; LINS; ALVARENGA, 2015).

Percebendo a importância da família no desenvolvimento humano, podemos citar quando essa atenção e cuidado voltado a criança se torna excessiva. Muitos pais possuem dificuldade em dar liberdade aos filhos, por diversos motivos, normalmente esses pais não são capazes de perceber os malefícios desse comportamento. Com o excesso dessa atenção, a criança acaba tendo uma inibição em conhecer o mundo e as coisas a sua volta, logo nessa fase aonde as descobertas e exploração à cerca do mundo que os rodeia é crucial, portanto, tem que lhes conceder momentos de liberdade, para que as crianças executem seus afazeres de modo autônoma. Restringir essa autonomia, se cria uma ausência de estímulo à independência e a limitação da ação infantil, fazendo assim, a criança ter receio do ambiente, e consequentemente evitando a exploração, gerando um desapontamento de si mesma, onde poderá desencadear um bloqueio no desenvolvimento e criando dificuldades sociais e afetivas, tornando-a insegura, ansiosa, pouco criativa, desmotivada, entre outros. (CAVALCANTI; SILVA; PORTO, 2015).

Na adolescência onde o indivíduo reflete sobre tudo, passa por conflitos internos e externos, e encontra-se formando a sua identidade, autoconhecimento e autonomia, esse excesso de atenção pode ser bastante prejudicial. Quando os pais têm esse excesso de atenção voltada para os filhos, tem tendencia a resolver todos os problemas e obstáculos que os filhos venham a ter, retirando assim etapas importantes do desenvolvimento psicossocial, como a tolerância a frustações. (ALMEIDA et al., 2016)

O contexto familiar pode ter associação no comportamento escolar, pois as dificuldades comportamentais e emocionais influenciam problemas acadêmicos e estes afetam os sentimentos e os comportamentos do indivíduo. Podendo também desenvolver esse comportamento em busca de excesso de atenção, por falta de atenção (SANTOS; GRAMINHA, 2006). Nesse contexto apresentado, podemos utilizar como exemplo uma situação hipotética em que uma criança, filha de professora de matemática, começa a tirar notas baixas nessa matéria. Ela não teria dificuldades reais na matéria, durante as aulas seu desempenho é satisfatório, porém mesmo assim ela continua a tirar notas insuficientes. Ao estudarmos mais afundo veríamos que essa matéria é a única em que a mãe a ajuda e passa boa parte do tempo com a criança ensinando-lhe o dever. Segundo as teorias comportamentais, a criança poderia mesmo que sem consciência disso, estar sendo reforçada positivamente pela atenção da mãe. O que consequentemente a faria não se dar bem na matéria para que a mãe tivesse motivos para passar mais tempo com ela. Mesmo que a insistência de estudo possa vir a ser um estímulo punitivo, por ter a atenção da mãe envolvida no processo, esse fator pode ser determinante para a manutenção do comportamento de tirar nota baixa.  Um exemplo simples desse pode nos dar luz acerca de como a excessividade e falta de atenção na infância e adolescência podem vir a ter muita importância para o desenvolvimento de comportamentos indesejáveis até mesmo para o próprio indivíduo.

IMPLICAÇÕES POSITIVAS DAS INTERAÇÕES SOCIAIS NA DEPRESSÃO

Quando refletimos o aspecto evolutivo da espécie humana, não podemos ignorar que a nossa capacidade surpreendente para aprender foi crucial para nos alavancar em direção ao topo da cadeia evolutiva. Através da aprendizagem os indivíduos foram capazes de se adaptar, criar ferramentas e estratégias para lidar com as demandas do ambiente (DARWIN, 2018). Outro fator importantíssimo para o sucesso da espécie foi a socialização. Um ser humano sozinho não conseguiria suportar as exigências ambientais e situacionais sem a colaboração social. Não seríamos capazes de plantar, se defender, criar e se desenvolver sem a participação do próximo (HARARI, 2018).

Expostas essas duas características de suma importância para o desenvolvimento humano (aprendendizagem e socialização), devemos então compreender a relação das mesmas com a superação da depressão e toda a dinâmica comportamental e cognitiva por trás dela. A psicologia behaviorista define o processo de aprendizagem como a capacidade de estimular ou reprimir comportamentos, ou seja, seria objetivamente a mudança de comportamento (BAUM, 1999; CATANIA, 1999). A aprendizagem se relaciona com o processo socialização em diversas vias. Tomando a aprendizagem como um condicionamento operante, por diversas vezes a interação social executa papéis tanto de contexto ambiental e estímulo quanto, como já vimos anteriormente, de reforçador (CATANIA, 1999). Portanto é difícil imaginarmos um cenário de desenvolvimento saudável de uma criança em que ela não seja encorajada a participar socialmente de atividades como brincadeiras, dinâmicas ou até mesmo a própria vivência com seus pares. Logicamente não estamos afirmando que seria impossível o aprendizado de forma empírica e sem o contato social, a questão abordada é que certos domínios como a linguagem e habilidade social são mais facilmente adquiridos quanto o organismo se encontra em contato com um grupo, servindo como contexto e reforçador (SKINNER, 1957; CATANIA, 1999).

Toda essa reflexão acerca da socialização e aprendizagem de habilidades sociais nos leva a discussão da dinâmica comportamental do depressivo. Como já citado anteriormente um dos comportamentos mais comuns em indivíduos com depressão seria o isolamento social, rebaixamento da própria autoestima e menor frequência de fala e comunicação (DALGALARRONDO, 2008). Todos esses comportamentos influenciam para a construção de uma percepção equivocada de si mesmo, o contato com o próximo se torna indesejado e por vezes aversivo para esse sujeito (BECK, 2011). Tais fatores acabam culminando num indivíduo esquivo e cada vez mais recluso socialmente, onde a falta de socialização e não realização de atividades prazerosas criam um depressivo mais afastado de processos de aprendizagem, podendo assim culminar ou piorar os déficits cognitivos característicos da depressão (BECK, 2011; DALGALARRONDO, 2008).

Segundo Dozois e Dobson, (2004) a socialização saudável seria vista estão como um forte fator de proteção contra a depressão, abarcando desde o suporte e estruturação familiar, saúde mental dos genitores e até habilidades de inteligência interpessoal e emocional. A socialização gera a oportunidade de certas habilidades socialmente desejáveis sejam recompensadas e desenvolvidas. O suporte gerado por familiares e amigos durante todo o desenvolvimento do indivíduo vão moldar características chave para a incidência e tratamento da depressão como capacidade de enfrentamento, reconhecimento das emoções próprias e dos outros, capacidade de reestruturação de percepções equivocadas e fortalecimento da autoestima (DOZOIS; DOBSON, 2004; BECK, 2011). 

As habilidades sociais podem ser definidas como uma classe de comportamentos operantes que aumentam a probabilidade de reforçamento positivo através das relações sociais, evitando, portanto, os punidores positivos e negativos (BOLSONI-SILVA; CARRARA, 2010). O aprendizado e treinamento de habilidades sociais se torna imprescindível tanto a nível cotidiano quanto a clínico, uma vez que essas habilidades que são aprendidas, moldadas e condicionadas operantemente durante toda a vivência social do sujeito vão permitir que tais percepções e comportamentos disfuncionais sejam revistos e modificados mais facilmente (BECK, 2022). Em ambas as clínicas cognitivo-comportamental e analítico-comportamental a aquisição e melhora das habilidades sociais e autoestima como consequência desta são estratégias já consolidadas clinicamente (BORGES; CASSAS, 2011; BECK, 2022). Entendese que os comportamentos de afastamento e reclusão social em pacientes depressivos foram moldados e condicionados durante boa parte da vida da pessoa e que tais crenças e pensamentos que também passaram pelo mesmo processo de deturpação pela depressão devem ser trabalhados e reestruturados na intervenção terapêutica. Nas duas abordagens terapêuticas citadas, tal trabalho de recuperação da autoestima e treinamento de habilidades sociais deve estar seguido de alterações ambientais também para que essas se reforcem mutuamente e haja o progresso na recuperação da depressão (BECK, 2011). Ou seja, novas formas de percepção e comportamento também exigem a modificação mútua de estímulos ambientais e sociais que acarretavam na manutenção dos comportamentos típicos da depressão.

Vale a pena ressaltar ainda exemplos em que a busca pela socialização pode contribuir positivamente para o tratamento contra a depressão. Situações que de alguma forma coloquem o indivíduo em processo de terapia em um enfrentamento das reclusas sociais e buscas por apoio devem ser reforçadas dentro do modelo comportamental (SKINNER, 1953). Como por exemplo reforçar comportamentos de tentativa de iniciação de conversa ou interesse social em algum grupo; inserção em grupos de estudo ou religiosos; participação de equipes de esportes e jogos eletrônicos ou de tabuleiros, etc. Conforme o indivíduo depressivo em intervenção terapêutica começa a ser exposto a situações e contingências sociais, ele começa a pôr em pratica, aprender e ajustar comportamentos aceitáveis e desejáveis socialmente. Consequentemente isso abre uma margem maior de possibilidades de inserção social onde o enfrentamento saudável cria nele autoconfiança, autoestima, maior sensação de prazer, estimulação da empatia e outros fatores que consequentemente o darão suporte para superar e modificar os comportamentos depressivos por comportamentos saudáveis (BORGES; CASSAS, 2011). São diversas as possibilidades de reforçamento do comportamento social, porém cabe ressaltar que é um processo demorado e por vezes difíceis para o paciente depressivo. Ainda que a socialização seja de suma importância para manutenção de comportamentos saudáveis, veremos mais a frente que se feitos de forma errada podem inclusive prejudicar esse paciente depressivo.

IMPLICAÇÕES NEGATIVAS DAS INTERAÇÕES SOCIAIS NA DEPRESSÃO

 Independente da abordagem psicoterapêutica escolhida para o acompanhamento e tratamento de um indivíduo ou comunidade, os objetivos gerais das práticas psicológicas serão sempre pautados na busca de autonomia, bem-estar e melhora da qualidade de vida dos sujeitos (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2005; BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018). Tendo esse princípio em mente, o tratamento para um indivíduo depressivo sob a teoria comportamentalista também irá focar seus esforços e práticas para devolver ao sujeito uma condição de vida digna e saudável. Para isso, o olhar da clínica analítica comportamental será pautado na modificação de comportamentos depressivos que são indesejáveis através da extinção dos mesmos e reforçamento de comportamentos considerados adaptativos e desejáveis (DE-FARIAS, 2010). Como já discorrido anteriormente, analisar funcionalmente um comportamento é de uma complexidade considerável. Muitos dos comportamentos que temos em nosso repertório pessoal tem sua gênese já nas primeiras etapas do desenvolvimento humano (SKINNER, 1953; BECK, 2022), se perpetuando e sendo reforçados por estímulos que muitas das vezes permanecem desconhecidos tanto pelo indivíduo quanto pelo seus pais, professores e amigos.

 O perigo está justamente nesse desconhecimento natural dos processos de condicionamento de um comportamento indesejado (no caso depressivo) que acabam sendo mantidos por reforçadores sociais. Martin e Pear (2015) abordam um exemplo de modelagem de comportamento onde há um reforçamento acidental de um comportamento indesejável, porém recompensador para o sujeito, seguido de uma extinção de comportamento e aumento de intensidade do mesmo. Na situação exposta, Martin e Pear (2015) contam o caso de uma criança pequena e que carecia de atenção parental (portanto, com pouquíssimos reforçadores sociais). Em determinado momento de sua vida, essa criança possa a vir a sofrer um acidente e bater a cabeça no chão levemente. Logo, os pais da criança em sua preocupação totalmente compreensível com seu filho o ajudam gerando uma série de situações em que vários reforçadores sociais como a atenção, carinho, cuidado, entre outros são emitidos logo após este acidente. Como a criança não recebe reforçadores sociais o suficiente em seus comportamentos adaptativos e desejáveis, para buscar esse reforçador, ela provavelmente tenderá a bater a cabeça novamente em busca dessa atenção. Nas primeiras tentativas seguintes os pais podem continuar reforçando, mas logo verão que a criança não se machuca de fato e deixam de recompensar o comportamento promovendo sua extinção. Ocorre que há a possibilidade dessa mesma criança, por conta da força dos reforçadores sociais sobre ele venha a bater a cabeça com mais intensidade, mesmo que isso seja um comportamento prejudicial para ela. Assim entramos num dilema: se os pais não responderem, o comportamento será extinto, porém pode haver aumento da intensidade até a extinção, se responderem, a criança mantém tal comportamento indesejado.

 O exemplo mostrado acima, mesmo sendo uma situação hipotética dentro das concepções da análise do comportamento, ela nos fornece conceitos importantes a serem considerados. Os pais da criança não possuem o conhecimento sobre a dinâmica de condicionamento, seus próprios comportamentos de ajuda e socorro ao seu filho são comportamentos totalmente esperados, comuns e compreensíveis. A criança por sua vez também apresenta certa inconsciência das contingências que regem suas ações, fazendo com que até mesmo um comportamento racionalmente prejudicial para ela seja intensificado.

 Uma das premissas comportamentais básicas diz que se um comportamento está ocorrendo é porque está sendo reforçado. Por pior, desadaptativo e prejudicial ao sujeito que tal comportamento seja (por exemplo: automutilação, esquiva social, bater a cabeça no chão) ele só se perpetua pois está inserido numa contingência de reforçamento, um ganho secundário, por vezes não consciente (SKINNER, 1953; BAUM, 1999). Portanto ao pensarmos no caso de um jovem com depressão, ou seja, com comportamentos depressivos, por mais prejudiciais que esses comportamentos sejam, algo no ambiente ainda faz a manutenção dele. Por vezes esse estímulo reforçador vem através de reforçadores sociais, como já visto, um dos mais fortes estímulos para o ser humano (CATANIA, 1999). Não é difícil imaginarmos situações em que ações quase instintivas de acolhimento, ajuda e compaixão, ainda que nas melhores pretensões, acabem atrapalhando a extinção de comportamentos depressivos durante o tratamento.

 Uma dessas situações também foram descritas por Martin e Pear (2015) onde uma criança depressiva exibe comportamentos típicos da depressão como por exemplo a distanciação social e um comportamento esquivo. Na melhor das intenções as pessoas, amigos ou educadores podem tentar buscar esse jovem ou de alguma forma, convidá-lo a fazer parte da interação social. Porém, há uma grande chance desse comportamento estar sendo mantido por contingências que pretendem receber a atenção social como reforço positivo. Ocorrendo assim que a simples ação de fornecer atenção para tal comportamento o reforce e consequentemente o mantenha. O psicólogo em sua prática clínica deve, portanto, se atentar durante a análise funcional desses comportamentos depressivos para entender o que de fato o reforça e projetar junto com os grupos sociais do indivíduo depressivo criar meios de socialização que não acabem reforçando acidentalmente comportamentos indesejáveis (BORGES; CASSAS, 2011; DE-FARIAS, 2010). Uma análise bem-feita e responsável poderá estabelecer planos de ação para evitar essas armadilhas de condicionamento como no estudo de caso relatado por Aubuchon (1985). 

 Nesse estudo de caso, Aubuchon (1985) relata a história de L que se queixa desde nova de frequentes cefaleias. L começou a sentir dores de cabeça frequentes desde seus 13 anos e com isso recebia também uma boa dose de atenção parental e social com abraços, lamentações e ajudas frequentes, além de conseguir fugir de atividades ruins como as aulas quando tinha a dor de cabeça. Fatores como esses podem ter reforçado as suas dores. Com 26 anos, L sentia cefaleias quase debilitantes aliadas a tonturas e problemas na percepção. Ela tentou de tudo, psicoterapias, acupuntura, medicações, entre outros, e mesmo assim nada resolvia. Até que estraram em contato com o psicólogo comportamental Dr. Aubuchon que após a verificação da incidência das cefaleias de L, instituiu que o marido e todos os que conviviam com ela ignorariam os seus comportamentos de queixas. Ao invés disso eles reforçariam positivamente com elogios os comportamentos desejáveis como atividades rotineiras. Por volta da terceira semana de intervenção seus sintomas sumiram completamente.

 Esse estudo de caso nos é importante para entendermos melhor a influência da atenção nos comportamentos desadaptativos como por exemplo os depressivos. Por mais cruel ou contra o senso comum que isso pareça, esse processo de extinção é muito comum na clínica analíticocomportamental. O processo de extinção de um comportamento é utilizado quando o analista comportamental deseja que determinado comportamento deixe de ser emitido (BORGES; CASSAS, 2011). Um exemplo disso é quando um cliente chega nas sessões dizendo ser incapaz, fraco, feio, inútil ou qualquer outro adjetivo auto pejorativo. Nessas situações o analista comportamental simplesmente ignora as verbalizações do cliente, na tentativa de não oferecer o reforçador social da resposta que normalmente é dita a ele por outra pessoa como forma de consolo ou de animá-lo e consequentemente extinguir o mesmo (MOREIRA; MEDEIROS, 2019). Uma estratégia parecida também é utilizada na reabilitação neuropsicológica onde para otimização da relação tempo-resultado, os reabilitadores são instruídos a não responderem ou reforçarem comportamentos que se desviem do objetivo ou que de alguma forma vão contra o progresso do tratamento, como exemplo verbalizações como “eu não vou conseguir” (FUENTES et al., 2013). 

Porém em ambos os casos, somente a extinção não se torna suficiente. É necessário que outros comportamentos que antes não tinham determinada função por falta de estímulos passem a ser recompensados (DE-FARIAS, 2010). Principalmente em pacientes depressivos onde seus comportamentos desadaptativos são o caminho para o reforçador social que por diversas vezes fora negligenciado durante a sua história pessoal. As ações depressivas não seriam somente para “chamar a atenção” como imaginado por muitos, mas sim buscar um reforçador tão importante para o desenvolvimento humano que são as interações sociais (CATANIA, 1999). Assim como no caso de L, o analista comportamental deve planejar outros meios para que o cliente depressivo possa encontrar em outros comportamentos adaptativos a recompensa social que tanto deseja (BORGES; CASSAS, 2011; MARTIN; PEAR, 2015). Um fenômeno semelhante ocorre na clínica cognitivo-comportamental de Aaron Beck, onde pensamentos desadaptativos são enfrentados para que então uma nova alternativa autêntica de pensamento e comportamento entrem no lugar, assim o paciente não sente a falta dos estímulos que fizeram ele agir e pensar de tal maneira (BECK, 2022).

Contudo, é extremamente perigoso e delicado lidar com situações assim. Um olhar clínico treinado é necessário para descobrir a função desses comportamentos depressivos na vida do sujeito a fim de melhorar as condições de vida e autonomia do cliente (BORGES; CASSAS, 2011). A responsabilidade do psicólogo descrita em seu código de ética profissional é de proteção da vida do indivíduo e promoção à saúde do mesmo (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2005). Sendo extremamente importante intervir quando há risco de vida, como exemplo no caso de ideações suicidas ou automutilação, para a preservação da saúde e minimização de danos, mesmo que nos achados científicos indiquem que tal atitude reforçaria o comportamento. A vida sempre vem primeiro. Cabe ao psicólogo aliar os conhecimentos e práticas científicas com os parâmetros éticos de saúde para o tratamento mais eficiente e humanizado possível ao seu cliente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O refinamento das habilidades sociais é um dos grandes diferenciais da espécie humana. Através delas os comportamentos são selecionados, relações e vínculos sociais são criadas e reforçadas. Processos de suma importância para o desenvolvimento e evolução humana como a aprendizagem tem como grande motivador a atenção social. Com base nisso, é necessário reconhecer o peso que os reforçadores sociais têm na manutenção de comportamentos desejáveis aos indivíduos e ao coletivo (inclusive culturais) tanto quanto na perpetuação de comportamentos problema, indesejados e prejudiciais num todo. 

Uma análise a partir do ponto de vista comportamental do transtorno depressivo nos possibilita enxergar outras possibilidades causais e consequentemente de intervenção, agregando mais ainda à esfera diagnóstica da depressão. Quando se assume a visão da existência de uma classe de comportamentos típicos da depressão, se torna possível analisar, prever e intervir neles a partir dos conceitos científicos observados pela análise do comportamento. Em outras palavras, assumindo o indivíduo depressivo como um ser que se comporta, é possível planejar formas de tratamento baseadas na modificação das contingências mantenedoras dos comportamentos depressivos.

A atenção social, na função de reforçador positivo, pode assumir um papel importantíssimo ao reforçar comportamentos positivos no repertório do sujeito, ajudando na superação do quadro depressivo. Através dos reforçadores sociais, comportamentos alvos podem ser adquiridos pelo sujeito visando aumentar as chances de sucesso em seus desempenhos relacionais, acadêmicos, laborais, entre outros, estimulando a autonomia do indivíduo. Estratégias como o desenvolvimento de habilidades sociais se mostraram altamente eficazes no enfrentamento do quadro depressivo por melhorarem justamente o desempenho do sujeito frente determinadas situações que antes viriam a ser altamente aversivas por falta de habilidades ou uma percepção distorcida. Percepção essa que também foi adquirida em contato com outras contingências sociais aversivas. 

Entretanto, assim como os reforçadores sociais podem ajudar no tratamento à depressão, essa mesma característica reforçadora natural do ser humano tem se mostrado eficaz em justamente manter em vigência no repertório dos indivíduos os comportamentos problema depressivos. Compreendendo que um comportamento pode ter a função de busca por atenção social, por vezes inconscientes ao sujeito, certas iniciativas de melhora no quadro depressivo por terceiros pode justamente acarretar no aumento da frequência desses comportamentos. Por mais clara que seja a psicologia comportamental acerca da dinâmica de condicionamento, a falta de instrução ou conhecimento da comunidade social em que ele faz parte e interage, tende a desconhecer as contingências e acreditando estar fazendo o correto para melhorar o estado do sujeito depressivo, acabam realizando um reforçamento involuntário ou acidental.

No mais, pesquisas na área do transtorno depressivo vêm sendo realizadas por psicólogos cognitivos e comportamentais, e novas abordagens e práticas vem sendo criadas para lidar com esse dilema que o fator social impõe aos clientes e profissionais. Uma análise funcional do comportamento bem-feita por um psicólogo competente pode identificar esses fatores sociais mantenedores e compreender quais são as contingências ali estabelecidas e planejar mudá-las. 

 Os impactos dos reforçadores sociais ainda são pouco compreendidos e abordados na literatura acadêmica. Sua complexidade abre muitas brechas para o senso comum ser influente até mesmo nas práticas clínicas. Sugere-se estudos mais incisivos numa compreensão mais profunda do caso, porém com uma visão mais abrangente e multirrelacional do ser humano. O futuro se mostra promissor nas intervenções comportamentais não somente em transtornos típicos de depressão, mas também podendo abranger outras patologias mentais como o transtorno de personalidade bipolar, transtornos de ansiedade generalizada, entre outros.

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