REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202506051455
Victor Hugo Guedes Araújo
Orientador: Prof. Emerson Leão Brito do Nascimento
RESUMO
Este artigo apresenta um estudo de caso voltado à aplicação de ferramentas de análise ergonômica em atividades de manutenção industrial, com ênfase na melhoria das condições de trabalho em uma máquina curvadora de tubos pertencente ao setor de duas rodas, situada no Polo Industrial de Manaus. A atividade estudada concentrou-se na manutenção da unidade hidráulica da máquina, a qual se encontrava, originalmente, em um local de difícil acesso. Essa configuração expunha os colaboradores a riscos ergonômicos significativos, especialmente durante o içamento manual de componentes pesados e manutenções prolongadas em posturas inadequadas. Para análise dos riscos, foram utilizadas as ferramentas Checklist de Couto e OCRA, com coleta de dados por meio de observação direta, entrevistas com os operadores, registros fotográficos e gravações em vídeo. Os resultados iniciais indicaram riscos elevados para os membros superiores (12 pontos), coluna vertebral (26 pontos) e potenciais acidentes decorrentes do manuseio de cargas. Como solução, foi realizado um retrofit que reposicionou a unidade hidráulica para uma área lateral de fácil acesso. O espaço de trabalho disponível, que era de 45 cm entre a máquina e a grade, foi aumentado para 1,5 metros. Após a intervenção, observou-se uma significativa redução dos riscos: membros superiores (6 pontos), coluna (2 pontos), e o risco de acidente foi reclassificado como aceitável. O estudo reforça a relevância da ergonomia aplicada à manutenção industrial e demonstra como ajustes estruturais bem planejados podem resultar em ganhos expressivos na segurança, no conforto dos trabalhadores e na eficiência operacional.
Palavras-chave: Ergonomia, Manutenção Industrial, Análise Ergonômica, Retrofit, Segurança do Trabalho.
ABSTRACT
This article presents a case study focused on the application of ergonomic analysis tools in industrial maintenance activities, with an emphasis on improving working conditions on a tube bending machine in the two-wheeler sector, located in the Industrial Hub of Manaus. The activity analyzed focused on the maintenance of the machine’s hydraulic unit, which was originally located in a hard-to-reach area. This setup exposed workers to significant ergonomic risks, especially during the manual lifting of heavy components and extended maintenance tasks performed in inadequate postures. To assess these risks, the Checklist by Couto and the OCRA method were used, with data collected through direct observation, interviews with operators, photographic records, and video footage. The initial results indicated high risks for upper limbs (12 points), spinal column (26 points), and potential accidents related to manual load handling. As a solution, a retrofit was carried out to reposition the hydraulic unit to an easily accessible lateral area. The available workspace, previously limited to 45 cm between the machine and the safety barrier, was increased to 1.5 meters. After the intervention, a significant reduction in risks was observed: upper limbs (6 points), spine (2 points), and the accident risk was reclassified as acceptable. The study highlights the relevance of ergonomics applied to industrial maintenance and demonstrates how well-planned structural adjustments can lead to significant improvements in worker safety, comfort, and operational efficiency.
Keywords: Ergonomics, Industrial Maintenance, Ergonomic Analysis, Retrofit, Occupational Safety.
1. INTRODUÇÃO
A ergonomia, enquanto ciência aplicada à adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, tem ganhado destaque nas últimas décadas como ferramenta essencial para a promoção da saúde ocupacional, prevenção de acidentes e aumento da eficiência produtiva. A ergonomia, enquanto ciência aplicada à adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, tem ganhado destaque nas últimas décadas como ferramenta essencial para a promoção da saúde ocupacional, prevenção de acidentes e aumento da eficiência produtiva. Conforme apontado por Sampaio do Carmo e Pessa (2024), na era da Indústria 4.0, a integração da ergonomia é fundamental para aprimorar ambientes de trabalho, considerando a relação entre máquinas, dispositivos e pessoas, e garantindo ambientes seguros, eficientes e produtivos.
No contexto da manutenção industrial, os desafios ergonômicos são particularmente relevantes. Diferentemente das atividades produtivas padronizadas, as tarefas de manutenção envolvem variabilidade, imprevisibilidade e, muitas vezes, execução em espaços confinados ou de difícil acesso. Essas condições expõem os trabalhadores a riscos significativos de lesões musculoesqueléticas, fadiga e acidentes, especialmente quando não há planejamento ergonômico adequado.
Este artigo apresenta um estudo de caso realizado em uma indústria do setor de veículos de duas rodas, localizada no Polo Industrial de Manaus, onde foi identificada uma situação crítica de risco ergonômico durante a manutenção da unidade hidráulica de uma máquina curvadora de tubos. A atividade exigia que os colaboradores atuassem em posturas forçadas, com espaço reduzido e sem apoio adequado para o manuseio de componentes pesados, como motores hidráulicos.
A partir da aplicação das ferramentas Checklist de Couto e OCRA, foi possível quantificar os riscos ergonômicos e propor uma intervenção por meio de retrofit da máquina. A solução implementada resultou em melhorias significativas nas condições de trabalho, reduzindo os riscos para níveis aceitáveis e promovendo maior segurança e conforto aos colaboradores.
2. OBJETIVOS
2.1 Objetivo geral
Analisar e reduzir os riscos ergonômicos associados à atividade de manutenção da unidade hidráulica de uma máquina curvadora de tubos, por meio da aplicação de ferramentas de avaliação ergonômica e da implementação de melhorias estruturais no ambiente de trabalho.
2.2 Objetivos específicos
- Identificar os fatores de risco ergonômico presentes na atividade de manutenção da unidade hidráulica;
- Aplicar as ferramentas Checklist de Couto e OCRA para quantificar os riscos ergonômicos;
- Avaliar as condições de trabalho antes da intervenção, com base em observações, entrevistas e registros visuais;
- Desenvolver e implementar uma solução técnica (retrofit) para reposicionar a unidade hidráulica e ampliar o espaço de trabalho;
- Comparar os níveis de risco antes e depois da intervenção, destacando os ganhos ergonômicos e de segurança;
- Evidenciar a importância da ergonomia como ferramenta de prevenção e melhoria contínua em ambientes industriais.
3. REFERENCIAL TEÓRICO
No contexto da presente pesquisa, o referencial teórico visa oferecer uma análise abrangente dos conceitos e práticas essenciais relacionados à ergonomia aplicada à manutenção industrial, destacando a importância da adaptação do trabalho às capacidades físicas e cognitivas dos trabalhadores. Inicialmente, será abordada a definição e os princípios da ergonomia, com ênfase nas suas implicações para a saúde ocupacional, segurança e produtividade no ambiente industrial.
Em seguida, será explorada a aplicação da ergonomia no contexto específico da manutenção industrial, considerando as particularidades dessa atividade, como a variabilidade das tarefas, o uso de ferramentas inadequadas e a necessidade de realizar intervenções em espaços de difícil acesso. A análise englobará tanto os aspectos biomecânicos quanto organizacionais, destacando os riscos ergonômicos típicos desse ambiente e a relevância de intervenções planejadas para a mitigação de lesões e melhoria das condições de trabalho.
Além disso, será discutido o impacto das estratégias ergonômicas nas condições de saúde e segurança dos trabalhadores, com foco na prevenção de distúrbios musculoesqueléticos e redução do absenteísmo. A pesquisa também abordará a importância do retrofit como uma solução viável para melhorar a ergonomia sem a necessidade de grandes investimentos, adaptando equipamentos e processos para promover maior conforto e eficiência.
Por fim, serão apresentadas ferramentas de análise ergonômica, como o OCRA e o Checklist de Couto, detalhando como essas metodologias podem ser aplicadas para identificar, quantificar e priorizar os riscos ergonômicos. O referencial teórico fornecerá, assim, uma base sólida para a compreensão dos elementos essenciais da ergonomia aplicada à manutenção industrial, estabelecendo o contexto necessário para as análises e soluções propostas no estudo.
3.1 A ergonomia no contexto industrial
A ergonomia, enquanto ciência multidisciplinar, busca adaptar o trabalho às capacidades e limitações do ser humano, promovendo saúde, segurança e desempenho. No ambiente industrial, essa adaptação é essencial para prevenir distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT), reduzir afastamentos e aumentar a produtividade (Iida, 2021).
Segundo Dul e Weerdmeester (2020), a ergonomia industrial deve ser aplicada desde o projeto das estações de trabalho até a manutenção dos equipamentos, considerando fatores biomecânicos, cognitivos e organizacionais. A negligência desses aspectos pode resultar em sobrecarga física, fadiga e acidentes.
A International Ergonomics Association (IEA, 2024) destaca que a ergonomia deve ser integrada aos processos produtivos como uma ferramenta estratégica, e não apenas corretiva. Isso é especialmente relevante em setores como o de veículos de duas rodas, onde a diversidade de tarefas e a intensidade operacional exigem atenção constante às condições de trabalho.
3.2 A ergonomia aplicada à manutenção industrial
As atividades de manutenção apresentam características únicas que as tornam particularmente suscetíveis a riscos ergonômicos. De acordo com Reis et al. (2023), a variabilidade das tarefas, a imprevisibilidade das falhas e a necessidade de intervenções em espaços confinados ou de difícil acesso são fatores que aumentam a exposição dos trabalhadores a posturas inadequadas, esforços excessivos e movimentos repetitivos.
Li et al. (2024) reforçam que a manutenção industrial, quando não planejada ergonomicamente, pode comprometer não apenas a saúde dos trabalhadores, mas também a eficiência operacional, devido ao aumento do tempo de intervenção e à possibilidade de erros humanos.
No estudo de Martinez-Aguirre et al. (2025), observou-se que intervenções ergonômicas simples, como a reorganização do layout e o uso de ferramentas auxiliares, resultaram em melhorias significativas na segurança e na produtividade da equipe de manutenção.
3.3 Impactos da ergonomia na saúde e segurança
A ergonomia, ao ser aplicada de forma sistemática no ambiente de trabalho, tem impactos diretos e mensuráveis na saúde ocupacional e na segurança dos trabalhadores. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a International Ergonomics Association (IEA) reconhecem a ergonomia como um dos pilares fundamentais para a prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, especialmente em setores industriais com alta demanda física e cognitiva.
Estudos publicados na revista Occupational Health Science destacam que intervenções ergonômicas bem planejadas reduzem significativamente a incidência de distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT), além de melhorar indicadores como absenteísmo, rotatividade e produtividade. A ergonomia atua tanto na prevenção primária — ao eliminar ou reduzir fatores de risco — quanto na prevenção secundária, ao adaptar o trabalho às limitações dos trabalhadores já afetados (Li et al., 2024). No contexto industrial, os principais riscos ergonômicos estão associados a posturas inadequadas, esforços repetitivos, levantamento de cargas e tempo insuficiente de recuperação. Esses fatores, quando não controlados, contribuem para o desenvolvimento de lesões musculoesqueléticas, fadiga crônica e até transtornos psicológicos, como estresse ocupacional e burnout. Segundo Reis et al. (2023), a ergonomia deve ser integrada ao sistema de gestão da saúde e segurança do trabalho, com foco na melhoria contínua e na participação ativa dos trabalhadores.
A aplicação de ferramentas como o OCRA e o Checklist de Couto, conforme discutido anteriormente, permite não apenas identificar os riscos, mas também quantificá-los e priorizar ações corretivas. Essa abordagem baseada em evidências é essencial para justificar tecnicamente intervenções como o retrofit de máquinas, reorganização de layout e aquisição de equipamentos auxiliares. No caso analisado neste estudo, a intervenção ergonômica resultou em uma redução expressiva dos riscos para membros superiores e coluna vertebral, além de eliminar a necessidade de içamento manual de componentes pesados — um dos principais fatores de risco para lesões lombares. Essa melhoria não apenas protegeu a integridade física dos trabalhadores, mas também aumentou a eficiência da manutenção, reduzindo o tempo de parada da máquina e os custos operacionais.
Além dos benefícios físicos, a ergonomia também impacta positivamente o bem-estar psicológico dos trabalhadores. Ambientes de trabalho mais seguros e confortáveis contribuem para a satisfação no trabalho, o engajamento e a motivação. A literatura aponta que trabalhadores que percebem que sua saúde e segurança são valorizadas pela organização tendem a apresentar maior comprometimento e desempenho.
Portanto, os impactos da ergonomia vão além da prevenção de doenças: ela é um fator estratégico para a sustentabilidade organizacional, promovendo ambientes de trabalho mais humanos, produtivos e resilientes. Como reforça a International Ergonomics Association (2024), a ergonomia deve ser vista como um investimento e não como um custo, pois seus benefícios se estendem à saúde dos trabalhadores, à eficiência dos processos e à imagem institucional das empresas.
3.4 Ferramentas de análise ergonômica
A avaliação ergonômica é fundamental para identificar e quantificar os riscos presentes nas atividades laborais. Diversas ferramentas têm sido desenvolvidas com esse propósito, cada uma com foco em aspectos específicos do trabalho. Entre as mais utilizadas estão o REBA, o RULA, o NIOSH, o OCRA e o Checklist de Couto (Reis et al., 2023).
O Checklist de Couto é uma ferramenta nacional amplamente utilizada no Brasil, que permite uma análise rápida e sistemática de fatores de risco ergonômico, como postura, força, repetitividade e condições ambientais (Couto, 2020). Já o OCRA (Occupational Repetitive Actions) é uma metodologia internacionalmente reconhecida para avaliação de riscos relacionados a movimentos repetitivos dos membros superiores, sendo recomendada por normas como a ISO 11228-3 (Dul & Weerdmeester, 2020).
A escolha da ferramenta adequada depende do tipo de atividade analisada, da profundidade da avaliação desejada e da disponibilidade de dados. Em estudos de caso industriais, a combinação de ferramentas qualitativas e quantitativas tem se mostrado eficaz para embasar intervenções (Reis et al., 2023).
A aplicação combinada das ferramentas OCRA (Occupational Repetitive Actions) e Checklist de Couto tem se mostrado altamente eficaz na avaliação de riscos ergonômicos, especialmente em ambientes industriais onde há exposição a tarefas repetitivas e posturas forçadas. Cada ferramenta possui características complementares: enquanto o Checklist de Couto oferece uma abordagem qualitativa e abrangente, considerando fatores biomecânicos, ambientais e organizacionais, o OCRA fornece uma análise quantitativa detalhada, baseada em parâmetros como frequência de movimentos, força aplicada, postura e tempo de recuperação (Couto, 2020; Reis et al., 2023).
O método OCRA, conforme validado por Occhipinti e Colombini (2021), é amplamente reconhecido por sua capacidade de prever a ocorrência de distúrbios musculoesqueléticos relacionados ao trabalho (UL-WMSDs) em trabalhadores expostos a tarefas manuais repetitivas. O estudo, apresentado no Congresso da International Ergonomics Association, demonstrou uma forte correlação entre os escores do OCRA Checklist e a prevalência de lesões, com um coeficiente de determinação de R² = 0,86. Isso reforça a confiabilidade da ferramenta como instrumento preditivo e de triagem em ambientes industriais.
Na metodologia OCRA Checklist (Occupational Repetitive Actions), os critérios de avaliação são medidos por meio da análise de cinco fatores principais que influenciam o risco ergonômico em atividades repetitivas dos membros superiores. Os itens avaliados são: frequência de ações técnicas por minuto, força aplicada nas tarefas, posturas inadequadas ou movimentos estereotipados, ausência ou insuficiência de pausas e fatores adicionais agravantes, como vibração, temperatura extrema e impactos repetitivos. Cada item recebe uma pontuação específica com base na intensidade e na duração da exposição ao fator de risco, e essas pontuações são somadas para gerar um índice final (conforme a Figura 1). Esse índice é comparado a valores de referência para classificar o risco como baixo, moderado ou alto, permitindo a priorização de intervenções ergonômicas. A abordagem é sistemática e padronizada, o que garante consistência na avaliação e facilita a tomada de decisões corretivas.
Figura 1 – Tabela de Riscos da Checklist OCRA.

Já o Checklist de Couto, amplamente utilizado no Brasil, é valorizado por sua aplicabilidade prática e por considerar aspectos contextuais do ambiente de trabalho. Ele permite uma avaliação rápida e eficaz, sendo especialmente útil em diagnósticos preliminares e em intervenções ergonômicas participativas (Couto, 2020).
A combinação dessas ferramentas é particularmente relevante em atividades de manutenção industrial, como a analisada neste estudo, onde os riscos variam conforme o tipo de intervenção, o espaço disponível e a frequência das tarefas. Em ambientes com máquinas de grande porte, como curvadoras de tubos, a manutenção frequentemente exige posturas forçadas, esforço físico elevado e manipulação de componentes pesados — fatores que elevam significativamente os índices de risco ergonômico (Iida, 2021).
A aplicação integrada do OCRA e do Checklist de Couto no presente estudo permitiu não apenas identificar os riscos, mas também quantificá-los com precisão, fornecendo subsídios técnicos para a tomada de decisão. A partir dessa análise, foi possível justificar a intervenção ergonômica por meio de retrofit, que resultou em uma redução expressiva dos riscos para membros superiores e coluna vertebral.
3.5 Retrofit como estratégia de intervenção ergonômica
O retrofit, no contexto industrial, refere-se à modernização de máquinas e equipamentos existentes com o objetivo de melhorar sua segurança, eficiência e ergonomia, sem a necessidade de substituição completa. Essa prática tem se consolidado como uma alternativa viável para empresas que buscam alinhar seus processos produtivos às exigências contemporâneas de saúde ocupacional e produtividade.
Segundo Martinez-Aguirre et al. (2025), intervenções estruturais em máquinas industriais, mesmo com baixo custo, podem gerar impactos significativos na saúde ocupacional e na produtividade, especialmente quando envolvem melhorias ergonômicas no acesso e na operação de componentes críticos . O retrofit permite, por exemplo, a realocação de unidades de difícil acesso, a instalação de suportes e plataformas, e a reorganização do layout de trabalho, medidas que reduzem a exposição a posturas forçadas, esforços excessivos e riscos de acidentes. O retrofit deve ser orientado por princípios de ergonomia e fatores humanos.
A publicação conjunta da International Ergonomics Association (IEA) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), intitulada Principles and Guidelines for Human Factors/Ergonomics (HF/E) Design and Management of Work Systems, destaca que a adaptação de sistemas de trabalho deve considerar a interação entre o trabalhador e os elementos do sistema, promovendo bem-estar e desempenho global (INTERNATIONAL ERGONOMICS ASSOCIATION; INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION, 2023).
O retrofit, portanto, não deve ser visto apenas como uma solução técnica, mas como uma estratégia integrada de gestão de riscos e melhoria contínua. Ele permite que empresas com restrições orçamentárias promovam ambientes de trabalho mais seguros e saudáveis, alinhando-se às diretrizes internacionais de ergonomia e sustentabilidade industrial. Como destaca a Journal of Intelligent Manufacturing, intervenções baseadas em engenharia ergonômica e inteligência operacional têm potencial para transformar significativamente a performance de sistemas produtivos.
4. METODOLOGIA
Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa aplicada, de natureza qualitativa, com abordagem exploratória e descritiva, conduzida por meio de um estudo de caso em uma indústria do setor de veículos de duas rodas, localizada no Polo Industrial de Manaus. O foco principal da investigação foi a análise ergonômica de uma atividade de manutenção realizada em uma máquina curvadora de tubos modelo EMT, utilizada na fabricação de componentes como guidões, escapamentos e chassis.
A primeira etapa do estudo foi realizada no setor de estamparia, onde a máquina estava originalmente instalada. Entretanto, visando condições mais favoráveis à implementação da intervenção ergonômica, a máquina foi posteriormente transferida para a fábrica de tubos. Essa mudança possibilitou melhores condições estruturais — como maior espaço físico, piso nivelado e sistema de gradeamento de segurança mais eficiente —, fatores essenciais para a aplicação das modificações ergonômicas propostas.
Participaram diretamente da atividade três colaboradores da equipe de manutenção mecânica da empresa, profissionais com sólida experiência em intervenções corretivas e preventivas, que atuam cotidianamente na manutenção de equipamentos industriais. A escolha desses participantes foi intencional, considerando sua vivência prática e conhecimento técnico, o que conferiu maior consistência às observações e análises realizadas. A participação ativa dos trabalhadores foi essencial, pois permitiu a identificação de problemas não perceptíveis em análises puramente técnicas, além de possibilitar a proposição de soluções viáveis do ponto de vista operacional.
A coleta de dados foi realizada durante manutenções programadas, que ocorrem em média a cada seis meses. Foram utilizados múltiplos métodos para garantir a triangulação dos dados e aumentar a confiabilidade dos resultados: observação direta das atividades de manutenção, entrevistas informais com os colaboradores envolvidos, registros fotográficos e videográficos das condições de trabalho e análise documental de históricos e registros de manutenção anteriores.
A análise ergonômica baseou-se na aplicação de duas ferramentas consagradas: o Checklist de Couto e o método OCRA (Occupational Repetitive Actions). O Checklist de Couto possibilitou uma identificação qualitativa e sistemática dos fatores de risco ergonômico, com base em critérios como postura, força física aplicada, frequência dos movimentos, tempo de recuperação, iluminação, ruído e condições térmicas. Este instrumento forneceu uma visão geral dos riscos presentes e auxiliou na priorização das ações corretivas.
O método OCRA, por sua vez, foi utilizado para quantificar o risco de distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho repetitivo, com ênfase nos membros superiores. Essa ferramenta avalia o número de ações repetitivas por minuto, força aplicada, postura, ausência de pausas adequadas, entre outros fatores, gerando um índice de exposição que permite classificar o risco como aceitável, de atenção ou de perigo. A combinação das duas ferramentas proporcionou uma análise mais abrangente: o Checklist de Couto serviu como triagem e diagnóstico geral, enquanto o OCRA aprofundou a análise em tarefas com maior carga repetitiva e risco potencial.
Com base nas análises, foi proposta uma intervenção técnica por meio de retrofit, que consistiu na realocação da unidade hidráulica da máquina para uma área lateral. Essa mudança estratégica ampliou o espaço de trabalho, possibilitando o uso de equipamentos auxiliares — como a girafa hidráulica — e eliminando a necessidade de içamento manual do motor, uma das atividades mais críticas sob o ponto de vista ergonômico. A intervenção resultou em uma redução significativa dos riscos para os membros superiores e coluna vertebral, além de melhorar a eficiência da manutenção, reduzir o tempo de parada da máquina e os custos operacionais.
A análise de dados seguiu uma abordagem qualitativa e interpretativa, apoiada em princípios da ergonomia participativa, na qual a percepção dos trabalhadores é considerada um elemento central para o diagnóstico e a formulação de soluções. As observações de campo foram registradas em formulários padronizados e posteriormente analisadas à luz dos critérios definidos nas ferramentas ergonômicas aplicadas. As entrevistas informais foram tratadas como dados complementares, permitindo enriquecer a interpretação dos resultados obtidos nas avaliações estruturadas.
A combinação de evidências empíricas (como filmagens, fotos e registros históricos) com os dados das ferramentas analíticas possibilitou uma validação cruzada dos achados, aumentando a robustez da análise. A participação dos trabalhadores também funcionou como um mecanismo de validação prática, assegurando que as propostas fossem condizentes com as condições reais de trabalho e tecnicamente viáveis.
Entre as limitações deste estudo, destaca-se a restrição ao contexto de um único caso, o que pode limitar a generalização dos resultados para outras realidades industriais. Além disso, embora as ferramentas aplicadas sejam reconhecidas na literatura, sua utilização envolve certo grau de subjetividade na interpretação dos critérios, especialmente no Checklist de Couto. A ausência de entrevistas formais estruturadas também pode ter reduzido a profundidade de algumas percepções, ainda que as entrevistas informais tenham sido ricas em conteúdo.
Outro fator limitante refere-se ao tempo de observação, que foi condicionado à programação de manutenções semestrais, restringindo a coleta a um número reduzido de intervenções. Por fim, é importante reconhecer que a avaliação de riscos ergonômicos é dinâmica, e os resultados obtidos refletem as condições observadas no momento específico da coleta de dados.
Apesar dessas limitações, o estudo oferece uma contribuição relevante ao demonstrar como a aplicação integrada de ferramentas ergonômicas, aliada ao conhecimento prático dos trabalhadores, pode resultar em intervenções eficazes e sustentáveis no ambiente industrial.
5. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A análise ergonômica realizada na atividade de manutenção da unidade hidráulica da máquina curvadora EMT revelou a presença de riscos significativos à saúde e segurança dos trabalhadores. Antes da intervenção, os colaboradores atuavam em um espaço restrito de apenas 45 cm entre a máquina e a grade de proteção (Figura 2), o que exigia posturas forçadas, esforço físico elevado e a manipulação manual de componentes pesados, como o motor hidráulico (Figura 3). Essa configuração resultava em altos índices de risco ergonômico, conforme identificado pelas ferramentas aplicadas.
Figura 2 – Colaborador realizando esforço

Figura 3 – Içamento e posicionamento manual do motor

A avaliação inicial, utilizando o método OCRA, indicou um escore de 12 pontos para os membros superiores, classificado como risco alto. Já a análise voltada à coluna vertebral, baseada nos critérios do Checklist de Couto, apontou um risco de 26 pontos, considerado altíssimo. Além disso, foi identificado um risco elevado de acidentes, devido à necessidade de içamento manual do motor e à limitação de espaço para movimentação segura.
Com base nesses dados, foi proposta e implementada uma intervenção técnica por meio de retrofit, que consistiu na realocação da unidade hidráulica para a lateral da máquina, utilizando um suporte confeccionado com cantoneiras de aço 50×50 mm (Figura 5) e readequação do espaçamento das grades protetoras no novo layout da Fábrica de Tubos, após a transferência das máquinas (Figura 4). Essa modificação ampliou o espaço de trabalho para 1,5 metro, permitindo o uso de equipamentos auxiliares, como a girafa hidráulica, e eliminando a necessidade de esforço físico excessivo.
Figura 4 – Adequação do gradeamento

Figura 5 – Instalação do suporte

Os resultados pós-intervenção demonstraram uma redução significativa dos riscos ergonômicos. O escore OCRA para membros superiores caiu de 12 para 6 pontos, reclassificando o risco alto para nível aceitável. O risco para a coluna vertebral foi reduzido de 26 para apenas 2 pontos, indicando uma condição segura e ergonomicamente adequada. Além disso, o risco de acidentes foi reclassificado de alto para aceitável (Figura 6), uma vez que a nova configuração eliminou a manipulação manual de cargas pesadas e melhorou o acesso ao equipamento.
Figura 6 – Resultados quantificados graficamente

Esses resultados corroboram a literatura especializada, que destaca a eficácia de intervenções ergonômicas estruturais na prevenção de distúrbios musculoesqueléticos e na promoção da segurança no trabalho (Dul & Weerdmeester, 2020; Iida, 2021). A melhoria das condições de trabalho também impacta positivamente a produtividade e o bem-estar dos trabalhadores, conforme apontado por Li et al. (2024), que relacionam a ergonomia à eficiência operacional em sistemas industriais.
Além dos ganhos ergonômicos, a intervenção apresentou viabilidade econômica. O custo total do retrofit foi de R$2.900,00, incluindo materiais e mão de obra especializada. Considerando os benefícios obtidos — redução de riscos, prevenção de afastamentos e aumento da eficiência da manutenção —, o investimento pode ser considerado de alto retorno, tanto do ponto de vista técnico quanto organizacional. Além disso, outros ganhos foram relatados:
- Redução do tempo de manutenção de 240 minutos para 90 minutos.
- Redução do custo por manutenção de R$1380,00 para R$345,00.
A experiência relatada neste estudo reforça a importância da ergonomia como ferramenta estratégica na gestão da manutenção industrial. A aplicação de métodos de análise ergonômica, aliada à escuta ativa dos trabalhadores e à implementação de soluções técnicas viáveis, permite transformar ambientes de trabalho inseguros em espaços mais saudáveis, produtivos e sustentáveis. A melhoria implantada no equipamento (Figura 7) representou um avanço significativo tanto em termos de ergonomia quanto de eficiência operacional.
Figura 7 – Melhoria Implantada

6. CONCLUSÃO
A análise ergonômica realizada na atividade de manutenção da unidade hidráulica da máquina curvadora EMT demonstrou a importância de intervenções estruturais para a promoção da saúde e segurança dos trabalhadores. A aplicação das ferramentas OCRA e Checklist de Couto permitiu identificar e quantificar os riscos ergonômicos, fornecendo subsídios técnicos para a tomada de decisão.
A intervenção por meio de retrofit, que consistiu na realocação da unidade hidráulica para uma área lateral da máquina, resultou em uma redução significativa dos riscos ergonômicos para membros superiores e coluna vertebral. Além disso, a eliminação da necessidade de içamento manual do motor hidráulico mitigou o risco de acidentes, proporcionando um ambiente de trabalho mais seguro e eficiente.
Os resultados obtidos corroboram a literatura especializada, que destaca a eficácia de intervenções ergonômicas na prevenção de distúrbios musculoesqueléticos e na promoção da segurança no trabalho. A melhoria das condições de trabalho impactou positivamente a produtividade e o bem-estar dos trabalhadores, evidenciando que a ergonomia deve ser vista como um investimento estratégico para a sustentabilidade organizacional.
A experiência relatada neste estudo reforça a importância da ergonomia como ferramenta essencial na gestão da manutenção industrial. A aplicação de métodos de análise ergonômica, aliada à escuta ativa dos trabalhadores e à implementação de soluções técnicas viáveis, permite transformar ambientes de trabalho inseguros em espaços mais saudáveis, produtivos e sustentáveis.
Portanto, conclui-se que a ergonomia, quando integrada de forma sistemática aos processos de manutenção, não apenas previne doenças e acidentes, mas também promove a eficiência operacional e o bem-estar dos trabalhadores. A intervenção realizada neste estudo serve como exemplo prático de como a ergonomia pode ser aplicada para resolver problemas reais e melhorar significativamente as condições de trabalho em ambientes industriais.
7. REFERÊNCIAS
- COUTO, Hudson de Araújo. Ergonomia aplicada ao trabalho: manual técnico da AET. Belo Horizonte: Ergo, 2020.
- DUL, Jan; WEERDMEESTER, Bernard. Ergonomia prática: guia de referência rápida. 3. ed. São Paulo: Ed. Blucher, 2020.
- IIDA, Itiro. Ergonomia: projeto e produção. 3. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2021.
- INTERNATIONAL ERGONOMICS ASSOCIATION (IEA). Proceedings of the 22nd Congress of the International Ergonomics Association. IEA, 2024. Disponível em: https://iea.cc. Acesso em: 30 maio 2025.
- LI, C. et al. The impact of predictive maintenance on the performance of industrial systems. Journal of Manufacturing Systems, [S.l.], v. 63, p. 45–58, 2024. DOI: 10.1016/j.jmsy.2024.01.005.
- MARTINEZ-AGUIRRE, M. et al. Cutting parameters in the machining of lightweight components manufactured by PBF-LB. Procedia CIRP, [S.l.], v. 118, p. 112–118, 2025. DOI: 10.1016/j.procir.2025.03.015.
- REIS, C. C. dos et al. Análise ergonômica: uma revisão bibliográfica atualizada das principais ferramentas e suas principais características. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 48, e2023-0012, 2023. DOI: 10.1590/2317-6369000012323.
- SPRINGER. Ergonomics in industrial maintenance: a systematic review. Operations Management Research, [S.l.], v. 16, n. 2, p. 134–148, 2023. DOI: 10.1007/s12063-023-00201-9.
- SAMPAIO DO CARMO, Juliana; PESSA, Sérgio Luiz Ribas. Impactos das inovações da ergonomia na era da Indústria 4.0. Encontro Internacional de Gestão, Desenvolvimento e Inovação (EIGEDIN), v. 7, n. 1, 15 maio 2024.Disponível em: https://periodicos.ufms.br/index.php/EIGEDIN/article/view/20824. Acesso em: 30 maio 2025.
- OCCHIPINTI, E.; COLOMBINI, D. Método Ocra: para análise ergonômica e prevenção do risco por movimentos repetitivos de membros superiores. 2.ed. Curitiba: Escola Ocra Brasil, 2014.