VIDEO-BASED SOCIAL MEDIA AND THEIR IMPACT ON CHILDREN’S IDENTITY DEVELOPMENT
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202510211400
Kauanne Snak Mazurok1
Marcelo de Oliveira2
Resumo
O artigo visa analisar os impactos das redes sociais baseadas em vídeos na formação da identidade de crianças, buscando compreender os principais efeitos que o uso dessas redes traz para o processo de construção do eu infantil, além de explorar os aspectos psíquicos envolvidos, com foco na perspectiva freudiana. Com a abordagem de revisão bibliográfica, qualitativa e exploratória com coleta de dados por meio de buscas em bases de dados acadêmicos como Google Acadêmico, SciELO, PepSic e ResearchGate, além de bibliotecas virtuais que disponibilizam livros e revistas relacionadas. As redes baseadas em vídeo exercem uma influência significativa na formação da identidade de crianças anos. Essas mídias promovem uma identificação com conteúdos idealizados e muitas vezes distorcidos da realidade, o que pode afetar os desejos, as relações interpessoais e o processo de construção do eu das crianças. Embora as redes possam contribuir para problemas na saúde mental e na formação do self, seu uso controlado pode oferecer suporte e inclusão social às crianças com transtornos que as diferenciem das demais, além de oferecer oportunidade de desenvolvimento de novas habilidades.
Palavras-chave: Redes sociais. Vídeos. Desenvolvimento da identidade. Crianças.
1. INTRODUÇÃO
A pesquisa visa analisar os impactos que as redes sociais têm na formação de identidade de crianças, buscando a relação entre redes sociais e a formação de identidade. Visando compreender os efeitos das redes sociais baseadas em vídeo, principalmente no momento da formação de identidade, trazendo uma revisão da literatura disponível, além de realizar uma pesquisa teórica embasada na psicanálise freudiana.
A identificação para a psicanálise freudiana é a forma mais primitiva de laço emocional estabelecido com o outro, este laço ocorre geralmente com uma figura importante, assimilando seus traços a sua personalidade ou ao seu ego. A identificação Freud (1921) é um meio pelo qual a pessoa estabelece conexões emocionais e representa algo significativo para a dinâmica social. Para além disso, a identificação pode também demonstrar o desejo ou necessidade de formar laços com o outro, buscando semelhanças nos sentimentos ou nas experiências, não sendo necessariamente uma conexão afetiva. Estando este processo ligado também ao ideal do eu, desejos e outras instâncias psíquicas (Id, Ego e Superego).
As redes sociais de vídeo, como o YouTube, TikTok e Kawaii, exercem cada vez mais influência na vida de crianças, principalmente ao permitir que estas vejam versões idealizadas de vidas que, fora das telas, não é da forma a qual é apresentada e isso pode causar impactos os quais sejam para além de emocionais, afetando os desejos da criança, suas relações interpessoais e seu processo de identificação. (Puccinelli 2023)
O projeto visa a importância observar como a tecnologia afeta o processo de formação de identidade de crianças e compreender mais sobre os efeitos das telas em sua formação, dialogar sobre a produção de conteúdo para as redes de vídeos e o acesso que crianças têm nos diversos conteúdos. Para a sociedade-campo acadêmico visa mostrar como as redes sociais baseadas em vídeo têm impacto na identidade e em seu processo de formação com enfoque em crianças. Demonstrar quais os principais impactos da rede na formação de identidade de crianças. Quando produzido o conteúdo, é importante compreender e estudar os possíveis impactos que este trará, já que os impactos do uso das redes permanecem pouco explorados, sendo que este período é crucial para a formação dos primeiros laços.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA
Freud e a identidade.
Segundo os conceitos de Freud, a identidade pode ser conceituada como a percepção que o indivíduo constrói de si mesmo e consiste em um conjunto de traços que definem uma pessoa, comumente apropriados de atributos de outros indivíduos, associando-se fundamentalmente à noção de individualidade e ao processo de diferenciação em relação ao contexto social, além de permitir o sujeito de se reconhecer como parte de estruturas amplas, seja da sociedade ou em suas particularidades, estando sempre em busca por si mesmo. Freud também enfatiza que essa instância psíquica se desenvolve por intermédio de experiências vivenciadas, memórias internalizadas e relações interpessoais, as quais são influenciadas por determinantes culturais, sociais e emocionais. A identidade está diretamente ligada à identificação, pois sua constituição pressupõe a ocorrência de ligações identificatórias com o outro. “A psicanálise conhece a identificação como a mais antiga manifestação de uma ligação afetiva a uma outra pessoa.” (Freud 1921 p. 46), a identificação é um laço emocional com o outro, uma construção de uma representação de si mesmo.
A identificação, na perspectiva psicanalítica freudiana, a identificação constitui um mecanismo primitivo fundamental na formação de vínculos afetivos, manifestando-se primordialmente em relação a figuras significativas, tais como cuidadores primários e indivíduos proeminentes no contexto relacional do sujeito, também envolve a assimilação de características alheias ao próprio Ego ou à estrutura da personalidade, promovendo uma internalização que modela a configuração psíquica. “O garoto revela um interesse especial por seu pai, gostaria de crescer e ser como ele, tomar o lugar dele em todas as situações. Digamos tranquilamente: ele toma o pai como seu ideal.” (Freud, 1921 p.46). Nesse sentido, a identificação pode ser interpretada como uma forma de alienação psíquica, uma vez que o sujeito se distancia de sua essência ao incorporar elementos externos, oriundos da cultura e da sociedade, os quais são apropriados e integrados à sua representação de si que não é propriamente seu, além disso, o outro é mutável, não sendo fixo a um único sujeito. Nesta perspectiva, a identidade não se apresenta como estática ou pré-determinada, mas como um processo dinâmico de construção da autopercepção, que se desenvolve ao longo da existência, com ênfase particular nos estágios iniciais da vida.
Para Freud (1921) tal processo tem um papel central na constituição do sujeito, permitindo que este internalize características externas que moldam sua subjetividade. Além de seu papel nas relações afetivas, a identificação atua diretamente nas interações sociais, refletindo conexões emocionais, e a busca inconsciente por afinidades que abrangem dimensões afetivas, vivenciais e trajetórias existenciais do outro, e tal processo não pressupõe necessariamente uma vinculação afetiva direta, podendo ser criada com figuras mais distantes ou com personagens de narrativas fictícias, revelando a necessidade de vinculação e uma expressão do desejo de estabelecer pontos de contato com o outro. A identidade e a identificação se relacionam, pois, a identidade é formada por identificações, se constituindo a partir de um acúmulo e transformações contínuas de processos identificatórios ao longo da existência. Para além disso, a relação do indivíduo com o objeto de identificação pode ficar distante e ser modificada após a internalização de características.
Nisto se renuncia ao próprio objeto — se inteiramente, ou apenas no sentido de que é preservado no inconsciente, é algo que escapa à presente discussão. A identificação com o objeto renunciado ou perdido, como substituição para o mesmo, a introjeção desse objeto no Eu, isto já não constitui de fato uma novidade para nós.” (Freud 1921. p. 51)
Neste trecho Freud (1921) menciona a renúncia ao objeto de identificação, processo pelo qual o indivíduo abdica de uma relação direta com o objeto, parando o investimento afetivo, o amor ou a atenção direcionados a ele, de maneira completa ou parcial, e substitui pela incorporação das características deste. A maneira em que isso ocorre causa algumas marcações no inconsciente, configurando uma reestruturação psíquica. A incorporação das qualidades do objeto não representa algo novo para os estudos, já que é possível observar o comportamento de crianças pequenas, por exemplo a imitação do filho sobre as atitudes do pai ou de figuras masculinas próximas ou de personagens de desenhos animados frequentemente assistidos. Para além disso, a introjeção do objeto a si pode representar também uma falta que vai muito além de ignorar o afeto e atenção, implicando dimensões mais amplas de perda e reconfiguração subjetiva.
A sombra do objeto caiu sobre o Eu, afirmei em outro lugar. A introjeção do objeto, aqui, é inconfundivelmente clara. Mas essas melancolias nos mostram ainda algo mais, que pode ser importante para nossas considerações posteriores. Elas nos mostram o Eu dividido, decomposto em dois pedaços, um dos quais se enfurece com o outro. Esse outro pedaço é aquele transformado pela introjeção, e que contém o objeto perdido. (FREUD, 1921. p.51-52.)
Freud (1921) fala que a introjeção do objeto a si provoca o conflito do Eu, caracterizado por uma cisão interna que opõe o Eu que assimilou as qualidades do objeto àquele que reage com fúria à sua perda, gerando sentimento de culpa e autocrítica, deste ponto, Freud introduz o conceito de ideal do Eu, uma instância crítica do Eu que se configura em torno das normas e valores absorvidos da sociedade. Um Eu o qual já teve outros processos de identificações e que agora julga o que é bom e o que não é para se modificar e trazer novos comportamentos e ideias.
Para Freud, (1914) a identidade, em sua configuração mais abrangente, também está relacionada com o ideal do Eu, definido por Freud como repertório de aspirações do Eu, ideias e ideais que o Eu aspira a incorporar e realizar. Originando-se do Ego e de um narcisismo presente na infância, por muitas vezes o ideal do Eu pode agir de maneira punitiva, ao evidenciar as insuficiências e deficiências do Eu, julgando a si mesmo. Por outro lado, a proximidade do Eu com esses padrões ideais suscita no indivíduo uma sensação de bem-estar, autossuficiência e grandiosidade.
[…]Com isso não entendemos jamais que a pessoa tenha um simples conhecimento intelectual da existência de tais ideias, mas que as reconheça como determinantes para si, que se submeta às exigências que delas partem. Dissemos que a repressão vem do Eu; podemos precisar: vem do autorrespeito do Eu. As mesmas impressões, vivências, impulsos, desejos que uma pessoa tolera ou ao menos elabora conscientemente são rejeitados por outra com indignação, ou já sufocados antes de se tornarem conscientes. […]Podemos dizer que uma erigiu um ideal dentro de si, pelo qual mede o seu Eu atual, enquanto à outra falta essa formação de ideal. Para o Eu, a formação do ideal seria a condição para a repressão. (Freud 1914-1916 p. 39-40)
O ideal do Eu exerce uma função seletiva de ideias as quais mais lhe convém, priorizando aquelas que se alinham ao Eu atual ou que promovem seu aprimoramento, perante seu próprio julgamento. A repressão vem em forma de julgamento, definindo quais comportamentos ou ideias que já foram adquiridos não lhe são mais convenientes, além de definir quais as próximas características a serem adquiridas, mas para além de repressões e julgamentos, o ideal do Eu fundamenta-se em um amor-próprio primordial, de raízes infantis, que impulsiona uma aspiração contínua à perfeição de si mais uma vez, apropriando-se e sonhando com vivências, impressões e desejos não propriamente seus.
A esse ideal do Eu dirige-se então o amor a si mesmo, que o Eu real desfrutou na infância. O narcisismo aparece deslocado para esse novo Eu ideal, que como o infantil se acha de posse de toda preciosa perfeição. Aqui, como sempre no âmbito da libido, o indivíduo se revelou incapaz de renunciar à satisfação que uma vez foi desfrutada. Ele não quer se privar da perfeição narcísica de sua infância, e se não pôde mantê-la, perturbado por admoestações durante seu desenvolvimento e tendo seu juízo despertado, procura readquiri-la na forma nova do ideal do Eu. (Freud 1914-1916 p. 40)
O narcisismo da infância citado pelo autor, o qual se deriva o amor-próprio que sustenta o ideal do Eu, refere-se à fase no qual a criança investe toda sua libido no Eu, todos os seus desejos e prazeres em si mesma, colocando-se como perfeição inigualável, nesta fase a criança não se diferencia do mundo e tem sua imagem e sua satisfação como o mais importante. O narcisismo, todavia, ultrapassa a noção de mero amor-próprio, configurando-se como uma devoção absoluta à própria imagem idealizada e perfeita, seus prazeres sexuais e seu desejo estão voltados para si, tendo o amor-próprio como uma base, o Eu narcísico da infância, no entanto, se diferencia do narcisismo patológico, o qual absorve toda a libido do ser é retraída ou fixada no Eu, levando o indivíduo a perda da realidade.
Freud cita a identidade como inerente ao Ego, instância psíquica que assume a responsabilidade pela elaboração e manutenção de ideais, atuando como mediadora entre o Id e o Superego, equilibrando a realidade externa com os desejos e impulsos primitivos do Id, o Ego facilita o desenvolvimento da noção de si no indivíduo, mediante ao que ocorre socialmente, buscando se adequar de forma coerente e adequada, às contingências sociais e ambientais. Freud evoca os conceitos destas três instâncias psíquicas, explicando que o Id, Ego e Superego compõem a psique humana, “Proponho que a levemos em consideração, chamando de Eu a entidade que parte do sistema Pcp e é inicialmente pcs, e de Id,* segundo o uso de Groddeck, a outra parte da psique, na qual ela prossegue, e que se comporta como ics.” (Freud, 1923-1925) o Id configura-se como um reservatório de instintos primitivos, representando a essência do inconsciente, que abriga os desejos arcaicos e opera sob o princípio do prazer imediato, está ligado à libido e a pulsão de morte, os quais são forças fundamentais para o desenvolvimento humano.
Freud (1923-1925) apresenta novos conceitos além das instâncias do ego, o Pcp (Percepção-Consciência), o Pcs (Pré-Consciente) e o Ics (Inconsciente), O Pcp representa a instância psíquica inicial, encarregada da recepção e processamento de estímulos sensoriais provenientes do mundo externo, com a função primordial de transmiti-los à consciência para elaboração subsequente, opera como um sistema de filtragem e armazenamento de representações mnêmicas, permitindo a mobilização e o repasse desses conteúdos para o domínio consciente conforme as demandas do processo psíquico, atuando como um reservatório de memórias latentes que, embora não ativamente mobilizadas no momento pela consciência, permanecem acessíveis ao Ego de forma imediata e voluntária.
Para Freud, (1923-1925) o Id é considerado um impulso para o desenvolvimento do ego, assim como o superego. O Superego é formado da internalização de experiências e influências sociais, particularmente aquelas oriundas de figuras externas significativas, como os pais, que transmitem normas morais e éticas que o indivíduo assimila e incorpora ao seu aparato psíquico, essa instância institui regras e normas, julga as ações por base do que lhe é condizente, cria padrões de ideais e expectativas uma vez internalizadas na infância. O Superego atua como um crítico que avalia os pensamentos e ações do ego, atuando simultaneamente como uma força opositora aos impulsos instintuais do Id. Além disso o Superego pode ser considerado a instância que diferencia o ser humano, pois esta lhe traz a moral e a ética, junto aos padrões de certo e errado, exercendo uma função judicativa.
3. METODOLOGIA
A pesquisa adotará uma abordagem bibliográfica, qualitativa e exploratória com o objetivo de aprofundar a compreensão sobre o tema. Será realizada uma revisão sistemática da literatura que abrangerá livros, artigos científicos e documentos.
A coleta de dados será realizada por meio de uma busca em bases de dados acadêmicos como Google acadêmico, SciElo, PepSic e ResearchGate, além de bibliotecas virtuais que disponibilizam livros relacionados e revistas, os artigos serão selecionados conforme sua relevância e compatibilidade com o tema dentro das palavras chaves: Redes Sociais, Formação de identidade, Criança, Vídeos, Identidades, Identificações. A pesquisa será realizada no campo da psicanálise freudiana com enfoque em explicar a visão da formação da identidade e redes sociais.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS
Redes sociais e o desenvolvimento da identidade.
Os processos psíquicos anteriormente citados, são responsáveis pela formação do indivíduo e de sua psique, formando sua identidade e sua personalidade. Ao transpor o conceito de identidade para o contexto contemporâneo, observa-se uma expansão significativa além das interações tradicionais com a família e o círculo cotidiano, há mais meios de socialização, principalmente com a internet, facilitando o contato instantâneo com indivíduos de diversas origens geográficas e culturais, além disso, há redes sociais onde inúmeros vídeos, fotos e mensagens são publicadas diariamente e mundialmente, o que amplifica as oportunidades de identificação e incorporação de modelos identitários por parte do sujeito. Dentre as redes sociais às quais temos acesso facilmente pelo celular smartphone, podemos citar o Youtube, TikTok e Kwai, que são redes baseadas em vídeos. (Mendes, 2020)
O Youtube teve origem no ano de 2005, criado por Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim. O primeiro vídeo publicado no YouTube foi do próprio criador e tinha a duração de 19 segundos e desde o ano de lançamento a plataforma já havia se tornado muito popular. Sendo o pioneiro das redes sociais baseadas em vídeo e uma plataforma digital inovadora para o compartilhamento de conteúdos, atualmente o YouTube vem sendo uma fonte de renda para milhares de pessoas e uma grande fonte de divulgação de conteúdo, produto e plataformas diversas, o site disponibiliza não apenas as publicações de vídeos mais longos, mas também shorts e transmissões ao vivo em tempo real. A diversidade de conteúdos disponíveis é vasta e multifacetada, inclusive a plataforma YouTube Kids, a qual limita o acesso de conteúdo apenas para vídeos marcados com a tag de vídeos infantis e sua classificação indicativa. (Dean, 2025) Anos após as redes sociais baseadas em vídeo emergiram como um fenômeno global, tornando-se comum o acesso diário.
Quando crianças são introduzidas em plataformas de redes sociais baseadas em vídeo sem a imposição de restrições parentais, o conteúdo acessado abrange assuntos diversos, desde músicas compatíveis com a idade até produções destinadas a audiências adultas, com vocabulário maduro, palavrões e insinuações sexuais. Neste contexto, tanto os formatos curtos quanto os vídeos de duração prolongada, têm um amplo espectro de ideias e representações simbólicas que ultrapassam ideias limitadas ao âmbito familiar e ao círculo social, ao revelar estilos de vida e aspirações previamente não conhecidas para o sujeito em formação. (Mendes, 2020).
Os vídeos onde adultos se envolvem em atividades de gaming profissional, nos quais obtêm remuneração ou competem em equipes esportivas eletrônicas (e-sports) com viagens internacionais para campeonatos, contratos com organizações estrangeiras e a construção de trajetórias profissionais proeminentes, frequentemente exibindo conquistas, troféus e narrativas de viagens e vitórias, organizados em vitrines simbólicas ou literais, fazem com que as crianças vejam uma realidade diferente da sua e almejem alcançar tais conquistas, fomentando aspirações identitárias que emulam os comportamentos linguísticos e lúdicos dos jogadores, a replicação de jogos específicos e a idealização de uma carreira profissional no universo “gamer”. (Albuquerque et al., 2020) Além de produções em que adultos exibem corpos com edições digitais intensivas, padrões de magreza extrema, regimes alimentares potencialmente danosos à saúde, rostos editados ou com cirurgias plásticas não citadas podem gerar transtornos de imagem, transtornos alimentares e problemas de autoestima. Além disso, essa exposição pode induzir a percepção do corpo como um produto do mercado e da mídia. (Haroche, 2015) A identificação com esses modelos performáticos e editados pode levar à assimilação de traços que promovem uma “alienação psíquica”, onde a criança incorpora elementos externos que não são inerentes à sua essência.
Freud (1921) discute a renúncia ao objeto de identificação e sua introjeção no Eu, um processo pelo qual o indivíduo abdica de uma relação direta com o objeto, substituindo-a pela incorporação de suas características, nas redes sociais, isso se manifesta na imitação de comportamentos, vocabulário e aspirações de figuras digitais. Essa introjeção pode gerar um “Eu dividido”, onde uma parte assimilou as qualidades do objeto digital e outra reage à perda da realidade ou à inadequação.
Sobre este aspecto, Claudine Haroche adverte que as sociedades contemporâneas, ao colocarem em ação a tela e a imagem, contribuem para garantir e encorajar uma visibilidade imediata, efêmera e em constante mudança, que provoca perturbações consideráveis nos indivíduos: “a partir de então, estes são vistos ou percebidos por meio de uma mídia técnica – a tela – e não mais através das mediações anteriores, que punham em ação concretamente seus corpos, mediações essas que tinham a ver com as maneiras aprendidas e transmitidas pela tradição, pela educação, pela prática da vida” (Haroche, 2015, p. 856).
A constituição da criança como sujeito também acaba sendo modificada pelas redes, suas opiniões e referências para um futuro se distorce e ancora-se em figuras identitárias moldadas pelo digital e elaboradas para apresentação performática. As narrativas construídas e encenadas nessas plataformas assumem o papel de referências primordiais e substitutos dos pais, os quais têm um papel central no desenvolvimento da criança como indivíduo. (Mendes, 2020) Quando a criança se refugia no mundo digital, onde o prazer é abundante e as frustrações são escassas, o Ego tem menos oportunidades de se desenvolver. Isso pode levar a uma “perda da realidade”, onde a criança prefere o mundo fantasioso da tela às complexidades e desafios do mundo real e das interações familiares.
Quando ela passa a ter como seu maior interlocutor a tela, principalmente se ela é ainda muito pequena, se não tem outras referências parentais, a ponto de serem facilmente substituídas pelas imagens televisivas ou eletrônicas. Assim, se o contato com o outro é substituído pelo contato com os eletrônicos, a criança pode apresentar problemas no decorrer do seu desenvolvimento ou ainda riscos na sua constituição subjetiva. O problema é agravado quando a interação com esses aparelhos é substituída pela interação parental e, posteriormente, pela interação social. Quando a criança perde o interesse pela exploração do ambiente em que vive e pelas atividades físicas. Quando as crianças e/ou adolescentes preferem ficar sozinhas com seus aparelhos, sem a presença do outro. (Mendes, 2020)
A exposição contínua a vídeos tende a padronizar comportamentos e valores, contribuindo para uma formação de identidade baseada na aprovação social digital, frequentemente de caráter superficial e performático, esse tipo de interação pode levar a uma passividade emocional, caracterizada pela busca de validação por meio de métricas quantitativas como curtidas, comentários e número de seguidores, o que resulta em uma identidade orientada para a validação externa, em detrimento de uma construção autônoma do Eu. Além disso, a contínua exposição aos vídeos pode gerar conflitos na internalização de regras sociais. (Mendes 2020) Nas redes, os influenciadores detêm um poder de atração e validação, o que pode ser percebido pela criança como superior ao dos pais. A criança pode emular seus comportamentos para obter a mesma atenção e reconhecimento, mesmo que isso signifique desafiar as normas familiares.
O período da infância é onde se formam os primeiros pontos da identidade e as primeiras identificações são as mais significativas para o indivíduo, a percepção que as crianças constroem em relação aos produtores de conteúdo digital pode modular seus sonhos e aspirações futuras, reconfigurando o ideal do ego e os ideais, mudando completamente sua percepção do Eu, causando a ruptura em sua relação com o mundo, gerando um conflito entre os dois aspectos. Com o conflito do Eu com o mundo externo, a criança pode começar a busca pela fuga da realidade entrando cada vez mais neste mundo do desejo e do ideal. (Mendes, 2020) O narcisismo infantil é deslocado para esse novo Eu ideal construído a partir das referências digitais. A criança busca readquirir a “perfeição narcísica” de sua infância através da validação online, impulsionada por uma aspiração contínua à perfeição de si, mas agora mediada por curtidas, comentários e número de seguidores.
Além disso, a identificação com esse outro pode levar a criança a ter comportamentos incongruentes com as expectativas para sua faixa etária, utilizar um vocabulário inadequado e incompatível com as outras crianças e ter um comportamento voltado para realizar o ideal que agora lhe cabe. Como o ideal é modificado pela realidade de outra pessoa, as ideias de vida da criança poderão ser distorcidas pelas histórias da internet, impulsionando-a em uma busca em seguir um sonho o qual é difícil de ser alcançado. A mistura de elementos visuais, narrativos e a possibilidade de interação constante cria um ambiente imersivo que estimula o retorno recorrente e compromete a capacidade de controlar o tempo nos vídeos sem a ajuda dos pais, uma vez que o ambiente fornece muitas identificações, momentos os quais não geram frustrações e geram o prazer imediato. (Mendes, 2020) O aparelho psíquico da criança, ainda em formação, é condicionado a buscar essa satisfação rápida, dificultando o desenvolvimento da capacidade de tolerar a frustração e focando apenas em satisfazer os desejos do id, que busca prazer imediato.
[…]uma quantidade crescente de pesquisas aponta para os efeitos negativos das redes sociais na saúde mental, especialmente entre os mais jovens. Questões como ansiedade, depressão e baixa autoestima têm sido associadas ao uso excessivo dessas plataformas. Isso é frequentemente atribuído à natureza das redes sociais, que podem fomentar comparações desfavoráveis, a sensação de estar faltando algo […] e a pressão para manter uma imagem idealizada de si mesmo online. A constante necessidade de validação e reconhecimento, juntamente com a exposição a conteúdos negativos ou perturbadores, também são fatores contribuintes. (Gomes 2021)
Os vídeos proporcionam conforto emocional e companhia virtual, além de uma fonte rápida de dopamina, o que leva as crianças a associar influenciadores digitais a amigos com os quais mantêm interações diárias, porém sendo uma relação parassocial, causando uma sensação de vazio ou ausência de vínculos mais autênticos, impulsionando a construção imaginária de laços compensatórios imaginários. O comportamento imitativo das crianças pode fazer com que elas se envolvam em situações perigosas ou falem o que não devem em alguns momentos socialmente inadequados. (Santana, 2024). A constância da recompensa oferecida pelos vídeos pode desviar a libido objetal que seria investida em relações reais, fazendo com que a criança encontre no influenciador uma satisfação que exige menos esforço e que não impõe as frustrações das relações autênticas. Isso pode levar a uma “ausência de vínculos mais autênticos”, pois a energia psíquica é direcionada para o objeto digital.
“Estar com o outro” é um fenômeno construído dentro da cultura, e não fora dela. Freud muito cedo mostrou que a subjetividade está concernida à cultura e seus vetores civilizatórios, castração, lei do Outro, renúncia pulsional. Do ponto de vista psicanalítico, “estar com o outro” é uma proposição que deve ser pensada na perspectiva dos discursos que regem os laços sociais, que organizam a vida na cultura. A partir desse dado, tomamos as redes sociais digitais como um veículo, dentro da cultura, que sustenta uma posição subjetiva e reivindica dos sujeitos uma relação particular com as telas anônimas do mundo virtual. (Gomes, 2017)
Além de interferir nas relações sociais da criança, as redes sociais baseadas em vídeos podem gerar prejuízos diários na vida das crianças, abrangendo a atrofia da capacidade imaginativa durante atividades lúdicas, o distanciamento progressivo de interações com outras crianças, déficits na sustentação da atenção e de interagir com outro e criar laços aprofundados, além de prejuízos na saúde física, sedentarismo e vícios. Os vídeos curtos são uma fonte rápida de dopamina, o que pode gerar busca compulsiva por mais e consequente gerar mais tempo de tela, já que o ato de passar o feed gera recompensas de potenciais vídeos melhores. (Mendes 2020)
Os efeitos nefastos ligados à utilização muito precoce das telas ou a um uso indiscriminado, como o excesso de tempo passado diante dos aparelhos eletrônicos, está na origem de problemas de concentração, falta de sono e a eliminação de outras formas de cultura. De outra parte, existem os efeitos patológicos, como a obesidade, a depressão, as lesões nos tendões e na visão, as adições às telas etc. (Mendes 2020)
Apesar de analisar as consequências negativas de crianças nas redes sociais baseadas em vídeos, há perspectivas positivas onde os pais têm controle do acesso e mostram para a criança aquilo que condiz com sua idade e suas identificações que cabem no contexto familiar e social o qual estão inseridos. Dentre as consequências benéficas, destacam-se o suporte afetivo e a promoção da inclusão social: crianças portadoras de transtornos ou patologias que as posicionam como diferentes podem experimentar uma validação identitária por meio de interações com indivíduos semelhantes, o que reforça o senso de pertencimento e a identidade da criança. Essa identificação com o outro que compartilha experiências semelhantes reforça o sentimento de pertencimento e validação identitária. Em vez de uma identificação alienante com ideais inalcançáveis, a criança pode se identificar com figuras que representam superação, aceitação e diversidade, contribuindo para um ideal do Eu mais realista e inclusivo.
Quando os pais controlam o acesso, o Ego da criança é exercitado na capacidade de escolha e discernimento, a criança aprende a diferenciar conteúdos adequados de inadequados, a tolerar a espera por um vídeo permitido e a negociar os limites de tempo, promovendo a adaptação à realidade e de tomada de decisões conscientes, em vez de ser passivamente arrastado pelo princípio do prazer. A criança, com a ajuda da mediação dos pais, pode se desenvolver com base em normas e valores que são consistentes com o contexto familiar e social, mas que também incorporam a diversidade e a inclusão encontradas online. Ao invés de um ideal do eu rígido e punitivo, que condena o “diferente”, a criança pode se tornar mais flexível e empática, que valoriza a validação identitária. Além disso a libido pode ser investida na busca de novas habilidades transformando a busca por prazer imediato em um processo de aprendizado e autodesenvolvimento. (Mendes 2020)
5. CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
O acesso ilimitado e precoce às redes sociais baseadas em vídeo, propicia experiências de identificação com figuras idealizadas de influenciadores digitais, o que pode afetar a formação do self ideal e a autopercepção. A análise sob a perspectiva psicanalítica freudiana revela que esse ocorrido prejudica os processos de identificação, principalmente em conteúdos que, se não acompanhados de supervisão adequada, podem gerar distorções na autoimagem, dificuldades na construção de vínculos interpessoais saudáveis e até vulnerabilidades a futuros transtornos psicológicos.
A teoria freudiana traz a identificação como um mecanismo primordial na formação da identidade, onde a criança assimila traços de objetos significativos, inicialmente os pais. No ambiente digital, essa dinâmica é reconfigurada, a libido que deveria ser investida em relações interpessoais pode ser desviada para o objeto digital, o influenciador criando relações parassociais. Esse direcionamento oferece gratificação constante e sem esforço, reforçando o princípio do prazer e dificulta o desenvolvimento da realidade, afetando a tolerância à frustração e a necessidade da busca pela satisfação. A identificação com influenciadores, pode levar à introjeção de ideais irrealistas e à construção de um ideal do Eu distorcido, esse processo, ao invés de fortalecer o Ego na sua função de mediação entre a realidade e o desejo, pode fragilizá-lo, gerando uma autopercepção baseada em comparações desfavoráveis e contribuindo para a baixa autoestima.
O conteúdo dos vídeos, especialmente de jogos, tende a apresentar uma linguagem inadequada e promover a identificação com falsos padrões de vida, o que contribui para a baixa autoestima e desenvolvimento emocional prejudicado por relações unilaterais com o Wu imaginário que o outro apresenta nos vídeos. Mas para além dos impactos negativos, os vídeos promovem maior aceitação quando usados de maneira correta e supervisionadas por adultos, além de fornecer vídeos que possam melhorar a aprendizagem de crianças em áreas às quais elas têm dificuldade ou ainda não sabem, na visão da psicanálise os impactos positivos abarcam a identificação com histórias e vidas parecidas com a do indivíduo, criando um vínculo não tão próximo, mas significativo para melhora do ideal do Eu da criança, ao invés de uma identificação alienante, ocorre uma identificação que promove a aceitação e a construção de uma autoimagem mais positiva.
REFERÊNCIAS
DEAN, Brian. YouTube Stats: How Many People Use YouTube? BackLinko, 2025. Disponível em: YouTube Stats: How Many People Use YouTube in 2024? Acesso em: 10 maio 2025.
FREUD, Sigmund. Introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos (19141916). 15. ed. São Paulo: Companhia das letras, 2010. v. 12.
FREUD, Sigmund. Psicologia das massas e análise do eu e outros textos (1920-1923). 15. ed. São Paulo: Companhia das letras, 2011.
FREUD, Sigmund. O eu e o Id, “autobiografia” e outros textos (1923-1925). 15. ed. São Paulo: Companhia das letras, 2011.
FREUD, Sigmund. O ego e o ID e outros trabalhos. São Paulo: IMAGO, 1996. v. 14.
GOMES, Alice Chaves; FILHO, Raimundo Banone; TEIXEIRA, Cavalcante. Nem ver, nem olhar: visualizar! Sobre a exibição dos adolescentes nas redes sociais. Ágora (Rio J.), 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1809-44142021001011. Acesso em: 10 maio 2025.
MENDES, Elzilaine Domingues, Impasses na Constituição do Sujeito causados pelas Tecnologias Digitais, Subjetividades, v. 20 (2020). Disponível em: Impasses na Constituição do Sujeito causados pelas Tecnologias Digitais | Revista Subjetividades
SANTANA, Washington José. A construção do eu no espaço digital: uma análise psicanalítica da identidade e da autopercepção na era das redes sociais. Editora Realize, 2024. Disponível em: A CONSTRUÇÃO DO EU NO ESPAÇO DIGITAL: UMA ANÁLISE PSICANALÍTICA DA IDENTIDADE E AUTOPERCEPÇÃO NA ERA DAS REDES SOCIAIS | Realize Editora Acesso em: 26 maio 2025.
1Discente do Curso Superior de Psicologia do Instituto Campo Real Campus Guarapuava. e-mail: psikauanemazurok@camporeal.edu.br
2Docente do Curso Superior de Psicologia do Instituto Campo Real Campus Guarapuava. e-mail: Prof_marcelooliveira@camporeal.edu.br
