REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102502051166
Lucas Santos Santana¹
Jeniffer Aparecida de Morais Rodrigues²
João Pedro dos Santos Ferreira³
João Paulo Ferreira Fornazier⁴
Wanessa Gabriela de Liandro⁵
Luiza Vieira Martins⁶
Pâmela Ribeiro Prestes de Farias⁷
Maristela Silva Machado⁸
Amanda Alves Silva⁹
Sumaya Vieira Canedo Prudente¹⁰
Wender Batista Santana¹¹
Thais Mendanha de Almeida¹²
Ângela Aparecida Silveira¹³
Fernanda Couto Lima¹⁴
Orientador (a) Marinaldo Soares Leite¹⁵
Resumo: A sepse é um grave problema de saúde pública, responsável por cerca de 47 a 50 milhões de casos anuais no mundo e mais de 11 milhões de mortes, representando 20% dos óbitos globais. Crianças menores de cinco anos são especialmente vulneráveis, respondendo por cerca de 40% dos casos e 2,9 milhões de mortes anuais. No Brasil, entre 2010 e 2019, foram registrados mais de 1 milhão de casos de sepse, com uma prevalência de 51,3 casos por 100 mil habitantes e cerca de 463 mil óbitos, correspondendo a 22,8 mortes por 100 mil habitantes. Idosos e crianças menores de cinco anos apresentam as maiores taxas de mortalidade no país. Esses números reforçam a necessidade de intervenções para prevenção, diagnóstico precoce e tratamento eficaz da sepse, visando reduzir sua alta morbimortalidade. O objetivo desse trabalho é avaliar o impacto do reconhecimento precoce da sepse em ambientes pré-hospitalares na redução da mortalidade e na melhoria dos desfechos clínicos, com foco na identificação rápida de sinais de disfunção orgânica, otimização do tempo para intervenção terapêutica e implementação de protocolos assistenciais baseados em evidências. Esta pesquisa foi conduzida por meio de uma revisão narrativa da literatura, com o objetivo de sintetizar e analisar estudos recentes sobre a sepse, abordando seu diagnóstico precoce, manejo, sepse pré-hospitalar, mortalidade e desfechos clínicos. O diagnóstico precoce da sepse é essencial para permitir intervenções rápidas e direcionadas, capazes de reduzir significativamente a mortalidade e melhorar os desfechos clínicos. Essa detecção precoce requer a integração de métodos clínicos, laboratoriais e de imagem, que auxiliam na identificação de sinais de disfunção orgânica associados à resposta inflamatória desregulada. Para que essas inovações se traduzam em redução significativa da mortalidade, é fundamental que sejam acompanhadas de investimentos em infraestrutura hospitalar, capacitação contínua dos profissionais de saúde e adesão rigorosa às diretrizes internacionais. Somente por meio de uma abordagem integrada, que combine ciência, tecnologia e políticas públicas robustas, será possível enfrentar o impacto devastador da sepse e alcançar melhores resultados em escala global.
Palavras–chave: Sepse, diagnóstico precoce, sepse pré-hospitalar, mortalidade, desfechos clínicos na sepse.
Abstract: Sepsis is a serious public health issue, accounting for approximately 47 to 50 million cases annually worldwide and over 11 million deaths, representing 20% of global mortality. Children under five years old are particularly vulnerable, accounting for around 40% of cases and 2.9 million deaths annually. In Brazil, between 2010 and 2019, more than 1 million sepsis cases were reported, with a prevalence of 51.3 cases per 100,000 inhabitants and approximately 463,000 deaths, corresponding to 22.8 deaths per 100,000 inhabitants. Elderly individuals and children under five have the highest mortality rates in the country. These figures highlight the urgent need for interventions aimed at the prevention, early diagnosis, and effective treatment of sepsis to reduce its high morbidity and mortality rates. The objective of this study is to evaluate the impact of early sepsis recognition in pre-hospital settings on reducing mortality and improving clinical outcomes, focusing on the rapid identification of signs of organ dysfunction, optimization of time to therapeutic intervention, and implementation of evidence-based care protocols. This research was conducted through a narrative literature review to synthesize and analyze recent studies on sepsis, addressing early diagnosis, management, pre-hospital sepsis care, mortality, and clinical outcomes. Early diagnosis of sepsis is essential to enable prompt and targeted interventions capable of significantly reducing mortality and improving clinical outcomes. This early detection requires the integration of clinical, laboratory, and imaging methods to identify signs of organ dysfunction associated with a dysregulated inflammatory response. To achieve a significant reduction in mortality, these innovations must be accompanied by investments in hospital infrastructure, continuous professional training, and strict adherence to international guidelines. Only through an integrated approach that combines science, technology, and robust public policies will it be possible to address the devastating impact of sepsis and achieve better global outcomes.
Keywords: Sepsis, early diagnosis, pre-hospital sepsis care, mortality, clinical outcomes in sepsis.
INTRODUÇÃO
A sepse é reconhecida como um grave problema de saúde pública global, cuja compreensão conceitual evoluiu significativamente nos últimos anos. Até 2016, sua definição era pouco precisa, o que dificultava o diagnóstico e manejo clínico. No entanto, uma revisão introduziu mudanças substanciais ao conceito, eliminando o termo “sepse grave” e redefinindo a sepse como uma condição caracterizada pela resposta desregulada do organismo a uma infecção, resultando em disfunção orgânica potencialmente fatal. O choque séptico passou a ser considerado um subconjunto da sepse, associado a um risco ainda maior de mortalidade devido à persistência de hipotensão, apesar de reposição volêmica adequada, e à necessidade de vasopressores para manter a pressão arterial (PANT; MACKRAJ; GOVENDER, 2021).
A nova definição, denominada “Sepse 3”, especifica que a sepse deve ser identificada pela presença de uma disfunção orgânica aguda relacionada à infecção, mensurada por um aumento de 2 pontos ou mais no escore de avaliação sequencial de falência de órgãos (SOFA). Esse aumento reflete alterações significativas na função orgânica, com uma mortalidade hospitalar estimada acima de 10%. A revisão do conceito destacou a importância de reconhecer a sepse precocemente e tratá-la como uma emergência médica, dada sua elevada morbimortalidade (PANT; MACKRAJ; GOVENDER, 2021).
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Figura 1: Definições da mudança do Sepsis-2 (2012) para o Sepsis-3 (2016)
Fonte: Adaptado do Instituto Latino-Americano de Sepse/Conselho Federal de Medicina, 2016.
De acordo com o Instituto Latino-Americano de Sepse a fisiopatologia da sepse envolve alterações celulares, moleculares e hemodinâmicas que afetam tanto a circulação sistêmica quanto a microcirculação, sendo desencadeadas por uma resposta inflamatória exacerbada do organismo frente a um agente infeccioso. Na circulação sistêmica, destacam-se a vasodilatação generalizada e o aumento da permeabilidade capilar, que promovem redistribuição e perda de volume intravascular, resultando em hipovolemia relativa, hipotensão e redução da perfusão tecidual. Essas alterações, associadas à depressão miocárdica, comprometem o débito cardíaco e a capacidade de atender às demandas metabólicas dos tecidos (ILAS, 2016).
Na microcirculação, a sepse é caracterizada por uma heterogeneidade de fluxo sanguíneo, redução da densidade capilar funcional e formação de trombos, decorrentes da ativação endotelial e da disfunção dos sistemas de coagulação. Essas alterações, somadas às mudanças reológicas das células sanguíneas, como aumento da rigidez eritrocitária, levam à redução da oferta de oxigênio aos tecidos. Esse déficit gera um desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio, favorecendo o metabolismo anaeróbio, o acúmulo de lactato e a acidose metabólica (ILAS, 2016).
Em nível celular, os principais eventos incluem a apoptose, que compromete a integridade tecidual, e a hipoxemia citopática, caracterizada pela incapacidade das mitocôndrias de utilizarem o oxigênio de forma eficiente, mesmo quando ele está disponível. Esses mecanismos são agravados pela ativação descontrolada da resposta inflamatória e pelo estresse oxidativo, que promovem danos celulares e disfunção multissistêmica. Essas alterações tornam a sepse uma condição complexa, na qual inflamação e coagulação desempenham papéis centrais na progressão do quadro e no aumento da mortalidade associada (ILAS, 2016).
Figura 2: Fisiopatologia da Sepse
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Fonte: ANDRADE et al, 2022.
Figura 3: Resposta inflamatória da Sepse
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Fonte: ANDRADE et al, 2022.
A sepse é um grave problema de saúde pública, responsável por cerca de 47 a 50 milhões de casos anuais no mundo e mais de 11 milhões de mortes, representando 20% dos óbitos globais. Crianças menores de cinco anos são especialmente vulneráveis, respondendo por cerca de 40% dos casos e 2,9 milhões de mortes anuais. No Brasil, entre 2010 e 2019, foram registrados mais de 1 milhão de casos de sepse, com uma prevalência de 51,3 casos por 100 mil habitantes e cerca de 463 mil óbitos, correspondendo a 22,8 mortes por 100 mil habitantes. Idosos e crianças menores de cinco anos apresentam as maiores taxas de mortalidade no país. Esses números reforçam a necessidade de intervenções para prevenção, diagnóstico precoce e tratamento eficaz da sepse, visando reduzir sua alta morbimortalidade (BRASIL, 2021& OMS,2022).
Sendo assim, o objetivo desse trabalho é avaliar o impacto do reconhecimento precoce da sepse em ambientes pré-hospitalares na redução da mortalidade e na melhoria dos desfechos clínicos, com foco na identificação rápida de sinais de disfunção orgânica, otimização do tempo para intervenção terapêutica e implementação de protocolos assistenciais baseados em evidências.
METODOLOGIA
Esta pesquisa foi conduzida por meio de uma revisão narrativa da literatura, com o objetivo de sintetizar e analisar estudos recentes sobre a sepse, abordando seu diagnóstico precoce, manejo, sepse pré-hospitalar, mortalidade e desfechos clínicos. A revisão se concentrou em artigos publicados nos últimos 10 anos, considerando as inovações e práticas mais recentes.
Os descritores utilizados para a pesquisa foram: “sepse”, “diagnóstico precoce”, “manejo”, “sepse pré-hospitalar”, “mortalidade” e “desfechos clínicos da sepse”. Para a seleção dos artigos, foram consultadas bases de dados como Google Acadêmico, PubMed, e fontes de órgãos de saúde nacionais e internacionais, como o Ministério da Saúde do Brasil e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
A busca foi realizada por meio de palavras-chave, respeitando critérios de inclusão e exclusão, com ênfase na relevância e na qualidade dos estudos, priorizando aqueles que apresentavam evidências robustas sobre os temas propostos. A análise foi qualitativa, com a extração de dados e síntese das principais evidências relacionadas ao diagnóstico e manejo da sepse, com ênfase nas práticas pré-hospitalares e os impactos nos desfechos clínicos e na mortalidade dos pacientes.
REVISÃO DA LITERATURA
Sepse é uma síndrome clínica complexa caracterizada por alterações fisiológicas, bioquímicas e imunológicas no organismo, desencadeadas por uma resposta desregulada a uma infecção. Ao contrário do conceito anterior de “infecção generalizada”, atualmente entende-se que o foco infeccioso pode estar restrito a um único órgão, como o pulmão. Contudo, é a resposta imune exacerbada e disfuncional do organismo ao agente infeccioso que provoca uma cascata inflamatória sistêmica descontrolada, resultando em lesão celular, disfunção orgânica e potencial progressão para condições mais graves (MEDICINA DE EMERGÊNCIA USP, 2023).
A sepse é vista como parte de um espectro de gravidade que se inicia com infecções localizadas e não complicadas, evoluindo para sepse, choque séptico e, em casos mais críticos, culminando na síndrome de disfunção de múltiplos órgãos (SDMO) e óbito. Esse continuum de gravidade reflete o impacto progressivo da inflamação sistêmica e da falência dos mecanismos regulatórios do organismo (MEDICINA DE EMERGÊNCIA USP, 2023).
Ao longo das décadas, os critérios diagnósticos de sepse foram revisados e aprimorados para refletir melhor sua complexidade. Inicialmente, era definida como uma resposta inflamatória sistêmica desencadeada por uma infecção. Contudo, os avanços no entendimento da fisiopatologia da sepse resultaram em novos critérios que enfatizam a disfunção orgânica associada à infecção. Atualmente, a definição aceita caracteriza sepse como uma infecção suspeita ou confirmada acompanhada por alterações agudas no escore SOFA (Sequential Organ Failure Assessment), com aumento de 2 pontos ou mais em relação ao estado basal. O escore SOFA é uma ferramenta objetiva que avalia a gravidade da disfunção orgânica com base em parâmetros clínicos e laboratoriais, como a função respiratória, cardiovascular, hepática, renal, hematológica e neurológica (MEDICINA DE EMERGÊNCIA USP, 2023).
Esse modelo de avaliação reflete o esforço em identificar precocemente pacientes em risco de evolução para choque séptico, caracterizado por hipotensão persistente apesar da reposição volêmica adequada e necessidade de agentes vasopressores para manter a perfusão tecidual. A identificação precoce e o manejo rápido e direcionado da sepse são fundamentais para melhorar os desfechos clínicos e reduzir a mortalidade associada (MEDICINA DE EMERGÊNCIA USP, 2023).
Tabela 1: Critérios de Resposta Inflamatória Sistêmica
Critérios | Valor |
Temperatura | >38 ou <36°C |
Frequência cardíaca | >90 bpm |
Frequência respiratória | >20 irpm (ou PaCO2 <32 mmHg) |
Leucócitos | >12.000, >4.000 ou >10% de formas jovens |
Obs.: Para definir resposta inflamatória sistêmica era preciso apresentar 2 ou mais dos critérios acima descritos.
Fonte: Medicina de Emergência USP, 2023.
Tabela 2: Escore SOFA
Sistema | Escore | ||||
0 | 1 | 2 | 3 | 4 | |
Respiratório PaO2/FiO2 mmHg | ≥ 400 | < 400 | < 300 | < 200 | < 100 |
Hematológico Plaquetas/uL | ≥150.000 | < 150.000 | < 100.000 | < 50.000 | < 20.000 |
Hepático Bilirrubinas mg/dL | < 1,2 | 1,2-1,9 | 2,0-5,9 | 6,0-11,9 | > 12 |
Cardiovascular μg/kg/min | PAM ≥ 70 | PAM < 70 | Dopamina < 5 ou dobutamina | Dopamina 5,1-15 ou noradrenalina ou adrenalina ≤ 0,1 | Dopamina > 15 ou noradrenalina ou adrenalina > 0,1 |
SNC – Escala de coma de Glasgow | 15 | 13-14 | 10-12 | 6-9 | <6 |
Renal Creatinina mg/dL Débito urinário mL/dia | < 1,2 | 1,2-1,9 | 2,0-3,4 | 3,5-4,9 < 500 | > 5,0 < 200 |
FiO2: fração inspiratória de oxigênio; PAM: pressão arterial média; PaO2: pressão arterial de oxigênio.
Fonte: Medicina de Emergência USP, 2023.
A sepse representa um desafio significativo para a saúde pública, tanto no Brasil quanto internacionalmente. Estudos recentes indicam uma tendência crescente dessa síndrome no cenário nacional, atribuída a diversos fatores. Entre eles, destaca-se o aumento da população brasileira, aliado ao incremento da expectativa de vida, o que resulta em uma maior prevalência de pacientes com doenças crônicas e imunossuprimidos (ALMEIDA et al, 2022).
No Brasil, são registrados aproximadamente 400 mil casos de sepse em pacientes adultos anualmente, com uma taxa de mortalidade de 60%, resultando em cerca de 240 mil óbitos por ano. Entre as crianças, ocorrem cerca de 42 mil casos anuais, dos quais 8 mil evoluem para óbito, representando uma mortalidade de 19% (OMS, 2022).
Globalmente, a sepse é responsável por, pelo menos, 11 milhões de mortes anuais, representando aproximadamente 1 em cada 5 óbitos no mundo. Estima-se que ocorram entre 47 a 50 milhões de casos de sepse por ano, afetando desproporcionalmente populações vulneráveis, como recém-nascidos, mulheres grávidas e pessoas que vivem em ambientes com recursos limitados. Quase metade dos casos globais ocorre entre crianças, resultando em 2,9 milhões de mortes anuais, muitas das quais poderiam ser evitadas com diagnóstico precoce e manejo clínico adequado (OMS, 2022).
A elevada taxa de mortalidade por sepse no Brasil pode ser atribuída a diversos fatores, incluindo a possível negligência por parte de profissionais de saúde em reconhecer e tratar prontamente os casos de sepse, o que dificulta e atrasa o tratamento, aumentando a mortalidade. Além disso, a ausência de unidades de cuidados intermediários nos hospitais brasileiros pode prolongar a permanência dos pacientes nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), elevando a exposição e a prevalência da sepse (ALMEIDA et al, 2022).
Comparativamente, outros países também enfrentam desafios significativos relacionados à sepse. Por exemplo, na Alemanha, diariamente, mais de 380 pessoas morrem devido à sepse, com estimativas de que pelo menos metade dessas mortes poderia ser evitada. Grupos de risco, como gestantes, estão particularmente vulneráveis, e a detecção tardia da sepse contribui para a elevada mortalidade (OMS, 2022).
Tabela 3: Principais etiologias de sepse e manifestações clínicas
Pneumonia | Tosse com expectoração purulenta, dor torácica ventilatório-dependente (pleurítica) e crepitação localizada. |
Infecção do trato gastrointestinal | Dor abdominal, diarreia, presença de sangue e pus nas fezes, distensão abdominal, vômitos. |
Infecção de cateteres e dispositivos | Tunelite, saída de secreção purulenta ostial. |
Infecção do trato urinário | Disúria, urgência miccional, dor suprapúbica, dor em flancos. |
Infecção de pele e partes moles | Hiperemia e dor local, saída de secreção purulenta, linfadenomegalia. |
Infecção de articulações | Hiperemia e dor local, bloqueio articular. |
Infecção de sítio cirúrgico | Hiperemia de ferida operatória, saída de secreção purulenta. |
Meningite | Sinais de irritação meníngea. |
Fonte: Medicina de Emergência USP, 2023.
De acordo com o Instituto Latino-Americano de Sepse a fisiopatologia da sepse envolve alterações celulares, moleculares e hemodinâmicas que afetam tanto a circulação sistêmica quanto a microcirculação, sendo desencadeadas por uma resposta inflamatória exacerbada do organismo frente a um agente infeccioso. Na circulação sistêmica, destacam-se a vasodilatação generalizada e o aumento da permeabilidade capilar, que promovem redistribuição e perda de volume intravascular, resultando em hipovolemia relativa, hipotensão e redução da perfusão tecidual. Essas alterações, associadas à depressão miocárdica, comprometem o débito cardíaco e a capacidade de atender às demandas metabólicas dos tecidos (ILAS, 2016).
Na microcirculação, a sepse é caracterizada por uma heterogeneidade de fluxo sanguíneo, redução da densidade capilar funcional e formação de trombos, decorrentes da ativação endotelial e da disfunção dos sistemas de coagulação. Essas alterações, somadas às mudanças reológicas das células sanguíneas, como aumento da rigidez eritrocitária, levam à redução da oferta de oxigênio aos tecidos. Esse déficit gera um desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio, favorecendo o metabolismo anaeróbio, o acúmulo de lactato e a acidose metabólica (ILAS, 2016).
Em nível celular, os principais eventos incluem a apoptose, que compromete a integridade tecidual, e a hipoxemia citopática, caracterizada pela incapacidade das mitocôndrias de utilizarem o oxigênio de forma eficiente, mesmo quando ele está disponível. Esses mecanismos são agravados pela ativação descontrolada da resposta inflamatória e pelo estresse oxidativo, que promovem danos celulares e disfunção multissistêmica. Essas alterações tornam a sepse uma condição complexa, na qual inflamação e coagulação desempenham papéis centrais na progressão do quadro e no aumento da mortalidade associada (ILAS, 2016).
Figura 4
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Fonte: Labnetwork, 2022.
O diagnóstico precoce da sepse é essencial para permitir intervenções rápidas e direcionadas, capazes de reduzir significativamente a mortalidade e melhorar os desfechos clínicos. Essa detecção precoce requer a integração de métodos clínicos, laboratoriais e de imagem, que auxiliam na identificação de sinais de disfunção orgânica associados à resposta inflamatória desregulada (MOTA et al, 2024).
No exame clínico, sinais como taquicardia, febre, hipotensão, frequência respiratória elevada, oligúria e alterações neurológicas, como confusão mental, são indicadores precoces de alerta. Esses sinais refletem a resposta inicial do organismo à infecção e podem ser acompanhados de manifestações inespecíficas que dificultam o diagnóstico diferencial (ILAS, 2016; MOTA et al, 2024).
Exames laboratoriais desempenham um papel crítico na confirmação e monitoramento da sepse. O hemograma, por exemplo, pode revelar leucocitose ou leucopenia, desvio à esquerda (presença de formas jovens de leucócitos), além de trombocitopenia, que é frequentemente associada à disfunção endotelial e coagulação intravascular disseminada (CIVD). Marcadores específicos como o lactato sérico são amplamente utilizados para avaliar a hipoperfusão tecidual e a gravidade da sepse; níveis elevados de lactato estão associados a piores prognósticos. Biomarcadores como a procalcitonina (PCT) e a proteína C-reativa (PCR) são ferramentas valiosas, sendo a PCT particularmente útil para distinguir sepse de outras condições inflamatórias não infecciosas e monitorar a resposta ao tratamento (Medicina de Emergência USP, 2023).
Ferramentas de triagem, como o qSOFA (Quick Sequential Organ Failure Assessment), são empregadas para identificar pacientes com suspeita de sepse que apresentam maior risco de complicações graves. O qSOFA é composto por três critérios simples: frequência respiratória ≥ 22 incursões por minuto, pressão arterial sistólica ≤ 100 mmHg e alteração no estado mental. A presença de dois ou mais critérios sugere risco aumentado e necessidade de intervenções imediatas (ILAS, 2016; Medicina de Emergência USP, 2023).
Diante dos desafios no diagnóstico precoce da sepse, como a variabilidade clínica e a falta de testes rápidos e de alta especificidade, avanços tecnológicos e metodológicos têm desempenhado um papel crucial. A inteligência artificial (IA) e os algoritmos baseados em aprendizado de máquina estão sendo integrados aos sistemas hospitalares para identificar padrões em grandes volumes de dados clínicos, permitindo o reconhecimento precoce de sinais de sepse. Além disso, o desenvolvimento de novos biomarcadores mais específicos, como a presepsina e citocinas inflamatórias (IL-6, IL-10), tem potencial para melhorar a precisão diagnóstica (FROTA et al, 2024).
A utilização de tecnologias point-of-care, que possibilitam testes rápidos e portáteis à beira do leito, também tem avançado, permitindo a obtenção de resultados em tempo real. Paralelamente, a implementação de protocolos padronizados, com base nas diretrizes internacionais atualizadas, tem sido fundamental para uniformizar o cuidado, reduzir a variabilidade entre profissionais e otimizar a abordagem diagnóstica e terapêutica (MOTA et al, 2024).
Esses esforços, combinados com educação contínua dos profissionais de saúde, são essenciais para enfrentar os desafios do diagnóstico precoce da sepse e melhorar os desfechos clínicos a nível global (MOTA et al, 2024).
CONCLUSÃO
A sepse é uma condição clínica complexa que continua sendo um dos maiores desafios da medicina moderna, devido à sua elevada mortalidade e morbidade associadas. Apesar dos avanços nas estratégias diagnósticas e terapêuticas, a identificação precoce e o manejo adequado da sepse ainda enfrentam barreiras significativas, como a heterogeneidade das apresentações clínicas, a falta de testes diagnósticos rápidos e sensíveis, e a variabilidade na adesão aos protocolos padronizados.
Estudos têm demonstrado que intervenções precoces e bem estruturadas, baseadas em protocolos específicos, são capazes de melhorar os desfechos clínicos ao reduzir o tempo para o início do tratamento e mitigar as consequências da disfunção orgânica progressiva. A integração de biomarcadores como lactato, procalcitonina e presepsina, associada ao uso de ferramentas de triagem, como o qSOFA, é essencial para a triagem de casos em ambientes críticos e a estratificação de risco.
Adicionalmente, os avanços tecnológicos, como a aplicação de inteligência artificial para análise de dados em larga escala, oferecem uma oportunidade única para o aprimoramento da detecção precoce da sepse. Ferramentas automatizadas podem auxiliar na identificação de padrões clínicos e laboratoriais que precedem o diagnóstico formal, permitindo intervenções mais rápidas e precisas. Paralelamente, o desenvolvimento de tecnologias point-of-care promete transformar a forma como a sepse é diagnosticada e monitorada, possibilitando diagnósticos mais ágeis e em tempo real.
Entretanto, para que essas inovações se traduzam em redução significativa da mortalidade, é fundamental que sejam acompanhadas de investimentos em infraestrutura hospitalar, capacitação contínua dos profissionais de saúde e adesão rigorosa às diretrizes internacionais. Somente por meio de uma abordagem integrada, que combine ciência, tecnologia e políticas públicas robustas, será possível enfrentar o impacto devastador da sepse e alcançar melhores resultados em escala global.
REFERÊNCIAS
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INSTITUTO LATINO-AMERICANO DE SEPSE (ILAS). Definições de sepse e choque séptico: Diretrizes para diagnóstico e tratamento da sepse 3.0. São Paulo: ILAS, 2016. Disponível em: http://www.ilas.org.br. Acesso em: 16 jan. 2025.
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¹ Santa Casa de Misericórdia Maceió
² Centro Universitário Alfredo Nasser
³ Universidade Rio Verde
⁴ Centro Universitário Alfredo Nasser
⁵ Centro Universitário Alfredo Nasser
⁶ Centro Universitário Alfredo Nasser
⁷ Centro Universitário Alfredo Nasser
⁸ Centro Universitário Alfredo Nasser
⁹ Centro Universitário Alfredo Nasser
¹⁰ Centro Universitário Alfredo Nasser
¹¹ Centro Universitário Alfredo Nasser
¹² Centro Universitário Alfredo Nasser
¹³ Centro Universitário Alfredo Nasser
¹⁴ Centro Universitário Alfredo Nasser
¹⁵ Centro Universitário Alfredo Nasser