REFLETINDO NA IMAGEM: TRANSTORNOS ALIMENTARES EM HOMENS E A DIFICULDADE DIAGNÓSTICA

REFLECTING IN THE IMAGE: EATING DISORDERS IN MEN AND THE DIAGNOSTIC DIFFICULTY

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202409151958


Ana Maria Simões dos Anjos,
Eduarda Lopes da Silva,
Orientadora: Profª. Me. Sandra Cristina Catelan-Mainardes


RESUMO

Na sociedade moderna, tornou-se cada vez mais comum a exposição de corpos e padrões que são inatingíveis para a maioria da população, tanto para mulheres quanto para homens. Padrões estes que se intensificaram ao longo do tempo e causaram transtornos que são comumente observados na atualidade. No contexto dos transtornos observados pode-se constatar que, no público masculino, há uma maior defasagem na avaliação e diagnóstico, fazendo com que não se dê a devida importância a esse assunto. Neste cenário, o estudo foi elaborado com o objetivo de analisar e comparar o método diagnóstico EAT-26 com questões mais atuais e específicas, por meio de um questionário formulado pelas autoras e enviado para estudantes do sexo masculino da Universidade Cesumar (UniCesumar). Conforme os resultados obtidos, foi possível observar que ainda há uma defasagem no diagnóstico para os pacientes do sexo masculino, e ainda se observa uma grande dificuldade na realização de pesquisas de campo, visto que houve uma falta de adesão ao questionário aplicado. As respostas foram analisadas, provando a fragilidade do método EAT-26 na atualidade e a necessidade da validação de um novo método que possa abranger as dificuldades contemporâneas.

Palavras-chave: Anorexia. Masculino. Bulimia.

ABSTRACT

In modern society, the exposure of bodies and standards that are unattainable for most of the population has become increasingly common, both for women and men. These patterns intensified over time and caused disorders that are commonly seen today. In the context of the disorders observed, it can be seen that, among men, there is a greater lack in assessment and diagnosis, meaning that due importance is not given to this issue. In this scenario, the study was designed with the objective of analyzing and comparing the EAT-26 diagnostic method with more current and specific questions, through a questionnaire formulated by the authors and sent to male students at Universidade Cesumar (UniCesumar). According to the results obtained, it was possible to observe that there is still a gap in diagnosis for male patients, and there is still great difficulty in carrying out field researches, as there was a lack of adherence to the questionnaire applied. The responses were analyzed, proving the ineffectiveness of the EAT-26 method nowadays and the need to develop a new method that can cover the difficulties currently faced.

Keywords: Anorexia. Male. Bulimia.

1 INTRODUÇÃO

O transtorno alimentar é marcado pelos comportamentos alimentares temerários. Ou a pessoa deixa de comer, por estar complexada em relação ao seu peso, ou acaba ingerindo muitos alimentos por conta de um descontrole emocional, sendo a questão emocional, portanto, muito presente no distúrbio.

Por sua vez, no transtorno dismórfico corporal, a preocupação com um ou mais defeitos inexistentes ou sutis da aparência causa forte angústia e/ou prejudica a capacidade funcional.

Ao se falar do sexo masculino, o transtorno dismórfico corporal relaciona-se, principalmente, ao corpo, mais especificamente aos músculos, em que os homens os consideram não grandes o suficiente e tentam obsessivamente aumentar o peso e os músculos, um transtorno denominado dismorfia muscular.

Tais transtornos têm estrita relação, ao passo que ao não se contentarem com o corpo, muitas pessoas passam a desenvolver os transtornos alimentares.

Ao analisar o transtorno alimentar na população, percebe-se que somente 10% dos casos ocorrem no sexo masculino, o que pode ser atribuída a fatores biológicos e culturais, já que as mulheres tendem a ser mais vaidosas, mas também mostra a ocorrência de dificuldades no diagnóstico dos transtornos alimentares em homens.

Elaborou-se um teste autoral por duas acadêmicas do curso de medicina, com questionamentos diversos, voltado ao público masculino. Após foram realizados os dois testes a alunos da Instituição de ensino superior UniCesumar.

Assim, realizou-se um estudo metodológico transversal quantitativo, realizado com estudantes da instituição de ensino superior UniCesumar, do sexo masculino e maiores de 18 anos.

O estudo consistiu em analisar quais características manifestadas na população masculina estão relacionadas aos diferentes transtornos dismórficos, possibilitando o desenvolvimento de testes específicos que retratam as reais individualidades da população masculina, comparando com testes já existentes como o EAT-26.

O projeto foi devidamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UniCesumar (CEP/CONEP).

2 OBJETIVOS

O objetivo do estudo foi, principalmente, analisar a eficácia do Teste de Atitudes Alimentares (EAT-26), comparando-o com outro método autoral, que abrange questões mais atuais acerca dos transtornos alimentares em homens.

Além disso, o estudo também teve como objetivo identificar quais são as principais necessidades e falhas acerca do contexto apresentado, visando a construção de outros métodos diagnósticos que sejam mais eficazes.

3 MATERIAIS E MÉTODOS

3.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA

Trata-se de um estudo metodológico quantitativo, que foi realizado com usuários da rede social digital WhatsApp.

3.2 PARTICIPANTES

Participaram do estudo estudantes da instituição de ensino superior UniCesumar, do sexo masculino e maiores de 18 anos, sendo este também o critério de inclusão. Foram excluídos os usuários que não deram aceite online no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Quanto aos critérios de exclusão, foram desconsideradas pessoas menores de 18 anos de ambos os sexos, que não responderam o questionário completo e não deram o aceite online no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

3.3 INSTRUMENTOS

A coleta de dados foi realizada por meio de um formulário online, através da plataforma do Google forms (https://forms.gle/pdaZGtQc9JcS9rQS6 ) estruturado contendo duas partes. As questões norteadoras foram formuladas com base nas características presentes nos transtornos dismórficos em homens e comparado ao formulário EAT-26, o qual tem sido utilizado como forma de avaliação dos transtornos alimentares. Por meio deste instrumento, foi possível avaliar as falhas e dificuldades nos diagnósticos.

O formulário foi composto por duas etapas:

I- Questões do perfil sociodemográfico e para investigar o TD;
II – Aplicação no formulário EAT-26.

3.4 PROCEDIMENTOS E ANÁLISE DE DADOS

As questões foram geradas em formulário digital Google forms, que foi enviado ao público-alvo por meio da rede social digital WhatsApp. As respostas foram tabuladas e foram aplicados testes comparativos para análise de dados. Foi realizada uma análise descritiva dos resultados para a obtenção de gráficos e tabelas com o intuito de caracterizar os participantes da pesquisa, e realizar a comparação de dados de ambos os formulários utilizados na fase de coleta.

3.5 ASPECTOS ÉTICOS

O projeto foi enviado para aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) e do Comitê de Ética em Pesquisa da UniCesumar (CEP/CONEP). Os participantes que concordaram com a pesquisa deram aceite online no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Poucos estudos têm avaliado a prevalência de transtornos de imagem em jovens do sexo masculino, refletindo a subjetividade dos instrumentos de pesquisa, já que é crescente a insatisfação e consequente busca por um estilo de vida saudável observado principalmente nos meios de comunicação, redes sociais.

A escassa incidência dos Transtornos Alimentares (TA) em homens contribuiu para que fossem frequentemente subestimados e até mesmo negligenciados, levando até mesmo à crença de que homens não são afetados por esses distúrbios, gerando um atraso no tratamento e aumento do risco de complicações médicas dos Transtornos Alimentares (TA).

Em 1979, Garner e Garfinkel  desenvolveram o  Eating Attitudes Test (EAT-26) ou Teste de Atitudes Alimentares objetivando avaliar o risco de desenvolvimento de transtornos alimentares em homens e mulheres, o qual foi traduzido e validado para a língua portuguesa por Bighetti no ano de 2003.

O objetivo da pesquisa realizada foi comparar os dois resultados para averiguar se ambos direcionavam para a mesma conclusão, ou seja, se o EAT-26 mostra-se eficaz comparado a questões atuais e específicas.

Pelo Teste de Atitudes Alimentares realizado, notou-se que 73,53% dos homens indagados nunca sentem que as pessoas gostariam que eles comessem mais e 76,47% responderam que nunca sentem que os outros lhes pressionam para comer, ou seja, os alimentos e quantidade que comem não incomodam seus familiares e amigos.

Isso reforça o paradigma de que a pressão social, apesar de presente para os homens, ainda é muito maior no sexo feminino, por não se tratar somente de uma pressão sobre o corpo da mulher, mas também se trata de outros aspectos relacionados (QUEIROZ; JUNIOR, 2022). Esse fato não descarta a existência de padrões estéticos pré-estabelecidos para os homens, mesmo em menor quantidade, esses ainda devem ser levados em consideração.

Gráfico 1 – Sinto que os outros gostariam que eu comesse mais.

Fonte: Autoral

Porém, ao serem indagados, demonstraram que não possuem uma alimentação saudável, pois, em sua maioria, isto é, 41,17% dos homens questionados, as vezes se preocupam com os alimentos que ingerem; 41,17% nunca evitam ingerir alimentos que contenham açúcar, sendo que somente 5,88% evitam estes alimentos; 38,23% nunca comem alimentos dietéticos, sendo que somente 5,88% costumam comer alimentos dietéticos.

Segundo Silva et al. (2021), os homens ainda tem uma menor percepção de autocuidado, não se importando tanto com a saúde quanto as mulheres. Esse fato, relacionado os resultados obtidos, demonstra que mesmo se preocupando com o corpo esteticamente, não há a mesma preocupação com a saúde, o que ocasiona em maneiras não saudáveis para a obtenção de um corpo que esteja dentro do padrão.

Assim, conclui-se que, em que pese uma alimentação desequilibrada e sem qualquer restrição, não chega a incomodar as demais pessoas. E mais, os próprios homens se negligenciam, pois, apesar de todos os dados acima mencionados, a maioria respondeu que sempre demonstra autocontrole diante dos alimentos.

Em geral, os homens relatam maior preocupação com a forma física e a massa corporal em detrimento do peso. Ao serem indagados se desejam ser magros, a maioria, isto é, 38,24% responderam que nunca, ao passo que somente 20% dos homens questionados responderem que sempre possuem esta preocupação.

Gráfico 2 – Preocupo-me com o desejo de ser magro.

Fonte: Autoral

Porém, ao serem indagados sobre a preocupação de possuírem gordura em seus corpos, esta diferença de pensamento diminui, pois 26,47% nunca se preocupam e 17% sempre se preocupam. Indagados se se preocupam com a ideia de estar ganhando peso, as respostas ficaram divididas.

Questionados, a maioria respondeu que não evita comer quando com fome, as vezes se sente preocupado com o alimento que está comendo, tampouco se preocupa em comer em excesso, nunca corta alimentos em pequenos pedaços, muitas vezes presta atenção na quantidade de comida que comem. Ainda a maioria respondeu que nunca evita alimentos com carboidratos, que não tem problema em vomitar após a comida, nunca sente culpa depois de comer e nunca se preocupar com o desejo de ser magro, tampouco em queimar calorias.

Ou seja, apesar da maioria dos homens questionados as vezes se preocupar com os alimentos que ingerem, também a maioria não deixa de comer alimentos que engordam ou comem alimentos com baixo teor de gordura, demonstrando que pouco cuidam da alimentação e quando o fazem, não estão alarmados com a estética.

Assim, em síntese, ao realizar o EAT-26 foi possível perceber que a maioria dos homens questionados sequer se preocupam com a estética, porém demonstram preocupação com a saúde.

Analisando as questões elaboradas pelas acadêmicas, as conclusões encontradas foram diferentes, uma vez que a maioria dos homens questionados, isto é, 70,6%, responderam que sentem inseguros com o corpo; 76,5% responderam que a insatisfação com o corpo já causou baixo autoestima ou isolamento social; 58,8% entre 10 e 15 anos já começaram a demonstrar insatisfação com o corpo.

Segundo Aquino et al. (2023), transtornos alimentares estão relacionados à outros transtornos mentais, principalmente transtornos de humor, como ansiedade e depressão. Esses fatores, juntamente com a pressão estética, são base para o desenvolvimento de inseguranças e insatisfações relatadas pelos participantes da pesquisa, que são fatores de risco para do desenvolvimento de TA.

Gráfico 3 – Sente-se insatisfeito ou inseguro com o seu corpo?

Fonte: Autoral

Continuando os questionamentos autorais, 97,1% responderam que praticam atividade física, sendo que a maioria pratica de uma a três vezes na semana; que através da alimentação e exercício a maioria busca alcançar ganho de massa magra (41,2%), saúde e bem-estar vêm em segundo lugar (32,4%) e, em terceiro, a redução de peso (26,5%).

Segundo Carvalho (2022), grande parte dos homens que praticam exercícios físicos frequentemente, principalmente em academias, possui um maior risco de desenvolver algum transtorno alimentar. Podemos observar essa relação quando levamos em consideração a porcentagem dos participantes da pesquisa atual que responderam que praticam atividades físicas regulares, reforçando a preocupação com o corpo.

Foi possível verificar, ainda, que 58,8% dos homens entrevistados já fez ou faz uso de suplementação alimentar, apesar de não se preocuparem com o consumo de alimentos saudáveis, conforme acima delineado.

Segundo Ataídes et al. (2022), o uso de creatina, principal substância utilizada para suplementação, pode trazer efeitos colaterais como desconfortos gastrointestinais, cãibras, desidratação, além de disenterias e enjoos. Ressalta também que o uso indiscriminado da substância pode acarretar em danos renais em longo prazo, porém ainda são necessários mais estudos em relação a esse problema. Conforme os resultados obtidos pode se concluir que há necessidade de mais orientação no uso de suplementação, para que não seja feita de maneira errônea.

Gráfico 4 – Já fez ou faz uso de suplementação alimentar?

Fonte: Autoral

A literatura sobre transtornos alimentares em homens é marcada mais por divergência e imprecisões do que por fortes evidências. Todavia, é manifesto a ineficácia do EAT-26, questionamento elaborado no século XX, pois frente a questionamentos atuais e específicos, traduz resultados diversos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho pretendeu entender como se apresentam os transtornos alimentares em homens para aperfeiçoar o processo diagnóstico deste em pacientes do sexo masculino, a partir de um questionário que compara o método EAT-26 com perguntas direcionadas formuladas pelos autores.

Através de estudos realizados previamente, para se atingir o objetivo de comparar a eficácia do EAT-26, definiram-se quais eram as falhas apresentadas no método, e chegou-se à conclusão da existência de uma defasagem no diagnóstico de transtornos alimentares nos homens em relação às mulheres, levando a uma maior prevalência de tais transtornos por falta do diagnóstico preciso e de um tratamento adequado e individualizado.

Com isso a hipótese de que o teste já utilizado não é suficiente para se definir o diagnóstico de TA em homens se confirmou, pois ao observar os resultados da pesquisa, pode-se observar a falta de especificidade do teste em relação às necessidades da população masculina.

Os instrumentos de coleta de dados permitiram analisar de maneira mais direta as áreas do teste EAT-26 que se encontram defasadas, e apontar possíveis melhorias futuras para tal.

Dessa forma, a elaboração de um teste contemporâneo para discutir com um grupo de homens sobre comer transtornado e a relação com o corpo se mostra necessário para abordar de forma eficaz as necessidades desse grupo, muitas vezes negligenciado nas discussões, pesquisas, literatura e consequente diagnóstico de transtornos alimentares.

REFERÊNCIAS

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